Continuação alhures:
6.1.4 – AIDS
É a fase mais avançada da imunodeficiência dentro do espectro da infecção crônica pelo HIV, caracterizada pela ocorrência de doenças oportunistas graves. Observa-se um nítido gradiente de correlação entre o espectro de gravidade das doenças oportunistas e a contagem de linfócitos T-CD4+ [...]
[...]
A) Definição de Caso de AIDS
A definição atualmente utilizada no Brasil para fins de notificação e vigilância epidemiológica (Critério Rio de Janeiro/Caracas) considera como caso de AIDS todo indivíduo com idade maior ou igual a 13 anos que apresente evidência laboratorial de infecção pelo HIV (sorológica ou virológica) e um somatório de, no mínimo, 10 pontos de acordo com a escala de sinais, sintomas ou doenças em pacientes comprovadamente infectados pelo HIV descritas no quadro 3, a seguir:
SINAIS / SINTOMAS / DOENÇAS PONTOS
Sarcoma de Kaposi 10
Tuberculose disseminada [...] 10
Candidíase oral ou leocoplasia pilosa 5
Tuberculose pulmonar [...] 5
Herpes zoster [...] 5
Disfunção do sistema nervoso central 5
Diarréia por um período igual ou superior a 1 mês 2
Febre igual ou superior a 38oC, por um período igual ou superior a 1 mês 2
Caquexia ou perda de peso corporal superior a 10% 2
Astenia por um período igual ou superior a 1 mês 2
Dermatite persistente 2
Anemia e/ou linfopenia e/ou trombocitopenia 2
Tosse persistente ou qualquer pneumonia (exceto tuberculose) 2
Linfadenopatia [...],por um período igual ou superior a 1 mês 2
____________________________________________________________________________________________
B) Doenças oportunistas freqüentemente associadas à AIDS
São doenças que se desenvolvem em decorrência de uma alteração imunitária significativa no hospedeiro. Estas são geralmente de origem infecciosa, porém várias neoplasias também podem ser consideradas oportunistas.
[...]
As doenças oportunistas associadas à AIDS são várias, podendo ser causadas por vírus, bactérias, protozoários, fungos e certas neoplasias. No Brasil, as doenças definidoras de AIDS mais freqüentes são, em ordem decrescente: tuberculose, pneumonia P. carinii; candidíase do esôfago, traquéia, brônquios e/ou pulmão e toxoplasmose cerebral.
[...]
6.2. – Testes diagnósticos
Os testes laboratoriais para detecção da infecção pelo HIV podem ser divididos basicamente em quatro grupos: testes de detecção de anticorpos e de antígenos virais, técnicas de cultura viral, testes de amplificação do genoma do vírus. As técnicas rotineiramente utilizadas são baseadas na detecção de anticorpos contra o vírus no sangue ou plasma. [...]
[...]
6.2.5 – Contagem de células T-CD4+ em sangue periférico
A contagem de células T-CD4+ em sangue periférico tem implicações prognósticas na evolução da infecção pelo HIV, pois é uma medida direta de imunodeficiência celular, e portanto muito útil no acompanhamento de pacientes infectados pelo HIV. De maneira didática pode-se dividir a contagem de células T-CD4+ em sangue periférico em quatro faixas:
a) CD4+ > 500 células/mm3: estágio da infecção pelo HIV com baixo risco de doença. [...];
b) CD4+ entre 200 e 500 células/mm3: estágio freqüentemente caracterizado pelo surgimento de sinais e sintomas menores ou alterações constitucionais, embora um contingente significativo de pacientes possa se manter assintomático. Risco moderado de desenvolvimento de doenças oportunistas. Nesta fase, podem aparecer candidíase oral, herpes simples recorrente, herpes zoster, tuberculose, leucoplasia, pilosa, pneumonia bacteriana e sarcoma de Kaposi.
c) CD4+ entre 50 e 200 células/mm3: estágio com alta probabilidade de surgimento de doenças oportunistas indicativas de imunodeficiência de moderada a grave, como pneumocistose, toxoplasmose de SNC, neurocriptococose, histoplasmose e criptosporidiose. Está associado à síndrome consumitiva, leucoencefalopatia multifocal progressiva, candidíase esofagiana etc;
d) CD4+ < 50 células/mm3: estágio com grave comprometimento de resposta imunitária. Alto risco de surgimento de doenças oportunistas mais graves, tais como citomegalovirose disseminada, linfoma do SNC e infecção por microbactérias atípicas. Alto risco de vida com baixa sobrevida.
Observações:
[...]
d) Soroconversão é a positivação da sorologia para o HIV. [...]
e) Janela imunológica compreende o tempo entre a aquisição da infecção e a soroconversão (também chamada de janela biológica). O tempo decorrido para a sorologia anti-HIV tornar-se positiva é de seis a 12 semanas após a aquisição do vírus, com período médio de aproximadamente 3 meses. Os testes utilizados apresentam geralmente níveis de até 95% de soroconversão nos 6 meses após a transmissão.
7 – TRATAMENTO
O tratamento anti-retroviral combinado representa um marco importante na história da infecção pelo HIV/AIDS. Tal estratégia terapêutica geralmente é composta pela associação de duas ou mais drogas da mesma classe farmacológica [...], ou de classes diferentes [...]. Seus benefícios, tais como a diminuição de eventos definidores de AIDS, a diminuição de doenças oportunistas, a redução da mortalidade, o aumento da sobrevida e a melhoria da qualidade de vida, são evidentes. [...] No entanto, estes benefícios são limitados e freqüentemente acompanhados de complicações, tais como: efeitos colaterais de curto e longo prazo, interações medicamentosas potencialmente graves, baixa adesão ao tratamento e risco de desenvolvimento de cepas virais resistentes.
A necessidade de tratamento é definida pelo quadro clínico (presença de sintomas) e/ou por critérios laboratoriais (contagem de linfócitos T-CD4+ e quantificação plasmática do HIV – carga viral). A contagem de linfócitos T-CD4+ representa a avaliação laboratorial direta do sistema imune, ou seja, quanto menor a contagem dessas células no sangue periférico, mais avançada é a imunodeficiência. A carga viral plasmática representa, de maneira indireta, a quantidade de vírus presente no organismo, sendo um bom preditor do risco de adoecimento e de morte em todas as fases da doença. A contagem de células T-CD4+ e a carga viral são fatores independentes utilizados para aferir o nível de evolução da infecção pelo HIV. A análise conjunta destes dois fatores permite a avaliação mais fidedigna do sistema imunológico e o melhor monitoramento da necessidade e resposta do tratamento anti-retroviral.
[...]
É importante lembrar que anti-retroviral é uma área complexa, cujos efeitos de longo prazo ainda são desconhecidos e sujeitos a constantes mudanças. Portanto, as recomendações técnicas necessitam ser revistas periodicamente, com o objetivo de incorporar os novos conhecimentos gerados pelos ensaios clínicos às recomendações terapêuticas para o tratamento da infecção pelo HIV. [...]
9 – PROCEDIMENTOS PERICIAIS:
9.1 – Considerações gerais
A função básica da perícia médica é a avaliação da incapacidade laborativa, agravos e intercorrências restritivas ao bem estar físico, psíquico e social decorrente da patologia de base, para fins de concessão de benefícios.[...]
9.2 – Avaliação da incapacidade laborativa:
A avaliação da incapacidade deverá considerar a análise pericial que conterá informações e dados históricos pregressos e momentâneos.
A concessão de Benefícios por Incapacidade é indicada em situações que exista uma ou mais doenças estabelecidas e/ou fatores restritivos dela decorrentes, que leve à impossibilidade de exercer a atividade laborativa do segurado. Portanto, o segurado portador de infecção pelo HIV, estando assintomático e sem evidência clínica ou laboratorial de imunodeficiência grave, não tem direito a estes benefícios.
Tendo em vista que o processo de infecção pelo HIV é eminentemente de natureza crônica e o tratamento da doença considerado muito complexo, é importante definir claramente a amplitude do conceito de paciente sintomático, já que o próprio tratamento pode, em algumas ocasiões, trazer efeitos colaterais importantes mesmo com a doença controlada, podendo incapacitar o segurado temporariamente para o trabalho. [...]
Quanto aos parâmetros laboratoriais, considera-se do ponto de vista prático, que o paciente assintomático apresenta imunodeficiência laboratorial claramente estabelecida quando a contagem de linfócitos T-CD4+ está abaixo de 200 células/mm3. Esta é a faixa a partir da qual os principais processos oportunistas indicativos de AIDS geralmente apareciam de forma mais freqüente, ainda na era da pré-terapia combinada.
[...]
Independentemente do valor limite adotado para células T-CD4+, o seu uso como parâmetro isolado não parece ser adequado para fins previdenciários, pois com o advento da terapia combinada, este parâmetro tornou-se muito relativo e de pouca importância. A maioria dos pacientes apresenta elevação expressiva dos valores de células T-CD4+, não devendo, portanto, ser usado como indicador primário para incapacidade laborativa.”
Essa Resolução INSS/DC nº 089/02, ao final, elabora quadro (“Quadro 8”) indicativo das “Condutas na avaliação pericial em casos de infecção pelo HIV”, e, no que tange à “infecção crônica sintomática”, comenta que “o conceito de infecção crônica sintomática deve contemplar não somente as alterações específicas relacionadas ao quadro de imunodeficiência induzida pelo HIV e os processos oportunistas a ela relacionados, mas também as alterações incapacitantes, relacionadas com o diagnóstico e o tratamento da entidade nosológica HIV/AIDS e suas complicações (ex: efeitos colaterais graves do medicamentos, depressão e outros distúrbios psicoemocionais relacionados ao diagnóstico e tratamento da doença etc)”. Frisa, também, que “o uso dos anti-retrovirais tem permitido a reversão clínica e laboratorial de casos anteriormente considerados terminais”; sinalizando que “há situações em que, mesmo com achados laboratoriais bem alterados, o paciente está tão bem clinicamente, que nem o auxílio doença estaria indicado”; por isso, instrui que “é importantíssimo que a perícia médica estabeleça estreita integração com os profissionais médicos vinculados aos Programas Municipais de DST/AIDS, com vistas a obter, com a maior consistência possível, informações sobre a evolução e o prognóstico de cada caso, para que se possa decidir com segurança e embasamento técnico”. Ademais, acrescenta que “a análise isolada dos exames laboratoriais específicos contagem de células T-CD4+ e carga viral), embora não seja um fator determinante direto para a decisão quanto à capacidade laborativa do segurado, deve ser utilizada como parâmetro complementar na avaliação geral do caso, juntamente com outras informações clínicas obtidas junto ao laudo enviado pelo médico assistente e exame pericial”; frisando que “tudo vai depender da condição clínica, dos efeitos colaterais dos anti-retrovirais, da existência ou não de seqüelas graves e/ou incapacitantes e do tipo de trabalho executado pelo segurado”.
Do então exposto, convém extrair as seguintes ilações:
a “Síndrome da Imunodeficiência Adquirida”, conhecida como “AIDS” (derivada do inglês Adquired Immune Deficiency Syndrome), é a manifestação mais grave da infecção pelo “Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV)”;
a definição atualmente utilizada no Brasil para fins de notificação e vigilância epidemiológica (Critério Rio de Janeiro/Caracas) considera como caso de AIDS todo indivíduo com idade maior ou igual a 13 anos que apresente evidência laboratorial de infecção pelo HIV (sorológica ou virológica) e um somatório de, no mínimo, 10 pontos de acordo com a escala de sinais, sintomas ou doenças em pacientes comprovadamente infectados pelo HIV, conforme descritas em quadro específico;
o “Vírus da Imunodeficiência Humana”, conhecido como “HIV” (do inglês Human Immunodeficiency Vírus), é um processo dinâmico (de natureza crônica), que se caracteriza por uma imunodeficiência progressiva, inicialmente assintomática, evoluindo, na ausência de tratamento específico, para o desenvolvimento de sintomas constitucionais e doenças oportunistas na maioria (85-90%) dos indivíduos infectados;
a característica principal da doença causada pelo HIV é uma imunodeficiência profunda, resultante de um comprometimento progressivo (qualitativo e quantitativo) dos linfócitos T auxiliares, que expressam na sua superfície uma grande quantidade da molécula CD4 (por isso essas células também são conhecidas como linfócitos ou células T-CD4+), que é o receptor primário do HIV;
soroconversão é a positivação da sorologia para o HIV; e janela imunológica compreende o tempo entre a aquisição da infecção e a soroconversão (também chamada de janela biológica); notando-se que o tempo decorrido para a sorologia anti-HIV tornar-se positiva varia de 6 a 12 semanas após a aquisição do vírus (com período médio aproximado de 3 meses); sendo que os testes utilizados geralmente apresentam níveis de até 95% de soroconversão nos 6 meses após a transmissão;
a infecção pelo HIV pode ser dividida em quatro fases clínicas:
fase de infecção aguda – também chamada de síndrome da infecção retroviral aguda ou infecção primária – a sorologia para o HIV é negativa, tornando-se positiva geralmente duas a três semanas após o início do quadro clínico;
fase assintomática – a sorologia para o HIV é positiva, nela o estado clínico básico é mínimo ou inexistente; porém, mesmo na ausência de sinais e sintomas, os indivíduos podem apresentar alterações significativas dos parâmetros imunovirológicos, necessitando de monitoramento clínico-laboratorial periódico, para se determinar a necessidade e o momento mais adequado para iniciar o uso de terapia anti-retroviral;
fase sintomática inicial ou precoce – observa-se a ocorrência de manifestações relacionadas a presença de imunodeficiência relativa devido a infecção pelo HIV (aumento da carga viral plasmática e queda de linfócitos T-CD4+, que representam o desequilíbrio do sistema imunológico), mas que não preenchem o critério diagnóstico de AIDS;
fase de imunodeficiência avançada ou AIDS – a mais avançada da imunodeficiência dentro do espectro da infecção crônica pelo HIV, caracterizada pela ocorrência de doenças oportunistas graves; sendo que se observa um nítido gradiente de correlação entre o espectro de gravidade das doenças oportunistas e a contagem de linfócitos T-CD4+;
os testes laboratoriais para detecção da infecção pelo HIV podem ser divididos em 4 grupos, sendo que as técnicas rotineiramente utilizadas são baseadas na detecção de anticorpos contra o vírus no sangue ou plasma;
a contagem de células T-CD4+ em sangue periférico representa a avaliação laboratorial direta do sistema imune – ou seja, quanto menor a contagem dessas células no sangue periférico, mais avançada é a imunodeficiência – e tem implicações prognósticas na evolução da infecção pelo HIV, pois é uma medida direta de imunodeficiência celular, e portanto muito útil no acompanhamento de pacientes infectados pelo HIV. Didaticamente, pode-se dividir a contagem de células T-CD4+ em sangue periférico em 4 faixas:
(a) CD4+ > 500 células/mm3: estágio da infecção pelo HIV com baixo risco de doença;
(b) CD4+ entre 200 e 500 células/mm3: estágio freqüentemente caracterizado pelo surgimento de sinais e sintomas menores ou alterações constitucionais, embora um contingente significativo de pacientes possa se manter assintomático; risco moderado de desenvolvimento de doenças oportunistas;
(c) CD4+ entre 50 e 200 células/mm3: estágio com alta probabilidade de surgimento de doenças oportunistas indicativas de imunodeficiência de moderada a grave;
(d) CD4+ < 50 células/mm3: estágio com grave comprometimento de resposta imunitária; alto risco de surgimento de doenças oportunistas mais graves; alto risco de vida com baixa sobrevida.
a carga viral plasmática representa, de maneira indireta, a quantidade de vírus presente no organismo, sendo um bom preditor do risco de adoecimento e de morte em todas as fases da doença;
a contagem de células T-CD4+ e a carga viral são fatores independentes utilizados para aferir o nível de evolução da infecção pelo HIV; sendo que a análise conjunta destes dois fatores permite uma avaliação mais fiel do sistema imunológico e o melhor monitoramento da necessidade e resposta do tratamento anti-retroviral.
por isso, a necessidade de tratamento é definida pelo quadro clínico (presença de sintomas) e/ou por critérios laboratoriais (contagem de linfócitos T-CD4+ e quantificação plasmática do HIV – carga viral); constatando-se que, a partir do tratamento anti-retroviral combinado, tornaram-se evidentes vários benefícios na história da infecção pelo HIV/AIDS, tais como a diminuição de eventos definidores de AIDS, a diminuição de doenças oportunistas, a redução da mortalidade, o aumento da sobrevida e a melhoria da qualidade de vida;
todavia, esses benefícios são limitados e freqüentemente acompanhados de complicações, como: efeitos colaterais de curto e longo prazo, interações medicamentosas potencialmente graves, baixa adesão ao tratamento e risco de desenvolvimento de cepas virais resistentes.
a perícia médica do INSS busca avaliar basicamente a incapacidade laborativa, agravos e intercorrências restritivas ao bem estar físico, psíquico e social decorrente da patologia de base, com o fito de concessão de benefícios por incapacidade; a qual é indicada nas situações em que exista uma ou mais doenças estabelecidas e/ou fatores restritivos dela decorrentes, levando à impossibilidade de exercer a atividade laborativa do segurado;
nesse sentido, o segurado portador de infecção pelo HIV, estando assintomático e sem evidência clínica ou laboratorial de imunodeficiência grave, não terá direito a estes benefícios;
porém, como o processo de infecção pelo HIV é eminentemente de natureza crônica e o tratamento da doença considerado muito complexo, importa definir claramente a amplitude do conceito de paciente sintomático, já que o próprio tratamento pode, em algumas ocasiões, trazer efeitos colaterais importantes mesmo com a doença controlada, podendo incapacitar o segurado temporariamente para o trabalho;
quanto aos parâmetros laboratoriais, do ponto de vista prático, considera-se que o paciente assintomático apresenta imunodeficiência laboratorial claramente estabelecida quando a contagem de linfócitos T-CD4+ está abaixo de 200 células/mm3; anotando-se que, com o advento da terapia combinada, esse parâmetro tornou-se muito relativo e de pouca importância, não devendo, portanto, ser usado como indicador primário para incapacidade laborativa;
então, o conceito de “infecção crônica” deve contemplar não apenas as alterações específicas relacionadas ao quadro de imunodeficiência induzida pelo HIV e os processos oportunistas a ela relacionados, mas também as alterações incapacitantes, relacionadas com o diagnóstico e o tratamento da entidade nosológica HIV/AIDS e suas complicações (efeitos colaterais graves do medicamentos, depressão e outros distúrbios psicoemocionais relacionados ao diagnóstico e tratamento da doença);
no que tange à “infecção crônica sintomática”, registra-se que o uso dos anti-retrovirais tem permitido a reversão clínica e laboratorial de casos anteriormente considerados terminais”; havendo situações em que, mesmo com achados laboratoriais bem alterados, o paciente está tão bem clinicamente, que nem o “auxílio doença” estaria indicado; e, então, tudo vai depender da condição clínica, dos efeitos colaterais dos anti-retrovirais, da existência ou não de seqüelas graves e/ou incapacitantes e do tipo de trabalho executado pelo segurado;
o Ministério da Defesa, relativamente às Forças Armadas, classifica a infecção pelo HIV de acordo com as manifestações clínicas e a contagem de linfócitos CD4 e dá as seguintes orientações para as Juntas de Inspeção de Saúde:
militares inspecionados (de todas as categorias das manifestações clínicas do HIV), com número absoluto de “linfócitos T auxiliares (CD4)” menor que 200/mm3 (categorias A3, B3 e C – consideradas SIDA/AIDS), em princípio, serão considerados incapazes definitivamente para o serviço ativo, respeitando as peculiaridades de cada Força;
militares inspecionados (de todas as categorias das manifestações clínicas do HIV), com número absoluto de “linfócitos T auxiliares (CD4)” entre 200 e 499/mm3, em princípio, serão considerados incapazes temporariamente para o serviço ativo, respeitando as peculiaridades de cada Força;
militares “portadores assintomáticos” ou em fase de “linfadenopatia generalizada persistente (LGP)” deverão ser julgados consoante as Instruções Regulamentadoras sobre Inspeção de Saúde da respectiva Força;
a revisão de reforma, em qualquer situação, será precedida de nova inspeção de saúde.
Em suma, o HIV é um processo dinâmico e de natureza crônica, caracterizado por uma imunodeficiência progressiva, inicialmente assintomática, mas que, na ausência de tratamento específico, evolui para o desenvolvimento de sintomas constitucionais e doenças oportunistas, na maioria dos indivíduos infectados.
Decerto que o tratamento anti-retroviral combinado foi um marco na história da infecção pelo HIV/AIDS, porquanto possibilitou se evidenciassem vários benefícios, como a diminuição de eventos definidores de AIDS, a diminuição de doenças oportunistas, a redução da mortalidade, o aumento da sobrevida e a melhoria da qualidade de vida.
Todavia, ao que se viu, esses benefícios são ainda limitados, haja vista que o tratamento da doença é considerado muito complexo, e, por isso, embora com a doença controlada, são freqüentemente acompanhados de complicações, tais como: efeitos colaterais de curto e longo prazo, interações medicamentosas potencialmente graves, baixa adesão ao tratamento e risco de desenvolvimento de cepas virais resistentes; efeitos estes que podem levar à incapacidade temporária para o trabalho.
Sem falar que a própria área anti-retroviral é complexa e seus efeitos de longo prazo ainda são desconhecidos e sujeitos a constantes mudanças; fazendo com que as recomendações técnicas necessitem ser revistas periodicamente, com o objetivo de incorporar os novos conhecimentos gerados pelos ensaios clínicos às recomendações terapêuticas para o tratamento da infecção pelo HIV.
Por tais motivos, é que, para a área médica do INSS, o portador do HIV (assintomático e sem evidência clínica ou laboratorial de imunodeficiência grave) não tem direito, a princípio, a concessão de benefícios previdenciários. Cumpre atentar, porém, para a importância de se definir claramente o que seja paciente sintomático, quer à vista da natureza crônica do processo da infecção pelo HIV, ou porque o conceito de “infecção crônica” há contemplar não apenas as alterações específicas relativas ao quadro de imunodeficiência induzida pelo citado vírus e os processos oportunistas a ela relacionados, mas também há incluir as alterações incapacitantes relacionadas com o diagnóstico e o tratamento da entidade nosológica HIV/AIDS e suas complicações (efeitos colaterais graves dos medicamentos, depressão e outros distúrbios psicoemocionais decorrentes do próprio diagnóstico e tratamento da doença).
A partir de tais esclarecimentos, torna-se fácil entender a razão de o legislador, no art. 1o da Lei 7.670/88, fazer menção expressa à “Síndrome da Imunodeficiência Adquirida–SIDA/AIDS” e incluí-la dentre as causas que podem levar à incapacidade física do militar, posto que, como visto, a medicina especializada indica que a AIDS é a fase clínica mais grave da infecção crônica do organismo humano pelo Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV).
Assim motivado, o legislador, inserindo a “Síndrome da Imunodeficiência Adquirida–SIDA/AIDS” entre as moléstias arroladas no inciso V, do art. 108, da Lei 6.880/80, possibilitou que o militar, nesta fase clínica da infecção pelo HIV, seja reformado, com qualquer tempo de serviço, com os proventos integrais de seu posto ou graduação, ou, se julgado inválido (impossibilitado total e permanentemente para qualquer trabalho), com direito à remuneração calculada com base no soldo correspondente ao grau hierárquico imediato ao que possuir (especificados no § 2o do art. 110, da mesma Lei 6.880/80); ressaltando-se que, na espécie, nem há exigir que a moléstia tenha relação de causa e efeito com o serviço militar.
De outro giro, é lícito concluir que nas demais fases clínicas da infecção pelo HIV, como no caso do portador assintomático – sem evidência clínica ou laboratorial de imunodeficiência grave –, não há falar, inicialmente, em incapacidade física definitiva e, conseqüentemente¸ no preenchimento do requisito para concessão de reforma militar.
Dessa forma, cuidando-se de militar não de carreira – oficial temporário e/ou praça sem estabilidade assegurada –, convocado para prestação do serviço militar por prazo determinado e sujeito a engajamento e reengajamentos segundo critérios de conveniência das Forças Armadas, certamente não se mostraria ilícito o licenciamento ao término do tempo de serviço ou da prorrogação deste, acaso o militar se encontre na fase clínica assintomática.
Sucede que, repita-se, mesmo na fase assintomática os indivíduos infectados necessitam de periódico monitoramento clínico-laboratorial, porque podem apresentar alterações significativas dos parâmetros imunovirológicos e para se determinar a necessidade e o momento mais adequado ao uso de terapia anti-retroviral; terapia esta considerada muito complexa e que, até com a doença controlada, geralmente vem acompanhada de complicações, que podem levar à incapacidade temporária para o trabalho; acrescentando-se que podem ainda ocorrer alterações incapacitantes devidas ao próprio diagnóstico e tratamento da doença (depressão e outros distúrbios psicoemocionais).
Registre-se que, especificamente no caso de Praça, o Estatuto dos Militares (Lei 6.880/80) estipula que, nas condições ou nas limitações impostas na legislação e regulamentação específicas, a Praça terá estabilidade com 10 (dez) ou mais anos de tempo de serviço (art. 50, IV, “a”). Outrossim, estatui que “a exclusão do serviço ativo das Forças Armadas e o conseqüente desligamento da organização a que estiver vinculado o militar decorrem dos seguintes motivos: [...] licenciamento; desincorporação” (art. 94, V e VII); sinalizando que o licenciamento ex officio será feito na forma da legislação que trata do serviço militar e dos regulamentos específicos de cada Força Armada, “por conclusão de tempo de serviço ou de estágio” (art. 121, II e § 3o); bem como que “a anulação da incorporação e a desincorporação da praça resultam na interrupção do serviço militar com a conseqüente exclusão do serviço ativo”, e que “a legislação que trata do serviço militar estabelece os casos em que haverá anulação de incorporação ou desincorporação da praça” (art. 124, caput, e parágrafo único);.
Nessa direção, o Decreto 57.654/66, ao regulamentar a Lei do Serviço Militar (Lei 4.375/64), preconiza que a desincorporação ocorrerá devido a moléstia ou acidente que torne o incorporado incapaz temporariamente para o Serviço Militar, só podendo ser recuperado a longo prazo; possibilitando às praças, que se encontram sob cuidados médicos ao término do tempo de serviço, direito à continuidade do tratamento, mesmo depois de licenciadas, até a efetivação da alta; ou, ainda, o próprio encaminhamento a algum hospital civil; ou, então, o amparo do Estado, se reconhecido esse direito. Assim, é o que se depreende de seus:
“140. A desincorporação ocorrerá:
[...]
6) por moléstia ou acidente que torne o incorporado temporariamente incapaz para o Serviço Militar, só podendo ser recuperado a longo prazo;
[...]
§ 2o – No caso do nº 2 deste artigo, quer durante, quer depois da prestação do Serviço Militar inicial, o incapacitado será desincorporado, excluído e considerado isento do Serviço Militar, por incapacidade física definitiva. Quando baixado a hospital ou enfermaria, neles será mantido até a efetivação da alta, embora já excluído; se necessário, será entregue à família ou encaminhado a estabelecimento hospitalar civil, mediante entendimentos prévios. Caso tenha direito ao amparo do Estado, não será desincorporado; após a exclusão, será mantido adido, aguardando reforma.
[...]
§ 6o – No caso do nº 6 deste artigo em que o incorporado for julgado ‘Incapaz B2’, será ele desincorporado e excluído, fazendo jus ao Certificado de Dispensa de Incorporação, com inclusão prévia no excesso de contingente, ou ao Certificado de Reservista, de acordo com o grau de instrução alcançado. Terá aplicação, no que for cabível, o disposto no § 2o, deste artigo.
[...]
149. As praças que se encontrarem baixadas a enfermaria ou hospital, ao término do tempo de serviço, serão inspecionadas de saúde e, mesmo depois de licenciadas, desincorporadas, desligadas ou reformadas, continuarão em tratamento, até a efetivação da alta, por restabelecimento ou a pedido. Podem ser encaminhadas a organização hospitalar civil, mediante entendimentos prévios, por parte da autoridade militar.
[...]” (destaquei)
No contexto, tratando-se de militar não-estável e diante do parecer da Clínica de Doenças Infecto-Parasitárias do Hospital Naval Marcílio Dias (DIP/HNMD) – ao término do compromisso de tempo de serviço –, atestando que o Marinheiro, embora portador assintomático do HIV, apresentava “comprometimento importante da Imunidade celular (CD4=54 cel/mm3)” e que iniciara o tratamento anti-retroviral, mostra-se viável, na hipótese, o reconhecimento do direito à continuidade do tratamento, mesmo depois do licenciamento, até a efetivação da alta; ou, ainda, o próprio encaminhamento a algum hospital civil; ou, então, o amparo do Estado, se reconhecido esse direito.
Destarte, verifica-se, em primeiro, que não haveria vislumbrar fundamento legal para reintegração e permanência de militar não-estável (temporário) pelo simples fato de o mesmo estar sujeito a tratamento médico em decorrência de enfermidade ensejadora de incapacidade temporária; donde, não se pode sufragar a decisão proferida no primeiro grau de jurisdição, determinando a suspensão do ato de licenciamento do ex-Marinheiro. Até porque, ao que se viu, se por um lado o legislador previu a possibilidade de manutenção do tratamento, por outro lado, abonou, igualmente, a possibilidade de encaminhamento do militar a alguma organização hospitalar civil. Nem se olvide que, apenas se não obtida a alta, aí sim é que se mostra viável o parecer de incapacidade definitiva, com o reconhecimento do direito ao amparo do Estado, devendo o militar permanecer adido, para aguardar a reforma.
Por igual razão, não comprovada a irregularidade do ato de licenciamento, fica afastada a responsabilidade da União Federal e, conseqüentemente, incabível a caracterização de dano moral, em vista da licitude do ato.
Note-se, por esclarecedor, que, por conta das peculiaridades de suas funções, a atividade militar exige condições físicas e de saúde em padrão mais elevado que o normal, não somente para permitir o atendimento ideal das necessidades específicas das Forças Armadas, como também para resguardar a integridade física do próprio militar.
Ressalte-se, aliás, que, em razão de sua destinação constitucional, mantêm as Forças Armadas um quadro de pessoal na ativa, para permanentemente executar suas atividades precípuas. Por outro lado, contam com um corpo de pessoal da reserva, em disponibilidade para mobilização, composto não só de militares de carreira inativos, como também por todos os brasileiros, que, por determinação constitucional, estão obrigados ao Serviço Militar, obrigação esta, que, em tempo de paz, começa no dia 1o de janeiro do ano em que o cidadão completar dezoito anos de idade e subsistirá até 31 de dezembro do ano em que completar quarenta e cinco anos; consoante o previsto na Lei do Serviço Militar (Lei 4.375/64).
Assim é que a “incapacidade definitiva para o serviço ativo das Forças Armadas” quer significar que o portador desse diagnóstico não poderá ser integrante de sua Reserva, isto é, não estará disponível para qualquer mobilização visando o exercício de atividades militares. Então, o simples fato de militar não-estável ter sido julgado incapaz definitivamente para o serviço ativo não autoriza, necessariamente, concessão de reforma, porquanto essa limitação pode estar restrita às peculiaridades da vida castrense, sem se estender às atividades civis.
Face ao exposto e na forma da fundamentação supra, divirjo do voto do Relator, razão por que, NEGO provimento ao recurso do Autor. Outrossim, DOU parcial provimento à apelação da União e à remessa necessária, para, reformando parcialmente a r. sentença, JULGAR PROCEDENTE, EM PARTE, o pedido, determinando que a Ré, mesmo depois do licenciamento, mantenha o Autor em tratamento médico até a efetivação da alta; facultando a reforma, caso configurada a incapacidade definitiva; na forma do art. 140, §§ 2o e 6o, e do art. 149, do Decreto 57.654/76. Tendo a Ré decaído em parte mínima do pedido, arcará o Autor com as custas do processo e honorários advocatícios, que arbitro em 10% sobre o valor atribuído à causa; observado, contudo, o disposto no art. 12 da Lei 1.060/50, por ser beneficiário da gratuidade de justiça.
É como voto.
SERGIO SCHWAITZER
TRF/2a REGIÃO
EMENTA
ADMINISTRATIVO. MILITAR. PORTADOR DO VÍRUS HIV. REFORMA. MESMO GRAU HIERÁRQUICO. DANOS MORAIS. INEXISTÊNCIA.
I - Pretendeu a Parte Autora a reintegração à Marinha do Brasil, com a concessão de reforma militar, além de indenização a título de danos morais. Assevera, para tanto, que foi irregularmente licenciado do serviço ativo, porquanto portador do vírus do HIV, possuindo direito à reforma militar.
II - O MM. Juízo a quo julgou parcialmente procedente a pretensão da Parte Autora, determinando que a União Federal proceda à reforma da mesma, no soldo correspondente ao nível imediato ao que ocupava na ativa, negando, outrossim o pagamento de verba indenizatória a título de danos morais.
III - A Lei n° 7.670/88, em seu art. 1°, inciso I, alínea c, incluiu os militares portadores do vírus do HIV no rol dos beneficiados pelo artigo 108, inciso V, da Lei n° 6.880/80, ou seja, com direito à reforma, sem limitar tal direito ao militares de carreira.
IV - No que pertine, por sua vez, à determinação do Juízo a quo no sentido de que deve o Autor ser reformado em grau hierárquico superior, entende-se que merece reforma tal ordem.
V - E isto porque expressamente determina o art. 110 da Lei n.º 6.880/80 as hipóteses de reforma em grau hierárquico superior. Em sendo assim, nas hipóteses de reforma pelas doenças descritas na lei, somente será a mesma em grau hierárquico superior quando o militar for impossibilitado total e permanentemente para qualquer trabalho, o que não acontece na presente hipótese. Senão vejamos: as manifestações médicas de fls. 163 de seguintes atestam que não se verifica no Autor incapacidade total para o exercício de qualquer atividade laborativa, porquanto é o mesmo portador assintomático do HIV.
VI - Assevera o Autor a ocorrência de abalo de grandes proporções em função de a União Federal não ter procedido à sua reforma, conforme por lei determinado.
VII - Entende-se, todavia, que não se pode tachar como dano moral e, portanto, indenizável, as ocorrências e aborrecimentos cotidianos. In casu, o que ocorreu foi equívoco da União Federal, agora devidamente corrigido.
VIII - Remessa Necessária e Apelação da União Federal parcialmente providas para determinar que a reforma do Autor seja efetuada na mesma graduação que ostentava quando de seu desligamento do serviço ativo da Marinha.
IX - Apelação da Parte Autora improvida.
ACÓRDÃO
Visto e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas. Decide a Sétima Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por maioria, dar parcial provimento à Remessa Necessária e à Apelação da União Federal e negar provimento ao Apelo da Parte Autora, vencido parcialmente o Desembargador Federal Sérgio Schwaitzer, nos termos do voto do relator constante dos autos, que fica fazendo parte integrante do presente julgado.
Rio de Janeiro, de de 2008.
Reis Friede