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A aposentadoria especial para servidores públicos

15/05/2014 às 15:15
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O “paralelismo” entre o artigo 40 e o artigo 201 da CF/88 mostra que em nenhum momento o texto constitucional fala em “aposentadoria especial” seja para servidores públicos seja para celetistas.

1. Em que consiste a dita “aposentadoria especial”

Em 1960 (Lei 3.807, artigo 31), creio ter sido pela primeira vez empregado ou definido/conceituado o que seria esse benefício criado para os contribuintes do Regime Geral da Previdência Social (os que contribuem para o hoje INSS):

“Art 31. A aposentadoria especial será concedida ao segurado que, contando no mínimo 50 (cinquenta) anos de idade e 15 (quinze) anos de contribuições tenha trabalhado durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos pelo menos, conforme a atividade profissional, em serviços, que, para esse efeito, forem considerados penosos, insalubres ou perigosos, por Decreto do Poder Executivo.” – destaques acrescidos;

Em texto anterior (Uma breve história da aposentadoria especial no Brasil) comentei:

“Tem-se, assim, três aspectos a analisar:

1 –   as condições em que o serviço era prestado (ou que serviço era prestado);

2 –   se o serviço era prestado de forma continuada, sem épocas intercaladas em que era prestado serviço de outro tipo ou em condições diferentes, não especiais;  e

3 –   se foi observado um tempo mínimo estabelecido para cada atividade elencada.

O que determina, pois, o direito ao benefício da aposentadoria especial é a exposição do trabalhador ao agente nocivo presente no ambiente de trabalho e no processo produtivo, em nível de concentração superior aos limites de tolerância estabelecidos. (Decreto nº. 3.265, de 1999).

A aposentadoria especial foi um benefício previdenciário a ser concedido por lei ao segurado do INSS (homem ou mulher) por haver trabalhado em atividade mais prejudicial à saúde ou à integridade física do que as atividades da maioria dos trabalhadores. Ou seja, implicava que teria direito a se aposentar mais cedo que outros segurados da Previdência (RGPS) que não houvessem exercido suas atividades, de forma permanente e contínua (sem intermitências), nas condições que dão ensejo àquele benefício – ver anexo IV ao Decreto nº. 3.048/1999 e suas posteriores alterações.

A aposentadoria da espécie “especial” visava, precípuamente, a retirar o trabalhador do ambiente nocivo antes de ele adquirir algum tipo de doença (isso é só teoria), ou seja, não há falar  em “idade mínima”.

Com mudanças efetuadas, passou-se a admitir que apenas parte do tempo trabalhado, inferior ao exigido para a obtenção da aposentadoria especial fosse considerado “especial” para fins de sua conversão em tempo comum:

“O tempo de serviço exercido alternadamente em atividade comum e atividade profissional sob condições especiais que sejam ou venham a ser consideradas prejudiciais à saúde ou à integridade física será somado, após a respectiva conversão, aplicada a tabela de conversão seguinte, para efeito de concessão de qualquer benefício”,

consoante uma tabela que, basicamente, multiplica o tempo tido por especial por 1,40 (para homens) e 1,20 (para mulheres), criando assim esses tempos fictos de 40% ou 20%, embora para se aposentar por tempo de contribuição (espécie 42) e não para fazer jus àquela da espécie 46 (especial, artigo 57 da Lei nº. 8.213/1991). Isto é, o homem pode ter de contribuir menos de 35 anos e a mulher menos de 30.

A partir da vigência da lei nº. 9.032/1995, mais especificamente a partir de 29/4/1995, nenhum(a) trabalhador(a) se aposenta com tempo dito “especial” apenas por trabalhar em, ou exercer, determinada atividade, inclusive na área de saúde.

A legislação anteriormente vigente previa que o mero exercício de algumas atividades desse direito ao benefício, por pertencer a determinadas categorias profissionais.

Sendo de um desses grupos profissionais, havia uma presunção legal de que aquele segurado estaria exposto a agentes nocivos à sua saúde e sua integridade física (ainda que, de fato, não estivesse). Dentre eles, engenheiros civis, de minas, metalúrgicos e eletricistas; médicos, dentistas e enfermeiros; pescadores; telegrafistas, telefonistas e operadores de radiocomunicação; estivadores; tipógrafos, encadernadores e impressão em geral – linotipia, composição gráfica... –; alguns, por ser considerado exercer profissão insalubre ou perigosa. Na legislação inicial, o magistério, o transporte rodoviário e trabalho sujeito a “poeiras minerais nocivas” eram ditos atividades penosas (até o professor do sexo masculino podia se aposentar com 25 anos de sala de aula).

Contudo, como sabido, bem antes da Constituição de 1988 os professores não mais gozam do direito à aposentadoria especial de que cuida nossa legislação porque passaram a dispor de direito diferenciado próprio, inclusive (desde 5 de outubro de 1988)  elevado ao nível constitucional, seja o professor público (artigo 40, § 5º) seja aquele celetista (artigo 201, § 8º), após a EC 20, de 16/12/1998, havendo dispositivos similares na redação anterior (artigo 40, III, b, e artigo 202, III).

Ao longo do tempo foram sendo introduzidas alterações de modo a restringir a concessão, e o que hoje vige é a redação do artigo 57 da Lei 8.213/1991:

“Art. 57. A aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida nesta lei, ao segurado que tiver trabalhado durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme a atividade profissional, sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física.”8

Em uma das minhas manifestações em artigos, escrevi:

“Acho que se deve evitar o nome aposentadoria "especial" pela vulgarização dessa palavra - quem tem um sentido de substantivo na Lei 8.213/91 e na original L. 3.807/60 - e está sendo abusivamente usada como se adjetivo fosse. Qualquer aposentadoria precoce, ou "com requisitos e critérios diferenciados", vem sendo chamada de "especial", inclusive as por exercer "atividade de risco" ou por ser "portador de deficiência física". Também, tem o sentido de substantivo a palavra na aposentadoria do trabalhador rural (que nem precisava ter contribuído na época do Funrural).”

Relaciono alguns dos textos que Jus Navigandi publicou sobre o assunto e sua correlação quanto ao servidor público, ainda esperando que sejam propostas e discutidas/ votadas/aprovadas/entrem em vigor as Leis Complementares exigidas pela CF/88 em seu artigo 40, § 4º, e deverão ser três, embora uma delas já exista – contudo, a ser substituída por outra já votada na Câmara do Deputados e em tramitação a passos de cágado no Senado:

2.    Advento de uma Súmula Vinculante

Lê-se no portal da Corte Suprema:

Quarta-feira, 09 de abril de 2014

Aprovada súmula vinculante sobre aposentadoria especial de servidor público

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou nesta quarta-feira (9), por unanimidade, a Proposta de Súmula Vinculante (PSV) 45, que prevê que, até a edição de lei complementar regulamentando norma constitucional sobre a aposentadoria especial de servidor público, deverão ser seguidas as normas vigentes para os trabalhadores sujeitos ao Regime Geral de Previdência Social. O verbete refere-se apenas à aposentadoria especial em decorrência de atividades exercidas em condições prejudiciais à saúde ou à integridade física dos servidores. Quando publicada, esta será a 33ª Súmula Vinculante da Suprema Corte.

A PSV foi proposta pelo ministro Gilmar Mendes em decorrência da quantidade de processos sobre o mesmo tema recebidos pelo STF nos últimos anos, suscitando, na maior parte dos casos, decisões semelhantes em favor dos servidores. Segundo levantamento apresentado pelo ministro Teori Zavascki durante a sessão, de 2005 a 2013, o Tribunal recebeu 5.219 Mandados de Injunção – ação que pede a regulamentação de uma norma da Constituição em caso de omissão dos poderes competentes – dos quais 4.892 referem-se especificamente à aposentadoria especial de servidores públicos, prevista no artigo 40, parágrafo 4º, inciso III, da Constituição Federal.

A Procuradoria Geral da República se posicionou favoravelmente à edição da súmula. Em nome dos amici curiae (amigos da corte), falaram na tribuna representantes da Advocacia-Geral da União, do Sindicato dos Médicos do Distrito Federal, da Associação Nacional dos Médicos Peritos da Previdência Social e do Sindicato dos Professores das Instituições de Ensino Superior de Porto Alegre e Sindicato dos servidores do Ministério da Agricultura no RS.

O verbete de súmula terá a seguinte redação: “Aplicam-se ao servidor público, no que couber, as regras do Regime Geral de Previdência Social sobre aposentadoria especial de que trata o artigo 40, parágrafo 4º, inciso III, da Constituição Federal, até edição de lei complementar específica.”

A SV 33 foi publicada no DJ-e/STF de 24/4/2014.

Não tenho reparos a fazer porque a decisão plenária pareceu-me não ter cometido o erro tão reiterado de decisões anteriores.

Na verdade, parece merecer uma reflexão maior a pouca (ou nenhuma) importância ou atenção que magistrados (aí incluídos os Ministros das Cortes Superiores) e seus assessores ou analistas demonstram dar ao que doutrinadores sem renome escrevem.

Não sou o único que vem há mais de 10 anos, talvez 15, pregando ao vento e no vazio sobre o que seja aposentadoria especial na legislação brasileira.

Como sabido, e isso foi destacado em mais de um dos textos, o “paralelismo” entre o artigo 40 e o artigo 201 da CF/88 mostra que em nenhum momento o texto constitucional fala em “aposentadoria especial” seja para servidores públicos seja para celetistas. Em cada um daqueles dois dispositivos está expressa a regra geral (os ditos requisitos e critérios a serem observados) “vedada a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aos abrangidos pelo regime de que trata este artigo, ressalvados, nos termos definidos em leis complementares”. Aquela expressão existe exclusivamente na Lei 8.213/1991.

A Lei 8.112/1990 não prevê uma aposentadoria chamada “especial” para servidores públicos federais:

“Art. 186.  O servidor será aposentado: 

        I - por invalidez permanente, sendo os proventos integrais quando decorrente de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, especificada em lei, e proporcionais nos demais casos;

        II - compulsoriamente, aos setenta anos de idade, com proventos proporcionais ao tempo de serviço;

        III - voluntariamente:

        a) aos 35 (trinta e cinco) anos de serviço, se homem, e aos 30 (trinta) se mulher, com proventos integrais;

        b) aos 30 (trinta) anos de efetivo exercício em funções de magistério se professor, e 25 (vinte e cinco) se professora, com proventos integrais;

        c) aos 30 (trinta) anos de serviço, se homem, e aos 25 (vinte e cinco) se mulher, com proventos proporcionais a esse tempo;

        d) aos 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e aos 60 (sessenta) se mulher, com proventos proporcionais ao tempo de serviço.”

Compare-se com o teor do artigo correspondente na Lei 8.213/1991:

“Art. 18.  O Regime Geral de Previdência Social compreende as seguintes prestações, devidas inclusive em razão de eventos decorrentes de acidente do trabalho, expressas em benefícios e serviços:

        I - quanto ao segurado:

        a) aposentadoria por invalidez;

        b) aposentadoria por idade;

        c) aposentadoria por tempo  de contribuição;

        d) aposentadoria especial;”

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Evidente que parecido não é igual, cada regime tem suas especificidades.

No artigo 40, § 4º da CF/88, os casos de ressalvados são:

I -  portadores de deficiência; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005)

II - que exerçam atividades de risco; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 47, de 2005)

III - cujas atividades sejam exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física.

No artigo 201 da CF/88, por sua vez, são “ressalvados os casos de atividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física e quando se tratar de segurados portadores de deficiência, nos termos definidos em lei complementar.”


3.  Comentários que parecem pertinentes

Uma primeira constatação: não há previsão constitucional para que celetistas (RGPS, artigo 201, § 1º) que exerçam atividades de risco possam ter seu tempo de contribuição à Previdência afetado (provavelmente para menos), e eles fazerem jus à aposentadoria com os chamados “requisitos e critérios diferenciados”; o privilégio é restrito aos servidores públicos (art. 40, § 4º, II).

Outra observação: apenas uma das situações (art. 40, § 4º, III) leva a um paradigma com a Lei 8.231/1991, qual seja exercício de atividades “sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física”. E, para os celetistas, esse requisito diferenciado não está em Lei Complementar, mas em uma Lei Ordinária.

A terceira situação tende a dar margem a outra enxurrada de Mandados de Injunção porquanto já existe uma Lei Complementar estabelecendo os “requisitos e critérios diferenciados” para que celetistas portadores de deficiência possam se aposentar “mais cedo”, sem que se deva dar a esse direito o nome de “aposentadoria especial”.  A LC exigida pelo art. 40, § 4º, I, para que servidores públicos portadores de deficiência possam também abrir a vaga com menos tempo de contribuição ainda nem foi encaminhada ao Congresso Nacional (tal como o caso anterior).

Dessa forma, também não devem ser ditas “especiais” (ainda que sejam “precoces” ou “antecipadas” – melhor dizendo, “com requisitos e critérios diferenciados”, nos termos da CF/88) as aposentadorias dos servidores públicos que exerçam atividade de risco, bem como a dos professores (art. 201, § 8º, e art. 40, § 5º): ”Os requisitos a que se refere o inciso I do parágrafo anterior serão reduzidos em cinco anos, para o professor que comprove exclusivamente tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio.” Como já dito antes, os professores gozam do direito de reduzir em cinco anos os requisitos exigidos dos trabalhadores comuns.

Mais um comentário: diferentemente de quase tudo na nossa legislação, as mulheres não têm tratamento diferenciado em relação aos homens no tocante à aposentadoria especial: o que se exige deles é também exigido delas. Há outro texto meu sobre a aposentadoria das mulheres que Jus Navigandi publicou:

E, por fim, um receio: por mais que a SV 33 possa ter dirimido algumas milhares de casos de servidores públicos (federais, estaduais, distritais ou municipais) que contribuam para regimes próprios de previdência (os ditos RPPS) – ainda existe grande quantidade de municípios no Brasil que adotam a CLT para seus “empregados” públicos, a que a SV 33 não se aplica – pelo menos três pontos me parecem permanecerem sujeitos a discussão quais sejam:

  1. cabe também a conversão de tempo especial inferior ao requerido pela Lei nº. 8.213/1991, praticamente 25 anos, em comum para a obtenção da aposentadoria antes de servidores públicos por tempo de contribuição?
  2. os requisitos da idade mínima e tempo mínimo no serviço público deixam de ser exigidos?
  3. o disposto naquela legislação ordinária, mandada aplicar até a edição de lei complementar específica de que trata ao artigo 40, § 4º, III de nossa Carta Magna, será aplicável no tocante à cassação do beneficio concedido na hipótese de o beneficiário continuar exercendo a atividade nociva que dera ensejo à sua aposentadoria “especial”, notadamente aqueles da área da saúde ou que possam acumular dois cargos públicos? A concessão daquela impõe a aposentadoria na outra, sobretudo se de mesma natureza?       
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Sobre o autor
João Celso Neto

advogado em Brasília (DF)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CELSO NETO, João. A aposentadoria especial para servidores públicos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3970, 15 mai. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/28523. Acesso em: 16 abr. 2024.

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