1. Introdução
Constituído o crédito tributário pelo lançamento, torna-se líquida, certa e exigível a obrigação precedente, determinando que o sujeito cumpra a obrigação, sob pena de a Administração Tributária utilizar os meios executivos para o recebimento judicial do importe tributário correspondente.
No entanto, há situações que suspendem as medidas de cobrança intentáveis pelo Fisco. Esses são os casos previstos no art. 151 do CTN, compondo um rol exaustivo, vez que o art. 141 do CTN afirma que o crédito tributário regularmente constituído somente se modifica ou extingue, ou tem sua exigibilidade suspensa ou excluída, nos casos previstos em lei, sob pena de responsabilidade funcional na forma da lei.
É importante destacar que a suspensão da exigibilidade do crédito não implica a suspensão do cumprimento das obrigações acessórias, devendo, o sujeito passivo cumpri-las independentemente da realização da obrigação principal, em consonância com o parágrafo único do art. 151 do CTN.
Nesse sentido, afirma Kiyoshi Harada que, em todas as hipóteses, a suspensão da exigibilidade diz respeito apenas à obrigação principal (pagamento de tributo ou penalidade pecuniária), não exonerando o sujeito passivo do cumprimento regular das obrigações acessórias (prestações positivas ou negativas estabelecidas no interesse da arrecadação e da fiscalização).
Paulo de Barros Carvalho sustenta que por exigibilidade havemos de compreender o direito que o credor tem de postular, efetivamente, o objeto da obrigação, e isso tão só ocorre, como é óbvio, depois de tomadas todas p providências necessárias à constituição da dívida, com a lavratura do ato de lançamento tributário. No período antecedente a tal expediente, ainda não se tem o surgimento da obrigação tributária, inexistindo, consequentemente, crédito tributário, o qual nasce com o ato do lançamento tributário.
Hugo de Brito Machado mostra que a exigibilidade nasce quando já não cabe reclamação nem recurso contra o lançamento respectivo, quer porque transcorreu o prazo legalmente estipulado para tanto, quer porque tenha sido proferida decisão de última instância administrativa.
Nessa esteira, Ricardo Lobo Torres preleciona que somente há suspensão de crédito já lançado e conclui que, mesmo presente uma forma de suspensão, a Fazenda Pública poderá efetuar o lançamento, tendo em vista que a suspensão só vai operar após a data em que o crédito se tornar exigível.
Nesse sentido, manifesta-se o STJ:
EMENTA: TRIBUTÁRIO. (...) MANDADO DE SEGURANÇA. MEDIDA LIMINAR. SUSPENSÃO DO PRAZO. IMPOSSIBILIDADE. (...) 3. A suspensão da exigibilidade do crédito tributário na via judicial impede o Fisco de praticar qualquer ato contra o contribuinte visando à cobrança de seu crédito, tais como inscrição em dívida, execução e penhora, mas não impossibilita a Fazenda de proceder à regular constituição do crédito tributário para prevenir a decadência do direito de lançar. 4. Embargos de divergência providos. (EREsp 572.603/PR, 1ª T., rel. Min. Castro Meira, j. em 08-06-2005) (Grifo nosso).
Questão que tem causado tormento na doutrina é saber se, com a presença de causa de suspensão da exigibilidade do crédito, também, igualmente fica suspenso o curso do prazo prescricional.
A rigor, Sabbag sustenta que não são tecnicamente causas de suspensão da prescrição, mas causas de interrupção, previstas no art. 174, § único, incisos I a IV, do CTN.
É possível, todavia, a defesa de um único caso de suspensão da prescrição, na pendência de causa de suspensão da exigibilidade do crédito tributário: na situação de anulação de moratória usufruída com dolo, consoante o disposto no art. 155, parágrafo único.
Hugo de Brito Machado diferencia com rigor a interrupção da suspensão da prescrição. Para o insigne autor, interromper a prescrição significa apagar o prazo já decorrido, o qual recomeçará seu curso. Assim, constituído definitivamente o crédito tributário, daí começa o curso da prescrição. Se depois de algum tempo, antes de completar-se o quinquênio, ocorrer uma das hipóteses de interrupção do art. 174, o prazo decorrido fica sem efeito, e a contagem dos cinco anos volta a ser iniciada.
Suspender a prescrição, por outro lado, significa paralisar o seu curso enquanto perdurar a causa de suspensão. O prazo já decorrido perdura e, uma vez desaparecida a causa de suspensão, o prazo continua em curso.
Por fim, destaque-se que, em consonância com o art. 97 do CTN, as causas de suspensão e, de igual modo, de extinção e exclusão do crédito tributário, dependem de lei, à luz da reserva legal.
2. Duas das hipóteses de suspensão do crédito tributário
2.1. Moratória
A moratória está regulada de modo exaustivo entre os artigos 152 e 155 do CTN.
Conquanto o CTN não conceitue o instituto, afirma-se que a moratória é uma dilatação legal de pagamento de tributos, submetendo-se, portanto, ao princípio da estrita legalidade (art. 97, VI, CTN).
Em verdade, trata-se de um acordo entre credor e devedor, de modo a postergar o pagamento do tributo.
Para Kiyoshi Harada, a moratória outra coisa não é senão a dilação do prazo de pagamento de tributo com base na lei.
Paulo de Barros Carvalho, em idêntica trilha, preleciona que a moratória é a dilação do intervalo de tempo, estipulado para o implemento de uma prestação, por convenção das partes, que podem fazê-lo tendo em vista uma execução unitária ou parcelada.
No plano histórico, a aplicação da moratória se deu antes da LC n. 104/2001, instrumento normativo que introduziu o parcelamento no CTN, quando se via nela a forma mais comum de parcelamento. Diz-se, assim, que a moratória, na prática, foi o parcelamento de ontem, anterior à LC n. 104/2001.
A moratória deve ser concedida por lei ordinária, permitindo-se que o sujeito passivo pague o tributo em cota única (ou parcelada), porém, de modo prorrogado.
No artigo 152, estão listados expressamente os modos em que a moratória pode ser concedida, cuja redação é a seguinte:
Art. 152. A moratória somente pode ser concedida:
I em caráter geral:
a) pela pessoa jurídica de direito público competente para instituir o tributo a que se refira;
b) pela União, quanto a tributos de competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, quando simultaneamente concedida quanto aos tributos de competência federal e às obrigações de direito privado;
II em caráter individual, por despacho da autoridade administrativa, desde que autorizada por lei nas condições do inciso anterior.
Neste dispositivo, a moratória é classificada em caráter individual e em caráter geral.
- Moratória em caráter individual (art. 152, II): também intitulada moratória específica, é aquela que, concedida por lei emanada pela pessoa jurídica de direito público competente para instituir o tributo, beneficia as pessoas que preencherem determinados requisitos, cujo direito ao favor será reconhecido por autoridade administrativa.
- Moratória em caráter geral (art. 152, I): é aquela que, concedida por lei emanada pela pessoa jurídica de direito público competente para instituir o tributo, protege a generalidade dos sujeitos passivos, sem necessidade de despacho da autoridade administrativa. Entre a moratória em caráter geral, temos dois tipos: b1) moratória autônoma ou autonômica (art. 151, I, a): aquela concedida pelo ente detentor da competência tributária respectiva. É a regra. Ex.: moratória de IPTU concedida pelo Município; moratória de IPVA concedida pelo Estado do Rio de Janeiro. B2) moratória heterônoma (art. 152, I, b): aquela concedida pela União quanto a tributos de competência dos Estados, DF e Municípios. Trata-se de possibilidade excepcional e inédita na tributarística doméstica. Ademais, tal moratória é condicional, uma vez que a União deve conceder, simultaneamente, moratória dos próprios tributos federais e de suas obrigações de direito privado. Muito difícil será a União estabelecer moratória quanto a tributos de outras competências tendo também que instituí-la quanto aos próprios tributos.
Para Sabbag, a moratória concedida pela União quanto a tributo de competência alheia põe em risco a autonomia dos entes menores, em detrimento do pacto federativo, o que reveste o dispositivo de inconstitucionalidade. Igualmente, defende José Eduardo Soares de Melo.
A União, no entanto, ainda não se valeu de tal medida. Presume-se sua constitucionalidade por enquanto.
Exemplos de moratórias heterônomas: moratórias de IPTU pela União para certo município.
O parágrafo único do art. 152 indica a possiblidade de se conceder moratória de modo total (para toda a base territorial da entidade impositora) ou parcial (para parte do território, v.g., uma moratória circunscrita a determinada região atingida por calamidade. Neste último caso, trata-se de situação que dificulta o pagamento dos tributos pelos contribuintes.
No art. 153, constam os requisitos para a concessão de moratória em caráter geral ou individual. Os dois primeiros incisos do artigo destacam as duas condições que devem ser cumpridos em ambos os casos, quais sejam: o prazo do favor e as condições da moratória.
Com efeito, se a moratória consiste em dilação do prazo para pagamento do tributo, seria inadmissível que se pudesse concedê-la sem especificar seu prazo de duração.
Há, no entanto, requisitos facultativos, que estão previstos no inciso III do mesmo artigo e são adstritos à indicação dos tributos a que se refere a moratória, ao número de prestações e vencimentos e a garantias a serem oferecidas.
Por seu turno, passemos à análise do art. 154 do CTN. Conforme o referido artigo, a moratória aplica-se a créditos já definitivamente constituídos ou, pelo menos, cujo lançamento já tenha sido iniciado. Contudo, o dispositivo admite lei que discipline de modo contrário. Vale dizer, permite que a moratória abranja créditos não definitivamente constituídos à data da lei ou do despacho que a conceder.
O art. 155 menciona a possibilidade de anulação da moratória individual favor que não gera direito adquirido.
A análise dos dois incisos do dispositivo indica que o prazo prescricional ficará suspenso caso o sujeito passivo aja com dolo, submetendo-se, portanto, ao pagamento de tributo, acrescido de juros e multa de ofício, ou não se suspenderá, se o sujeito passivo não tiver agido com fraude, impondo-se a exigência de tributo e juros.
Veja que o CTN só exclui do cômputo do prazo prescricional o período decorrido desde a concessão da moratória quando esta tiver sido obtida com dolo, fraude ou simulação.
2.2. Depósito do montante integral
O depósito é um ato voluntário do sujeito passivo da relação tributária que pretenda suspender a exigibilidade do crédito tributário e, por isso mesmo, não depende de autorização do juiz, nem de qualquer autoridade. Mostra-se como garantia que se dá ao suposto credor da obrigação tributária, num procedimento administrativo ou em ação judicial.
Trata-se de modalidade suspensiva da exigibilidade do crédito tributário bastante comum na via judicial e incomum na administrativa.
De fato, na órbita administrativa, o contribuinte poderá impugnar o crédito e suspender a exigibilidade com a instauração do procedimento administrativo fiscal, que se dá a partir da apresentação de defesa ou recurso administrativo, em consonância com o inciso III do art. 151. É fácil perceber que o depósito na órbita administrativa é solução pouco atraente, em comparação com outras possiblidades igualmente suspensivas de crédito e menos onerosas ou contribuinte.
Entretanto, em 1997, com a publicação da MP n. 1.621-30, estipulou-se a necessidade de depositar 30%, no mínimo, do montante atualizado da dívida, como condição à protocolização do recurso à segunda instância administrativa federal.
Tirando o caso do depósito recursal, o depósito do montante integral, correspondendo à soma do tributo, juros e multas, é um direito do contribuinte, que dele se vale visando suspender e exigibilidade do crédito tributário.
A propósito, o depósito que elide temporariamente a exigibilidade do crédito será integral e em dinheiro. Nesse sentido, é a Súmula n. 112 do STJ, segundo a qual o depósito somente suspende a exigibilidade do crédito se for integral e em dinheiro.
É importante ressaltar que a opção pelo depósito pode se dar, até mesmo, nos casos em que já tenha havido a suspensão do crédito tributário por outro meio, como, por exemplo, em provimentos liminares (liminar ou tutela), em ações judiciais. O intuito será, neste caso, o de obstar a fluência dos juros de mora, caso o crédito volte a ser exigível.
Ao término da demanda, sobressaindo o depositante como vitorioso, será feito o levantamento do depósito, ainda que remanesçam outros débitos tributários a ele imputáveis. Essa afirmação possui respaldo jurisprudencial no STJ:
EMENTA: O depósito inibitório de ação fiscal (CTN, art. 151) deve ser devolvido ao contribuinte em caso de este ser vitorioso na ação a ele relativa. Não é lícito ao Fisco apropriar-se de tal depósito a pretexto de que existem outras dívidas do contribuinte, oriundas de outros tributos. Semelhante apropriação atenta contra a coisa julgada. (CPC, arts. 467 e 468 [atuais arts. 502 e 503 do NCPC]) (REsp 297.115/SP, 1ª T., rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. em 03-04-2001)
De outro lado, vencido o contribuinte, haverá a conversão do depósito em renda, destinado definitivamente aos cofres públicos, com a decorrencial extinção do crédito tributário (art. 156, VI, do CTN).
Uma questão importante a ser indagada é a seguinte: em caso de extinção do processo sem resolução do mérito, cabe conversão em renda do depósito ou o levantamento dele pelo próprio contribuinte?
Para Sabbag, se não há resolução do mérito, só pode ocorrer o levantamento do valor pelo contribuinte, haja vista a imutabilidade da relação jurídico-tributária em foco perante a decisão judicial prolatada.
Curiosamente, o STJ firmou orientação em sentido oposto, admitindo-se a conversão do depósito em renda. AgRg no Ag 756.416/SP, rel. Min. João Otávio de Noronha, 2ª T., j. em 27-06-2006.
Mais recentemente, em 2008, o STJ ratificou o posicionamento, salientando que, nas extinções do feito sem resolução do mérito, o depósito deve ser convertido em renda do Fisco, ressalvadas as seguintes hipóteses: (I) se o tributo for claramente indevido, v.g., como resultado de uma declaração de inconstitucionalidade com efeito vinculante; ou (II) se a Fazenda Pública litigante não for o titular do crédito. REsp 901.052/SP, rel. Min. Castro Meira, 1ª T., j. em 13-02-2008
De fato, o depósito do montante integral assegura ao sujeito passivo o direito de contestar e discutir o crédito tributário, sem sofrer os atos executórios, quando por outra forma não esteja suspensa a exigibilidade do crédito tributário e, ao mesmo tempo, garante o recebimento desse crédito pela Fazenda Pública, caso saia vitoriosa da discussão (art. 156, VI, CTN), como também garante ao sujeito passivo que, logrando sucesso na sua demanda, obtenha a restituição do valor depositado, sem sujeitar-se ao sistema de pagamento por precatório previsto no art. 100 da CF.
Vale lembrar que, nos depósitos judiciais, a conversão deste em renda somente poderá ser realizada sob o crivo do Poder Judiciário, ou seja, partilha-se do entendimento segundo o qual somente o juiz poderá determinar a conversão do depósito em renda. Mesmo que a lide tenha chegado ao seu termo, com a vitória do Fisco, manter-se-á a exigibilidade suspensa até que se faça a conversão do depósito em renda e se exija o crédito tributário.
Nesse sentido:
EMENTA: AÇÃO DECLARATÓRIA. DEPÓSITO SUSPENSIVO DA EXIGIBILIDADE DO CRÉDITO TRIBUTÁRIO. LEVANTAMENTO. Somente poderá ser levantando, ou convertido em renda, o depósito judicial destinado a suspender a exigibilidade do crédito tributário, após o trânsito em julgado da sentença. Lei n. 6.830 de 2209-1980, arts. 32, § 2º, e 38.
Recurso ordinário desprovido. (RMS 4.231/DF, rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro, 2ª T., j. em 14-11-1996)
É importante enaltecer que o depósito do montante integral não constitui pressuposto para a discussão judicial do débito, uma vez que nenhuma lesão ou ameaça de lesão será afastada da apreciação do PJ. Não pode o legislador condicionar o exercício do direito de ação ao depósito do tributo discutido. Assim, o art. 38 da LEF, que exige depósito preparatório, encontra-se dissonante dos direitos e garantias preservados no texto constitucional.
Nesse sentido é a Súmula n. 247 do extinto TFR, segundo a qual não constitui pressuposto da ação anulatória do débito fiscal o depósito de que cuida o art. 38 da Lei n. 6.830/80.
Por fim e no mesmo sentido, destaque-se a Súmula Vinculante n. 28, que atribui a pecha de inconstitucionalidade a exigência de depósito prévio como requisito de admissibilidade de ação judicial na qual se pretenda discutir a exigibilidade de crédito tributário.
3. Referências bibliográficas
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 31. ed., rev. e atual. São Paulo, Noeses, 2021.
HARADA, Kiyoshi. Direito Financeiro e Tributário. 30. ed. São Paulo: Atlas, 2021.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 41. ed., rev. e atual.. São Paulo: Malheiros, 2020.
SABBAG, Eduardo. Direito Tributário essencial. 8. ed., rev. e atual.. Rio de Janeiro: Método, 2021.
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 20. ed., rev. e atual. até a EC 95/16 e de acordo com o NCPC. Rio de Janeiro: Processo, 2018.