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Médicos e Influencers: uma questão de ética

Agenda 12/09/2022 às 12:23

Quem deve influenciar a sociedade em assuntos relacionados à medicina, são os próprios médicos. Mas sem abandonar os padrões éticos, inerentes à profissão.

Na semana passada, tive a honra de compor a mesa jurídica da Jornada Paulista de Cirurgia Plástica, como relator do tema a aplicabilidade da LGPD na área da saúde, dividindo o espaço com grandes autoridades da Cirurgia Plástica e do Direito.

Um dos participantes do painel, meu grande amigo Dr. Alexandre Kataoka, apresentou com brilhantismo o tema ética médica e publicidade médica. Além de médico perito, ele é diretor da SBCP e membro do núcleo jurídico da SBCP-SP. Em sua apresentação, ele sustentou que os médicos devem ser influencers.

Segundo o especialista, se alguém deve influenciar a sociedade em assuntos relacionados à medicina, são os médicos. E quando o assunto é a cirurgia plástica, os influencers devem ser os próprios cirurgiões plásticos, e não atrizes e ex-BBBs, como vemos constantemente nas redes sociais.

Os meios de comunicação evoluíram de forma ímpar nas últimas décadas, e as redes sociais transformaram a forma da sociedade se relacionar. Todos os profissionais precisam se adaptar a esta nova realidade da comunicação, inclusive os médicos. Mas sem abandonar os padrões éticos inerentes à medicina, uma das mais nobres profissões.

Contudo, o fenômeno das redes sociais aliado ao nosso acelerado processo de emburrecimento coletivo, trouxeram um problema inusitado: Digital influencers influenciam a sociedade, independente de terem um mínimo conhecimento sobre o assunto do qual tratam. E as pessoas os seguem com uma cegueira inacreditável, que beira a estupidez. Ao ponto de uma funkeira e um youtuber serem a grande esperança de conversão de votos de um candidato a Presidente da República.

Com isso, alguns médicos passaram a contratar digital influencers, através das famosas parcerias pagas, fazendo uma publicidade repleta de infrações éticas, mas que atrai milhares de clientes (isso mesmo, clientes e não pacientes). O fenômeno causou também uma grande invasão da área da cirurgia plástica por médicos sem a devida especialização. E o mais absurdo: a invasão da atividade médica por profissionais de outras áreas. Um verdadeiro caos.

No jogo da influência digital, muitas das referências mais procuradas pelo público são profissionais medíocres, invasores da profissão ou especialidade alheia. Pessoas que se tornaram grandes referências não por mérito próprio, mas por possuírem parcerias com digital influencers que não saberiam soletrar a palavra ética, mas que faturam milhões tatuando as partes íntimas ao vivo pela manhã, e sorteando cirurgias plásticas à tarde.

Muitas das técnicas de publicidade utilizadas se enquadrariam facilmente como crime de estelionato, por enganarem os pacientes, induzindo a erro. Conteúdo apelativo, sensacionalismo, autopromoção, técnicas exclusivas e milagrosas, sorteios de cirurgias, promessas indiretas de resultado incerto e fotos manipuladas por iluminação especial, que insinuam a certeza de resultado que só existe no universo fotográfico.

É claro que a atuação antiética em tamanha escala e alcance tem um preço alto. Pois quanto mais pacientes enganados, mais queixas éticas e ações judiciais. Pois os pacientes acabam cobrando do profissional (e nunca do digital influencer) exatamente o que foi prometido: uma transformação rápida e indolor, e um resultado perfeito.

E como o material de marketing integra a documentação médica e vincula o prestador de serviços a entregar o resultado prometido, o uso desenfreado de estratégias de publicidade visando tão somente a atração de pacientes é muito perigosa, pode desvalorizar o profissional no mercado (gerando efeito contrário ao pretendido) e até encerrar sua carreira precocemente através de processos judiciais e éticos.

Durante anos, muitos médicos viraram as costas para as redes sociais, e as entidades de classe preferiram negligenciar a regulação da atuação dos que ali estavam, fazendo com que muitos profissionais invadissem o espaço do médico neste fértil território usando os serviços dos influencers, ou sendo os próprios influencers. A lacuna deixada pelos médicos acabou sendo ocupada, e hoje temos nas redes sociais um ensurdecedor coro de informações erradas, publicidade enganosa e armadilhas para os pacientes.

Com este quadro, aliado ao tradicionalismo da medicina, grande parte da sociedade médica acabou abominando a atuação do médico nas redes sociais, o que é um grande equívoco. Pois embora tenhamos alguns fazendo mal uso do recurso, é impossível negar o protagonismo que as redes sociais possuem na comunicação na sociedade moderna. E atualmente, não há lugar melhor para que os excelentes profissionais, cada qual em sua área e especialidade, exerçam o verdadeiro marketing médico, cumprindo com o importante papel de informar a sociedade.

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Neste sentido, a colocação do Dr. Kataoka em sua palestra não poderia ser mais assertiva: Os médicos especialistas não possuem só a prerrogativa, mas também a obrigação de serem os verdadeiros influencers. Pois a melhor forma de desconstruir o crítico quadro criado por profissionais sem ética nas redes sociais (que maculam a imagem de toda a comunidade médica) é ocupando este espaço, e praticando o marketing médico em perfeito atendimento às regras impostas pelo CFM e pelo Código de Ética Médica.

Por óbvio, uma atuação dentro das regras não transformará o médico em uma celebridade. Não atrairá milhares de pacientes, a exemplo de quem contrata um influencer comediante, ou uma jovem atriz. Mas será que este é o papel de um médico na sociedade? Vale a pena pagar o alto preço desta atuação irregular? Este é o legado a ser construído sob seu nome? Cabe a reflexão, pois da mesma forma que as redes sociais constroem celebridades, elas as destroem com extrema crueldade.

Por outro lado, uma atuação ética irá transmitir conhecimento à sociedade, e gerar uma relação mais próxima com os pacientes. Irá engrandecer o posicionamento digital ético e respeitoso para com os pacientes e a sociedade, expondo ainda mais os profissionais antiéticos. Irá gerar confiança, e um posicionamento de autoridade em sua especialidade. E como consequência, atrairá os melhores pacientes, conscientes e instruídos pelo rico conteúdo compartilhado pelo profissional. Aqueles que buscam algo real em um médico, e não uma ilusão.

Uma atuação ética nas redes sociais, é a melhor forma de combater o jogo de influência feito pelos profissionais sem ética, que induzem os pacientes a erro com a finalidade de obter vantagens ilícitas. Portanto, médico e cirurgião plástico, seja um influencer. Mas sem abandonar a ética.

Sobre o autor
Renato Assis

Advogado inscrito na OAB dos estados de BA, ES, MG, PR, SP e RJ; Professor de Direito e empresário; Graduado em Direito pela Universidade FUMEC-MG; Especialista em Direito Processual pela PUC-MG; Especialista em Direito Médico pela Universidade de Araraquara/SP; MBA em Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas/RJ; Especialista em Direito Ambiental e Minerário pela PUC/MG; Professor do curso de Direito Médico e Odontológico da UCA (Universidade Corporativa da ANADEM); Autor do livro “Direito Processual e o Constitucionalismo Democrático Brasileiro” – 2009; Autor do livro “Socorro Mútuo: Como a Proteção Veicular revolucionou o mercado de Proteção Patrimonial e de Seguros do Brasil” – 2019; Conselheiro Jurídico e Científico da ANADEM – Sociedade Brasileira de Direito Médico e Bioética; Acadêmico Efetivo e Vitalício na área de Ciências Jurídicas da ALACH – Academia Latino-Americana de Ciências Humanas; Membro da AIDA – Associação Internacional de Direito do Seguro; Membro da WAML – World Association for Medical Law; Presidente da Unidade Brasil da ASOLADEME – Associación Latinoamericana de Derecho Médico.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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