Profissão e carreira são coisas diferentes. Para empreender no setor da saúde é preciso ser empresário, sob pena de ver o negócio ruir. E junto, a profissão.
Você é médico, ou empresário? Esta é uma pergunta que incomoda cada vez mais os profissionais da medicina. E nem sempre a pergunta é fácil de se responder, pois muitos não sabem que a profissão e a carreira são duas são coisas totalmente diversas.
Durante muito tempo, eu me fiz a mesma pergunta. E embora até hoje responda que sou advogado, na verdade me tornei um empresário do setor jurídico, dirigindo há mais de 15 anos um relevante negócio na área. Para chegar até aqui, tive que estudar muito mais do que o Direito. Mas sendo este algo mais necessidades que possuem conexão com as ciências jurídicas e o dia a dia do advogado, meu caminho não foi tão árduo e sinuoso.
Mas, a realidade do médico é diferente: quando conclui sua formação acadêmica, o estudante de medicina se habilita a atuar profissionalmente nos setores público e privado, exercendo sua profissão: a de médico. Contudo, durante a sua formação profissional, ele não estuda as ciências necessárias à administração de um negócio, pois sua profissão nada tem a ver com este conteúdo.
A atual febre do empreendedorismo tem levado cada vez mais profissionais a abandonar os empregos formais, e abrir os seus próprios negócios. Inclusive os médicos, sobretudo por atuarem em um dos setores que mais cresce no mundo (o da saúde), impulsionado pela tecnologia e pela constante inovação, aliado a uma imensa demanda represada nas últimas décadas.
Assim, cada vez mais profissionais da saúde ultrapassam o papel de médico e decidem empreender no setor da saúde privada, como proprietário de uma empresa (como uma clínica, um hospital ou uma healthtech). E neste momento, o médico precisa tomar uma importante decisão: ser um mero empreendedor, ou um legítimo empresário do setor da Saúde.
Sob esta ótica comparativa, o empreendedor pode ser visto como um jovem entusiasta, que decide se aventurar no mercado com muita dedicação, mas levando consigo pouca ou nenhuma experiência em negócios, sem a assessoria necessária, e sem tempo para administrar a sua própria empresa.
Isto não significa que o médico precise se aprofundar nos estudos das ciências que não aprendeu na faculdade de medicina, como administração, direito, gestão, finanças, marketing e tantas outras. Pois é impossível que o médico estude tudo isto com a profundidade necessária, e também se mantenha focado e atualizado na medicina e na sua especialidade.
Na verdade, ele deve planejar todos os aspectos do negócio, aprender o mínimo necessário sobre o dia a dia do empresário, e se cercar de profissionais com as competências necessárias, para que possa se concentrar no exercício da medicina, com toda a tranquilidade que a atividade demanda.
Contudo, via de regra, não é isso o que acontece. Quando o jovem médico inicia seu próprio negócio (como uma clínica), ele costuma agir como um mero empreendedor, assumindo grandes riscos. Em alguns casos, ele acaba se tornando um legítimo empresário muitos anos depois, mas pagando um preço alto demais pelo aprendizado. Em outros ele acaba desistindo do negócio, acumulando inúmeros prejuízos e insucessos, e voltando a atuar somente como médico, carregando uma grande frustração. Em casos extremos, os erros podem o levar até mesmo a perder o direito de exercer a medicina.
O médico empresário precisa estar atento a temas como os abaixo relacionados, dentre vários outros que não são ensinados na faculdade de medicina:
A gestão do risco jurídico junto aos pacientes, e o gerenciamento de crises;
O regime tributário da empresa, e seus reflexos na pessoa física;
A gestão de contratos com fornecedores e prestadores de serviços;
A qualificação e treinamento da equipe administrativa e clínica;
A gestão da comunicação, publicidade e marketing;
O relacionamento com a imprensa e os meios de comunicação;
A gestão da documentação médica e administrativa;
As políticas de armazenamento de documentos, dados e a LGPD;
A gestão da equipe e do risco trabalhista;
Portanto, o médico que deseja empreender no setor da saúde (ou já o faz) precisa se preparar adequadamente, e se cercar de profissionais à altura da demanda e dos riscos do negócio. Pois é impossível empreender de forma totalmente autônoma, e ter a segurança necessária. Se arriscar no setor da saúde privada sem o preparo necessário é um risco imensurável, por se tratar de um mercado altamente competitivo, arriscado e judicializado.
Ignorar os riscos inerentes à atuação do médico empresário, é o mesmo que realizar uma cirurgia, de olhos vendados. A diferença é que, neste caso, o risco é todo do médico, e é ele quem arca com 100% das consequências.
Renato Assis é advogado, especialista em Direito Médico e Odontológico há 15 anos, e conselheiro jurídico e científico da ANADEM. É fundador e CEO do escritório que leva seu nome, sediado em Belo Horizonte/MG e atuante em todo o país.