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O DIREITO DA ADOÇÃO POR FAMÍLIAS HOMOPARIENTAIS

O artigo tem como objetivo evidenciar o direito à adoção de crianças por casais homoafetivos, demonstrando que nenhum direito real deve ser violado, em prevalência aos princípios fundamentais elencados na Constituição Federal e no ECA.

O DIREITO DA ADOÇÃO POR FAMÍLIAS HOMOPARIENTAIS

THE RIGHT TO ADOPTION BY HOMOPARENTAL FAMILIES

 

João Victor Oliveira Carneiro[1]

Tarsis Barreto Oliveira[2]

 

RESUMO

O presente artigo tem como objetivo evidenciar o direito líquido e certo à adoção de crianças por casais homoafetivos, demonstrando que nenhum direito real deve ser violado, em prevalência aos princípios fundamentais elencados na Constituição Federal e no Estatuto da criança e do adolescente. É de se valer também que o Instituto Brasileiro de Direito de Família afirma que o objetivo central da formação do laço familiar é o anseio de ter filhos, construindo um laço de afinidade com o parceiro. Logo, torna-se indispensável o reconhecimento da parentalidade de pessoas do mesmo sexo, que, em uma constelação familiar moderna, exige apenas um valor referencial parental, independentemente do gênero.

Palavras-chave: Família; homoparentalidade; direitos fundamentais.

 

ABSTRACT

This article aims to highlight the net and certain right to the adoption of children by homosexual couples, demonstrating that no real right should be violated, in prevalence of the fundamental principles listed in the Federal Constitution and the Statute of the child and adolescent. It is also worth mentioning that the Brazilian Institute of Family Law says that the central objective of the formation of the family bond is the desire to have children, building a bond of affinity with the partner. Therefore, the recognition of same-sex parenthood becomes indispensable, which, in a modern family constellation, requires only a parental referential value, regardless of gender.

Keywords: Family; homoparenting; fundamental rights.

 

1. INTRODUÇÃO

 

O conceito da palavra família presente no dicionário Aurélio abrange um Núcleo social de pessoas unidas por laços afetivos, que geralmente compartilham o mesmo espaço e mantêm entre si uma relação solidária. Diante disso, o Código Civil de 2002, na parte do Direito de Família, é fortalecido a partir dos princípios da dignidade da pessoa humana, igualdade jurídica dos cônjuges, e igualdade jurídica de todos os filhos.

O direito de construir uma família vale para todos; portanto, constitui cláusula pétrea, elencada no Artigo 5°, caput, da Constituição Federal. É notório observar também que o texto integral do artigo 16 da Declaração Universal dos Direitos humanos (DUDH) afirma que a partir da idade núbil, o homem e a mulher têm o direito de se juntar e constituir uma família, sem restrição de raça, nacionalidade ou religião. A família é um elemento natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção do estado e a proteção social.

Este trabalho tem o objetivo de evidenciar a legalidade do direito de adoção por casais homoparentais. Ademais, é importante discutir a inclusão de diversidade, mudança de padrões socioculturais e o direito de se sentir plenamente humano. (CUSTÓDIO, 2012)

 

2. A ADOÇÃO NO BRASIL

 

A regulamentação da adoção no Brasil seguiu diversas legislações. Partiu o legislador dos seguintes requisitos para a adoção: ter 16 anos de diferença do adotado e a formalização ter se dado por escritura pública, união estável e restar comprovada a estabilidade familiar, idade superior a 18 anos e situação socioeconômica estável pode adotar (BRASIL, 2022).

A adoção de crianças e adolescentes rege-se pela Lei 8.069/90, que, juntamente com o artigo 19 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), facilita o processo de adoção de toda criança e adolescente que estiver habilitada no programa de acolhimento familiar ou institucional, cadastro definido pela resolução do CNJ.

A adoção é apresentada na Constituição Federal em seu artigo 227:

 

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligencia, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (grifo nosso).

Assim, a Constituição Federal comprovou que os direitos mencionados no artigo dependem do convívio famíliar, o que se espera de uma nação democrática, calcada no respeito à diversidade cultural, de gênero e de classe social, presentes todos os elementos que possibilitem um desenvolvimento sadio no plano da sociedade.

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3. CONCEITO DE FAMÍLIA

 

A família apresentou mudanças ao longo do processo civilizatório, passando a abranger diferentes sentidos e valores. Essas mudanças estão relacionadas a fatores culturais e religiosos e estão ligados à dinâmica e política de cada sociedade (CUSTÓDIO, 2012).

A diversificação, em que coabitam pessoas compondo diferentes núcleos familiares, é considerada também um dos conceitos de família. A este respeito, a Carta Magna, em seu Artigo 226 e parágrafos, reforça o significado do conceito de família da seguinte forma:

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

[...]

§ 4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.

§ 5º - Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.

[...]

§ 7º - Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas.

§ 8º - O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações (BRASIL, 2022).

Pelo princípio da dignidade da pessoa humana e da igualdade, a Constituição Federal ampliou ainda mais o conceito de família, abrangendo formas familiares também construídas sobre a base do afeto, com a vontade de cultivar relações prolongadas, construindo e desenvolvendo laços afetivos de responsabilidade e respeito.

Logo, no que tange à celebração de matrimonio de pessoas do mesmo sexo, dispõe a Resolução N° 175, de 14 de maio de 2013 do CNJ;

Art. 1º É vedada às autoridades competentes a recusa de habilitação, celebração de casamento civil ou de conversão de união estável em casamento entre pessoas de mesmo sexo.

Art. 2º A recusa prevista no artigo 1º implicará a imediata comunicação ao respectivo juiz corregedor para as providências cabíveis (CNJ, 2013).

Sua Excelência, o Ministro Joaquim Barbosa, teve a observância e cuidado de resguardar que a norma fosse cumprida diante da sociedade, advertindo sobre as punições perante a esfera criminal, além de responsabilização por dano moral e psíquico na hipótese de seu descumprimento.

Desta forma, no âmbito do Direito brasileiro, é reconhecido o núcleo familiar de pessoas que se relacionam com o mesmo sexo, obtendo por lei os mesmos requisitos de uma União Estável, havendo o dever de proteção do Estado na observância do princípio da igualdade. Trata-se, portanto, de um valor jurídico a ser resguardado. (CUSTÓDIO, 2012)

 

4. ADOÇÃO POR CASAL HOMOAFETIVO

 

O Governo Federal publicou cartilha com o tema Família para todos, fazendo ressaltar que a necessidade básica do ser humano é se sentir bem e ser aceito na sociedade em que habita. Esses fundamentos primordiais, valorosos à nossa sociedade, visam à proteção do interesse da criança e do adolescente, demonstrando o contexto de uma adoção saudável.

Partindo do reconhecimento do valor jurídico de afeto e preenchidas todas as circunstancias necessárias para que ocorra a adoção, é demonstrado que o adotado não é prejudicado pelo simples fato de ser criado em um lar homoafetivo, não devendo prevalecer argumentos de cunho preconceituoso que se oponham às normas previstas no Artigo 5°, §2º, da Constituição Federal de 1988.

Art 5º (...)

[...]

§2, CF Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte (BRASIL, 2022)

Neste tocante, a Jurisprudência tem se formado no sentido de reconhecer a adoção entre casais homoafetivos, uniformizando o entendimento acerca da matéria.

(HC 520.226SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 17122019, DJe de 19122019)

"HABEAS CORPUS. DIREITO DE FAMÍLIA. GUARDA E ADOÇÃO. MENOR IMPÚBERE (10 MESES DE VIDA). CASAL HOMOAFETIVO. ENTREGA PELA MÃE. ADOÇÃO. PROCEDIMENTO FORMAL INICIADO. ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL. MEDIDA TERATOLÓGICA. MELHOR INTERESSE DO MENOR. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.

1. A potencial possibilidade de ocorrência de dano grave e irreparável aos direitos da criança, ora paciente, que foi recolhida em abrigo após longo convívio com a família que o recebeu como filho, impõe afastar de plano o óbice formal da Súmula nº 691STF.

2. O menor, então com 17 (dezessete) dias de vida, foi deixado espontaneamente pela genitora na porta dos interessados, fato descoberto após a conclusão de investigação particular.

3. A criança vem recebendo afeto e todos os cuidados necessários para seu bem-estar psíquico e físico desde então, havendo interesse concreto na sua adoção formal, procedimento já iniciado, situação diversa daquela denominada adoção "à brasileira".

4. A observância do cadastro de adotantes não é absoluta porque deve ser sopesada com o princípio do melhor interesse da criança, fundamento de todo o sistema de proteção ao menor.

5. Ordem concedida.

Neste tocante, pode-se citar a ADI nº 4277 e a ADPF nº 132, afirmando a compatibilidade desta adoção ao melhor interesse a criança.

A ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade) nº 4277 trata do reconhecimento da família homoafetiva, adquirindo os mesmos direitos e deveres dos casais heterossexuais. ADPF (Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental) nº 132 aborda o desrespeito e a criminalização às famílias homoparentais, que ferem os preceitos fundamentais da igualdade e liberdade, e o princípio da dignidade da pessoa humana, todos previstos na Constituição Federal. (BRITO, 2021)

A população LGBTQIA+ faz jus à construção de uma família, independentemente de seu gênero ou sexualidade, possuindo este tema significativo impacto, constituindo um desafio para a consagração, em nossa sociedade, do princípio da igualdade entre os brasileiros.

O Estado, em seu papel de fiscalizador e promulgador da igualdade e fraternidade, consagra o reconhecimento do casamento e a proteção desses direitos, resguardando deveres e obrigações da vida civil como: matrimoniar, compartilhar bens, construir patrimônio, ter o direito da adoção, dentre outros.

Com o reconhecimento pela Justiça de famílias homoparentais, rompeu-se a noção de que filiações não seriam fruto unicamente da reprodução biológica; a família necessariamente não é mais constituída por pessoas que moram na mesma casa; a adoção ou a miscigenação de casais forma famílias multirraciais, e a diversidade religiosa demanda tolerância, bem como a laicização do Estado.

Preceitua a lei 9.278, 10 de maio de 1996, que modifica a redação do artigo 226 da Constituição Federal, § 3° que:

Art. 1º É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família.

[...]

Assim, para Fraga, a Carta Maior de 1988 superou o termo de família-instituição para família-instrumento, que se volta "para o desenvolvimento da personalidade dos seus membros, sendo, portanto, de crucial importância à preservação das estruturas psíquicas dos indivíduos", o que envolve a "garantia de convívio com aqueles que lhe representam afeto". (FRAGA, 2005)

Não conflita com o princípio do melhor interesse da criança a guarida do menor em famílias afetivas do mesmo sexo. É dever da família, do Estado e da sociedade lutar pela igualdade de tratamento das crianças, independentemente da orientação sexual dos adotantes. Logo, torna-se fundamental refletir sobre o direito à adoção para a diversidade de família, com foco no bom convívio entre adotante e adotado.

No tocante à filiação, deve-se prezar pela construção do laço afetivo, pois cada família precisa lidar com seus padrões e conceitos para fazerem emergir uma maneira real de constituir um grupo familiar com direitos e deveres que atendem aos que nele participam, em uma construção de um relacionamento ou uma configuração vincular que lhes deem sentido de intimidade, pertinência e diferenciação.

 

5. CONCLUSÃO

 

O conceito essencial de família é aquele que atrai afeto por meio da convivência familiar contínua, independentemente de padrões pré-concebidos. A Justiça precisa entender a particularidade de cada grupo familiar para garantir, efetivamente, o sentido do pluralismo esculpido na Constituição.

O conceito essencial de melhor interesse da criança é compatível com a adoção por casais homoafetivos, de tal forma que o convívio familiar se revela materialmente sadio quando focado na construção do amor, cuidado e dedicação, fatores que independem da orientação sexual.

Para o reconhecimento da família homoparental, deve-se demonstrar o vínculo de filiação duplo, com pai e pai ou mãe e mãe. A homoparentalidade está em consonância com uma evolução geral do Direito de Família, que exige o reconhecimento de entidades familiares monoparentais, reconstituídas, recompostas, anaparentais, homoafetivas, rompendo com a família nuclear tradicional, constituindo igualmente um direito a adoção ou utilização de técnicas de reprodução assistida por casais homossexuais.

A jurisprudência aponta uma tendência salutar, que, embora ainda tímida, representa o início de uma mudança, promovendo a superação dos papéis de gênero a partir da homoparentalidade como expressão maior da democratização das entidades familiares.

A grande barreira encontrada é a redação do artigo 42 do ECA, no que se diz respeito à exigência de que os adotantes sejam casados ou mantenham união estável. No entanto, essa norma vem sendo enfrentada pela doutrina e jurisprudência, sobretudo com a decisão do Supremo Tribunal Federal, já comentada, que conferiu às uniões homoafetivas o status de entidade familiar, equiparando-as às uniões estáveis entre heterossexuais.

No Brasil e em todo o mundo, crianças abandonadas desejam uma família, ao mesmo tempo em que casais homoafetivos desejam constituir uma família, tornando ainda mais importante a uniformização destas vontades em torno da construção de uma família voltada para a proteção do menor e o compartilhamento do afeto.

 

REFERÊNCIAS

 

CUSTÓDIO, Jaqueline. Homoparentalidade: um direito em construção. Joaçaba, 2012.

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm <acesso em 10 de junho de 2022, as 10:00 horas>

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm <acesso em 10 de junho de 2022, as 16:00 horas>

https://www.gov.br/mdh/pt-br/navegue-por temas/familia/CARTILHADAADOOFAMLIAPARATODOS1.pdf <acesso em 15 de junho de 2022, as 9:00 horas>

Superior Tribunal de Justiça STJ - HABEAS CORPUS: HC 649964 RS 2021/0066473-8 (jusbrasil.com.br) <acesso em 16 de junho de 2022, as 20:00 horas>

https://portal.fgv.br/artigos/10-anos-decisao-historica-stf-reconheceu-uniao-homoafetiva <acesso em 12 de julho de 2022, as 15:12 horas>

https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/1754 <acesso em 12 de julho de 2022, as 17:30 horas >

https://ibdfam.org.br/artigos/458/Homoparentalidade:+um+novo+paradigma+de+fam%C3%ADlia

FRAGA, Thelma. A guarda e o direito de visitação sob o prisma do afetoNiterói: Impetus, 2005, p. 45.

Sobre os autores
Tarsis Barreto Oliveira

Doutor e Mestre em Direito pela UFBA. Professor Associado de Direito da UFT. Professor Adjunto de Direito da UNITINS. Professor do Mestrado em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos da UFT/ESMAT. Membro do Comitê Internacional de Penalistas Francófonos e da Associação Internacional de Direito Penal.

João Victor Oliveira Carneiro

Pós-Graduando em Ciências Criminais pela Universidade Federal do Tocantins (UFT). Pós-Graduado em Direito Penal e Processo penal pela Faculdade Pro-Minas. Bacharel em Direito pela Universidade Tocantinense Presidente Antônio Carlos (UNITPAC).

Informações sobre o texto

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