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A legalidade do uso de drones perante o direito internacional dos conflitos armados

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Agenda 28/09/2022 às 14:33

O uso generalizado de robôs parece constituir verdadeira caixa de Pandora para que crimes de guerra não estejam mais sujeitos à responsabilização perante o direito internacional.

INTRODUÇÃO

O advento e uso dos veículos aéreos não tripulados (VANT), mais conhecidos pelo vocábulo anglófono drone, e sua utilização como meio bélico tem suscitado enorme controvérsia e acalorados debates entre internacionalistas. Parece insinuar uma grande inflexão ou até mesmo mitigação do jus ad bellum e também do direito humanitário.

A despeito de todo discurso que tem buscado conferir-lhe legitimidade, contundentes críticas, presentes até mesmo em famosas publicações norte-americanas de grande circulação, tem sido inequívocas em apontar a ausência de observância do devido processo legal,  o consequente assassinato extrajudicial de nacionais estadunidenses no exterior, assassinato de estrangeiros não combatentes e a ausência de transparência dos critérios para execuções. As incertezas quanto à utilização de drones, aliás, mesmo entre a opinião pública dos EUA, chegam a ser tão flagrantes, que um jornal como o New York Times chega até mesmo a estampar em sua manchete que tal arma revelaria uma incômoda verdade: os EUA estão frequentemente incertos com relação a quem irão matar. [i]

Outros críticos, como o monitor especial da Organização das Nações Unidas (ONU),  Ben Emmerson, chega a ser mais categórico:  o uso de VANT seria crime de guerra.O uso de drones estaria acontecendo inclusive com nítida inobservância da vontade de governo nacional, como o Paquistão.[ii]

Este trabalho tem por principal intento a análise da suficiência da normatividade do jus in bello e do jus ad bellum, além da consequente legalidade ou ilegalidade do drone. Será analisada outrossim a potencial ofensividade do VANT aos direitos humanos. Será esmiuçada a alegação de que  conceitos basilares como o da figura do combatente e da zona de combate teriam desaparecido, tendo como seu corolário o assassínio indiscriminado da população civil de países como Paquistão, Iêmen ou Síria, ou se tratar-se-ia tal aparato de inevitável progresso tecnológico a ser utilizado em conflitos armados, como alegam muitos de seus defensores.

Outra questão que merecerá enfoque neste trabalho é o possível advento do drone totalmente independente de ações humanas e suas implicações jurídicas. Uma breve análise retrospectiva histórica das últimas décadas parece indicar o progressivo incremento do uso do capital em detrimento do trabalho humano no uso militar. Tal tendência parece ter como seu resultado a completa substituição do ser humano pela máquina como combatente,o que acarretará diversas incertezas,  como com relação à responsabilização por eventuais ilícitos internacionais perpetrados por robôs.

A perspectiva desses riscos tem levado organizações não governamentais (ONGs) como a Human Rights Watch, o Comitê para Controle de Robôs Armados e a Universidade de Harvard a defenderem a completa proibição de robôs como armas de guerra.[iii] O VANT, é necessário não perder de vista, não seria nada menos que o embrião dessas armas. Este trabalho se insere, portanto, num período em que a decisão de matar está prestes a ser delegada a máquinas autônomas, e as consequências desse fenômeno sugerem necessidade da mais ampla discussão a respeito do tema.

BREVE RETROSPECTO HISTÓRICO DO JUS AD BELLUM

Para que o fenômeno do uso dos VANTs e suas implicações seja compreendido de modo crítico e satisfatório, parece pertinente uma análise preliminar do desenvolvimento histórico da guerra perante o Direito Internacional, o que aqui se faz a seguir.

O primeiro código relativo ao direito de guerra foi o dos sarracenos, baseado no Alcorão e nas decisões de Maomé e seus seguidores. Ele proibia ‘’projéteis”  incendiários, envenenamento de poços e cursos da água etc. O próprio direito internacional, aliás, cumpre frisar, surgiu como sendo eminentemente um direito de guerra. Algumas das primeiras obras comprovam esse sentido: Legnano - “De bello” (1360);  Gorco – “De bello, justo” (1420); Martin de Lodi- “De bello’’; Wilhelmus Mathiae- “Libellus de bello justo et  licito”, são algumas das obras  debutantes do Direito Internacional Público. (MELLO, 1992)

A doutrina da denominada ‘’guerra justa’’ teve seu advento com a conversão cristã do Império Romano. Mencionado conceito teve fundamentação no legado filosófico greco-romano e tinha como objetivo a mantença do status quo. O ânimo beligerante, portanto, deveria se restringir a punir e responder atos considerados injustos perpetrados pela outra parte. Com  base em Tomás de Aquino, aliás, a punição da agressão era direcionada à subjetividade culpada do perpetrador, não à objetividade dos atos realizados. A guerra poderia ser admitida, conforme o precitado filósofo, se como resposta à agressão injusta. (SHAW. 2010)

O advento e consolidação de Estados nacionais europeus, contudo, impôs modificações à teoria. Nações cristãs passaram a guerrear entre si. Gradualmente isso levou à conclusão de que ambos os lados teriam os mesmos direitos de promover guerras justas. Cenário esse que seria o presságio do positivismo, que logo ditaria os termos sob os quais se dará guerra e paz entre Estados. (SHAW, 2010)

Hugo Grócio logo tentaria formular um conceito de guerra justa menos pautado por considerações ideológicas, procurando baseá-lo na auto-defesa do Estado, proteção à propriedade e aos cidadãos estatais.

Seria, entretanto, com a emblemática Paz de Westfália de 1648 que o conceito de guerra justa seria extirpado do Direito Internacional, pois reconhecidos passaram a ser os Estados como entidades soberanas providas de igualdade jurídica formal. Os Estados, com isso, passaram a se pautar na legalidade e no consensualismo em suas ações. O uso da força não foi abolido, mas passou a sofrer maiores restrições. O balanço de poder entre os Estados é que passou a ser o fundamento da ordem internacional, restando ainda a possibilidade de imposição de medidas unilaterais de força dos Estados mais fortes contra os mas fracos. Essas medidas, no entanto, com o findar do século XIX, teriam cada vez menos legitimação. O bloqueio à costa venezuelana em 1902, que deu ensejo ao surgimento da Doutrina Drago é exemplo emblemático nesse sentido, já que referida doutrina propugnou vedação de tais arbitrariedades levadas a cabo por nações imperialistas, como Alemanha, Itália e Inglaterra contra a Venezuela em virtude de dívidas.

Com o findar da Primeira Guerra Mundial, o balanço de poder deixou de ser o fundamento das relações e consequentemente o uso da força pelos Estados também. Entrou em cena o reforço das instituições proscrevem a guerra. Criou-se a Liga das Nações, sob a qual foi defeso o recurso à força sem intermédio de instâncias jurisdicionais. O uso da força pelos Estados foi também tratado pelo tratado de 27 de agosto de 1928, conhecido por Pacto de Briand-Kellog, que, em seu art. 2º, §3º, impôs a resolução de controvérsias por meios pacíficos. O malogro das instituiçoes que buscaram vedar o uso da força, por meio de novo conflito mundial, enterrou  aquele arcabouço institucional.

Foi só após o final do segundo conflito de escala mundial que veio o art.2º, §4º da Carta das Nações Unidas consagrar a proibição formal da guerra. A guerra se tornou meio ilícito de solução de controvérsias perante o Direito Internacional, mas o caso de legítima defesa, fundamentada até no perigo de dano atual e iminente não deixou de existir. [iv]

Oportuno notar, porém, que o vocábulo guerra não é empregado no precitado dispositivo da Carta da ONU. Em virtude de seu conceito controverso, optou-se pelo uso da expressão “força arma’’ em vez de ‘’guerra’’. Essa dicção acabou por tornar certa a abrangência da vedação ao ataque armado por parte de membros da ONU. (DINSTEIN, 2004)  A agressão, portanto, se converteu em ato internacionalmente ilícito, restando aos Estados os meios pacíficos de solução de controvérsias.

Outra inovação conscrita na Carta das Nações Unidas em relação ao sistema de segurança internacional anterior é o §6º do já mencionado art.2º, cujo enunciado é:

” A Organização fará com que os Estados que não são Membros das Nações Unidas ajam de acordo com esses Princípios em tudo quanto for necessário à manutenção da paz e da segurança internacionais.”

Nota-se, assim, que a observância dos Princípios consagrados pela Carta acaba por perpassar o voluntarismo estatal, tornando-se uma obrigação erga omnis. Algo certamente inédito num sistema internacional cujo Direito era até então pautado exclusivamente pelo soberanismo.

Nessa esteira, o sistema onusiano promoveu diversos avanços e se impôs como um sistema menos vulnerável e suscetível aos ânimos estatais.

Ressalte-se, ademais, que a Assembleia-Geral da ONU, por intermédio da Resolução nº 3.314, de 14 de dezembro de 1974, aclarou o significado de agressão nos seguintes termos: “art.1º Agressão é o uso de força armada por um Estado contra a soberania, integridade territoriral ou independência política de outro Estado, ou qualquer outra atitude que seja inconsistente com a Carta das Nações Unidas, conforme preconizado por esta definição. [v]

Inobstante o progresso legislativo, todavia, os conflitos mundiais não se extinguiram. Atualmente, sobretudo, pode-se notar inclusive uma profusão de conflitos bélicos. Síria, Ucrânia, Sudão do Sul, República Centro Africana, Iraque, Iêmen, Líbia, são  alguns países que se tornaram evidências da relativa ineficácia da proibição do recurso à força perante pelos membros da ONU.

O advento da denominada ‘’guerra cirúrgica’’, que se materializou primeiramente contra o Iraque de Saddam Hussein e a Sérvia de Milosevic, deu origem àquilo que hoje nada mais é que a ampliação exponencial da ‘’guerra ao terror’’ da era Bush, os ataques via drones contra diversos países do globo. Outro desafio contundente à interdição ao uso da força pelo direito internacional.

Os problemas da interdição do uso da força, porém,  não têm se limitado ao caráter quantitativo, de maior ou menor consonância com o ordenamento establecido. Podem se notar problemas qualitativos em relação ao tema. Chamayou (2015) pontua  para uma  inflexão substantcial que o uso de VANTs têm promovido no direito internacional. É necessário ter em conta que não somente a interdição ao uso da força está sendo desafiada como também o próprio fundamento clássico da guerra.

 Há que se levar em consideração, como assinala precitado autor, que dois paradigmas historicamente opostos conceituam juridicamente a guerra: o primeiro, de caráter penal, a assimila a uma punição legítima. O adversário equivale a um culpado que merece ser castigado. O segundo paradigma, que embasa o direito internacional atual, codificado e reconhecido pelas instituições internacionais, preconiza a igualdade do direito de matar, tem por resultado a igualdade jurídica dos combatentes. Impõe igualdade de direitos e deveres dos beligerantes.(CHAMAYOU, 2015)

Este último paradigma, conclui-se, é aquele que fundamenta a suspensão da ilicitude do homicídio. Se há o direito de matar sem crime, é porque esse direito é mutuamente atribuído.  Paul W. Kahn (2002) observa que com a supressão dos riscos para um dos combatentes, como ocorre no caso do uso de drones, a  guerra dá lugar a uma atividade policial sem contexto. [vi] Isso solapa as bases do direito de matar.

Nota-se, portanto, que a proibição do uso da força está sendo substituída por outro modelo. Os apologistas deste novo paradigma, dentre os quais podem ser citados Strawser e McMahan(2010; 2012, apud CHAMAYOU, 2015), falam em “igualdade moral dos combatentes’’, que é substituída por um direito unilateral de matar embasado em um conceito de justa causa. O direito de guerra, portanto, se converte em um simplório maniqueísmo que concebe uma parte como intrinsecamente justa e a outra parte como intrinsecamente injusta. O combatente injusto, ainda que observe as prescrições do jus in bello, não terá direito ao combate. O combatente justo, a seu turno, sequer deverá pautar-se pelo jus ad bellum. (CHAMAYOU, 2015)

Chamayou (2015) assinala que a tese oposta, ou seja, a da igualdade jurídica – e a da não moral dos combatentes é que seria aquela capaz de reconhecer as contradições, a aporia constitutiva da guerra justa.  A igualdade jurídica, pois, concede direitos e deveres iguais aos beligerantes, independentemente de sua autoproclamada ‘’moralidade’’. Há que se notar, por conseguinte, que os defensores dos  drones não só desafiam materialmente o direito da guerra e a base jurídica sob a qual esse ordenamento se assenta, como também procuram consagrar uma fórmula que nega até mesmo o direito ao combate por uma das partes envolvida em um conflito.

Percebe-se, desse modo, que a interdição do uso da força, conquista jurídica internacional criada com o fito de obstruir ações unilaterais das potências militares que outrora submetiam nações mais fracas a seu puro arbítrio, parece insinuar séria crise. O conceito de “guerra justa’’ ensaia seu retorno e tem nos drones a materialização de um desafio à igualdade jurídica dos beligerantes, aspecto mais basilar do direito internacional de guerra contemporâneo.

A  LEGÍTIMA DEFESA NO DIREITO INTERNACIONAL E O USO DE DRONES

A legítima defesa, como já mencionado, é modalidade facultada aos membros da ONU para emprego de forças armadas contra o agressor. Por se tratar de instituto amiúde invocado pelos EUA para o uso de drones em países como o Paquistão, Síria e Iêmen, merece ser detalhadamente analisado para que seja constatada sua pertinência.

Conforme dispõe a Carta da ONU, com relação ao exercício da legítima defesa:

Artigo 51. Nada na presente Carta prejudicará o direito inerente de legítima defesa individual ou coletiva no caso de ocorrer um ataque armado contra um Membro das Nações Unidas, até que o Conselho de Segurança tenha tomado as medidas necessárias para a manutenção da paz e da segurança internacionais. As medidas tomadas pelos Membros no exercício desse direito de legítima defesa serão comunicadas imediatamente ao Conselho de Segurança e não deverão, de modo algum, atingir a autoridade e a responsabilidade que a presente Carta atribui ao Conselho para levar a efeito, em qualquer tempo, a ação que julgar necessária à manutenção ou ao restabelecimento da paz e da segurança internacionais.”[vii]

Nota-se, consoante a dicção do dispositivo em epígrafe, que o direito é considerado inerente, algo que suscita diversas controvérsias interpretativas, posicionamentos restritivos ou expansivos em relação à possibilidade de auto-defesa. Isso já suscita controvérsias entre os doutrinadores. Pode-se falar, grosso modo, que os intérpretes de inclinações restritivas tendem a interpretar que o dispositivo evocado veda ações armadas levadas a cabo por Estados que não façam contraponto a iminente e atual risco de dano.

 Os juristas de posicionamento extensivo, em contrapartida, chamam a atenção para o fato de que o desenvolvimento tecnólogico atual nos legou armamentos que podem ocasionar danos de enormes proporções  em lapsos temporais ínfimos , tornando, por conseguinte a exigência de risco atual e iminente de dano inaceitável. Defende-se, com base nisso,  a possibilidade de que a legítima defesa preemptiva seja realizada. Isso é,  havendo evidência substancial de dano iminente, pode o Estado atacar para evitar ser atacado, hipótese que mesmo juristas restricionistas têm admitido aplicabilidade.[viii]

Yoram Dinstein (2004, p.256), ademais, menciona existência de corrente que sustenta que o art. 51 apenas teria exposto uma forma de legítima defesa dentre outras salvaguardadas pelo direito internacional costumeiro. Visão que teve apoio no do Juiz Schwebel no emblemático Caso Nicarágua, que rejeitou a estrita observância do excerto do art. 51 que preconiza  que o direito à letítima defesa existe ‘’se, e somente se, houver um ataque armado”. Visão que Dinstein não acata, pois, ressalta este autor,  não há a menor indicação de que, no art. 51, a ocorrência de um ataque armado represente apenas um grupo de circunstâncias dentre outras nas quais pode ocorrer a legítima defesa. Se essa fosse a intenção do legislador, ele não seria silente quanto a essas hipóteses aventadas. Não faria sentido que a descrição do art.51 somente seja expressa com relação à resposta ao ataque armado. Dinstein sustenta, outrosssim, que mesmo a ameça destrutiva representada pelas armas nucleares não possibilitaria a legítima defesa preemptiva, pois não há como entender que o art. 51 teria sua aplicação restrita à guerra convencional.

Urge notar, porém, que mencionado autor não interpreta o direito à legítima defesa dos Estados de modo tão rígido.  A legítima defesa por interceptação seria para ele, pois, admissível e lícita. Isto é, no cenário em que houver evidências convenvincentes, que não são meras ameaças ou perigo potencial de um ataque, um ataque armado por parte do Estado que pretende se defender poderá ocorrer. A denominada “Guerra de Seis Dias’, de junho de 1967,’ é, dessarte, mencionada por Dinstein como exemplo de conflito no qual o Estado que estava prestes a ser atacado teria atacado primeiro licitamente para defender-se.

Há, por outro lado, dentre autores que interpretam o direito à legítima defesa de modo mais abrangente, aqueles que recorrem ao contexto histórico de elaboração da Carta onusiana. Para alguns destes, há que se levar em conta que à época de elaboração da Carta da ONU, armas químicas, biológicas e nucleares não eram ainda conhecidas. John Foster Dulles, inclusive, é citado, pois teria ele reconhecido mais tarde que tratar-se-ia, a Carta da ONU, de um documento pré-nuclear, já que foi elaborado tendo como parâmetro a Segunda Guerra Mundial. Conflito que, convém frisar, não teve também presença marcante de atores não estatais. É com base nessa contextualização histórica de elaboração da Carta que autores alegam ser imperioso reconhecimento de um suposto direito costumeiro de legítima defesa contido mesmo na dicção do art. 51. (AREND, 2003)

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É frequente também que se evoque um suposto direito costumeiro de legítima defesa, com base  no vocábulo ‘’inerente’’, decorrente da soberania estatal.  O argumento parece não se sustentar, no entanto. Há que se ter em conta que o princípio da soberania do Estado não esclarece o tema da legítima defesa. A soberania possui conteúdo conformado pelo momento histórico da ordem jurídica internacional. A afirmação de que a legítima defesa seria um direito inerente ou direito natural (como ocorre na tradição francesa), seria, por conseguinte, equivocada.

A soberania e seu direito de legítima defesa decorrente, dessarte,  dado seu conteúdo variável e histórico, permite até que se possa conjecturar. Não seria impossível que um dia, por exemplo, os Estados possam concordar em renunciar completamente ao uso da força em legítima defesa em favor do exercício de um poder de polícia internacional centralizada, por exemplo. (DINSTEIN, 2004)

Olivier Corten (2008, p.619) , ademais, lembra-nos que o art. 51 tem por escopo limitar às hipóteses de natureza excepcional, envolvendo um membros das Nações Unidas alvo de agressão armada, um direito de resposta armada que pode ser exercido sem autorização do Conselho de Segurança. A lógica da Carta em sua lógica sistêmica poderia, portanto, ser enunciada como: o direito de recurso à força é reservado primordialmente ao Conselho de Segurança e isso tem por objetivo elidir o unilateralismo de épocas anteriores.

Com relação à ameaça iminente como o uso de armas nucleares, e outras armas que justificariam uma revisão prática da observância estrita do art. 51, Corten rememora que diversos exemplos históricos de agressões internacionais já foram respaldados por suposta legítima defesa. A invasão da Holanda e Bélgica pela Alemanha Nazista, a pretexto de proteger-se de hipotética invasão anglo-francesa, ou o ataque à base de Pearl Harbor pelos japoneses, foram justificados como legítima defesa preventiva, assevera o jurista. O restrospecto histórico, portanto, não parece abalizar a legitimação do uso da força em legítima defesa preventiva.

Outro ponto pertinente levantado por Corten é a persistente rejeição da noção de legítima defesa preventiva por parte da comunidade internacional. Não há anuência para o exercício da legítima defesa preventiva com base nas discussões em instâncias políticas da ONU. A jurisprudência internacional, cumpre salientar, é reticente em acatar tal noção.

O caso da crise dos mísseis de 1962, no qual os Estados Unidos impuseram quarentena ao território de Cuba para impedir este governo que recebesse armas nucleares soviéticas, embora seja tomado como emblemático precedente de legítima defesa preventiva, não teve amparo em discussões no seio da ONU. Naquele episódio, os EUA recorreram à Organização dos Estados Americanos, organização regional, e se valeram de seu sistema de segurança para impor medidas contra Cuba. A legítima defesa preventiva, aliás, não foi invocada naquele episódio e não há nada que indique que tal tese teria acolhida pela comunidade internacional de Estados.

Outro precedente emblemático é o da “Guerra dos Seis Dias’’, de 1967. Na medida em que Israel  justificou seu ataque ao Egito, Jordânia e Síria por haver risco de ataque iminente, alegou legítima defesa. A tese, neste episódio foi não só evocada como também aceita pelo Conselho de Segurança da ONU.  A legítima defesa em sua modalidade preventida, todavia, não foi evocada e tampouco foi aceita pela comunidade internacional naquele momento, consoante assevera Corten.

Caso mencionado por Corten no qual foi evocado o direito de legítima defesa preventiva, foi naquele da guerra entre Iraque e Irã, no qual o primeiro Estado, entretanto, tampouco logrou êxito em convencer a comunidade internacional para precedente que legitimasse tal instituto.

O bombardeio israelense do reator nuclear iraquiano em 1981,  episódio no qual foi também evocada a legítima defesa preventiva, não teve igualmente respaldo internacional. Cumpre notar que para Yoram Dinstein (2004, p 259), todavia, a legalidade desse ataque promovido pelo Estado israelense residiria no fato de que havia guerra formalmente declarada entre aqueles dois Estado naquele período.

Corten rememora, outrossim, que a resolução nº 1441 de 8 de novembro de 2002, autorizando a intervenção estadunidense embasada na guerra preventiva, não teve respaldo político internacional. O direito de intervenção foi exercido por haver suposta detenção de armas de destruição em massa por parte do Estado iraquiano, mas o Movimeno Não Alinhado foi entático em seu firme posicionamento contra tal posicionamento unilateral. O argumento de guerra preventiva tampouco foi acolhido pelos Estados ocidentais, tal como Alemanha, França e Bélgica. (CORTEN, 2008, p.665)

Como se nota,  a interpretação extensiva do art. 51 da Carta onusiana é bastante controversa, não encontra respaldo legal em leitura rigorosa, exata, de suas palavras e se baseia, por conseguinte, em entendimento frágil, desprovido de legitimidade política, potencialmente nocivo à segurança internacional, embora defendido por diversos estudiosos. O uso de legítima defesa preemptiva, corolário dessa leitura extensiva, tem enorme potencial para que a vedação aos conflitos armados se torne letra morta na prática.

Outra questão levantada, todavia, é a própria aplicabilidade da normatividade do direito de guerra ao uso de drones. Se a legítima defesa peemptiva fundamenta o uso de VANTs,  um regime jurídico deverá ser imposto à sua ação. É preciso aclarar o regime jurídico aplicável  aos VANTs. Caso se aplique o direito de guerra, deverão atuar em observância dos princípios da proporcionalidade e da necessidade dos ataques. (STERIO, 2012)

A controvérsia, considerado o direito de guerra, não se restringe a esse aspecto, porém. Sterio (2012) pontua que seria possível argumentar que ataques lançados por grupos terroristas contra os EUA  poderia sequer ser compreendido como um fato ensejador do uso da legítima defesa preemptiva que se pretende. É necessário se ter em conta que o direito de guerra somente legitimaria auto-defesa contra entidades estatis, regula conflitos interestatais ou internos,  não havendo, portanto, como entender que o auto-denominado Estado Islâmico ou a Al Qaeada, por exemplo, poderiam ensejar o recurso à força por qualquer Estado. 

Convém destacar outrossim, como já enteriormente mencionado, a necessidade de que o Estado explicite a proporcionalidade do uso da força e a necessidade em relação ao ataque sofrido.  É necessário que os fins almejados pelo ataque correspondam a um objetivo bem demarcado, conforme já consagrado pela jurisprudência da Corte Internacional de Justiça, embora não sejam requisito expressos na Carta onusiana. (STERIO, 2012)

Com base no julgado da Corte Internacional de Justiça do caso dos paramilitares na Nicarágua de 1986, em que se consagrou entendiment de que mera assistência e provisão de equipamentos aos paramilitares contra o governo sandinista naquele país não contituía ataque armado a autorizar o uso de legítima defesa. Teve respaldo o conceito de ataques armados de baixa intensidade, não ensejadores de auto-defesa nos termos do art. 51.

Tal conceito, assentado na jurisprudência da Corte, poderia se argumentar, abrangeria os ataques promovidos pelso grupos fundamentalistas islâmicos perseguidos no Oriente Médio por drones. O que tornaria ilegal a ação emprendida pelos EUA no afã de ‘’combater o terrorismo.”

Outro aspecto a ser ressaltado, que põe em dúvida a legalidade do uso dos VANTs, é o fato de que os bombardeios têm ocorrido sem autorização do Conselho de Segurança e  sem autorização do Estado cujo território ocorre o ataque. Interpretação diversa não é possível, senão aquela de que o uso de drones é manifestamente ilegal, portanto.

Convém enfatizar que a resolução nº 3314 da Assembleia-Geral das Nações Unidas, que conceitua agressão, lembra-nos que agressão é constituída inter alia, por: ‘’borbardeios pelas forças armadas de um Estado contra o território de outro Estado ou uso de quaisquer armas de um Estado contra outro Estado. Insta aqui, ademais,fazer referência ao caso de 1988, em que nove agentes israelenses mataram um estrategista da Organização para Libertação da Palestina na Tunísia, em sua casa. Tal caso foi considerado agressão pelo Conselho de Segurança e vem reforçar o entendimento de que o uso de ataques isolados de drones sob alegação de legítima defesa preemptiva não encontra guarida no direito internacional. Seria, pois, flagrante a inobservância da Carta da ONU.[ix]

Em sentido contrário, porém, argumenta-se que em verdade os ataques por drones não seriam atos de agressão, pois amparados pela legalidade e pela legítima defesa. A Resolução nº3314, ao identificar atos de agressão conforme suas  “consequências’’ e ‘’gravidade’’ além de ‘’outras circunstâncias relevantes’’, não abarcaria tais ataques como agressão, posto que supostamente proporcionais e  dirigidos a alvos específicos. [x]

A alegação de proporcionalidade dos ataques de VANTs teria por base justamente sua precisão. O argumento não parece se sustentar, todavia. Grégoire Chamayou (2015) observa que esse ganho de precisão tem serventia para que na verdade seja paradoxalmente ampliado o raio de ação das armas em todo mundo.  A “precisão” teria se convertido em instrumento para descumprimento da legislação internacional, portanto. 

O autor assevera que a noção espacial e jurídica de ‘’zona de conflito’’ armado é dissolvida e substituída por ‘’kill boxes’’ minituarizáveis que tendem a se reduzir ao puro corpo do inimigo-presa. Esclarece, ademais, que essas denominadas ‘’kill boxes’’ se tornam transferíveis para onde o combatente inimigo estiver. O que constitui, por óbvio, uma ruptura de paradigmas. A concepção geocentrada, supostamente ultrapassada, é substituída por outra, alvo-centrada, atrelada aos corpos dos inimigos-presas. A mudança é brutal, pois a zona de guerra esmaece.

O advento do conflito alvo-centrado, esclarece o autor, anula a ontologia geográfica que lhe é implícita. Tem por corolário a criação de um direito à execução extrajuridicial estentido ao mundo inteiro.[xi] Tal modificação, como se constata, portanto, não pode ser considerada lícita. É flagrantemente contrária ao ordenamento internacional existente. A questão, por conseguinte, perpassa muito a mera análise de adequabilidade ao direito de guerra já existente. O direito, ao delimitar geograficamente o execício lícito da violência tinha por óbvio intento limitá-la. Esse limite está sendo quebrado pelos VANTs.

O uso de drones tornou prescindíveis a figura dos combatentes e da zona de guerra e mesmo a formalidade de sua declaração.  Os VANTs, por isso, estariam a atuar sob um regime jurídico não esclarecido e em nítida inobservância do art. 51 da Carta onusiana, que, a despeito de interpretações contrárias, não conferiu legalidade à legítima defesa preventiva.

DRONES E JUS IN BELLO

Cumpre, de antemão, fazer também aqui um breve retrospecto do desenvolvime’nto da legislação que veio a conformar o corpo daquilo que recebe a denominação de jus in bello”, ou seja, a regulação dos atos dos combatentes durante o transcorrer da guerra, para que se possa aferir a adequabilidade do uso de drones em relação a essa legislação.

 Albuquerque Mello (1992, p. 1140)  entende que o ‘’jus in bello’’ é a regulamentação da guerra.  É o conjunto de normas que regulam as condutas dos beligerantes. Ele é formado pelas normas internacionais que vigoraram após o início da guerra. São as normas aplicadas durante a guerra.

Leciona precitado jurista, dessarte, que se pode afirmar que a ação dos beligerantes não é livre e sofre limitações diversas, bem como estão eles submetidos aos princípios de humanidade advindos das Convenções de Genebra e demais documentos que dispõem sobre a matéria.

Carlos Calvo e Fauchille (apud MELLO,1992, p. 1140) afirmam que o direito de querra está sujeito a dois princípios: o da necessidade  e o da humanidade. O primeiro surgiu na Alemanha, e afirma que na guerra, para que se consiga vitória, não há qualquer restrição aos meios a serem empregados. É a tese de Hartman (1992 apud MELLO, p. 1140), que nega as leis de guerra. Não haveria, assim, leis da guerra. Essa teoria, em virtude de sua índole exclusivamente política, não guarida no direito internacional.  Desse modo, a Convenção de Haia de 1907 sobre leis  de guerra e costumes na guerra terrestre, no seu regulamento anexo, impôs: “ Os beligerantes não têm o direito ilimitado quanto à escolha dos meios de prejudicar o inimigo”.  (MELLO, 1992, p.1140)

O princípio da humanidade, o segundo princípio mencionado, portanto, visa justamente matizar a teoria da necessidade. Negar o princípio da necessidade, então, é desconhecer a realidade bélica e negar o princípio da humanidade, acaba por converter a guerra em algo sem regulamentação legal. Os dois princípios coexistem. (MELLO, 1992)

Dentre as principais convenções multilaterais que regulamentam o denominado ‘’jus in bello’’, pode-se citar a Convenção de Genebra de 1864, conhecida como Convenção da Cruz Vermelha, que dispõe sobre a sorte dos militares feridos; a Convenção de Haia de 1899 relativa às leis e usos da guerra terrestre com um regulamento em anexo;  a Convenção de Genebra de 1906 sobre deontes e feridos; o protocolo de Genebra de 1925 sobre a proibição da guerra química e bacteriológica; Convenções de Genebra de 1949 e seus protocolos I e II de 1977.

O “jus in bello’’, consoante Albuquerque Mello (1992, p. 1143), possui sanções que procuram reprimir a sua violação. Esta acarreta a responsabilidade internacional do Estado. Como sanções, são mencionadas a opinião pública nos Estados neutros, as represálias e a punição do responsável pela violação. Accioly (apud MELLO, 1992) apresenta três condições para a validade das represálias, são estas:  advertências exaustivas ao beligerante que emprega atos ilícitos; eficácia do uso das represálias; não exorbitar o rigor da infração que se pretende coibir ou aque se responde, com o fito de obstar sua reprodução.

As represálias têm sido condenadas porquanto atingem pessoas que nada têm a ver com a violação das leis da guerra, malgrado o fato de elas visarem ao Estado beliretante.  Schachter(1982 apud DINSTEIN,2004 , p.299), as conceitua como medidas de contenção que seriam ilegais se não fosse o ato ilegal anterior do Estado para o qual são direcionadas. Dinstein (2004, p. 299) , a seu turno, as conceitua como medidas de contraforça breves, tomadas por um Estado contra outro, em resposta a uma violação anterior do direito internacional. Acrescenta o jurista que, como em todos os outros casos, o recurso unilateral à força é proibido, a menos que sejam satisfeitas as condições consignadas no art. 51 da Carta da ONU.

O uso de VANTs, todavia, tem  imposto diversos desafios à existência e aplicação do denominado ‘’jus in bello’’. Como se sabe, a aplicação de sanções e medidas que contribuíam para sua observância não é mais suficiente para garantir sua observância.

Aqueles que propugnam o uso dos VANTs como arma em conflitos já apontam, aliás, em última instância, a prescindibilidade do direito internacional humanitário. Lewis (2012, p.6) , por exemplo, argumenta que o direito internacional humanitário, ao estabelecer distinções entre combatentes e civis, permite que indivíduos sejam alvo de ataque somente devido à sua condição, independentemente de seus atos. Havendo ou não demonstração de periculosidade ou iminência de ataque, poderá ser utilizada força letal contra o indivíduo que pertencar às forças armadas beligerantes. Os direitos humanos internacionais, em contrapartida, seriam  aplicáveis indistintamente seja aos civis seja às forças beligerantes, deixando como critério para o emprego legal de força letal contra os indivíduos seus atos, caso demonstrem ameaça.

Fala-se, outrossim, da necessidade de se reconhecer o fato de que as limitações geográficas da zona de combate não são na prática respeitadas pelas nações. Lewis (2012) argumenta que nenhuma nação aceitaria limitações à sua projeção militar. Que a estratégia militar baseia-se somente em atacar o adversário de modo mais inesperado e que atinja suas vulnerabilidades. Acrescenta precitado autor, ademais, que desde a adoção das Convenções de Genebra, a história das guerras é repleta de exemplos nos quais as forças armadas agiram muito distantes da zona de guerra.  Menciona-se exemplos de emprego de foça militar contra Bagdá e outros trechos do território Iraquiano durante a Guerra do Golfo que ocorria no Kuwait ou o uso de força militar contra Trípoli, enquanto tropas do exército líbio lutavam em Benghazi contra os rebeldes, a centenas de quilômetros de distância. (LEWIS, 2012)

Tal argumento, porém, parece nitidamente contrário à própria existência do direito internacional como regulador de conflitos, no entanto. Lewis, com tais observações, acaba por querer forjar a conclusão errônea de que a a constante transgressão legal seria condição eficiente para tornar a norma legal algo sem efeitos. O raciocínio, em suma, contraria a própria existência e finalidade do ordenamento jurídico internacional.  O argumento levantado a respeito da aplicação dos direitos humanos, quando da impossibilidade da aplicação do direito humanitário será mais detidamente analisado em seguida.

Schmitt (2011), outro jurista defensor do uso de VANTs, a seu turno, rebate críticas de que esses veículos voadores não estariam de acordo com o direito internacional humanitário porque seriam responsáveis pela morte indiscriminada de civis. Argumenta o autor que o fato de que os VANTs têm bases muito distantes de seus alvos, não serem diretamente guiados por olhos humanos, mas vídeos, não implica em maior número de vítimas civis.

 Os drones, salienta Schimitt, são guiados por vídeos de alta resolução, cujos controladores não são expostos a qualquer ameaça e podem analisar cautelosamente os possíveis alvos. Os VANTs somente atacariam quando distantes dos civis e com base na análise dos padrões comportamentais da população civil, apresentaria, portanto, em verdade, uma vantagem em relação ao equipamento militar tripulado por seres humanos.

Schmitt reconhece, todavia, que drones não são uma panaceia, pois conseguir dados consistentes é atividade difícil e isso tem ocasionado a morte de civis. O autor reconhece que embora tenham sido lamentavelmente atingidos os civis, tais erros não podem possibilitar a conclusão de que os drones seriam por conseguinte ilegais. Schmitt chega a descrever tais casos como fatalidades como decorrências da inevitabilidade do erro, acrescenta, contudo, que tais ataques somente tornar-se-iam ilegais caso o atacante agisse do modo não razoável. (o autor parece permitir a conclusão de que ataques militares que acidentalmente ocasionam mortes entre civis podem ser considerados razoáveis e cautelosos por presunção). O autor chega outrossim a atribuir os erros à atividade humana, exclusivamente.

A argumentação de Schmitt, no entanto, parece desmoronar diante de dados empíricos. Documentos da inteligência norte-americana, que foram revelados pelo noticiário The Intercept, por exemplo, acabaram por revelar que a tecnologia mencionada pelo jurista é bastante precária. Documentos atinentes às operações no Iêmen e na Somália, por exemplo, atestam que os VANTs dos EUA precisam trafegar entre 500 a 1000 Km desde sua base no Djibouti até um daqueles dois países.

 Os documentos chegam a mencionar o que a inteligência norte-americana denomina como  ‘’tirania da distância’’, que torna o monitoramente feito por esses veículos aéreos bastante precário. Tais documentos revelam, aliás, que os drones, equipamentos que necessitam de combustível, chegam a gastar mais da metade de seu tempo de voo em trânsito, não conseguindo monitorar de modo eficaz a população civil, portanto. É mencionado, ademais, seu número insuficiente para o exercício da vigilância, ocasionando diversos pontos cegos na atividade de vigilância desempenhada.

 Cumpre mencionar que equipamentos como celulares e computadores é que têm servido precipuamente de suporte para localização de indivíduos considerados ‘’terroristas’’, e não os vídeos de alta resolução que o jurista mencionara. [xii] O cenário é, portanto, conforme aduzem documentos da inteligência norte-americana, e publicados pela mídia, muito diverso daquele descrito por Schmitt.

Não obstante, Schmitt (2011) também aborda  a alegação de que operadores de drones, por estarem a uma distância de milhares de quilômetros do campo de batalha, desenvolveriam a uma mentalidade de ‘’Playstation’’ como uma falácia. Afirma o autor que a crítica seria meramente especulativa, pois, conforme registra, a atitude mental do operador seria algo indiferente ao que de fato ocorre no campo de batalha. Isso é, não é um vínculo comprovado entre atitude mental do piloto e o maior ou menor número de alvos ilegalmente atingidos ou arbitrariedades.

 O relevante é que o operador cumpra as missões de modo correto, não importando se o faz por mera observância legal, compaixão ou se trata tudo aquilo como reles jogo. O estado emocional ou atitude do controlador do VANT seria, dessarte, totalmente irrelevante. (SCHMITT, 2011)

Essa conclusão, no entanto, parece precipitada,  parece não passar de uma simplificação grosseira que escamoteia uma discussão bem mais abrangente e repleta de nuances. Chamayou (2015,p.132) observa que o drone não constitui mero caso de arma no qual a distância do alvo contribui para maior insensibilidade do operador com relação à vítima, pois a distância física atualmente já não implica necessariamente distância perceptiva. Os drones, graças ao progresso tecnológico, já permitem grande proximidade visual com os alvos. Criticar o drone pontuando somente a enorme distância física de seu condutor em relação à vítima seria, por conseguinte, demasiado rudimentar. A crítica, por isso, não repousa fundamentalmente nisso.

Chamayou (2015) ressalta que os operadores podem ver suas vítimas, inclusive em todas suas experiências cotidianas. Com base em relatos de operadores, nota-se que olhar as vítimas pelo vídeo permite ao condutor visualizar os efeitos do ataque. Os pilotos de VANTs podem ver as pessoas indo ao trabalho, crianças brincando, todo o cotidiano. Residiria aí uma diferença muito relevante em relação à experiência dos pilotos tradicionais. A distância física combinada com a inédita proximidade ocular rompe com o paradigma dos pilotos de bombardeiros tradicionais, pois a violência ao invés de tornar-se mais abstrata e impessoal, torna-se gráfica e personalizada.

Essa personalização da violência que antes era puramente abstrata e impessoal, entretanto, não nos autoriza concluir  erroneamente que o drone seria um avanço para a garantia de direitos humanos. Chamayou (2015) lembra que tais fatores são contrabalanceados por outros igualmente presentes na estrutura técnica do dispositivo. Impende notar que se os operadores veem o que as possíveis vítimas estão fazendo, por outro essa percepção é ainda parcial. A resolução das imagens é insuficiente para que os pilotos consigam, por exemplo, distinguir rostos de seus alvos. É uma visão extremamente precária, tudo o que vê são pequenos avatares desprovidos de rostos.

De acordo com Chamayou, esse fenômeno da redução figurativa dos alvos humanos contribui para que o homicídio se torne mais fácil, pois coordenadas substituem a carne humana. À ausência de sujidade física, diz o filósofo francês,  corresponde indubitavelmente um menor sentimento de sujidade moral.

Outro ponto relevante ressaltado pelo autor é o fato de o operador ver sem ser visto.  O fato de a vítima e seu assassino não estarem em um campo no qual há campo de percepção recíproca, facilita para que o algoz mate com menor envolvimento emocional. Há menos desconforto psíquico do controlador do drone, pois  há, nos termos de Stanley Milgram (apud CHAMAYOU,2015), uma ruptura da ‘’unidade fenomenológica do ato’’.

O caráter filtrado da percepção, redução figurativa do inimigo e não reciprocidade dos campos e ruptura da unidade fenomenológica do ato seriam, então, conjugados, constituem  verdadeiros amortecedores morais para o controlador do VANT.  Contrabalançam a proximidade óptica que tornaria o drone supostamente mais ‘’humanitário’’. A questão, portanto, é bem mais complexa que Schimitt sugerira.

Outro ponto  que Schmitt (2011) aborda é que os ataques de drones não seriam de efeitos indiscriminados, não havendo como chegar à conclusão de que há a ilicitude do equipamento, pois os mísseis são guiados por mísseis. Esse detalhe tecnológico, nas palavras de Schmit, tornaria até mesmo auto-evidente que drones não são armas que promovem mortes indiscriminadamente. Argumenta outrossim que mesmo havendo violações ao princípio da distinção entre civis e combatentes, tais violações não ocorreriam em virtude de uma condição específica inerente ao drone, já que violações ao princípio da distinção poderiam ocorrer por meio de quaisquer outros armamentos. O autor, em suma, empenha-se em demonstrar a ausência de singularidade dos VANTs em relação às demais armas no quesito potencialidade de violar distinção entre civis e combatentes. Propugna ademais que não haveria uma lesividade sem precedentes ou ilicitude decorrente especificamente do uso de drones. (SCHMITT, 2011)

Ocorre, todavia, que a mesma série de documentos já evocada, publicada pelo periódico The Intercept, relata caso em que durante cinco meses de operações no Afeganistão, de cada dez indivíduos mortos por mísseis Hellfire lançados a partir de VANTs,  nove eram indivíduos não procurados pela inteligência.[xiii] Fatos que poderiam servir no mínimo como indícios que apontariam de modo assertivo o possível patamar sem precedentes de matança de civis  ocasionada pelo uso de drones.

O filósofo Strawser (2012 apud CHAMAYOU, 2015, p. ) destacado defensor do uso de drones como armas éticas e mais precisas, chega a mencionar que os drones apresentariam um progresso moral potencial extraordinário em relação aos bombardeiros aéreos. Chamayou (2015), com relação a essa observação, porém,  lança uma indagação bastante pertinente: se Dresden, por que não Hiroshima? Se forem considerados esses padrões em matéria de precisão, observa o filósofo francês,  qualquer outro procedimento militar passará no teste com êxito.

Chamayou ressalta, no entanto, que essas defesas do uso de drones como armas legais, precisas e até mesmo éticas ou humanitárias, repousam na confusão entre forma e função de uma arma. Assevera o filósofo que o drone não é um meio de carpet bombing tal qual os bombardeiros o eram, mas uma arma de assassinato seletivo. A comparação adequada, portanto, não é entre arma voadora atual e arma voadora do pasado, mas entre o drone e demais armas de assasinato seletivo.

Outro ponto que merece destaque é o fato de que o termo ‘’precisão’’, tão empregado em artigos de juristas defensores do uso de VANTs, confunde três noções que não são sinônimos: a acuidade do tiro, o caráter mais ou menos limitado de seu impacto e a identificação adequada de seu alvo.

Um ataque guidado por laser, por exemplo, como citado por Schmitt, é realmente preciso em termos de acuidade de tiro, pois o dispositivo balístico explode no ponto exato estabelecido. Isso, entretanto, não significa que seu impacto é consequentemente reduzido. O ‘’raio letal’’, isto é, o raio de alcance da explosção, é algo muito distinto da acuidade do tiro. Atingir o alvo e atingi-lo com exclusividade são dados profundamente diversos. Reside aí uma distinção crucial que determina a legalidade ou ilegalidade dos drones perante o direito internacional humanitário. Chamayou, aliás, ressalta, por exemplo, que se estima que o míssil AGM-114 Hellfire lançado pelo drone Predator possua um raio mortífero de quinze metros. O que significa, por óbvio, que todos aqueles que se encontram num raio de quinze metros em torno do ponto de impacto, mesmo que não sejam o alvo pretendido, serão mortos juntamente. O raio de ferimentos, ademais, é estimado em vinte metros. Será ainda assim possível falar em ‘’proporcionalidade” como sustentam tantos juristas e estudiosos do tema, então? (CHAMAYOU, 2015)

Grégoire Chamayou também observa que a substituição de tropas terrestres por drones equipados com mísseis acarreta uma perda significativa de capacidades operacionais, considerando-se, por exemplo, que o raio letal de uma granada é de três metros, isso para não mencionar o raio de uma munição clássica.

Outro aspecto enfocado pelo autor aludido é que a denominada ‘’precisão’’ técnica da arma e a capacidade de descriminação na escolha dos alvos é confundida. Há que se notar que o fato de que a arma permitir a destruição precisa de quem for designado não garante melhor capacidade de distinção atinente à legitimidade do alvo. A precisão do ataque não se refere à pertinência da determinação do alvo.  Parafraseando acertada provocação de Chamayou, tudo isso, afinal, seria como se disséssemos que a precisão da guilhotina, que separa com notável nitidez a cabeça do tronco, permitisse àquele instrumento de execução o exercício de melhor distinção entre culpados e inocentes.

Um argumento mais sutil identificado pelo filósofo francês como variação mais sutil do argumento da ‘’precisão’’ dos drones, é aquele que tem lastro na suposta identificação correta, adequada do alvo. Argumento que já foi, inclusive, mencionado neste trabalho, quando Schmitt se refere aos vídeos de alta definição pelos quais se controlam VANTs.

Como já mencionado, a identificação visual padece de diversas limitações.  O problema, contudo, não se limita a isso. Há que se perguntar também como são identificados visualmente os combatentes. É necessário lembrar que atualmente as operações de contrainsurgência visam preponderantemente a inimigos sem uniforme e amiúde fora de  zonas de conflito armado. O estatuto de combatente, portanto, já não pode ser constatado por qualquer dinstintivo tradicional. O porte de arma, aliás, é critério inoperante em países onde carregar armas é algo vulgarizado, como em um país como o Iêmen. 

O uso de força militar contra civis, que, conforme o direito internacional, seria restrito somente àqueles que participam diretamente das hostilidades ou representem ameaça, na verdade, se torna impraticável, portanto. Mas não somente pelos motivos elencados acima, pois o uso de drones também impossibilita mesmo a possibilidade de haver participação direta das hostilidades ou a prática de ameaça por parte desses civis.  Os VANTs, defendidos por sua suposta grande capacidade de diferenciação visual entre combatentes e civis, acaba por, paradoxalmente, então, extinguir na prática o combate. E o combate, como se pode notar, é condição essencial para que justamente sejam discernidos combatentes e não combatentes.

Chamayou, tendo por base essas constatações, por conseguinte, nota que os VANTs promovem uma condição técnico-jurídica do estatuto de combatente baseada somente em probabilidades. O autor menciona que, notando ser a constatação da participação direta nas hostilidades algo quase impossível por não haver mais combate, desliza-se para um estatuto fluido, capaz de abarcar qualquer forma de pertencimento, colaboração ou mesmo simpatia presumida pela organização combatente. Nota-se, portanto, que há o advento do estatuto dos militantes presumidos, algo que ultrapassa muito os limites jurídicos clássicos, pois o conceito de alvo legítimo assume contornos perigosamente indeterminados. (CHAMAYOU, 2015)

Nota-se, portanto, que a argumentação do não ineditismo de ofensividade ou potencial lesivo e ilegalidade do uso de drones, expendido por Schmitt, que procura torná-los mais uma espécie de arma dentre tantas outras que as precede, não é adequado. Não esmiuça todas as implicações da arma como deveria, é um racicínio enganoso.

No que tange ao regime jurídico em si aplicável aos drones, a aplicação do ‘’jus in bello’’,  Kenneth Anderson (2011) analisa o posicionamento do governo dos EUA em relação às normas aplicáveis à atividade bélica desempenhada pelos drones. Não parece haver clareza com relação ao regime legal aplicável, se seriam as leis de guerra ou aquelas do desempenho de atividade policial. Caso os drones desempenhem atividade análoga à de polícia, o assassinato de alvos sem prévio julgamento ou captura tornar-se-ia flagrantemente ilegal. O governo dos EUA, tendo por base essa constatação, tentam superar o binarismo legal. O autor aponta para a corrosão de legitimidade que tal indefinição do regime jurídico legal sob o qual operam os drones levaria. Decorre daí a necessidade da elaboração de uma terceira via legal, um regime de direito ad hoc para operações letais, que Anderson denomina ‘’autodefesa nua’’. (ANDERSON, 2011)

O cenário descrito evidencia também que o uso de drones carece de legalidade também nessa aspecto. Falta-lhe até mesmo um regime jurídico que o limite. É necessário lembrar que, caso o uso de drones constitua caso de “law enforcement’’, deve haver possibilidade de que o alvo seja advertido antes do emprego da força letal. Mas, como foi relatado, tais armas não possibilitam gradação da força. VANTs só permitem disparar ou não o  míssel, mata-se ao invés de capturar. Se os drones constituem caso no qual se aplica o direito internacional de guerra, necessário será que se defina o local onde o conflito ocorre. A indefinição geográfrica é flagrantemente contrária ao que dispõe o ‘’jus in bello’’.

OS DRONES,  O  ADVENTO DE ROBÔS AUTÔNOMOS E SUAS CONSEQUÊNCIAS

Grégoire Chamayou (2015, p.210) insere o advento do uso de drones em seu contexto histórico. Destaca que a substituição do trabalho militar pelo capital é condição que tem levado à maior autonomização social e material do Estado. Berverly Silver (apud CHAMAYOU, 2015, p. 211), nota que o modelo militar que prevaleceu até a década de 70, ou seja, a industrialização da guerra, em conjunto com a relevância numérica e a centralidade da classe oprerária, levava à necessidade de conscrição em massa, o que deixava dirigentes em posição vulnerável em relação à sociedade. Como se sabe, movimentos antiguerra que emergiram naquela década, e foram esses o prenúncio da guerra a distância que hoje se vê.

A crise do Vietnã evidenciou todos os perigos latentes intrínsecos à relação de dependência entre governantes e cidadãos. Foi o divisor d’águas que impeliu as classes dirigentes norte-americanas em busca da criação de uma nova orientação militar geral.  O uso de capital em detrimento de mão de obra humana e o crescente recurso a empresas particulares de segurança ganhou decisivo fôlego a partir daí. O antigo modelo do ‘’exército de cidadãos’’ definha em prol de um exército de mercado, portanto. (CHAMAYOU, 2015, p.211)

O uso de drones é corolário desse cenário. E o advento do VANT totalmente autônomo é sua possível próxima etapa, que já tem despertado muitas controvérsias e causa grande preocupação em numerosos estudiosos. Matthew Bolton et al. (2012), por exemplo, já constatam haver um paralelo entre o uso de robôs letais em relação àquele de minas ou armas químicas ou biológicas, espécies bélicas proscritas por um consenso internacional.

Argumentam que armas que funcionam com base na presença ou aproximação de suas potenciais vítimas raramente fazem distinções entre civis e combatentes. Assinala ele, então, que embora pareçam armas bastante distintas, a analogia é bastante pertinente, pois tanto a mina anti-pessoal como o robô são completamente autônomos e guiados por sinais emitidos somente por sua vítima.[xiv]

Ronald Arkin (2010), um grande entusiasta do uso de robôs letais, a seu turno, defende o uso de armas providas  de plena autonomia decisória com base no fato de que essas máquinas supostamente ocasionariam menos mortes entre civis e agiriam mais eticamente. Para Arkin,  características como a juventude, imaturidade, falta de treinamento e sentimentos de vingança, assim como a pressão externa seriam alguns dos fatores que fariam dos combatentes humanos algo altamente propenso a falhas.

O roboticista chega também a citar também pesquisas de opinião que evidenciariam altas tendências de os militares norte-americanos inobservarem direitos básicos da população civil. Arkin menciona, por exemplo, o fato de que a maioria dos soldados e marines americanos não denunciaria seu companheiro caso este houvesse assassinado ou ferido civis ilegalmente. Motivações das tropas, como pensamentos genocidas, corrupção, tendências ao assassinato doloso de civis vistos como potenciais futuros combatentes são também alguns dos outros aspectos que tornariam soldados humanos extremamente inadequados.

É lembrado, ademais, através de pesquisa mencionada, que a minoria dos soldados norte-americanos (15%) efetivamente matou um inimigo, embora a maioria (80%), fosse capaz de fazê-lo. A desobediência e a falta de agressividade dos militares são, então, também fatores que caracterizam desfavoravelmente os militares. (ARKIN, 2010)

Para suprir tais falhas, o robô letal, seguidor rigoroso do texto legal, desprovido de emoções que turvem seu julgamento técnico e imparcial, provido de grande elenco de equipamentos que lhe permitem observar o campo de batalha ainda melhor que humanos, como radares que atravessam paredes ou censores sísmicos e sonoros, conformariam um agente militar muito superior às tropas humanas.

Arkin chega a admitir que o desenvolvimento tecnológico atual não foi ainda capaz de desenvolver um robô letal desprovido de imperfeições, pois é ainda muito incipiente. Ressalta o autor que o foco do desenvolvimento de tais robôs deverá recais no objetivo de fazê-los aplicadores eficientes do direito humanitário. Aplicadores que, como já mencionado, teriam performance superior à dos soldados humanos. (ARKIN, 2010)

Chamayou (2015), todavia, lembra que a rigorosa aplicação legal, que é o que Arkin em última instância propugna como a melhor característica dos robôs letais, é o que embasa a atrocidade militar ordinária. Isto é, a matança militar ocorre amiúde conforme a lei, e só deixará de observá-la em caso de necessidade imperiosa. Consoante Chamayou, as formas de contemporâneas de atrocidade são maciçamente legalistas. Funcionam mais no estado de regra que no estado de exceção.

Outro aspecto relevante registrado por Chamayou é que dotar agentes maquínicos com o direito de matar que os combatentes desfrutam na geurra entre si equivaleria a colocaro homicídio no mesmo plano que as destruição de uma pura coisa material, o que certamente constituiria uma negação evidente da dignidade humana. 

Há que se levar em conta ademais que o direito atual dos conflitos se enfoca no uso de armas, postula a distinção entre a arma, concebida como uma coisa e combatente, concebido como uma pessoa, que a utiliza e tem a responsabilidade sobre seu uso. O robô letal autônomo decerto elimina essa ontologia implícita. Uma coisa faz uso dela própria. Arma e combatente se confundem em uma única entidade.

Nessa esteira é que se levantam diversos questionamentos perante o direito internacional: algumas coisas podem ser consideradas pessoas?  Um robô comete um crime de guerra. Quem se responsabilizará? O general que o comandou, os industriais que o produziram, os analistas de sistemas que o programaram? O Estado, inequívoco proprietário da máquina, poderia alegar que o crime perpetrado decorre de vício de fabricação, fazendo a responsabilidade se voltar contra o fabricante. Há, assim, o risco de que haja a criação de um coletivo de irresponsáveis. (CHAMAYOU, 2015, p. 232)

Paradoxalmente, a autonomização da decisão letal, possível resultado do desenvolvimento dos VANTs, tornará o único agente humano diretamente implicado, a vítima, como sendo a causa eficiente de seu própria morte. A responsabilidade, então, que poderá se diluir em uma profusão de agentes múltiplos, poderá também passar do intencional ao não intencional. O crime de guerra terá a possibilidade de se converter em acidente militar-industrial. (CHAMAYOU, 2015, p. 233)

Jürgen Altmann (2009) observa, ademais, que o número de países capazes de dispor de VANTs para usos militares não permanecerá restrito como é atualmente. Assinala o autor que, embora possam os drones eventualmente oferecer vantagens militares àqueles que os detêm, a proliferação no futuro tornará guerras mais prováveis. Tais guerras poderão ocorrer entre potências nucleares e a possiblidade de que grupos terroristas logo poderão também dispor de drones. Ressalta-se também que os VANTs poderão logo assumir tamanhos ínfimos de centímetros ou milímetros, o que tornará seu controle extremamente difícil, improvável ou impossível em um futuro não muito distante. Para Altmann, portanto, os Estados deveriam ser empenhar em tornar ilegal o uso de VANTs com base não somente em considerações de segurança nacional, mas também baseando-se na segurança de todo o sistema internacional.

CONCLUSÃO

Nota-se que o advento dos VANTs é nitidamente incompatível com o direito internacional atual. Malgrado seja festejado como avanço ‘’humanitário’’ devido a sua suposta precisão, constatou-se que o assassinato indiscriminado de civis tem sido a regra em países onde se operam drones.

A suposta precisão de tais armas tem servido paradoxalmente como pretexto para que noções basilares do direito internacional de guerra sejam ignoradas ou nitidamente contrariadas. A identidade geográfica necessária para limitar a zona de guerra e a distrinção entre militares e civis, princípio essencial do direito de guerra, se torna letra morta com o uso de VANTs.

O uso de drones carece de legitimidade também perante o ‘’jus ad bellum’’. O art. 51 da Carta da ONU, que delimita o exercício da legítima defesa no âmbito internacional, como foi notado no transcorrer do trabalho, não faculta a legítima defesa em suas modalidades preventiva ou preemptiva. Tais interpretações extensivas são desprovidas de apoio político da comunidade internacional ou respaldo jurisprudencial e tampouco têm apoio na letra da Carta, que estabelecera um bem demarcado direito de auto-defesa com fito de obstar o unilateralismo das grandes potências.

O uso de drones implica ademais na retomada do conceito de ‘’guerra justa’’ que fora superado pelo advento da igualdade jurídica dos combatentes. Pois o raciocínio intelectual que o justifica nega a necessidade e o direito de que haja possibilidade de combater por parte de todas as partes envolvidas no conflito.  Essa concepção, que é corolário do uso de VANTs nos conflitos internacionais, é um evidente retrocesso jurídico, pois ataca até mesmo a possibilidade de haver soluções jurídicas aos conflitos bélicos. O discurso maniqueísta, antijurídico é que rege o uso de drones.

Convém ressaltar que a utilização de drones leva também necessariamente ao surgimento da figura do combatente presumido. Isso é, como foi demonstrado neste trabalho, por não haver possibilidade de que os ‘’terroristas’’ combatam, não há possibilidade de identificá-los. Os alvos dos ataques são presumidos com base em padrões de vida, mesmo que o próprio sistema de vigilância seja, como já mencionado, extremamente precário e repleto de pontos cegos.

Os riscos de haver uma proliferação do uso de tais armas é real. Não há qualquer obstáculo legal ou sanções ao desenvolvimento e uso de drones, e logo poderão ser utilizados por um vasto número de Estados e quiçá provavelmente também por grupos não-estatais reconhecidos como terroristas. Já que atuam em regime jurídico não esclarecido, tais armas têm potencial de cometer crimes indiscriminadamente respaldados por um vácuo legal, já que ‘’jus in bello’’ se torna negado na prática e o ‘’jus ad bellum’’ já não limita sua atuação.

A perspectiva de que o drone seja o prenúncio da era dos robôs letais deveria causar alerta na comunidade internacional e alimentar discussões a respeito de meidas legais que busquem torná-lo ilegais em conflitos armados. A autonomização da capacidade de matar, muito embora seja também defendida como avanço humanitário como seria o uso de drones, representa perigoso retrocesso para os direitos humanos.

O uso generalizado de robôs parece constituir verdadeira caixa de Pandora para que crimes de guerra não estejam mais sujeitos à responsabilização perante o Direito Internacional.  Há o risco real de que a resonsabilização, dada sua indeterminação, se converta em acidente, mera falha de dispositivo mecânico. A intencionalidade e a culpa por infringência de disposições acerca de direitos humanos se dissipa e dá lugar à falha industrial.

Tendo por base as considerações tecidas supra,  não é possível conclusão diversa daquela de que a proibição do uso de drones em conflitos bélicos, tal como ocorreu com o uso de armas químicas e biológicas, por exemplo, é pauta a ser tratada com urgência pela comunidade internacional. Proscrever VANTs e não tratá-los como mera etapa fatal e necessária da evolução tecnológica bélica, mas sim como uma arma de potencial ofensividade aos direitos humanos sem precedentes, é condição necessária para a existência do próprio direito internacional que rege conflitos armados.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VARGAS, Hugo Ribeiro. A legalidade do uso de drones perante o direito internacional dos conflitos armados. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 7028, 28 set. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/100271. Acesso em: 27 dez. 2024.

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