Sabemos que é por meio das relações obrigacionais que se estrutura o regime econômico, assim, através do direito das obrigações se estabelece também a autonomia da vontade entre os particulares na esfera patrimonial.
Podemos afirmar que o direito das obrigações exerce grande influência na vida econômica, em razão da inegável constância das relações jurídicas obrigacionais no mundo contemporâneo. Intervém este direito na vida econômica, nas relações de consumo sob diversas modalidades e, também, na distribuição dos bens.
O Direito das Obrigações é, pois, um ramo do direito civil que tem por fim contrapesar as relações entre credores e devedores. Consiste num complexo de normas que regem relações jurídicas de ordem patrimonial que têm por objeto prestações (dar, restituir, fazer e não fazer) cumpridas por um sujeito em proveito de outro.
Por sua vez, podemos conceituar o contrato como uma espécie do gênero negócio jurídico que possui natureza bilateral e pelo qual as partes se obrigam a dar, restituir, fazer ou não fazer alguma coisa.
O contrato é, portanto, o acordo de vontades entre pessoas do direito privado, amparado pelo ordenamento legal e realizado em função de necessidades que gera, resguarda, transfere, conserva, modifica ou extingue direitos e deveres, visualizados no dinamismo de uma relação jurídica obrigacional.
A análise de alguns marcos históricos das relações obrigacionais é de extrema importância para o estudo deste campo do Direito Civil, principalmente se for levado em conta que o direito é uma estrutura "social mutável, imposta à sociedade; é afetado por mudanças fundamentais dentro da sociedade e é, em ampla escala, um instrumento assim como um produto dos que detêm o poder" (CAENEGEM, 2000, p.277).
Delineamos a historicidade do contrato a partir do legado advindo do Direito Romano, passando pela Antigüidade, Idade Média, Renascimento até chegar ao Iluminismo, época que muito influenciou o direito privado do ponto de vista da autonomia da vontade.
Importa ressaltar que as demonstrações de épocas históricas não esgotam as contribuições para o direito privado. Outros momentos, ainda que não destacados, contribuíram também para o avanço das obrigações. Entendemos que os períodos abaixo apresentados são aqueles que melhor exemplificam as fases de evolução das relações obrigacionais.
Na fase da Antigüidade, o direito romano não conheceu o termo obrigação. Esse período pode ser dividido em quatro momentos: nexum, contractus, pactum e as Constituições Imperiais.
O Nexum foi a primeira idéia de vínculo entre dois sujeitos. Por esta ligação contratual, caso o devedor não cumprisse o convencionado, ele era convertido em escravo ou respondia pela dívida com o seu próprio corpo.
Já os contractus surgiram com o jus civiles e refletiam um teor de rigidez na sua estrutura. Tal acordo preocupava-se apenas com os contratos reais ou formais, nos quais, em caso de inadimplemento, o credor poderia se utilizar da actio (forma de preservação do direito utilizada pelos credores).
O pactum era o acordo em que as partes não poderiam responsabilizar o devedor em caso de descumprimento do acordado. Tinham mero valor moral e não possuíam caráter obrigatório. O pacto era desprovido da actio. Por fim, com as constituições imperiais, o formalismo dos contractus foi atenuado, criando-se, assim, uma teoria sobre contratos inominados e para os pactos mais simples.
Quanto a isso, ensina José Roberto dos Santos Bedaque (2001, p.80) que a actio romana identificava-se mais ou menos com a noção atual de direito subjetivo. Actio seria a atuação de alguém "perante o pretor, recitando fórmulas legais solenes e sacramentais, para obtenção de um jurado particular, incumbido de dirimir a controvérsia".
Na Idade Média, entre os Séculos V e XV, a teoria das obrigações, originária da Europa, derivava dos costumes germânicos. A responsabilidade pelo descumprimento confundia-se com a vingança privada e com a responsabilidade penal. No Renascimento, a relação obrigacional passava a ser caracterizada por dar maior valor às palavras previstas nos contratos. Houve forte influência da Igreja nos valores morais.
Por sua vez, no Século XIX, surgiu a regra da força obrigatória dos contratos, através do Código Napoleônico, em que se procurou dar mais valor à autonomia da vontade.
Neste contexto, ensina Caenegem (2000, p.178) que a filosofia do iluminismo rejeitou os velhos dogmas e as tradições (especialmente religiosas) e colocou o homem e seu bem-estar no centro de suas preocupações. Enfim, o centro de tudo passou a ser o indivíduo, a propriedade e a aquisição de bens.
Consideramos que o Código Civil brasileiro de 1916 recebeu forte influência da legislação francesa, inspirado no liberalismo, valorizando o indivíduo, a liberdade e a propriedade.
A base contratual que se pautou o diploma civil de 1916 observou características individualistas, observando apenas uma igualdade formal, fazendo lei entre as partes (pacta sunt servanda). Segundo tal diploma, ficava assegurada a imutabilidade contratual e os contraentes celebravam livremente um acordo que deveria ser absolutamente respeitado.
Todavia a aplicabilidade do pacta sunt servanda começou a ser relativizada e a observar a cláusula rebus sic stantibus, como uma própria cobrança das necessidades sociais que não suportaram mais a predominância de relações contratuais com desequilíbrios, cláusulas abusivas e má-fé.
Assim, com o advento do Código de 2002, houve um rompimento do aspecto individualista. Os novos dispositivos legais deste código passam a disciplinar um conjunto de interesses estruturados no princípio da socialidade, em que, por exemplo, a força obrigatória dos contratos é mitigada para proteger o bem comum e a função social do contrato.
Entendemos, portanto, ser incompatível o Código de 2002 com o reconhecimento da natureza existencialista do contrato, que não mais pode ser visto como mero símbolo das codificações do séc. XVIII, menosprezando o ser enquanto ser humano, apenas valorizando-o como titular de um crédito.
REFERÊNCIAS
BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e processo. São Paulo: Malheiros, 2001.
CAENEGEM, R. C. van. Uma introdução histórica ao direito privado. Tradução Carlos Eduardo Lima Machado. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
DUQUE, Bruna Lyra. A intervenção estatal e a liberdade contratual: uma investigação acerca da ponderação de princípios na ordem econômica constitucional. 2004. Dissertação (Mestrado em Direitos e Garantias Constitucionais Fundamentais). FDV, 2004.
GAGLIANO, Pablo Stolze. PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo Curso de Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 2003.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil brasileiro: teoria geral das obrigações. São Paulo: Saraiva, 2004.
GOYARD FABRE, Simone. Os princípios filosóficos do direito político moderno. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
PINTO, Carlos Alberto de Motta. Teoria Geral do Direito Civil. Coimbra: Coimbra Editora, 2005.