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AVATAR, FILTROS E AS NOSSAS IMAGENS

Programas de Edição de Imagem alimentam a ditadura de corpos perfeitos, um desafio para o Direito no estabelecimento dos seus limites.

Agenda 25/09/2022 às 18:35

O avançar de programas para edição de imagem, amplia a procura por formas de corpos perfeitos, algo perigoso quando domina os novos hábitos de adolescentes e crianças.

 

Em dezembro estreia nas telas o O Caminho da Água, sequência do filme Avatar de 2009, dirigido por James Cameron, um físico de formação, apaixonado por mergulhos em águas profundas, e que graças ao seu trabalho e as suas paixões, acabou por influenciar de forma indireta em nossas rotinas e peregrinações pelas redes sociais. Você deve estar imaginando que me refiro aos avatares que criamos nas nossas existências das redes sociais? Também, mas a história vai um pouco além.

Esse diretor canadense, filho de uma enfermeira e de um engenheiro eletricista, bacharel em física pela Universidade da California e em filosofia pela Universidade de Toronto, que coleciona sucessos de bilheteria como O Exterminador do Futuro (1984) e Aliens (1986), resolveu em 1988, após assistir um filme da National Geographic sobre submarinos operados remotamente no fundo do Oceano Atlântico, se recordou de uma pequena história que tinha escrito no colégio sobre um grupo de cientistas no fundo do mar estudando uma entidade aquática, uma espécie de alienígena subaquático, estava ai desenhado um novo desafio para o cineasta, convencer os estúdios a embarcarem nessa nova aventura.

Após convencer os executivos da indústria cinematográfica, havia um desafio técnico igualmente gigante, para esse premiado diretor de Titanic, transpor para as telas esse alien subaquático.

E é aí que seu laço com o universo da tecnologia se amplia, pois na concepção desse ser, que seria composto basicamente de água, o que em 1989 com os parcos recursos da computação gráfica poderia ser visto com um total delírio obrigou o diretor a ampliar sua ligação com as empresas de tecnologia.

Foi então que Cameron contratou uma pequena empresa de efeitos especiais chamada Industrial Light & Magic (ILM), que havia sido fundada em 1975 por um brilhante George Lucas, mais um exemplo de que as genialidades são convergentes, responsável por uma franquia que "talvez" você tenha ouvido falar chamada Star Wars.

Na empresa de Lucas, trabalhava um sujeito chamado John Knoll, no colo de quem caiu a demanda de transpor para o filme o vilão composto de água. Não era um trabalho fácil: o monstro precisava parecer real o suficiente para que atores interagissem com ele sem soar muito falso. Mais do que se movimentar, o monstro de água teria que refletir a iluminação do ambiente onde estava inserido. Isso incluía refletir os rostos dos atores com os quais ele teria que interagir óbvio, os atores não veriam nada na hora da gravação era aquela técnica de ver a cena na cabeça e atuar com o nada que todo ator ou atriz domina desde a ascensão dos efeitos especiais. A cena era tão desafiadora que Cameron a escreveu de uma forma, que, caso a ILM não conseguisse criar algo satisfatório, seria fácil destacá-la do filme.

O tal do John Knoll tinha um plano de ação. O primeiro passo foi fotografar o estúdio onde o monstro apareceria de todos os ângulos possíveis, o que lhe rendeu centenas de fotos com as mais diferentes iluminações. O segundo passo envolvia seu irmão. Nas horas vagas, Thomas Knoll, um estudante da Universidade de Michigan, estava trabalhando em um software que permitia a manipulação de imagens estáticas. John Knoll sabia disso, pois estava ajudando o irmão nos últimos meses, e pediu o software emprestado para costurar essas centenas de imagens e criar um ambiente digital no qual os programadores da ILM pudessem modelar o vilão. A uma certa altura, o monstro mimetiza a expressão de uma personagem e cria uma cabeça de água. Uma atriz coloca o dedo no cérebro dessa cabeça de água e parece real.

O software do Thomas Knoll era tão bom que o irmão ajudou a transformá-lo em um programa completo de edição. Em setembro de 1988, John Knoll apresentou o software para a Apple e a Adobe. A Adobe gostou tanto que comprou a licença de distribuição exclusiva. O primeiro nome dado a ele foi ImagePro, mas, como já existia um homônimo no mercado, os irmãos o rebatizaram de Photoshop.

O Photoshop 1.0 foi lançado exclusivamente para a plataforma Macintosh em fevereiro de 1989 e a nossa percepção sobre a realidade nunca mais foi a mesma. O filme, chamado no Brasil de O segredo do abismo, foi lançado em agosto de 1989 com razoável sucesso: a bilheteria foi grande o suficiente para se pagar e dar algum lucro e, culturalmente, o filme hoje é considerado um clássico cult.

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O maior legado do segredo do abismo não foi a carreira do Cameron. Ele só queria confirmar seu lugar como um dos diretores mais inventivos de Hollywood e, no caminho, acabou ajudando na criação do software de edição de imagens mais popular da história.

Da sua esteia em 1989 até hoje, nossa capacidade de criar algo que visualmente não existe se tornou gradualmente maior e, consequentemente, mais perigosa. Ao facilitar a edição de imagens, o Photoshop inaugurou a criação de mundos alternativos em escala industrial. Mas, naquele primeiro momento, nem todo mundo tinha esse poder, era preciso ter o mínimo conhecimento da ferramenta e um computador razoavelmente rápido, essa história acima é muito bem contada em um episódio do Tecnocracia do Guilherme Felitti e serve pra ilustrar como a sétima arte (cultura) pode ser impulsionadora de muitas tecnologias.

Ao impulsionar o desenvolvimento de um aplicativo para edição de fotos, com tecnologia que carregamos em nossos celulares, e que permitem fazer edições dramáticas com poucos toques na tela, editar, cortar, ou como no caso de aplicativos como como o FaceTune que encapsulam objetivos: deixe-me mais magro, tire as minhas rugas, torne-me mais atraente, tudo com um filtro, algo hoje simples, mas extremamente perigoso nesse universo onde desfilamos nossos avatares pelas redes sociais na busca por atenção em nossas publicações.

Hoje são tantos filtros que temos dificuldade de reconhecer amigos em algumas publicações. E logo projetamos nas telas a nossa realidade nesse universo da pós verdade corroborando com essa sociedade da desatenção em sua permanente disputa pela atenção dos demais.

Certamente o Instagram parece ser o templo da projeção dos nossos avatares.

Os celulares são de fato a nova nicotina, na fila do banco, na espera do consultório, somos por designs cada dia mais responsivos, embriagados de novas doses viciantes, que nos transformam em prisioneiros de suas telas.

Nossa perspectiva de vida mudou, de grandes telas e páginas de livros e revistas, para as minúsculas telas de nossos celulares, onde tudo é registrado para te oferecer novas e maiores doses.

A ditadura da exposição das redes lembra os inúmeros modismos que em maior ou menor grau as pessoas passaram em sua adolescência, que vai da linguagem comunicacional, quando repetem bordões de novelas e agora de séries até o jeito do cabelo ou de se vestir .A história da humanidade é repleta desses exemplos onde afinal o homem procura ao longo da vida estabelecer relações sociais com os inúmeros grupos, seja na escola, no trabalho, no clube ou na sua rua, ele é sempre movido pelo sentimento de pertencimento.

Lutamos para fazer parte de grupos e nos sujeitamos as regras desses grupos, a vida em sociedade é um exemplo disso por isso precisamos de normas jurídicas, para regrar essas inúmeras relações, afinal como os valores culturais e interpretativos são dotados de um conjunto ideológico experimental significativo, precisamos o tempo todo de ajustes, que caminham com o evoluir das relações econômicas e sociais, e logo o Direito vive em constante e nem sempre atual movimento.

Quando a convivência com esses perfis se torna diária para jovens e crianças estabelecemos um padrão ditatorial de estética, afinal mais likes geram mais publicações nos feeds e mais comentários geram dentro da economia da desatenção mais visualizações.

Assim jovens e adultos viram prisioneiros de estereótipos estéticos quase que inatingíveis. Vamos ao espelho, nos comparamos numa obrigação estética que é imposta pela ditadura dos algoritmos de atenção, e que muitos de nós republicamos com filtros e outros avanços tecnológicos pra ficarmos mais próximos das novas referências.

Para pessoas que sofrem com Transtorno de Imagem, não é tão simples assim, também conhecido tecnicamente como Transtorno Dismórfico Corporal ele envolve pessoas que acreditam serem portadoras de algum defeito que lhes confere feiura ou as fazem ser o centro negativo das atenções. O caso pode ocorrer por uma crença no que chamam de um nariz torto, um cabelo sem valor, um rosto quadrado pernas tortas etc, em quantos encontros de amigos assistimos amigas e amigos perfeitos sempre infelizes com a sua aparência? Adolescentes em plena transformação falando em intervenções cirúrgicas?

Para muitos especialistas as redes sociais podem estimular o enquadramento a um padrão de beleza estigmatizado. A mídia social pode desencadear comparações sociais negativas que levam os usuários a acreditarem que os outros são mais felizes ou possuem uma vida melhor, levando a expectativas irrealistas e feedbacks negativos.

Estudos indicam, que o Transtorno de Imagem é hoje considerado como parte integrante do espectro obsessivo compulsivo. Mas as redes sociais são uma arma perigosíssima na mão dos pacientes. Podem trazer a ideia de que uma cirurgia plástica ou uma harmonização facial resolveria o problema. Mas não resolveria. Porque não se soluciona problema de mundo interno atuando no mundo externo. O Transtorno de Imagem é um diagnóstico complexo e que precisa ser feito por um especialista em saúde mental.

Logo tente imaginar os milhões de jovens insatisfeitos diante da ditadura estética das redes sociais e a convivência desses nas redes sociais quando estiveram instrumentalizadas com as ferramentas do metaverso? Em breve teremos a ditadura dos avatares no metaverso, onde a perfeição dos corpos sempre será atingida por nossos avatares, como cuidar disso?

Sobre o autor
Charles M. Machado

Charles M. Machado é advogado formado pela UFSC, Universidade Federal de Santa Catarina, consultor jurídico no Brasil e no Exterior, nas áreas de Direito Tributário e Mercado de Capitais. Foi professor nos Cursos de Pós Graduação e Extensão no IBET, nas disciplinas de Tributação Internacional e Imposto de Renda. Pós Graduado em Direito Tributário Internacional pela Universidade de Salamanca na Espanha. Membro da Academia Brasileira de Direito Tributário e Membro da Associação Paulista de Estudos Tributários, onde também é palestrante. Autor de Diversas Obras de Direito.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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