Na história mundial como um todo, tivemos muitos povos e civilizações divididos por diversas razões, principalmente por fatores geográficos físicos, que impedem uma locomoção plena como é o caso de montanhas, cordilheiras, rios, lagos, florestas, entre outros. Estes impedimentos naturais perduraram por muito tempo como a principal forma de separação entre civilizações e povos. Porém, com a evolução da humanidade e a organização dela em Estados Nacionais, começam a surgir situações em que vários povos ficam sob a bandeira de um Estado ou o oposto, tendo um povo dividido em vários Estados.
A justificativa para a criação de um Estado Nacional é bem divergente entre pensadores, mas com um propósito aparentemente comum, cujo qual consiste na unificação de culturas e/ou objetivos semelhantes que irão trabalhar para atingir o bem comum e proteção mútua. Para alcançarmos o nosso tema proposto, faremos um imenso salto pela História, chegando no séc. XX (que em minha concepção foi o mais importante da história da humanidade). Neste período em específico observamos várias anomalias que, se não contextualizas, não fazem nenhum sentido a alguém leigo ou desinformado. Guerras civis onde o mesmo país se separa em dois ou mais já aconteciam há muito tempo, porém é característica única destes eventos que ocorreram no século XX a forte intervenção externa entre potências para incitar e financiar movimentos separatistas que antes eram irrelevantes, apenas para rivalizar com a potência rival.
Estas duas peculiares que ocorreram no pós Segunda Guerra Mundial possuem uma explicação. Após a capitulação da Alemanha Nazista de Adolf Hitler e do Japão Imperialista de Hirohito para os Aliados (União Soviética, Estados Unidos da América e Inglaterra, principalmente), a posse dos territórios centrais e coloniais dos países perdedores entraram em disputa entre os vencedores. Assim, com o fim da guerra, ficaram estabelecidas no mundo duas zonas de influência: a Capitalista (liderada pelos EUA) e a Socialista/Comunista (liderada pela União Soviética). A Alemanha, por exemplo, foi dividida em duas, sendo uma zona capitalista e outra socialista, acontecendo o mesmo com a cidade de Berlim. O caso da Coreia, alvo deste artigo, também ocorreu uma dinâmica parecida com a Alemanha. E é a partir daqui que aprofundaremos e compreenderemos essa situação, e como ela está presente nos dias de hoje.
Para ser feito uma abordagem dedicada a Coréia, é muito importante compreender os antecedentes e a situação geral antes da divisão em duas partes. A península coreana é uma região que se localiza na Ásia Oriental e é banhada pelo Oceano Pacífico, localizada ao sul da região da Manchúria, hoje pertencente a China. Esta península era habitada há muito tempo, porém sem desenvolver nenhum grande Estado ou algo assim. A região foi colonizada pelos japoneses e posteriormente, em 1910, anexada como um território japonês. Assim ficaram até 1945, com o fim da Segunda Guerra Mundial e a vitória dos Aliados perante as forças do Eixo. Aqui seria o prelúdio para começar a situação das Duas Coreias.
Com o fim do domínio colonial do Japão, a região da península coreana ficara sem rumo. Estados Unidos e União Soviética chegaram a um acordo para a divisão do território. Utilizando a linha imaginária do Paralelo 38, foi estabelecido as zonas de influência americana (sul) e soviética (norte). A intenção primária era uma ocupação provisória para, posteriormente, decidir sobre a criação de um Estado independente coreano. Porém, devido ao aumento das tenções entre os EUA e a URSS, esse plano foi deixado de lado, prevalecendo as ocupações até 1948, onde Norte e Sul declararam sua independência e se autointitulavam de verdadeira Coreia. Agora com dois governos se intitulando como autêntico, pouco bastava para o início do conflito.
Com a vitória da China Comunista em sua guerra civil (onde o lado derrotado montou um governo que perdura até hoje, em Taiwan), havia duas grandes potências socialistas na região e que faziam fronteira com a Coreia do Norte. O líder norte-coreano no momento, Kim Il-sun, buscou apoio da União Soviética e China para invadir a parte sul e alcançar a unificação da península (aqui vale ressaltar que a maioria dos soldados eram chineses, ficando a União Soviética responsável majoritariamente pelo fornecimento de equipamentos e apoio logístico). No dia 25 de junho de 1950, as forças norte-coreanas ultrapassam o Paralelo 38, dando o início oficial da Guerra da Coreia. No mesmo dia, o Conselho de Segurança das Nações Unidas, um órgão pertencente a ONU e que é responsável por garantir a paz e a segurança internacional, condenou a invasão e solicitou a interrupção imediata do ataque. Não surtiu efeitos. Assim, no dia 27 de junho de 1950, o Conselho novamente condena o ataque e recomenda os países membros a intervenção no conflito para a cessação do conflito. Esta recomendação foi a peça-chave para que os Estados Unidos e seus aliados pudessem intervir pela Coreia do Sul na guerra.
Os primeiros meses de conflito foram marcados por muitas derrotas da parte sul-coreana, sendo recuados para muito ao sul da península ao ponto de quase serem vencidos. Entretanto, com a chegada das forças da ONU e dos Estados Unidos, a guerra muda de lado e o oposto quase ocorre, ficando a Coreia do Norte recuada ao extremo norte da península. Com as forças chinesas se mobilizando também, a guerra volta a se equilibrar e retornar ao seu ponto inicial: no Paralelo 38. Assim, após anos de conflito, os combates encerram e um armistício no dia 27 de julho de 1953 é assinado entre as partes, que garante não o fim definitivo da guerra, mas um cessar fogo e a desmilitarização da zona fronteiriça.
Dado a contextualização da divisão da península coreana em dois países, somos capazes de enxergar as causas e consequências desta separação. Depois do final da guerra, nos anos 50 e 60, a economia e as condições de vida norte-coreana de modo geral superavam sua rival no sul. Enquanto na Coreia do Sul, constantes protestos políticos frequentemente abalavam a autocracia que comandava o país. Foi a partir da década dos anos 70 que mudanças começaram a ocorrer. Com a abertura do mercado sul-coreano ao mundo e os constantes investimentos do mundo ocidental ocorre um crescimento econômico surpreendente no país. Várias empresas surgiram e/ou se consolidaram neste período, como: Samsung, Hyundai, Kia, LG, entre outras. Em detrimento ao seu vizinho, a Coreia do Norte cada vez menos recebia incentivos soviéticos e chineses, além de não conseguir desenvolver sua economia fechada e extremamente burocrática. Esta diferença se torna gritante após o fim da União Soviética em 1991, acabando de vez com os subsídios soviéticos ao governo norte-coreano e restando para a China garantir a sobrevivência do país.
Agora, com todo o contexto político e econômico de ambas as Coreias ter sido abordado brevemente, é de suma importância compreendermos o papel do Direito Internacional Público na questão das Coreias. A ONU, antes do início do conflito, já se mostrava preocupada em relação a esta questão, muito porque poderia se escalar uma outra guerra mundial envolvendo agora os Estados Unidos e a União Soviética. Com as duas resoluções (Resolução 82 e 83), citadas na contextualização histórica feita anteriormente, a ONU condena o conflito e autoriza os seus membros a intervir para cessar a invasão. Em 1948, a Coreia do Sul foi reconhecida na Assembleia Geral da ONU como um estado observador. Somente em 1971 o Estado da Coreia do Norte foi também incluído com um estado observador na Assembleia Geral da ONU. Ambos os países foram incluídos oficialmente na ONU apenas em 1991 (justamente por não ter mais o veto soviético contra a Coreia do Sul). No quesito da participação dentro da ONU, apenas a Coreia do Sul demonstra presença, tendo apenas um presidente da Assembleia Geral (Han Seung-soo, em 2001) e um Secretário Geral (cargo mais alto da ONU, que foi exercido de 2007 até 2017 por Ban Ki-moon). A Coreia do Norte, por sua vez, possui uma Missão Permanente em Nova York, Paris e um embaixador em Genebra pela ONU.
Analisando agora a conduta e os posicionamentos dos outros países do mundo, percebemos como a questão coreana recebeu influência das potencias globais. A presença dos Estados Unidos na região é inegável, principalmente através do Japão. A China, atualmente, se faz também muito presente sobre as duas coreias. Inclusive, devido a interferência americana liderada pelo presidente George W. Bush, elevou-se muito a tensão mundial. Em represália, A Coreia do Norte anunciou seu primeiro teste com armas nucleares, em 2006. O governo Obama também foi marcado por tensões em 2010, com o naufrágio realizado pela Coreia do Norte de um navio de guerra da Coreia do Sul. Novas instabilidades também ocorreram no início do governo Trump, onde chegou ao nível do presidente americano afirmar em 2017 o seguinte: "É melhor que a Coreia do Norte não faça mais ameaças aos Estados Unidos. Enfrentarão fogo e fúria como o mundo nunca viu". Entretanto, controverso como é a figura de Donald Trump, em 2018 uma série de tratativas, cúpulas e negociações reduziram drasticamente as tensões entre os países. E finalmente, uma das marcas do governo Trump, no dia 30 de junho de 2019, após alguns encontros com o líder norte-coreano em outros lugares, o presidente Donald Trump às pressas se encontra com Kim Jong-Un (líder do país e neto de Kim Il-sung) na fronteira entre as duas Coreias, sendo o primeiro presidente americano a pisar na Coréia do Norte. Atualmente, o presidente americano em exercício, Joe Biden, as tratativas e negociações esfriaram e não há muito esforço americano de retomá-las.
Sob o ponto de vista interno de cada uma das Coreias nos dias de hoje é possível extrairmos informações que ajudam a compreender a relevância de cada país no continente asiático e no mundo. Do lado norte, temos uma economia muito estagnada e pouco especializada, consequência direta da planificação econômica feita pelo Estado (como o Estado já te fornece o emprego e todos recebem igualmente, tal situação sufoca a criatividade e inovação individual, gerando ineficiência e atraso). Para compensar sua economia atrasada e ineficiente, a Coreia do Norte investe pesado (cerca de 25% de seu PIB) em sua indústria bélica, assim podendo garantir não sofrer ameaças externas ianques e imperialistas. O lado da Coreia do Sul é completamente diferente e contrastante em relação ao seu irmão do Norte. Como já descrito no artigo, a Coreia do Sul atingiu um rápido crescimento econômico a partir da década de 80 e não parou até hoje. Além de possuir um PIB maior que do Brasil (estimativa de 2022: $ 2,735 trilhões), a Coréia do Sul apresenta um IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) em 0.925, estando em 19º melhor do mundo. É importante ressaltar que o país também faz parte dos Tigres Asiáticos, um grupo de países cujo desenvolvimento econômico se deu de forma acelerada, atraindo capital estrangeiro e aprimorando a indústria local. Estes são: Cingapura, Coreia de Sul, Hong Kong e Taiwan.
Neste ponto, conseguimos visualizar a tão contrastante situação entre dois países que estavam destruídos pós Guerra da Coreia e se tornaram completamente diferentes justamente pelo regime de governo adotado. Vendo sua defasagem em todos os aspectos, a Coreia do Norte aposta todas as suas fichas nos misseis balísticos e em seu armamento atômico, gerando constantemente situações de tensão entre as nações asiáticas e do mundo todo.
Uma das principais propostas no contexto atual, e mais polêmica sem dúvidas, é a reunificação da península coreana sob uma só bandeira. Para as pessoas que estão fora de uma das duas Coreias, essa solução pode parecer simples e colocar um ponto final na questão rapidamente, porém não é tão fácil assim de se resolver. Começando pelo Norte, não sabemos a opinião da população a respeito desse assunto, justamente porque a opinião dos mesmos não interessa (ao menos nesse aspecto) ao governo norte-coreano. É nítido que não estão dispostos a ceder para concretizar a unificação, sendo uma divergência total do que Kim Il-sung pregava. O generalíssimo (apelido de Kim Il-sung na Coréia do Norte) já pensava sobre a unificação desde 1972, quando publicou os três princípios para a unificação da península, e posteriormente mais dez pontos sobre como deveria se pautar a união dos países. De modo resumido, ele pregava uma reunificação pacífica, independente, neutra e aberta a todos. Não notamos esforços hoje para cumprir esse desejo de Kim Il-sung.
Em contrapartida, dentro da Coreia do Sul, o sentimento cada vez mais se torna ambíguo. Pesquisas recentes indicam que ainda há presente um desejo de reunificação, porém cada vez mais está diminuindo. O Institute for Peace and Unification Studies (IPUS) é uma organização que se localiza em Seoul, capital da Coreia do Sul. Este instituto constatou em uma pesquisa feita no ano de 2021 a qual o resultado diz que apenas 44,6% da população acredita que as Coreias têm que se unirem novamente. Esta porcentagem é a menor desde o início da pesquisa, em 2007. Esta tendencia dá-se pelo fato de os jovens não verem benefícios nesta unificação, pelo contrário, traria muito prejuízo ao país e ameaçaria os empregos dos sul-coreanos.
Como podemos notar, é uma situação muito complexa e delicada, que exige muita mobilização e boa vontade de ambas as partes. Apesar dos retrospectos levantados acima deixarem pouco provável esta unificação dos dois países, também não se pode perder totalmente a esperança. Várias reuniões, encontros e negociações entre os dois países ocorreram nos últimos anos de um modo nunca visto. Mesmo com o relutante governo norte-coreano e, de certo modo, cética população sul-coreana, é possível que esta história possa ter um final melhor do que se apresenta hoje. Não podemos esquecer que muitas famílias foram separadas pelo conflito, assim como um povo inteiro. Creio ser de vital importância que ambos os países achem uma solução, seja lá qual for, sem interferências externas (não confundindo com abandono, apenas uma observação externa). Resgatando o início do presente artigo, temos que ressaltar a justificativa e o motivo da existência do Estado, que é garantir que seu povo esteja unido. Algo muito errado se faz presente quando temos dois Estados com o mesmo nome, deturpando completamente sua primordial função que é a união e proteção de seu povo. Na península coreana, há somente um povo. E é por isso que este povo não pode aceitar uma divisão feita por pessoas que nunca nem se quer pisaram naquela terra. Os únicos possuidores do direito de decidir qual será o futuro da península, sem exceção, é o próprio povo coreano.