RESUMO: O Estado possui mecanismos de controle e repressão para as infrações cometidas pelos indivíduos, sendo que, dentre tais formas, a pena privativa de liberdade é considerada como o agir mais repressivo por parte do Estado, já que, ao utilizá-la, retira do infrator a liberdade, que é considerada um dos seus direitos fundamentais. Ao agir de forma tão interventiva em um dos direitos inerentes à pessoa, o Estado precisa fazer com que a sua intervenção não ofenda os demais direitos da pessoa e por isso, a observância aos ditames constitucionais torna-se imprescindível para uma adequada aplicação da pena. No Brasil, a pena privativa de liberdade é aplicada em casos que envolvem maior ofensa ou violação aos bens jurídicos tutelados e possui, como uma de suas finalidades, a ressocialização do preso. Contudo, tal fim, mesmo possuindo amparo legislativo, encontra dificuldades em se concretizar, tendo em vista que a forma como a pena privativa de liberdade é executada não oferece condições para que haja uma mudança comportamental do sujeito. Por isso, o parâmetro posto no desenvolver do artigo visa trazer ao debate as possíveis contribuições que o Estado, ao exercer suas funções, traz para que a execução da pena privativa de liberdade tenha dificuldades no cumprimento de sua finalidade ressocializadora, tendo como base a utilização de uma metodologia quantitativa para a análise das condições dos estabelecimentos prisionais.
PALAVRAS-CHAVE: Direitos Fundamentais. Estado. Pena Privativa de Liberdade. Ressocialização.
1 INTRODUÇÃO
Considerando que o Brasil apresenta atualmente uma dificuldade em implementar a pena privativa de liberdade nos moldes compatíveis com o Estado Democrático de Direito, torna-se necessário analisar a aplicação da referida pena no país, para que sejam identificados os fatores que ocasionam tal realidade, além de analisar como a atuação de cada um dos poderes estatais pode contribuir para a intensificação do problema já existente.
Nessa perspectiva, para o desenvolver dessa análise tem-se por necessário que, inicialmente, seja realizada um paralelo entre as teorias que sustentam a aplicação da pena e a realidade fática apresentada no Brasil quando utiliza a pena privativa de liberdade como instrumento do poder punitivo do Estado.
Ademais, é importante mencionar que o exercício legítimo da aplicação da pena privativa de liberdade deve estar balizado em fundamentos teóricos, que estabeleçam limites ao Estado, mediante a elaboração de uma política criminal adequada, para que assim, a atuação estatal seja feita com legitimidade e não ingresse em um campo punitivo agressivo e sem limites.
Contudo, o cenário apresentado em pesquisas relacionadas ao tema mostra que, em muitos casos, a aplicação da pena privativa de liberdade não retrata um exercício legítimo do poder punitivo, tendo em vista, que cerceia não apenas a liberdade do indivíduo infrator, mas também outros direitos essenciais, como por exemplo, a higiene e o bem-estar.
No cenário brasileiro, a pena privativa de liberdade, além de outras finalidades, tem a função de promover a ressocialização do infrator. Porém, tal fim possui dificuldades de concretização, tendo em vista as condições de sobrevivência sub-humanas e a falta de expectativas de aprimoramento comportamental existente no ambiente carcerário. Essa realidade remete a seguinte hipótese: a pena privativa de liberdade no Brasil é capaz de atender o seu fim ressocializador?
Nesse sentido, o estudo tem como objetivo apresentar, de maneira geral, o ambiente carcerário e analisar como a atuação estatal, seja no âmbito Executivo, Legislativo ou Judiciário, pode gerar dificuldades para que seja alcançado o fim ressocializador da pena privativa de liberdade.
Assim, o trabalho se justifica devido à necessidade de se promover debates acerca da situação do sistema carcerário brasileiro e de como tal situação impacta a execução da pena privativa de liberdade.
2 TEORIAS DA PENA
Desde as civilizações mais remotas, os delitos cometidos por membros de uma sociedade geram preocupações capazes de alarmar os mais diversos setores que instituem o Estado. Por isso, as sociedades buscaram, ao longo do tempo, instituir medidas que fossem capazes de punir quem transgredisse as normas postas e violasse direitos de terceiros.
É importante ressaltar que, desde que o Estado assumiu a responsabilidade de aplicar punições a infratores, ou seja, que começou a exercer o jus puniendi, houve distintas formas de aplicar as penalidades ao longo do tempo. Por isso, torna-se necessário mencionar que, a concepção que se tem de pena não é imutável, pelo contrário, é fruto de diversas modificações na organização das sociedades, sendo construída de modo gradual com intervenções de ordem cultural, política, econômica e social (VALOIS, 2020).
Assim, pode-se afirmar, por exemplo, que a depender do modo de produção e do contexto histórico em que determinada sociedade se insere as punições aos delitos vão ser aplicadas de formas distintas. As teorias que sustentam a aplicação da pena evoluem com o passar do tempo e podem ser classificadas em duas formas distintas, sendo elas: Teorias Absolutas e as Teorias Relativas. Devido a importância que possuem para a legitimidade do poder punitivo do Estado serão analisadas de maneira separada, com o intuito de obter um maior esclarecimento sobre os seus aspectos principais (GUIMARÃES, 2006).
2.1 TEORIA ABSOLUTA
A teoria absoluta, segundo Prado (2004), fundamenta a pena como forma de compensação pelo mal gerado pelo crime, ou seja, estabelece como finalidade da aplicação de determinada pena somente à retribuição ao delito cometido. Essa teoria de viés retribucionista busca estabelecer um ideal de justiça, sendo considerada um fim em si mesma. Isso faz com que a aplicação da pena fundada nessa perspectiva não tenha limites e não consiga delimitar as diferentes realidades que envolvem o delito e a pena, já que não estabelece pressupostos mínimos que caracterizam a culpabilidade, ou seja, não delimitam o conteúdo do poder punitivo estatal (BECHARA, 2018).
Assim, segundo Roxin (1998), a pena meramente retributiva faz com que o direito de punir do Estado seja exercido mediante um “cheque em branco” ao legislador, que não impõe limites na atuação estatal.
É importante ressaltar que a teoria retribucionista, por ser considerada um fim em si mesma, não estabelece fins utilitários à aplicação da pena, prescindindo como objetivos da pena a intimidação, o melhoramento do condenado e a reparação do dano (GUIMARÃES, 2006). Segundo os defensores dessa teoria, como por exemplo, Kant e Hegel, a aplicação da pena não pode levar em consideração fins de ordem preventiva, pois isso seria uma violação à dignidade humana do infrator, que seria considerado um meio (instrumento) através do qual se buscaria atingir finalidades de âmbito social.
Devido ao fato de se preocupar apenas com a punição no seu viés retributivo e não estabelecer uma utilidade social da aplicação da pena, as teorias retribucionistas foram perdendo força durante o tempo porque não conseguiam solucionar as demandas sociais que foram surgindo, já que, mais do que retribuir o mal cometido, a pena deve levar em consideração outros aspectos para que alcance as suas finalidades. No contexto da teoria retribuicionista, o declínio da sua adoção ocorreu principalmente com a demonstração da sua pouca racionalidade, pois, o seu fundamento decorria de aspectos éticos, o que não se consegue demonstrar de forma empírica (BECHARA, 2018).
2.2 TEORIA RELATIVA: PREVENÇÃO GERAL E ESPECIAL
As teorias relativas podem ser classificadas em prevenção geral e prevenção especial. Ambas as teorias fundamentam a aplicação da pena como uma maneira de evitar que o infrator volte a cometer delitos futuros, dando ênfase assim, no aspecto utilitário da pena. Diferentemente do que fora estabelecido pelos adeptos da teoria fundada na retribuição, os defensores das teorias relativas entendem que a pena deve servir como instrumento social, favorecendo a prevenção de novos delitos (PRADO, 2004).
A teoria da prevenção geral estabelece que a pena tem como finalidade principal a intimidação do infrator, para que ele não volte a cometer novos delitos, bem como a intimação de possíveis infratores, que seriam afastados da prática delitiva quando observassem a punição imposta para um indivíduo que já violou regras sociais. Por isso, os defensores de tal teoria afirmam que a aplicação da pena deve ter como destinatários todos os membros da sociedade e deve se orientar para o futuro, de modo a evitar que sejam praticadas infrações penais. Esse aspecto intimidatório da pena, que visa promover uma coação psicológica aos indivíduos diz respeito à uma das vertentes que a teoria da prevenção geral possui. É importante ressaltar que a referida teoria também possui uma outra vertente, que é denominada de prevenção geral positiva (GUIMARÃES, 2006).
Essa vertente de prevenção geral positiva, de acordo com Prado (2004), tem como intuito fortalecer a confiança normativa, já que, a aplicação da pena reforça a aplicação das normas jurídicas. Além dessa finalidade, o referido autor também sinaliza que a destinação da pena nessa perspectiva produz efeito de aprendizagem, pois insere no consciente do indivíduo que determinadas condutas não são aceitas na sociedade, sendo que a sua realização acarreta em uma punição, e também estabelece efeitos de pacificação social, já que a aplicação da pena seria a maneira de se resolver os problemas gerados pela violação de uma norma jurídica.
Apesar de demonstrar evolução em relação a teoria retribucionista, por levar em consideração aspectos utilitários na aplicação da pena, a teoria da prevenção geral positiva, não conseguiu trazer muitas inovações para a seara penal e continuou a sustentar o caráter retributivo da pena, agora com o intuito de não fazer da pena um fim em si mesma, mas sim de aplica-la com o objetivo de reafirmar as disposições do ordenamento jurídico. Nessa mesma linha de pensamento dispõe Prado (2004), ao afirmar que:
Em síntese, uma pena justificada pela denominada prevenção geral positiva nada mais é do que a pena retributiva, pois que a aplicação de uma pena à infração delitiva perpetrada conduz à realização de seu efeito preventivo estabilizador, de maneira que "a mudança de etiquetas não afeta em absoluto o conteúdo da pena, que é reafirmação do ordenamento jurídico, ou seja, retribuição justa” (PRADO, 2004, p. 3).
No que diz respeito à prevenção especial, pode-se afirmar que tal teoria tem como intuito impedir que o infrator cometa outros delitos. Para os adeptos dessa teoria, a aplicação da pena deve levar em consideração aspectos individuais do infrator, como por exemplo a sua periculosidade. Por isso, segundo Prado (2004), a pena fundada na prevenção especial ocorre mediante advertência, intimidação, correção, reinserção social ou separação, a depender do perfil que o infrator apresentar.
De acordo com Valois (2020), a prevenção especial possui dois aspectos diferentes, sendo eles: a imposição de separação do infrator, cujo o intuito seria a promoção de uma sensação de segurança imediata, que é gerada no momento em que o infrator se afasta do convívio social, e a instauração do aspecto ressocializador do infrator enquanto este está sob a proteção das instituições punitivas estatais.
A teoria da prevenção especial é criticada por alguns doutrinadores pelo fato de determinar a aplicação da pena em razão das particularidades de cada infrator. Assim, para Prado (2004), a adoção dessa teoria poderia levar a muitos equívocos jurídicos-penais, como por exemplo, a aplicação de penas desproporcionais.
Tal equívoco, conforme o referido autor, fica evidenciado no caso de um infrator perigoso cometer delito que possui pouca gravidade. Nessa situação, é possível observar que devido ao fato da pena levar em conta a periculosidade do infrator, quando este possuir perfil perigoso e cometer delito de menor gravidade pode cumprir pena superior àquela destinada a punir o delito cometido. Com isso, ao longo do tempo os fundamentos admitidos na teoria da prevenção especial foram perdendo espaço e foram adotados outros parâmetros para a aplicação da pena.
2.3 TEORIAS UNITÁRIAS OU ECLÉTICAS
As teorias unitárias decorrem da junção dos pressupostos estabelecidos na prevenção geral e prevenção especial como instrumentos de se atingir a finalidade de retribuição da pena. A referida teoria busca o seu fundamento no delito praticado e na necessidade de se impedir que venha ocorrer a realização de novos delitos (PRADO, 2004). Para atingir tais fins, os adeptos das teorias unitárias defendem que a pena deve ser aplicada de maneira justa, proporcional à gravidade da infração e à culpabilidade de seu autor.
As teorias unitárias, que visam mesclar pressupostos da teoria absoluta e das teorias relativas, segundo Bechara (2018), devem ser analisadas criticamente, já que, se mostram mais preocupadas em legitimarem a pena sob qualquer aspecto do que fundá-la em um pensamento racional e crítico.
3 FUNÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE NO BRASIL
Considerada como uma sanção penal que retira, temporariamente, do condenado o seu direito à locomoção, a pena privativa de liberdade, no direito brasileiro, pode ser aplicada sob três diferentes formas, sendo elas: a reclusão, a detenção e a prisão simples. Tais formas de aplicação, que são denominadas de espécies da pena privativa de liberdade se diferenciam, entre outros aspectos, pela maneira em que são cumpridas (MASSON, 2019). De acordo com o artigo 33 do Código Penal, a pena de reclusão deve ser cumprida em regime fechado, semiaberto ou aberto, enquanto que a pena de detenção é cumprida em regime semiaberto ou aberto.
Já a pena de prisão simples, é a que mais se distancia das demais formas, porque ela é aplicada somente aos casos que envolvem o cometimento de contravenções penais, que segundo o Sistema Dualista adotado pelo direito penal brasileiro, é uma espécie de infração penal, que não está prevista no rol dos crimes do Código Penal, mas sim, em lei especifica, pois visa proteger bens jurídicos de menor relevância. Além disso, a prisão simples, conforme dispõe o artigo 6º da Lei de Contravenções Penais (Decreto-Lei nº 3.688/41), “deve ser cumprida, sem rigor penitenciário, em estabelecimento especial ou seção especial de prisão comum, em regime semi-aberto ou aberto”.
Assim, é possível perceber que a análise da pena privativa de liberdade está intimamente relacionada com o estudo dos regimes penais (fechado, semiaberto e aberto), tendo em vista que a depender da infração penal cometida por um determinado agente, a sanção penal privativa de liberdade que lhe for imposta terá contornos diferentes. Nesse aspecto, o Código Penal Brasileiro disciplina a matéria nos artigos 34 e seguintes.
No que diz respeito ao regime fechado, tem-se que ele é considerado o regime mais rigoroso, sendo que o seu cumprimento dá-se em penitenciária, enquanto que o regime semiaberto, que é entendido como uma forma de cumprimento de pena com rigor intermediário é executado em colônia agrícola, industrial ou similar, havendo situações em que o condenado pode ser direcionado à compartimento coletivo, desde que sejam observadas às condições necessária para a existência humana.
Quanto ao regime aberto, entende-se que este é baseado na autodisciplina e também no senso de responsabilidade daquele sujeito condenado, já que, o recolhimento nas denominadas Casas de Albergado ocorre apenas durante o período noturno e nos dias de folga (CUNHA, 2015).
É importante mencionar, que no ordenamento jurídico brasileiro, o cumprimento da pena privativa de liberdade é realizado de forma progressiva. Essa forma de cumprimento, que está prevista no artigo 33, §2º, do Código Penal, foi introduzida no ordenamento jurídico brasileiro com a finalidade de se humanizar a pena privativa de liberdade, o que fica demonstrado no Item n. 35 da Exposição de Motivos da Nova Parte Geral do Código Penal:
A fim de humanizar a pena privativa da liberdade, adota o Projeto o sistema progressivo de cumprimento da pena, de nova índole, mediante o qual poderá dar-se a substituição do regime a que estiver sujeito o condenado, segundo seu próprio mérito. A partir do regime fechado, fase mais severa do cumprimento da pena, possibilita o Projeto a outorga progressiva de parcelas da liberdade suprimida (BRASIL, 1983).
O ideal humanizador trazido pelo sistema progressivo está relacionado com a busca de se implementar a ressocialização do apenado, que se refere à finalidade de prevenção especial da pena privativa de liberdade. Apesar de não se apresentar como algo inédito na história das penas, a busca pela humanização da sanção penal, que já legitimou inclusive a própria aplicação da pena privativa de liberdade, apresenta nesse contexto de progressão uma inovação que foi instaurada pela denominada Escola da Nova Defesa Social, que consiste numa doutrina jurídica, iniciada no final do século XIX, que foi responsável por impulsionar o fim ressocializador para o apenado (VALOIS, 2020).
É importante ressaltar que, a análise da humanização da pena deve ser feita levando em consideração a evolução dos sistemas punitivos adotados no decorrer do tempo, pois, estão intimamente relacionados com o desenvolvimento econômico do local. Por isso, a depender do modo de produção e do contexto histórico em que determinada sociedade se insere, as punições aos delitos vão ser aplicadas de formas distintas. Durante a economia servil durante a Idade Média, os castigos destinados a punir os infratores tinham a finalidade de suplementar a mão de obra, construindo uma forma de escravidão civil. Já, durante o feudalismo, as punições destinavam-se a impor castigos corporais e visavam retribuir ao infrator o mal que ele praticou (FOUCAULT, 2013).
Posteriormente, com um maior desenvolvimento do comércio as punições passaram a ocorrer em casas de correção. Após, com o advento do sistema industrial, os mecanismos de punição foram substituídos por uma detenção com fim corretivo (FOUCAULT, 2013).
A pena privativa de liberdade veio substituir os suplícios e a pena de morte, pois a forma cruel que as penas eram impostas não mais correspondiam aos anseios da sociedade. Nesse contexto, buscou-se uma forma mais humanizada de se aplicar uma determinada punição, por isso, a instituição da pena de prisão foi muito elogiada pelos mais diversos setores da sociedade. O período de maior ascensão da pena privativa de liberdade foi no início do século XIX, porém no final do mesmo século já mostrava falhas (VALOIS, 2020).
Segundo Foucault (2013), a pena privativa de liberdade começou a mostrar esgotamento por não atingir o objetivo que norteou a sua criação, ou seja, a pena privativa de liberdade não foi capaz de humanizar o direito penal. A sua função, de acordo com o autor, se apresentava como uma forma mais suave da aplicação do suplício.
No início do século XIX, a prisão passou a ser considerada a principal forma de punição. Durante esse período acreditava-se que submeter um infrator ao cárcere seria suficiente para alcançar a sua ressocialização. Contudo, essa visão não está sendo mais predominante, pois, ao longo dos anos, vários estudiosos detectaram muitos problemas na execução da pena privativa de liberdade (BITTENCURT, 1991).
Segundo Fragoso (1980), o cárcere demonstra efeitos lesivos sobre a personalidade do preso, já que, quando o preso perde a liberdade ele também perde a sua identidade social. O autor ainda ressalta que o ingresso em um sistema carcerário impõe ao preso uma sujeição completa a uma estrutura que é completamente autoritária, onde as regras e valores em muito se divergem com o ambiente social.
Assim, os presos “adaptam-se ao meio ambiente deformado, através do que se tem chamado de prisonização, que muitos autores descrevem, e que os afasta dos padrões do mundo livre” (FRAGOSO, 1980, p.8).
Além da submissão em um ambiente completamente diverso do vigorante na sociedade livre, o cárcere impõe ao preso, em muitos casos, condições de convívio cruel e desumano, o que afasta ainda mais a pena privativa de liberdade de alcançar a ressocialização do apenado. Por isso, a ressocialização mediante o aprisionamento tem se demonstrado cada vez menos eficiente, chegando ao ponto de alguns autores considerarem tal finalidade como uma utopia e identificarem que a pena de prisão encontra-se em estado de crise (BITTENCURT, 1991).
No contexto brasileiro, a aplicação da pena tem como objetivo reprovar e prevenir o crime. Tal postura legislativa, disposta no artigo 59 do Código Penal Brasileiro, retrata a adoção da teoria unitária, já que, visa atingir simultaneamente o fim retributivo e preventivo, que são respectivamente, oriundos da teoria absoluta e das teorias relativas da pena.
A Lei de Execução Penal estabelece em seu artigo 1º que, “a execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”. Essa determinação reflete a adoção do caráter especial da prevenção positiva da pena, que consiste no aspecto reeducativo e ressocializador da pena, preparando o condenado para uma nova vida.
Dessa forma, levando em consideração os aspectos ora mencionados, torna-se necessário analisar se a pena privativa de liberdade, cumprida nos moldes atuais, é capaz de cumprir as funções que lhe são destinadas.
Para tanto, é importante ressaltar que atualmente no Brasil, como já fora sustentado por Bittencurt (1991), o cárcere, que é o local destinado ao cumprimento da pena privativa de liberdade, passa por um momento de crise. Essa constatação surge devido ao fato das más condições carcerárias sujeitarem o preso a uma situação sub-humana, pois não oferecem condições mínimas de saúde, higiene e bem-estar.
Essa situação de degradação pode ser considerada assim, em muitos casos, como uma espécie de segunda punição ao infrator submetido ao sistema carcerário, sendo caracterizada para alguns estudiosos, conforme salientam Pedroso & Jardim (2019), como bis in idem, já que o preso além de cumprir a pena que lhe foi destinada também tem que passar por constantes humilhações e restrições de direitos que transcende a finalidade da aplicação da pena privativa de liberdade.
De acordo com que dispõe o Modelo de Gestão para a Política Criminal do Brasil (2016), desde 1850, ano que foi construída a primeira penitenciária brasileira, as prisões não possuem condições viáveis de higiene, não promovem tratamento humanitário aos encarcerados, fazendo com que haja pouca eficácia no combate ao delito e na ressocialização dos presos.
É certo que, diante do contexto que vigorava na antiguidade com a aplicação dos suplícios e da pena de morte, a prisão se apresentou como a forma mais imediata e também civilizada de se realizar a punição aos infratores (FOUCAULT, 2013). Contudo, o que se observa atualmente é que a forma como a prisão está sendo instaurada não está em conformidade com os fins civilizatórios, nem humanitários, já que os presos não têm seus direitos respeitados.
Segundo Fragoso (1980), a ideia de que os presos não possuem direitos não é atual, pelo contrário, é bastante antiga e reafirma o pensamento de que o infrator é considerado um “servo da pena”, e que ocupa um local onde o direito não o alcança. Isto porque, a prisão, que é considerada mais do que um local onde se executa uma determina pena, representa uma forma de coerção aplicada aos indivíduos mediante ações de dominação, que são capazes de ferir os direitos daqueles que são a ela submetidos (SHECAIRA, 1996).
É importante ressaltar que, apesar dessa ideia vigorar no contexto atual brasileiro, a Lei de Execução Penal, de 1990, estabelece em seu artigo 38 e seguintes, os direitos e os deveres dos encarcerados. A referida Lei estabelece no seu artigo 41, inciso VII que, o preso tem direito à assistência material, à saúde, jurídica, educacional, social e religiosa. Contudo, na prática tais direito, muitas vezes, não são respeitados, fazendo com que a prisão se transforme meramente em um ambiente segregador, onde existem celas esquecidas e lotadas (VALOIS, 2020).