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A "guerra espiritual" ameaça a democracia

Agenda 11/10/2022 às 20:15

O estranho do absurdo é o seu retrocesso irracional.

Estamos vivendo tempos sombrios em muitas democracias. Levantes de pessoas em nome da "salvação" das "almas perdidas". Ou defesas dos fracos, indefesos e oprimidos. A certeza deve ser atacada para se criar dúvidas e, com sito, recriar "única verdade". A humanidade já vivenciou esquemas mirabolantes em defesa da "única verdade". A democracia atual, inspirada na Grécia a.C., é o reflexo de pensadores e questionadores da vida social, dos valores sociais, das normas jurídicas etc. A liberdade de pensamento conjuga-se com a liberdade de expressão para a democracia. Pode-se pensar livremente, mas quando a liberdade de expressão é tolhida, por questões ideológicas ditatoriais atualmente qualquer pessoa pode professar sua religião sem medo do Estado censurar, a menos que tal liberdade seja incompatível com o princípio constitucional "dignidade humana"; ninguém pode queimar "bruxas" nas fogueiras, não se pode perseguir judeus por serem "de seita" etc. , não há democracia como os gregos idealizaram.

Porém, existe outro perigo. A liberdade de expressão sem fundamento. É lançar ao público "verdades" sem comprovações. Não é sempre que uma ideia é verdadeira. Por exemplo, indivíduo pode ter cálculo renal e não sentir dor. Não é por isso que a pessoa possa ratificar que não tem algum problema renal. A constatação se faz por exames ou pela dor na região renal. 

Já vi o vídeo numa rede social. Estava sondando sobre sua legitimidade. "Isso é fácil", assim dizem. O problema atual é a deepfake.

A tecnologia é o resultado das necessidades humanas. Como será usada, o problema.

No Correio Braziliense o vídeo que eu estava pesquisando , a matéria Após cobrança do MPF, Damares ignora caso em vídeo e alega "ódio a uma pastora". O vídeo:

Segundo Damares Alves (Republicanos), os dentes das crianças são extraídos para sexo oral, dentre outros fatos estarrecedores. Existe tráfico de crianças e tráfico sexual neste orbe; contra fatos não há refutações. À questão, no âmbito democrático, pelo Estado de Direito, é pensar, falar e provar. Perigosíssima a liberdade de expressão sem provas. Gosto de novelas, sim, gosto, com temas sobre a realidade da vida. A nova novela da globo "Travessia" abordará o deepfake e a sua consequência: linchamentos.

Linchamentos: A Justiça Popular No Brasil, de José de Souza Martins. O livro choca pela realidade brasileira quanto o brasileiro e sua forma de "fazer justiça", pelas próprias mãos, crime previsto na norma do artigo 354, do CP.

Os linchamentos expressam uma crise de desagregação social. São, nesse sentido, muito mais do que um ato a mais de violência dentre tantos e cada vez mais frequentes episódios de violência entre nós. Expressam o tumultuado empenho da sociedade em restabelecer a ordem onde ela foi rompida por modalidades socialmente corrosivas de conduta social. É que o intuito regenerador da ordem, que os linchamentos pretendem, fracassaram, tanto quanto a República fracassou no afã de modernizar e de ordenar, de instituir o equilíbrio de que toda sociedade carece na legítima aspiração de paz social e de garantia dos direitos da pessoa. Quanto mais se lincha, maior a violência; quanto mais incisivo o discurso em defesa dos direitos humanos, mais violados eles são. A polarização que se expressa nesses abismos pede superação, o que depende da lucidez que nos está faltando.

(...)

Nos cerca de 60 anos abrangidos pelos 2.028 casos que compõem o material desta pesquisa, 2.579 pessoas foram alcançadas por linchamentos consumados e tentativas de linchamento. Nestas, apenas 1.150 (44,6%) foram salvas, em mais de 90% dos casos pela polícia. Outras 1.221 (47,3%) foram de fato capturadas pela turba e alcançadas fisicamente nas agressões feridas espancadas, atacadas a pauladas, pedradas, pontapés e socos, nessa ordem e nessa progressão, até os casos extremos de extração dos olhos, castração, extirpação das orelhas e cremação da vítima ainda viva. Desse grupo, 64% (782) foram mortas (30,3% do total de vítimas) e 36% (439) foram feridas (17% do total de vítimas), salvando-se estas graças à chegada da polícia, que interrompeu o processo de sua execução. Ainda no conjunto dos linchamentos e tentativas, 8,1% das vítimas conseguiram escapar por seus próprios meios ( MARTINS, José de Souza. Linchamentos : justiça popular no Brasil / José de Souza Martins.  São Paulo : Contexto, 2015. .pp. 11 e 12)

Liberdade de expressão deve ser fundamentada, com provas robustas por parte de ocupantes de cargos públicos, já que possuem recursos do Estado. Na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei 2794/20 para funcionário público que não comunicar crime. Se Damares tem provas, por que não denunciou aos órgãos competentes? Por que não denunciar publicamente em vez de denunciar somente para os seus correligionários? No vídeo Damares afirma haver uma "guerra espiritual" e que tanto a Justiça (Supremo Tribunal Federal), a imprensa e o Congresso Nacional são "do inferno". Ora, se há "guerra espiritual", se Justiça (Supremo Tribunal Federal), imprensa e Congresso Nacional estão contra o chefe de Estado e chefe de governo, este como salvador das crianças, nas garras de abusadores sexuais e pedófilos, e ele como um "homem de Deus", semanticamente, a Justiça (Supremo Tribunal Federal), a imprensa e o Congresso Nacional são "contra Deus", e "contra" é "do mal", "do capeta": o anticristo!

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A "guerra espiritual" ameaça a democracia, pelo uso da política. Na Era do Iluminismo, FELIZMENTE presente neste início de século (XXI), o Estado é laico, sem deixar de proteger a liberdade de crença, os governantes devem prestar contas ao povo (publicidade dos atos administrativos), qualquer agente público deve agir tão somente pela legalidade e pelo dever da manutenção da moralidade administrativa, dentro e fora da instituição democrática e ainda que não estejam nos horários do exercício da função, a "minoria" deve ser protegida pelo Estado, jamais a "maioria" pode objetivar a dignidade das "minorias, a regra quanto aos atos administrativos é a publicidade, o "segredo", a defesa da soberania, é a exceção, isto é, a não publicidade, a moral religiosa não pode ser diretriz para a vida social, já que existe a liberdade de crença pelo Estado laico sendo o Estado laico, impossível uma moral relacionada à única religião, do contrário é Estado teológico.

O que se vê, e sempre se viu, são candidatos (esquerda, direita, centro etc.) prometendo apoios aos religiosos, de tradição judaico-cristã, para conseguirem votos de fiéis. Até aqui, nada de mais. Porém, no Estado laico, as reivindicações dos religiosos somente podem ser concretizadas quando compatíveis com a CRFB de 1988. Todavia, as constituições não são imutáveis, a soberania não é mais plena. A internacionalização dos direitos humanos consegue mudar constituições, o modo de viver, ou seja, costumes e tradições não são mais imutáveis. É o caso da  A Última Tentação de Cristo (Olmedo Bustos e outros) Vs. Chile

De um lado, a tradição da Igreja Católica sobre a vida de Jesus cristo. De outro, uma nova visão sobre a vida de Jesus, bem diferente da tradição católica. Entre "o tradicional" e a "mutação", prevaleceu a "mutação" da vida de Jesus Cristo pelo filme de  Martin Scorsese (A Última Tentação de Cristo). Por que prevaleceu "mutação" e não "tradição"? É a liberdade de expressão o direito de expressar ideias contrárias ao status quo, ao único tipo de pensamento sobre determinada religião, ainda que pelos seus fiéis, sacerdotes etc. Não sendo possível a liberdade de expressão, por exemplo, não existiriam evangélicos, protestantes. A Reforma Protestante, possibilitada pela liberdade de expressão, garantiu novas ideias, ou seja, um diálogo inter-religioso. Pelos diálogos, consequência da liberdade de expressão, as divergências no cristianismo (1).

A "guerra espiritual" ameaça a democracia, quando a liberdade de expressão não apresenta fundamento, prova, contundência, lógica futuramente, um artigo sobre argumentação jurídica.

Lula negocia com evangélicos. Bolsonaro com evangélicos. Por isso, o artigo já publicado: A liberdade religiosa nas eleições de 2022. É a liberdade de expressão o direito de expressar ideias contrárias ao status quo, ao único tipo de pensamento sobre determinada religião, ainda que pelos seus fiéis, sacerdotes etc.

Dedico este artigo aos pensadores e divergentes: Baruch de Esponiza; Giordano Bruno; Martinho Lutero.

NOTA:

(1) Superinteressante. Qual é a diferença entre protestantes e evangélicos? Conheça a diferença entre os principais ramos do cristianismo. Disponível em: https://super.abril.com.br/mundo-estranho/qual-e-a-diferenca-entre-protestantes-e-evangelicos/

Sobre o autor
Sérgio Henrique da Silva Pereira

Articulista/colunista nos sites: Academia Brasileira de Direito (ABDIR), Âmbito Jurídico, Conteúdo Jurídico, Editora JC, Governet Editora [Revista Governet – A Revista do Administrador Público], JusBrasil, JusNavigandi, JurisWay, Portal Educação, Revista do Portal Jurídico Investidura. Participação na Rádio Justiça. Podcast SHSPJORNAL

Informações sobre o texto

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