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Desdobramentos jurídicos da regulação de drones no Brasil,os perigos do seu uso pelo estado e a necessidade de equacionamento de direitos com base na análise de 3 casos concretos dos Estados Unidos

Agenda 15/10/2022 às 17:28

RESUMO

A evolução do uso de drones não somente pela sociedade civil, mas também pelo Estado, é um enorme desafio para o Direito. Lidar com os desdobramentos jurídicos do seu uso no mundo real é uma tarefa extremamente difícil, principalmente num contexto de evoluções que acontecem tão rapidamente. Se já existem vários problemas gerados pelos drones nas relações entre Nações em contexto de guerra e entre civis nas suas relações interpessoais, os problemas se tornam ainda mais complexos quando se trata da relação entre Administração Pública e seus administrados, pois sempre haverá um desequilíbrio de poderes, já que o Estado é soberano. Os riscos de dronificação do poder e um hipervigilância são enormes e muitas vezes fatais. Portanto, os problemas daí decorrentes carecem de um equilíbrio, um equacionamento de direitos, pois faz sentido a sociedade civil abrir mão de parte de direitos fundamentais em nome do interesse público, mas não de maneira absoluta. É preciso haver limites e razoabilidade. Assim, a atuação estatal com o uso de drones sempre deve ser ponderada, já que é possível violar alguns direitos ao mesmo tempo em que se afirma outros.

Palavras-chave: Drones; Regulação; Direitos Fundamentais; Equacionamento de Direitos;

ABSTRACT

The legal breakdowns of using drones by the civil society and the State are a demanding task for the law to solve. Beyond wars and interpersonal relations, those issues get even more harder when it comes to the relationship between the Public Administration and its citizens, because of the equation of rights and the sovereignty of the State. The civil society for example surrenders parts of the fundamental rights for the public interest, even if not in an absolute way. Considering that the risks of "dronification" of power and hypervigilance are numerous and oftentimes fatal, it is necessary a balance, and an equation of rights in order to stablish its limits and reasonableness. Therefore, since it is possible violating some rights and claiming other at the same time, the usage of drones by the State should be guided by no partiality/tendency.

Key-words: Drones; Regulation; Fundamental Rights is; Equation of Rights; SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 8

CAPÍTULO 1: CONTEXTO DO DESENVOLVIMENTO E UTILIZAÇÃO DE DRONES 11

1.1 O desenvolvimento da compreensão sobre o uso de drones 11

1.2 Esclarecimentos sobre as terminologias atualmente usadas para drones 14

1.3 Finalidades antigas versus finalidades atuais do uso de drones 17

CAPÍTULO 2: O ESTADO ATUAL DO CONTEXTO BRASILEIRO DA REGULAÇÃO DO USO DE DRONES 20

2.1 Panorama geral da regulação dos drones no Brasil 20

2.2 Aspectos gerais do RBAC-E nº 94 22

2.3 Aspectos operacionais e de segurança do RBAC-E nº 94 24

2.4 Aspectos de registro do RBAC-E nº 94 25

2.5 Aspectos da fiscalização do RBAC-E nº 94 26

CAPÍTULO 3: DESDOBRAMENTOS JURÍDICOS DA REGULAÇÃO DE DRONES, PERIGOS DE USO PELO ESTADO E NECESSIDADE DE EQUACIONAMENTO DE

DIREITOS 27

3.1 Desdobramentos jurídicos da regulação de drones na sociedade civil 27

3.2 Desdobramentos jurídicos da regulação de drones no Estado 31

3.2.1 Perigo da dronificação do poder e hipervigilância pelo Estado 34

3.3 Equacionamento de objetivos e direitos dos administrados e aspectos em que o estado precisa fazer ponderação de direitos para utilizaçâo dos drones 36

3.3.1 California v. Ciraolo (1986) 39

3.3.2 Dow Chemical v. United States (1986) 40

3.3.3 Florida v. Riley (1989) 42

3.3.4 Equacionamento de direitos 43

CONSIDERAÇÕES FINAIS 48

REFERÊNCIAS 52

INTRODUÇÃO

De um lado está o avanço extraordinariamente rápido da tecnologia de drones e de outro lado estão os desdobramentos mais diversos da sua aplicação na vida das pessoas, sejam eles positivos ou negativos.

Aparentemente, não há nada com que nos preocuparmos, afinal as novas tecnologias vieram somente para agregar na evolução da sociedade, e talvez fosse desnecessário qualquer questionamento em relação a isso. Mas a verdade é que há, sim, motivo para grandes preocupações e debates tanto na sociedade civil quanto na comunidade científica.

As tecnologias aplicadas nos drones, embora claramente tenham capacidade para fazer ações extraordinárias com fim na afirmação da dignidade da pessoa humana nas suas mais diversas facetas, também têm capacidade para causarem as mais diversas tragédias, sejam elas de violação de direitos na ordem coletiva ou na ordem privada.

Assim, o que se percebe é que, embora os drones já não tenham aplicação unicamente no campo militar, o seu potencial lesivo ainda permanece e é cada vez mais eficiente negativamente. Entretanto, uma das grandes diferenças entre começo da utilização de drones para a utilização atual é que hoje eles não são mais usados apenas por forças armadas, mas também pela sociedade civil nas suas relações interpessoais e também pelo Estado na tentativa de garantia de aplicação de políticas públicas. Isto é, ao passo que os drones evoluíram, também ganharam novos usuários ativos.

Lidar com isso é um enorme desafio para a sociedade, e apenas o Direito é capaz de amenizar os problemas de uma maneira que não se faça necessário abrir mão da tecnologia de maneira definitiva em detrimento dos benefícios que ela tem potencial de trazer para a evolução social. Até porque a utilização de drones não só é importante, mas também em alguns casos já são até mesmo indispensáveis. Assim, esse é o desafio das autoridades, dos civis, dos cientistas, e, por fim, da humanidade como um todo, e o debate jurídico será a principal ferramenta para o êxito diante desse desafio.

Dessa forma, o objetivo do presente trabalho é exatamente tentar entender os desdobramentos jurídicos da atual regulação de drones no Brasil, demonstrar os perigos do seu uso pelo Estado e discutir sobre a necessidade de equacionamento de direitos com base na análise de 3 casos concretos que aconteceram nos Estados Unidos nos últimos anos.

Para isso, o trabalho foi estruturado inicialmente para contextualizar o desenvolvimento e utilização de Drones não somente no Brasil, mas também de uma perspectiva mais genérica geograficamente. Nesse primeiro capítulo foi tratado especificamente do desenvolvimento da compreensão sobre o uso de drones, foram feitos alguns esclarecimentos sobre as terminologias atualmente usadas para se referir a eles e foi feita uma abordagem mais prática com destaque para as finalidades antigas e finalidades atuais dos drones.

Em seguida, no capítulo dois, o trabalho se dedica ao estado atual do contexto da regulação do uso de drones especificamente no Brasil. E, para isso, se debruça em fazer um rápido panorama geral para, imediatamente depois, focar na principal regulamentação de drones atualmente no Brasil, que é o RBAC-E nº 94. Nessa análise, foram levantados os aspectos gerais e específicos delimitadores do uso de drones no Brasil que a referida legislação regula.

Por fim, no capítulo três e último, foram discutidos os desdobramentos jurídicos da atual regulação de drones no Brasil. Um destaque especial foi dado para os perigos que existem para o uso de drones por parte do Estado Administrador, já que ele também é detentor de poderes para interferir na vida dos administrados com fim sempre no suposto interesse público, e isso, juntamente com ferramentas como os drones, tem um potencial enorme de causar grandes prejuízos na vida privada da sociedade civil. E, com o objetivo de dirimir esse potencial negativo para o uso de drones pelo Estado, foi levantada uma discussão sobre a necessidade de equacionamento de direitos dos administrados, usando como base três casos concretos que aconteceram nos Estados Unidos e que nos deram importantes ensinamentos sobre a dicotomia do uso de tecnologias pelo Estado e os limites razoáveis dessa utilização.

Assim, espera-se com o presente trabalho contribuir no debate sobre o uso de novas tecnologias, notadamente os drones, nas relações sociais entre a sociedade civil e entre a Administração Pública e seus administrados.

CAPÍTULO 1: CONTEXTO DO DESENVOLVIMENTO E UTILIZAÇÃO DE DRONES

1.1 O desenvolvimento da compreensão sobre o uso de drones

A fabricação e comercialização de drones no mundo já acontece há décadas[1], e, apesar da curva de crescimento desse mercado ter tido um aumento expressivo somente anos atrás[2] e, consequentemente, os drones só se tornaram populares na sociedade civil há pouco tempo[3], o contexto do seu desenvolvimento remonta influências de tempos bem antigos, principalmente em termos de tecnologia[4][5] e, com menos intensidade, em termos de diversidade de uso e aplicação no cotidiano civil[6].

Por outro lado, não se trata de uma tecnologia que se desenvolveu historicamente de maneira linear e com os mesmos objetivos de aplicação que conhecemos ou pensamos conhecer atualmente[7]. Pelo contrário, foi desenvolvida em meio a vários momentos delicados na história da humanidade, como as guerras mundiais e conflitos armados de forma geral, e, por isso, com objetivos muitas vezes questionáveis, mas que culminaram no que conhecemos hoje como drone.

Dessa forma, como indica Chamayou (2015), a história dos drones começa no campo militar. Os precursores dos drones atuais foram os torpedos, bombas com motor próprio, utilizados nas guerras no século XX[8] . Entretanto, eram equipamentos

que podiam ser utilizados somente uma vez e, por isso, a tecnologia precisava evoluir para equipamentos reutilizáveis (CHAMAYOU, 2015).

Para melhor compreendermos a sua evolução, com base em Mendes (2016, p. 8-10), podemos dividir o seu desenvolvimento em 5 fases, que estão intimamente relacionadas com conflitos armados.

Na primeira fase os drones foram criados com o objetivo de contribuir no mundo militar em atividades de recolha de informações e vigilância. Esses modelos, que tiveram um maior incentivo de criação por causa da Primeira Guerra Mundial, tinham problemas de tecnologia que atrapalhavam o desempenho das suas funções, como um GPS muito pesado e com problemas de precisão de localização.

Já na segunda fase, os drones que se destacaram foram os criados para servir o exército dos Estados Unidos e da Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial. No caso americano, eles serviram principalmente para treino da artilharia antiaérea e tiveram como destaque o modelo Queen Bee [9] , e, no caso alemão, serviram principalmente para ataques a cidades, já que eram, na verdade, mísseis de cruzeiro[10].

Ainda conforme Mendes (2016, p. 8-10), na terceira fase ocorrida durante a Guerra Fria, os drones tinham uma tecnologia mais avançada do que a das décadas anteriores e podiam ajudar em missões noturnas e carregar cargas explosivas.

A quarta fase, por sua vez, aconteceu em função da Guerra do Golfo e durou alguns anos. Os drones desenvolvidos nessa época tinham como principal objetivo reduzir as mortes de militares em missões de elevado risco. Ainda nessa fase, os militares israelenses, a partir dos drones fabricados nos EUA, desenvolveram novas tecnologias aplicadas aos drones, como a transmissão de imagens em tempo real e,

nesse mesmo sentido, a NASA desenvolveu, em 1995, drones com planos de voos de longa duração e com capacidade de fazer voos movidos a energia solar.

Por fim, a quinta fase, segundo Mendes (2016, p. 8-10), iniciada após os ataques terroristas aos Estados Unidos em 11 de setembro de 2001, marca o desenvolvimento dos drones com objetivo majoritário antiterrorismo, com tecnologias de inteligência e bélicas cada vez mais potentes.

Conforme Mendes demonstra ao longo das 5 fases de desenvolvimento dos drones, desde que começaram a ser usados, eles se tornaram importantes de diversas formas, pois algumas situações no campo militar, que normalmente seres humanos executavam, eram muito perigosas ou altamente complexas, fazendo com que eles fossem indispensáveis à sua execução. Como exemplo disso podemos citar as atividades em áreas de inteligência militar, apoio e controle externo de artilharia, apoio aéreo a tropas de infantaria e cavalaria no campo de batalha, controle de mísseis de cruzeiro, atividades de patrulhamento urbano, costeiro, ambiental e de fronteiras, atividades de busca e resgate, entre outras[11].

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Dessa forma, os drones foram idealizados inicialmente com fins quase que exclusivamente militares e, embora sejam usados atualmente também para outras finalidades civis, continuam sendo muito usados no mundo militar.

Importante mencionar que os países pioneiros no uso militar e que ainda são os que mais investem na criação e melhoramento de drones são os Estados Unidos e Israel[12], muito embora hoje seja muito comum que muitas nações invistam nesse tipo de tecnologia, e, quando não há esse investimento, há a importação dos

mesmos[13], pois o uso atual vai além da seara militar, contribuindo com diversas áreas da atuação estatal[14].

Portanto, o que podemos observar sobre a história do desenvolvimento dos drones é que ela remonta a tempos muito mais antigos do que imaginamos, foi influenciada por tecnologias e objetivos que, embora estejam intimamente relacionados com o mundo militar, não foram algo exclusivo e, hoje, servem para atuação em diversas áreas da sociedade civil.

1.2 Esclarecimentos sobre as terminologias atualmente usadas para drones

As terminologias atualmente usadas para drones têm uma enorme variação a depender do país, do instrumento regulatório e de qual o contexto em que estão inseridas. Dessa forma, para fins de compreensão não somente com objetivo de cumprir com os propósitos do presente trabalho, mas também para contextualização de forma geral, é importante esclarecermos as diferentes abordagens que os drones podem ter e sabermos qual é ou quais são as formas corretas de abordá-lo, principalmente no contexto de regulação.

Assim, para não induzir a erro de formalidade, já que se trata de um jargão, o termo drone não é a técnica mais apropriada para se referir a um veículo aéreo não tripulado, pois este não se resume a um único modelo. Na verdade, ele é diversificado de várias formas e finalidades[15]. Entretanto, no mundo todo e no Brasil, o nome popular é drone[16] [17]. CHAMAYOU explica:

Drone é, antes de tudo, uma palavra da linguagem leiga. [...] O léxico oficial do exército norte-americano define o drone como um veículo terrestre, naval ou aeronáutico, controlado a distância ou de modo automático. A população de drones não se compõe apenas de objetos voadores. Pode haver tantos tipos de drone quanto famílias de armas: drones terrestres, drones marítimos, drones submarinos e até drones subterrâneos, imaginados sob a forma de grandes toupeiras mecânicas. Qualquer veículo, qualquer máquina pilotada pode ser dronizada a partir do momento em que não há mais tripulação humana a bordo (CHAMAYOU, 2015, p. 14).

O vocábulo drone tem raízes profundas no inglês. Ele existe desde a Idade Média quando tinha sua grafia dran[18]. Atualmente, em um sentido mais clássico, tem uma tradução simples e comum de Zangão, o macho da abelha[19]. Esse termo escolhido e popularizado nos veículos aéreos não tripulados se dá por causa da comparação entre sua versatilidade e do seu barulho, e também por ser um nome comum e menor, pois dizer veículo aéreo não tripulado é uma tarefa um tanto quanto distante da linguagem cotidiana das pessoas[20].

Segundo a ANAC (2017), o termo oficial em inglês é UAV (Unmanned Aerial Vehicle), que é pronunciado apenas usando a sigla. Já em português, no caso do Brasil, por exemplo, o termo é VANT (Veículo Aéreo Não Tripulado), que é pronunciado apenas pela sigla de igual forma ao termo em inglês. Entretanto, segundo o DECEA (2017, p. 9), esse termo já está obsoleto na comunidade internacional:

A mudança se fez necessária por dois motivos: primeiro, porque as principais organizações relacionadas à aviação não empregam o termo veículo, mas sim, aeronaves, de forma que, após várias discussões, ao longo dos últimos anos, foi estabelecido que assim seriam definidas; segundo, porque, como esse tipo de aeronave necessita de uma estação em solo, de enlace de pilotagem e de outros componentes para a realização do voo, além do vetor aéreo, de modo que todo o sistema precisa ser considerado (DECEA. 2017, p. 9).

Assim, o termo correto para tratar de drones de maneira oficial e padronizada internacionalmente, segundo o DECEA (2019 p. 9) e de maneira genérica, é UA (Unmanned Aircraf), que significa somente Aeronaves não tripuladas[21]. Esse termo é

genérico para descrever todo e qualquer tipo de aeronave na qual não se fazem necessários pilotos dentro da mesma para que ela seja guiada, ou seja, toda e qualquer aeronave que é controlada à distância por meio de um controlador humano através de meios eletrônicos pode ser chamada de UA ou Aeronave não tripulada.[22]

Já a ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil), respondendo à pergunta em seu site sobre a diferença entre drones, aeromodelos, VANT e RPA, afirma que:

O termo drone é uma expressão genérica utilizada para descrever desde pequenos multirrotores rádio controlados comprados em lojas de brinquedo até Veículos Aéreos Não Tripulados (VANT) de aplicação militar, autônomos ou não. Por este motivo, o termo não é utilizado na regulação técnica da ANAC. São chamados aeromodelos os equipamentos de uso recreativo, enquanto os VANT são aqueles empregados em finalidades não recreativas. O termo Aeronave Remotamente Pilotada (RPA) denota um subgrupo de VANT destinado à operação remotamente pilotada (ANAC, 2021).

A ONU (CIRC. 328AN/190, p. 11), com base no artigo 8º da Convenção sobre a aviação Civil Internacional, define o conceito de drone como aquele que inclui todas as aeronaves que não são tripuladas, ou seja, que não possuem um piloto a bordo, e o comando de controle está em outro local.

Portanto, a ausência de uma definição formal para o termo resulta em duas formas de caracterizar: aeromodelos e aeronaves remotamente pilotadas (RPA), o que diferencia os dois tipos é a sua finalidade (ALDELY CARVALHO SILVA, 2019. p. 34).

No Brasil, o drone já está regularizado e regulamentado para uso civil pela junção de legislações complementares da ANAC, do DECEA e da ANATEL[23], e há uma tendência para que haja uma nomenclatura específica para os drones de uso militar, que podem ser remotamente controlados por humanos ou por inteligência artificial, para que haja uma diferença de enquadramento regulatório. A ANAC regula

apenas a operação de equipamentos civis. Os militares estão fora do escopo de atuação e de competência da Agência (ANAC, 2019).

1.3 Finalidades antigas versus finalidades atuais do uso de drones

Conforme já demonstrado, o surgimento dos drones se deu no âmbito militar, e, por isso, tem uma história de desenvolvimento realmente delicada, já que, além de contribuir com ações militares como atividades de busca e resgate, patrulhamento urbano, costeiro, ambiental, de fronteiras, entre outras (USAF, 1991), também foram equipamentos que facilitaram a causa de inúmeras mortes tanto de militares em combate quanto de civis que nada tinham a ver com os conflitos, conforme destaca CHAMAYOU, quando relata sobre ataques feitos ao Afeganistão, Somália, Iêmen e Paquistão:

Para os militares, assim como para a CIA, o emprego dos drones caçadoresmatadores banalizou-se no decorrer destes dez últimos anos, a ponto de se tornar rotineiro. Esses aparelhos são enviados a zonas de conflito armado, como o Afeganistão, mas também a países oficialmente em paz, como a Somália, o Iêmen e sobretudo o Paquistão, onde os drones da CIA conduzem em média um ataque a cada quatro dias. (CHAMAYOU, 2015, p. 14).

Apenas para se ter uma pequena referência do seu potencial ofensivo, há relatórios do Bureal of Investigative Journalism (BIJ), sediado em Londres, que indicam que entre 8.858 e 16.901 pessoas foram mortas desde 2004 até 2021 por ataques de drones[24]. Para agravar ainda mais esse dado, desse total, entre 910 a 2.200 são civis[25] e entre esses civis há entre 283 e 453 crianças[26].

Isso é tão preocupante que o relator especial da ONU sobre a proteção dos direitos humanos no combate ao terrorismo, Bem Emmerson, se pronunciou dizendo

que o aumento exponencial do uso da tecnologia dos drones em diversas situações representa um verdadeiro desafio para o direito internacional atual[27].

Entretanto, atualmente, o uso dos drones está muito além do militar. Houve uma evolução enorme na tecnologia e uma popularização na mesma proporção, conforme destaca ALDELY CARVALHO SILVA:

Os drones representam uma tecnologia de baixo consumo, e a sua relação de capacidade e baixo custo foi a principal responsável pelo desenvolvimento acelerado da sua produção, na indústria podemos verificar que existem diversos modelos que são diferenciados pelo seu tamanho, alcance, peso, capacidade e forma (ALDELY CARVALHO SILVA, 2019, p. 34).

No mesmo sentido, comenta SOARES DE AQUINO (2015, p. 6): Mas, a redução de preços, a facilidade de compra e o surgimento de novas tecnologias e aplicações, aumentaram o seu uso.

Ainda, complementa PIETROBON TREVISANO, dizendo:

Os drones têm a capacidade de voar em ambientes externos ou internos e, atualmente, são utilizados em mapeamentos, monitoramentos, resgates, agricultura, manutenção de edifícios, entregas, entretenimento e arte.

As melhorias desenvolvidas pelo chinês Frank Wang, fundador da empresa DJI, possibilitaram que drones fossem vendidos a preços mais em conta no mercado. (PIETROBON TREVISANO, 2018, p. 13 )

Dessa forma, dado ao seu avanço tecnológico aliado a uma diminuição do preço, as aplicações tanto no uso civil quanto no uso do Estado para a afirmação de políticas públicas se tornaram inesgotáveis.

Para a sociedade civil, podemos citar como exemplos o uso por fotógrafos e cinegrafistas em eventos, que aproveitam do fato de que o drone tem capacidade de sobrevoar a realização dos eventos e captar melhores ângulos[28]; o uso por emissoras de TVs ou por grandes estúdios de produção cinematográfica, que diminuíram

grandemente o custo da obtenção de imagens com mais qualidade, que antes só eram obtidas por meio de helicópteros[29]; o uso por produtores agrícolas que resolvem problemas de pragas, falhas no plantio, saturação hídrica do solo e outros que acontecem nas lavouras[30]; e, em fase de testes ainda, transporte de cargas pequenas dentro da cidade, como delivery de alimentos[31].

Para o Estado, podemos citar, conforme GALANTE (2019)[32], como exemplos o uso no mapeamento de cidades, gerenciamento de eventos e ajuda humanitária, mas principalmente em atividades na garantia da Segurança Pública, como perseguição de suspeitos, investigação da cena de crimes, acompanhamento de acidentes com veículos, gerenciamento de fluxo de tráfego no trânsito, busca e resgate de pessoas e animais, apoio ao corpo de bombeiros, apreensão de drogas ilegais, entre outros..

Não se esgotam aí as possibilidades do uso dos drones, mas já resta claro que o uso militar já não é mais a forma preponderante, o uso está sendo feito tanto pela sociedade civil quanto pelo próprio Estado em atividades que podem ser beneficiadas com mais eficiência.

CAPÍTULO 2: O ESTADO ATUAL DO CONTEXTO BRASILEIRO DA REGULAÇÃO DO USO DE DRONES

2.1 Panorama geral da regulação dos drones no Brasil

Embora demorada em relação a outros países que já tinham iniciado a regulação do uso de drones há alguns anos[33], a legislação brasileira atualmente trata de maneira bem específica no que diz respeito ao uso civil[34] dos mesmos. E é nesse sentido o propósito do presente capítulo, que é demonstrar os principais normativos e a importância de cada um deles para o uso civil de drones. Inclusive, cabe destaque para o fato de que os reguladores brasileiros são considerados referências no mundo nesse contexto:

[...] a regulamentação [...] é apontada como um sucesso mundial, onde até mesmo autoridades da Agência Nacional de Avião Civil e o Departamento de Controle do Espaço Aéreo frequentemente são convidados para participar de eventos internacionais com o objetivo de cooperar no que diz respeito ao modelo de legislação aplicado no Brasil (ALDELY CARVALHO SILVA, 2019, p. 41).

No caso do Brasil, a responsabilidade pela regulação dos drones é compartilhada entre várias entidades públicas, uma de maneira complementar à outra[35], mas destacam-se 3, que são a Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), o Departamento de Controle do Espaço Aéreo (DECEA) e a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC).

Com relação às normas regulamentadoras do uso de drones editadas por cada um dos 3 órgãos, cabe explicar, de maneira geral, as competências individuais de

cada um dos 3 para entendermos o porquê de fazermos esse destaque no presente trabalho. Nesse sentido:

Compete à ANATEL, de início, homologar todos os drones existentes no território nacional. Isso porque, para transmitir imagens, as aeronaves possuem transmissores de radiofrequência em seus controles remotos e, em alguns casos, no próprio veículo aéreo. Deste modo, a agência de telecomunicações busca evitar que os drones interfiram em outros serviços cruciais, a exemplo das comunicações via satélite. DA COSTA PRIEBE e TORRES PETRY (2017, p. 26)

A medida da Agência tem como objetivo evitar interferências dos drones em outros serviços, a exemplo das comunicações via satélite. Os interessados em utilizar esta tecnologia deverão preencher um requerimento disponível no site da Agência e pagar uma taxa. No processo de homologação são verificadas as características técnicas de transmissão dos equipamentos (ANATEL, 2017)

Agora sobre o DECEA e a ANAC, os autores DA COSTA PRIEBE e TORRES PETRY continuam:

O DECEA, na condição de responsável pelo controle do espaço aéreo brasileiro, é o órgão que regula algumas questões práticas importantes atinentes às operações com drones, como, por exemplo, locais de proibição de voos, altura máxima permitida, condições para a realização das operações, dentre outras

Por fim, compete à ANAC regular os pontos gerais relativos às operações com drones no âmbito civil. Desta forma, é a agência de aviação civil o órgão principal no enfrentamento de questões cruciais relativas às aeronaves, como parâmetros de classificação e registro, e medidas de segurança (DA COSTA PRIEBE e ORRES PETRY, 2017, p. 26)

Sobre esta última, a ANAC editou em maio de 2017 um importante marco regulatório a respeito dos drones, que foi o Regulamento Brasileiro da Aviação Civil Especial nº 94 (RBAC-E 94)[36]:

O normativo da ANAC é um marco importante da aviação civil brasileira pela necessidade de estabelecer requisitos mínimos para operações com esse tipo de aeronave, que crescem a cada dia no país e, também, no mundo

[...]

O objetivo da ANAC é que as operações passem a ocorrer a partir de regras mínimas, preservando-se um nível de segurança das pessoas e de bens de terceiros. Ao mesmo tempo, o normativo pretende contribuir para o desenvolvimento sustentável e seguro para esse segmento da aviação. (ANAC, 2017, p. 3)

Dessa forma, embora detalhes dos regulamentos envolvendo os drones recreativos e não recreativos sejam vistos também na Portaria 207/DAC de 1999, lei 7.565/86 - Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA), circulares de informações aeronáuticas do DECEA, informativos web da ANAC e do DECEA e orientações específicas de radiofrequência junto à ANATEL[37], trataremos no presente trabalho, sem deixar de lado as normativas de outros órgãos complementares, da regulação brasileira do uso de drones tomando como referência o RBAC-E nº 94, pois, como dizem DA COSTA PRIEBE e TORRES PETRY (2017, p. 27), é a principal e mais específica fonte de regulamentações para este fim até o momento no Brasil. Aindaseguindo o raciocínio dos citados autores, faremos essa investigação com base nos aspectos gerais do RBCA-E nº 94, aspectos operacionais e de segurança, aspectos de registro e, por fim, aspectos de fiscalização, pois serão suficientes para explanação dos objetivos do presente trabalho.

2.2 Aspectos gerais do RBAC-E nº 94

No que diz respeito à parte geral do RBCA-E nº 94, já em seu preâmbulo são descritos quais os objetivos da regulação:

[...] de regular matéria exclusivamente técnica que possa afetar a segurança da aviação civil [...] estabelecer as condições para a operação de aeronaves não tripuladas no Brasil considerando o atual estágio do desenvolvimento desta tecnologia [...] promover um desenvolvimento sustentável e seguro para o setor [...] superação dos desafios para uma ampla integração desta classe de aeronaves no sistema de aviação civil. (REGULAMENTO

BRASILEIRO DA AVIAÇÃO CIVIL ESPECIAL nº 94. 2017)

Para além dos objetivos, o RBCA-E nº 94 faz a demarcação da aplicabilidade das suas regras em relação ao tipo de drone, restringindo-as às aeronaves não tripuladas de uso civil (denominadas apenas de aeronaves não tripuladas) capazes de sustentar-se e/ou circular no espaço aéreo mediante reações aerodinâmicas e que possuírem certidão de cadastro[38], certificado de matrícula brasileiro ou certificado de marca experimental emitidos pela ANAC[39] e operarem no território brasileiro[40], independentemente de cadastro prévio.

Já em termos conceituais, o Regulamento Especial estabelece duas categorias para fins de diferenciação de aplicação das regras específicas para o tipo de drone que veremos adiante, que são o aeromodelo e a aeronave remotamente pilotada:

  1. Aeromodelo significa toda aeronave não tripulada com finalidade de recreação;

  2. Aeronave Remotamente Pilotada (Remotely-Piloted Aircraft RPA) significa a aeronave não tripulada pilotada a partir de uma estação de pilotagem remota com finalidade diversa de recreação. (REGULAMENTO BRASILEIRO DA AVIAÇÃO CIVIL ESPECIAL nº 94. 2017)

E, para ser ainda mais específico nas determinações, o normativo faz uma classificação dos drones do tipo RPA (com finalidade diversa da recreação) segundo o seu peso máximo de decolagem (que engloba tanto o drone, quanto baterias, câmeras e eventuais cargas):

  1. Classe 1: RPA com peso máximo de decolagem maior que 150 kg;

  2. Classe 2: RPA com peso máximo de decolagem maior que 25 kg e menor ou igual a 150 kg; e

  3. Classe 3: RPA com peso máximo de decolagem menor ou igual a 25 kg.

(REGULAMENTO BRASILEIRO DA AVIAÇÃO CIVIL ESPECIAL nº 94. 2017)

Por fim, após tratar de alguns detalhes relativos à responsabilização, requisitos e registro (que serão tratados adiante), a parte geral é encerrada fazendo menção para o fato de que eventuais irregularidades serão passíveis de sanções previstas no

Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei nº 7.565/86) e nas demais legislações cíveis e penais existentes no ordenamento pátrio (DA COSTA PRIEBE e TORRES PETRY, 2017, p. 28) e que não somente a ANAC, mas o DECEA, ANATEL e outros órgãos competentes podem fiscalizar o cumprimento das diretrizes estabelecidas[41].

2.3 Aspectos operacionais e de segurança do RBAC-E nº 94

DA COSTA PRIEBE e TORRES PETRY (2017, p. 28) dispõem que de uma leitura do RBAC-E n° 94, depreende-se facilmente que o foco do texto regulatório está nas questões relacionadas à segurança física dos civis expostos às operações com drones. Nesse sentido, cabe detalhar os dispositivos que tratam dos aspectos operacionais e de segurança.

Inicialmente, o normativo já indica que, em regra, é proibido o transporte de pessoas, animais, artigos perigosos ou carga proibida por autoridade competente com drones[42] e que todos os pilotos, remotos e observadores, de RPA (com exceção para operadores de aeromodelismo para operação recreativa) devem possuir idade igual ou maior a 18 anos, bem como licença e habilitação para o voo concedidas pela ANAC.

Além disso, o RBAC-E n° 94 alerta para o fato de que é expressamente vedado operar aeronaves não tripuladas de maneira descuidada ou negligente, colocando em risco vidas ou propriedades de terceiros[43]. Com efeito, e nesse mesmo sentido, obriga os operadores civis de RPAs a possuírem seguro com cobertura de danos a terceiros [44]. E, tanto para o caso de aeromodelos quanto para RPAs, estabelece obrigação de não serem operados em áreas próximas de terceiros (ou seja, distância de pelo menos

30 metros horizontais)[45], incluindo nessa regra até mesmo órgãos públicos, com a

exceção do cumprimento de alguns requisitos específicos[46] ou com demonstração clara de interesse público da operação, bem como de que haveria um risco maior à vida se a operação fosse realizada por meios alternativos[47]

Neste aspecto de segurança, o normativo encerra com destaque para o fato de que:

O usuário deve sempre atentar que não basta cumprir as regras da ANAC para poder operar, mas é preciso cumprir também as regras do DECEA, da ANATEL e eventualmente de outras autoridades competentes, que podem criar restrições ou proibições operacionais além das regras da

ANAC.(REGULAMENTO BRASILEIRO DA AVIAÇÃO CIVIL ESPECIAL nº

94. 2017)

2.4 Aspectos de registro do RBAC-E nº 94

Com relação ao aspecto de registro, DA COSTA PRIEBE e TORRES PETRY pontuam que:

O aspecto mais importante a ser averiguado no normativo da ANAC é o que diz respeito à necessidade de registro das aeronaves não tripuladas. Isso porque, em uma perspectiva lógica, infere-se que é por meio do ato registral que os drones, e consequentemente seus controladores, saem do anonimato, permitindo sua identificação em eventuais episódios de violações a direitos.DA COSTA PRIEBE e TORRES PETRY (2017, p. 28)

O normativo dispõe que qualquer drone de peso acima de 250 gramas, seja ele RPA ou aeromodelo, deve ser obrigatoriamente cadastrado junto à ANAC e vinculado a uma pessoa física ou jurídica no Brasil, que terá a responsabilidade sobre a aeronave não tripulada. A exceção do registro é para o caso dos drones com peso menor do que 250 gramas[48].

Sobre esse estabelecimento da exceção, cabe a reflexão feita por DA COSTA PRIEBE e TORRES PETRY:

Vê-se, portanto, que o critério de peso para registro, na forma estabelecida pela ANAC em seu regulamento, leva em consideração apenas a preocupação com a segurança física das pessoas expostas às operações com drones, porquanto pressupõe que uma aeronave com peso inferior a 250 gramas não teria capacidade de causar maiores danos em eventual queda ou colisão. Contudo, à vista do cenário de redução cada vez maior do tamanho destas aeronaves, irrompe a preocupação com seu registro, notadamente em razão de seu potencial de utilização como ferramenta de violação da privacidade. Assim, até que se evolua na regulação da matéria, estes pequenos drones seguirão, preocupantemente, operando em total anonimato. (DA COSTA PRIEBE e TORRES PETRY, 2017, p. 33)

2.5 Aspectos da fiscalização do RBAC-E nº 94

Por fim, o regulamento traz regras específicas sobre a fiscalização do cumprimento das regras relativas à operação dos drones, e, nesse sentido, é interessante destacar os comentários feitos por DA COSTA PRIEBE e TORRES PETRY:

Outro ponto de extrema importância na análise da problemática dos drones diz respeito à efetiva fiscalização dos controladores e das operações [...] desde a publicação do regulamento, não foi implementado qualquer sistema de fiscalização destas aeronaves, de modo que, neste cenário permissivo, estudos demonstram que há muitos drones não registrados em operação no território nacional, ainda que se enquadrem na categoria de registro.(DA COSTA PRIEBE e TORRES PETRY, 2017, p. 34)

O RBAC-E nº 94 estabelece que não somente a ANAC, mas o DECEA, ANATEL e outros órgãos competentes podem fiscalizar o cumprimento das diretrizes estabelecidas[49]. Na prática, portanto, órgãos de segurança pública em geral podem e devem garantir o cumprimento das diretrizes do regulamento. Porém, cabe, mais uma vez, destacar a reflexão feita por DA COSTA PRIEBE e TORRES PETRY:

[...] regular e fiscalizar as operações com aeronaves não tripuladas é uma tarefa complexa e que demanda um grande esforço por parte das autoridades competentes. (DA COSTA PRIEBE e TORRES PETRY, 2017, p. 34)

CAPÍTULO 3: DESDOBRAMENTOS JURÍDICOS DA REGULAÇÃO DE DRONES, PERIGOS DE USO PELO ESTADO E NECESSIDADE DE EQUACIONAMENTO DE

DIREITOS

3.1 Desdobramentos jurídicos da regulação de drones na sociedade civil

Conforme demonstrado anteriormente, a regulação do uso civil de drones não autônomos no Brasil já é uma realidade desde 201750. Antes disso, porém, tínhamos disponíveis as mais variadas regulamentações dispersas no ordenamento jurídico brasileiro 51 , mas que não resolviam de fato os desdobramentos jurídicos que resultavam dos problemas gerados pela operação de drones no Brasil, principalmente aquelas que saíam da seara recreativa para a comercial.

Alguns casos ficaram famosos. Podemos citar a rede de franquias Pão To Go (padaria drive-thru) que usou veículo não tripulado para entregar pão francês em abril de 201452; a loja de camisas Colombo que, durante a BlackFriday do mesmo ano, fez uma ação de marketing com entrega usando drones53; e, por fim, a pizzaria Vero Verde, de Santo André, que testou em dezembro daquele ano uma ação de delivery com um drone percorrendo 1,5 km para entregar uma pizza do sabor pepperoni54.

Os casos citados ganharam bastante atenção na mídia, mas não somente por causa dos fatos em si, mas principalmentepelo fato de que não havia uma regulação

50ANAC. REGULAMENTO BRASILEIRO DA AVIAÇÃO CIVIL ESPECIAL nº 94. 2017. Disponível

em: <https://www.anac.gov.br/assuntos/legislacao/legislacao-1/rbha-e-rbac/rbac/rbac-e94/@@display-file/arquivo_norma/RBACE94EMD00.pdf>. Acesso em: 13 mar. 2021.

  1. Podemos citar como exemplo a Portaria nº 207/STE de 07/04/1999, o Código Brasileiro de Aeronáutica de 19 de dezembro de 1986 e AIC N 21/10 Veículos Aéreos não tripulados publicada pelo DECEA.

  2. PIZZARIA NO ABC PAULISTA TESTA ENTREGA COM DRONES PARA DRIBLAR TRÂNSITO.

Economia UOL. 2014. Disponível em:

<https://economia.uol.com.br/empreendedorismo/noticias/redacao/2014/12/11/pizzaria-no-abcpaulista-testa-entrega-com-drones-para-driblar-transito.htm>. Acesso em: 14 mar. 2021.

  1. PIZZARIA DE SP FAZ DELIVERY COM DRONE E ENTRA NA MIRA DE ANAC E FAB. G1 Globo. 2014. Disponível em: <http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2014/12/pizzaria-de-sp-faz-deliverycom-drone-e-entra-na-mira-de-anac-e-fab.html>. Acesso em: 14 mar. 2021.

  2. PIZZARIA NO ABC PAULISTA TESTA ENTREGA COM DRONES PARA DRIBLAR TRÂNSITO.

Economia UOL. 2014. Disponível em:

<https://economia.uol.com.br/empreendedorismo/noticias/redacao/2014/12/11/pizzaria-no-abcpaulista-testa-entrega-com-drones-para-driblar-transito.htm>. Acesso em: 14 mar. 2021.

específica para tratar desses tipos de usos naquele momento. Hoje, porém, já existem regulamentações que poderiam tratar específica e facilmente daqueles casos.

Portanto, em que pese o Direito ser algo vivo e precisar acompanhar as evoluções da sociedade a todo instante, podemos dizer que as normas ditadas pela ANAC,[50] DECEA[51] e ANATEL[52] foram suficientes para que as relações civis utilizando drones fossem devidamente regulamentadas.

Dessa forma, fica claro que o Estado, por meio dos seus órgãos e com a anuência da sociedade civil organizada, já fez as suas escolhas sobre o que prefere priorizar no que diz respeito ao que é mais importante quando o assunto trata da dicotomia do avanço tecnológico em detrimento do retrocesso de direitos, notadamente os direitos fundamentais.

Por exemplo, ao invés de preferir a eficiência econômica das empresas, que resulta em economia financeira, no caso da gravação cinematográfica utilizando drones em ambientes de grande aglomeração de pessoas, foi decidido por uma proibição, colocando limite com o mínimo de 30 metros horizontais de distância para o uso de drone[53]. Ao invés de não impor uma proibição indiscriminada de operação de drones autônomos, mesmo em situações em que eles gerariam uma enorme eficiência econômica e pouco risco real para as pessoas, como é o caso do uso no agronegócio, o Estado preferiu manter a proibição[54].

Assim, resta claro que a segurança física das pessoas foi priorizada mesmo que, para que isso acontecesse, a sociedade precisasse abrir mão de vários avanços na tecnologia, na economia e eficiências de modo geral.

Por outro lado, para além da segurança física das pessoas, o Estado priorizou também a tentativa de garantia de outros direitos, como a privacidade, a intimidade e a liberdade, ao editar normas específicas e delimitadoras sobre o uso de drones.

Portanto, apesar de estarmos sempre em modificação jurídica juntamente com a evolução da sociedade[55], podemos dizer que as relações civis que envolvem drones no Brasil estão devidamente regulamentadas.

Obviamente que existem críticas que podem ser feitas à atual regulação de drones no Brasil. Nesse sentido, podemos destacar a reflexão levantada por DA COSTA PRIEBE e TORRES PETRY sobre o fato de que a ANAC exige o registro apenas para aeronaves que tenham peso maior do que 250 gramas:

O aspecto mais importante a ser averiguado no normativo da ANAC é o que diz respeito à necessidade de registro das aeronaves não tripuladas. Isso porque, em uma perspectiva lógica, infere-se que é por meio do ato registral que os drones, e consequentemente seus controladores, saem do anonimato, permitindo sua identificação em eventuais episódios de violações a direitos.

[...]

Não bastasse o cenário atual de desenvolvimento da tecnologia dos drones para se chegar à conclusão de que o critério de peso para registro estabelecido pela ANAC é deveras obsoleto, ainda é possível observar que o prognóstico, por parte da indústria, corrobora muito com tal constatação.

[...]

Vê-se, portanto, que o critério de peso para registro, na forma estabelecida pela ANAC em seu regulamento, leva em consideração apenas a preocupação com a segurança física das pessoas expostas às operações com drones, porquanto pressupõe que uma aeronave com peso inferior a 250 gramas não teria capacidade de causar maiores danos em eventual queda ou colisão. Contudo, à vista do cenário de redução cada vez maior do tamanho destas aeronaves, irrompe a preocupação com seu registro, notadamente em razão de seu potencial de utilização como ferramenta de violação da privacidade. Assim, até que se evolua na regulação da matéria, estes pequenos drones seguirão, preocupantemente, operando em total anonimato.(DA COSTA PRIEBE e TORRES PETRY, 2017, p. 33)

Os mesmos autores tecem mais críticas ainda sobre outro aspecto, que é a necessidade de uma fiscalização mais efetiva, e sugerem mecanismos de controle maiores:

De outra banda, propõe-se, como segunda medida, a criação de um mecanismo de registro de todas as vendas de drones realizadas pelos fabricantes, em um primeiro momento, e, após, pelos comerciantes, junto aos órgãos estatais. Nesse registro, sugere-se, haveria a identificação do número de série da aeronave e o nome do comprador, com vistas a evitar o anonimato de eventual drone operando em território nacional. Ademais, poder-se-ia, nesse passo, ser pensado um sistema de responsabilização solidária entre comprador e vendedor , na esfera administrativa, em razão do descumprimento de tal registro. (DA COSTA PRIEBE e TORRES PETRY, 2017, p. 37)

Já Bravo Vieira (2017) enxerga que os atuais normativos podem buscar um aprofundamento maior em uma segurança que se pretende ir além do mundo físico:

O problema é que essa regulamentação tem, e nem poderia ser de outra forma, foco bastante específico, pois ela é voltada para a segurança em diversos pontos: regras de segurança, proibições e restrições de locais de voo, proibição de compartilhamento de espaço aéreo com aeronaves tripuladas, entre outros.

Diante da iminente ameaça à garantia constitucional, tal regulamentação deve ser mais aprofundada, pois além do aspecto da segurança o uso inadequado deste equipamento, interfere também na esfera da privacidade das pessoas, tornando-se um instrumento de controle e vigilância alheios.

[...]

Ou seja, o direito fundamental à privacidade deve ser entendido, não só como tutela de um interesse individual, mas como fundamento do Estado Democrático de Direito, e o uso de uma RPAS por uma pessoa malintencionada pode acarretar em uma ofensa a estas garantias. (BRAVO VEIRA, 2017, p. 30)

E, em sentido parecido, Alves Vasconcelos e De Moraes Mello (2020) fazem uma crítica sobre um suposto desequilíbrio entre as preocupações da ANAC ao criar os mecanismos de responsabilização, deixando de lado a esfera penal:

[...] há uma preocupação maior na apuração de responsabilidade de natureza cível e administrativa. O aspecto penal se limita a ausência de licença ou certificação sendo previsto a aplicação da contravenção penal descrita no artigo 33 do decreto-lei.

É urgente e necessário que o Direito se adeque às inovações tecnológicas com a aplicação de princípios basilares como da legalidade, previsto no artigo

1º. Do Código Penal. Ademais, na ausência de tipos penais específicos não

será possível aplicar a analogia uma vez que é proibida quando in malam partem.(ALVES VASCONCELOS; DE MORAES MELLO, 2020, p. 76)

Portanto, é evidente que há muito para melhorar e evoluir na regulação do uso de drones no Brasil, afinal, numa sociedade com mudanças e evoluções que acontecem tão rapidamente, pode-se inferir que toda regulação jurídica, que demora no mínimo meses para ser discutida e aprovada, já nasce precisando de atualizações. Por outro lado, pode-se dizer que o Brasil está na esteira do mundo, já que são poucos os países que têm uma regulação específica sobre o uso de drones[56].

3.2 Desdobramentos jurídicos da regulação de drones no Estado

Para além da sociedade civil utilizando drones, existe um ponto sobre o qual devemos nos preocupar, que é o fato de que drones não são usados somente entre civis nas relações interpessoais ou mesmo empresariais, tampouco são usados somente entre Estados num contexto militar de guerra armada, eles também podem ser usados nas relações entre Administração Pública e administrados, entre Estado e civis, no processo de garantia de direitos, notadamente aplicação de políticas públicas como exemplifica GALANTE (2019)[57], e isso carece de uma atenção específica no presente trabalho.

Obviamente que o Estado não pode fazer uso de drones de forma indiscriminada, pois também está submetido a regras das atuais regulamentações, como se pode ver tanto nas regulamentações publicadas pela ANAC[58] quanto nas regulamentações publicadas pelo DECEA64. Porém, não são todas as regras que são aplicadas na operação de aeronaves não tripuladas tanto para os civis quanto para o

Estado[59] e, além disso, mesmo as que se aplicam não o fazem com a mesma intensidade e permite várias exceções[60].

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