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BALIZAS OBJETIVAS PARA A REMISSÃO POR ATO INFRACIONAL À LUZ DA JUSTIÇA NEGOCIAL E DA ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO

Agenda 21/10/2022 às 15:57

Discorre-se sobre a necessidade de balizas objetivas para a remissão por ato infracional à luz da justiça negocial, da análise econômica do direito e de princípios atinentes à infância e juventude, para evitar subjetivismos, casuísmos e injustiças.

Autor: Tiago Quintanilha Nogueira1

 

RESUMO: Discorre-se sobre a necessidade de balizas objetivas para a remissão por ato infracional à luz da justiça negocial, da análise econômica do direito e de princípios atinentes à infância e juventude, para evitar subjetivismos, casuísmos e injustiças, por meio de paralelo com as medidas despenalizadoras previstas na legislação para maiores de idade imputáveis que tenham praticado infrações penais.

 

Palavras-chave: Remissão. Ato infracional. Medida socioeducativa.

 

ABTRACT: It discusses the need for objective guidelines for the remission of an infraction in the light of business justice, economic analysis of law and principles related to youth childhood, to avoid subjectivism, casuistry and injustice, through parallel with the measures decriminalizing provisions provided for in the legislation for attributable adults who have committed criminal offences.

 

Keywords: Remission. Infraction. Socio-educational measure.

 

 

 

 

 

 

 

Nos termos do art. 228 da Constituição Federal (CF/88), são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial.

Com efeito, o art. 103 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) reza que considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal.

Assim, tecnicamente criança e adolescente não praticam crime nem contravenção, mas ato infracional, podendo, conforme o caso, serem submetidos a medidas protetivas ou socioeducativas previstas no ECA, não sujeitos a penas, destinadas a quem possui imputabilidade penal.

As medidas socioeducativas, a propósito, têm caráter pedagógico, educativo e ressocializador, diferentemente da pena, eminentemente preventiva e retributiva, embora também vise à ressocialização do agente.

Não obstante, a aplicação de medida socioeducativa traz certo estigma ao adolescente infrator, pois prevalece para efeito de antecedentes infracionais (ECA, art. 179) e, após atingida a maioridade, há controvérsia jurídica acerca de sua validade como argumento para valorar a personalidade e a conduta social do agente, bem como para embasar eventual prisão preventiva.

Ademais, a medida socioeducativa, assim como a pena, só pode ser aplicada após o devido processo legal/infracional, respeitado o contraditório e a ampla defesa, com a produção de provas as mais diversas, oitiva do infrator, pais/responsáveis, testemunhas etc., movimentando por tempo considerável toda a máquina da Justiça, com dispêndio de muito tempo e dinheiro.

Atento a esses inúmeros fatores, dentre outros, o legislador inseriu no ECA a possibilidade de o Ministério Público e de o Judiciário oferecerem ao adolescente infrator a remissão, seja como forma de exclusão do processo se ofertada pelo Parquet (remissão pré-processual/ministerial), seja como forma de suspensão ou extinção do feito se determinado pelo juiz (remissão processual/judicial), nos termos do art. 126 do referido Estatuto.

Para tanto, deve-se atender às circunstâncias e consequências do fato, ao contexto social, bem como à personalidade do adolescente e sua maior ou menor participação no ato infracional (ECA, art. 126, caput).

Se ofertada a remissão sem a aplicação de qualquer das medidas socioeducativas previstas no ECA, dá-se a chamada remissão própria, enquanto será imprópria se for cumulada com alguma medida, desde que não se trate daquelas restritivas de liberdade, a saber, semiliberdade e internação.

Em quaisquer de suas formas, porém, a remissão não implica necessariamente o reconhecimento ou comprovação da responsabilidade, nem prevalece para efeito de antecedentes (ECA, art. 127).

Ademais, em se tratando de remissão imprópria, poderá ser revista judicialmente, a qualquer tempo, mediante pedido expresso do adolescente ou de seu representante legal, ou do Ministério Público (ECA, art. 128).

Não se trata exatamente de um perdão, mas de instituto que enseja um procedimento diferenciado daquele ordinariamente previsto para a apuração dos atos infracionais, consistindo em medida consentânea com os princípios basilares do ECA.

Destacam-se especialmente os princípios da intervenção mínima (ECA, art. 101, VII) e da proporcionalidade e atualidade (ECA, art. 101, VIII), sem descurar da efetiva e pronta reeducação, à luz da doutrina da proteção integral, que rege o arcabouço normativo infanto-juvenil.

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O instituto da remissão tem origem, outrossim, no art. 11 das Regras de Beijing, norma internacional que traça regras mínimas para a administração da justiça da infância e juventude, adotadas pela Assembleia Geral das Nações Unidas na Resolução 40/33, de 29 de novembro de 1985.

É nítido o paralelo da aludida remissão com as chamadas medidas despenalizadoras do Direito Penal, que decorrem de política criminal orientada por um direito penal mínimo, à luz do consagrado princípio da intervenção mínima, que deriva, por sua vez, do primado da subsidiariedade desse mesmo ramo do Direito.

Tais medidas são vindicadas pela denominada justiça criminal negocial/consensual, a exemplo do modelo da plea bargaining, oriundo do direito norte-americano.

Esses paradigmas permitem uma negociação, um espaço de consenso mormente entre o Órgão Ministerial e o agente da infração penal, com a mitigação do controvertido princípio da obrigatoriedade da ação penal.

Com efeito, em casos de menor gravidade previamente eleitos pelo legislador, seria possível, por meio da justiça negocial, evitar o estigma do processo criminal, da pena e do encarceramento, sem prejuízo de reparar adequadamente o dano causado pela infração, mediante outras alternativas, a saber, as medidas despenalizadoras.

No Direito Penal brasileiro temos como exemplo de medidas despenalizadoras a composição civil dos danos, a transação penal e a suspensão condicional do processo, previstas na Lei dos Juizados Especiais Criminais, e o próprio acordo de não persecução penal, hodiernamente disciplinado expressamente no Código de Processo Penal.

De tudo isso extrai-se nitidamente, também, que as medidas despenalizadoras, que possuem paralelo com a remissão prevista no ECA, encontram foros de sustentabilidade no chamado Pragmatismo e na Análise Econômica do Direito (AED).

Tal ramo do conhecimento (AED) origina-se do trabalho de Ronald Coase, a partir do ensaio The Problem of Social Cost, a partir do final da década de 1950 e início dos anos 1960, conforme explica José Maria Arruda de Andrade, professor de Direito Econômico e Economia Política da Universidade de São Paulo (USP), livre-docente e doutor pela mesma instituição.

O direito é, objetivamente, a arte de regular o comportamento humano, tendo na esfera penal sua ultima ratio para os maiores de 18 anos imputáveis que violam bens jurídicos, à semelhança do que ocorre, mutatis mutandis, no modelo infracional do ECA.

Já a economia é a ciência que estuda como os indivíduos tomam suas decisões e se comportam em um mundo de recursos escassos.

Com efeito, a AED é o campo do conhecimento cujo objetivo é empregar as ferramentas da economia para expandir a compreensão do direito, bem como aperfeiçoar a aplicação e a avaliação de regras jurídicas, especialmente sob uma ótica consequencialista.

Noutros termos, é a economia aperfeiçoando o direito, para que este seja mais econômica e socialmente viável.

Assim é que, como as medidas despenalizadoras tornaram o Direito Penal mais econômica e socialmente viável, também o faz a remissão prevista no ECA ao evitar a estigmatização do adolescente infrator e reduzir o dispêndio de tempo e dinheiro nos casos de menor gravidade.

Não bastasse, é inequívoco que tanto as medidas despenalizadoras quanto a remissão do ECA ensejam maior atenção às vítimas das infrações, tradicional e tragicamente esquecidas na elaboração do direito.

Vistos, portanto, os benefícios sabidamente conhecidos das medidas despenalizadoras para o Direito Penal quanto os da remissão para o modelo infracional, é certo que este se ressente, contudo, de balizas objetivas para sua concessão.

Sim, pois, como dito alhures, para se conceder a remissão deve-se atentar às circunstâncias e consequências do fato, ao contexto social, bem como à personalidade do adolescente e sua maior ou menor participação no ato infracional (ECA, art. 126, caput).

Salta aos olhos a subjetividade desses requisitos, o que pode gerar casuísmos, injustiças e, portanto, deve ser debelado, mormente pelo raciocínio da impossibilidade de tratamento mais rigoroso do que receberia o adolescente se adulto fosse.

Alguns inclusive erigem esse raciocínio à categoria de princípio do modelo infracional e é certo que ele fundamenta, por exemplo, a prescrição das medidas socioeducativas e o princípio da insignificância nos atos infracionais, ambos sem previsão expressa no ECA, mas de incidência induvidosa de há muito, inclusive nos Tribunais de Superposição.

Com efeito, defende-se a necessidade, de lege ferenda e desde já como balizas objetivas para a remissão por ato infracional à luz da justiça negocial e da análise econômica do direito, respeitado o primado da independência funcional, que o referido instituto possa ser ofertado aos adolescentes infratores sempre que, por analogia, forem cabíveis medidas despenalizadoras previstas na legislação regente para maiores de idade imputáveis que tenham praticado infrações penais.

 

REFERÊNCIAS:

 

ANDRADE, José Maria Arruda. A importância da análise econômica do Direito. Revista Consultor Jurídico. 31 de maio de 2020. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2020-mai-31/importancia-analise-economica-direito#_ftn4>. Acesso em 21 de outubro de 2022.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em 21 de outubro de 2022.

____. Código de Processo Penal. Decreto-lei n. 3.689, de 03 de outubro de 1941. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm>. Acesso em 21 de outubro de 2022.

____. Lei Federal n. 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm>. Acesso em 21 de outubro de 2022.

____. Lei Federal n. 9.099, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9099.htm>. Acesso em 21 de outubro de 2022.

REGRAS MÍNIMAS DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA, DA INFÂNCIA E DA JUVENTUDE (REGRAS DE BEIJING). Aprovadas pela Assembleia Geral das Nações Unidas na Resolução 40/33, de 29 de novembro de 1985. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/c_a/lex47.htm>. Acesso em 21 de outubro de 2022.

1 Promotor de Justiça no Estado do Maranhão, atualmente com atribuição específica na infância e juventude, educação e família. Graduado em 2009 em Direito pelo Centro Universitário Anhanguera de Campo Grande (Unaes). Aprovado em 2009 no exame da Ordem dos Advogados do Brasil. Pós-graduado em direito civil e direito processual civil pela Anhanguera Uniderp. Pós-graduado em direito tributário pela LFG em parceria com a Anhanguera Uniderp.

Sobre o autor
Tiago Quintanilha Nogueira

Promotor de Justiça no Estado do Maranhão. Graduado em 2009 em Direito pelo Centro Universitário Anhanguera de Campo Grande (Unaes). Aprovado em 2009 no exame da Ordem dos Advogados do Brasil. Pós-graduado em direito civil e direito processual civil pela Anhanguera Uniderp. Pós-graduado em direito tributário pela LFG em parceria com a Anhanguera Uniderp.

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