De acordo com Rolim (2006), uma reflexão necessária sobre a justiça criminal contemporânea não poderia chegar à outra conclusão que não a de que se trata de um modelo histórico repleto de promessas que não se cumprem. O suposto caráter intimidatório da pena e a possibilidade de ressocialização seriam exemplos claros disso. Em última análise, a partir da ideia do autor, esse modelo está falido, na medida em que sua estrutura não se presta a responsabilizar infratores, não constitui justiça efetivamente, e sequer pode ser considerado um verdadeiro sistema.
A falência de que se fala não é algo novo, referente ao modelo atual. A prisão como principal instrumento punitivo do sistema é criticada desde que ela assim se estabeleceu. Foucault analisa que, no século XIX, a prisão como punição chegou à condição de meio de pena mais utilizado, aplicando-se à quase todos os crimes. (FONSECA, 2002), dessa forma o autor refere:
"[] tal sistema penitenciário (prisão) se afirma no início do século XIX, quase como à revelia da teoria e dos sistemas penais, ainda, dominados pela noção de crime como perigo público. Forma-se aquilo a que Foucault chama, nesse momento, de a sociedade punitiva, um tipo de sociedade na qual o aparelho de Estado desempenha as funções corretivas, paralelamente a outras, ditas penitenciárias, representadas pelas práticas de aprisionamento." (FONSECA, 2002, p. 133).
Dessa maneira, nesse período histórico tem início a etapa em que os dispositivos disciplinares colonizam a instituição judiciária. Estudos observam que:
"Na passagem dos dois séculos, uma nova legislação define o poder de punir como uma função geral da sociedade que é exercida da mesma maneira sobre todos os seus membros, e na qual cada um deles é igualmente representado; mas, ao fazer da detenção a pena por excelência, ela introduz processos de dominação característicos de um tipo particular de poder." (FOUCAULT, 1987, p.195).
Não é demais reforçar a afirmação anterior, no sentido de que as críticas ao instituto da prisão vêm de muito tempo e desde o princípio apontavam para ele como um dos grandes fracassos da justiça criminal. A reformulação do sistema prisional já era postulada pouco tempo após a implementação das prisões, em face dos males que já se dizia causar o encarceramento. Tendo sido reconhecida posteriormente, e apenas de forma parcial, a inadaptação e o uso incorreto das prisões ensejaram a busca por soluções. (ZEHR, 2008, p.61)
Foucault observa a atualidade das críticas feitas ainda em 1820 e 1845, destacando apenas a quantidade: a taxa de criminalidade permanece sem alterações e mesmo aumenta, em que pese as prisões sejam aumentadas, multiplicadas ou transformadas; a detenção induz ao comportamento reincidente e promove a organização de criminosos hierarquizados e solidários entre si; em função da inépcia dos meios ressocializantes, os condenados que obtêm a liberdade estão como que condenados à reincidência; por último, observa o autor, a prisão cria, de forma indireta, mais delinquência, devido à situação de miserabilidade que necessariamente se abate sobre as famílias dos delinquentes. (FOUCAULT, 1987)
Estudos referem que as respostas dadas às fortes críticas iniciais se assemelhavam em muito àquelas que se oferecem atualmente, que, como regra geral, apenas sugerem o aperfeiçoamento do padrão punitivo prisional como solução dos problemas. Depreende-se isso quando se lê:
"[...] naquele momento e ainda hoje, a resposta para o fracasso da prisão em termos de justiça penal consiste fundamentalmente em se procurar reconduzir os princípios da técnica penitenciária, consiste em se buscar a reativação das técnicas penitenciárias como sendo a única forma de reparação do seu fracasso. É como se há 150 anos não se visualizasse uma alternativa à prisão enquanto modo de punição." (FONSECA, 2002, p.171)
Inúmeras alterações buscaram corrigir as falhas do sistema prisional. Primeiramente, as punições tinham severidade excessiva e não existia uma correlação entre a gravidade do delito e a sanção aplicada. A partir do Renascimento, a proporcionalidade se estabeleceu como critério entre o ato e a pena e a aplicação da pena tornou-se mais razoável. As prisões aumentaram em número e tornaram-se populares, passando a se caracterizar como uma forma científica de punição. Paralelamente a essas reformas, as penas alternativas ganharam espaço como tentativas de salvar o modelo punitivo, criando formas alternativas de aplicar o devido castigo. (ZEHR, 2008)
Não obstante, a mais recente medida reformista, que criou penas alternativas, ampliou a área de atuação do controle formal, porém não resultou em modificação digna de registro na racionalidade do sistema penal. A comprovar essa afirmação, o crescimento das populações carcerárias, ao mesmo tempo em que também crescem as alternativas, aumentando de forma significativa o número de pessoas que são colocadas sob o controle e a supervisão do Estado. O que se verificou, então, foi a ampliação da rede de controle, com o seu aprofundamento e extensão, sem que isso tenha apresentado efeito perceptível sobre o crime e sem atender às necessidades essenciais, seja do ofensor e nem mesmo da vítima. (ZEHR, 2008).
Merece destaque, ainda, a situação dos presídios no Brasil. Com um sistema falido e sem atenção estatal, não se presta minimamente ao caráter de ressocialização da pena. Ao contrário, tem servido para que pequenos delinquentes se filiem a facções criminosas e saiam do cárcere cooptados para uma vida voltada ao crime.
O Estado, ao negar condições que garantam o valor fonte da Constituição da República Federativa do Brasil, a dignidade da pessoa humana, apenas afasta ainda mais os apenados da sociedade, mostrando sua face mais cruel.
A conjuntura carcerária brasileira chegou ao conhecimento da Corte Interamericana de Direitos Humanos, no notório caso do Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho no Rio de Janeiro (IPPSC). A seguir, trecho de julgado do Superior Tribunal de Justiça, que refere a situação:
A referida unidade prisional foi objeto de inúmeras Inspeções que culminaram com a Resolução da Corte IDH de 22/11/2018, que ao reconhecer referido instituto inadequado para a execução de penas, especialmente em razão de os presos se acharem em situação degradante e desumana, determinou no item n. 4, que se computasse "em dobro cada dia de privação de liberdade cumprido no IPPSC, para todas as pessoas ali alojadas, que não sejam acusadas de crimes contra a vida ou a integridade física, ou de crimes sexuais, ou não tenham sido por eles condenadas, nos termos dos Considerandos 115 a 130 da presente resolução (RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 136961 - RJ (2020/0284469-3)
Diante do exposto, não resta saída que não seja a reformulação do sistema punitivo atual. É preciso buscar um modelo que realmente cumpra a função de proteção da sociedade, puna da maneira correta os infratores da lei e permita a ressocialização de seus internos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e crítica do Direito Penal. 2ª. ed. Trad. Juarez Cirino dos Santos. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1999.
BURRELL, Gibson & MORGAN, Gareth. Sociological Paradigmas and Organizational Analysis , London: Heinemann, 1979.
FONSECA, Marcio Alves da. Michel Foucault e o direito. São Paulo: Max Limonad, 2002.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 1987.
ROLIM, Marcos. A síndrome da rainha vermelha: policiamento e segurança pública no séc. XXI. Rio de Janeiro: Zahar , 2006.
ZAFFARONI, Eugenio Raúl, et al; Direito Penal Brasileiro: Teoria Geral do Direito Penal. Rio de Janeiro: Revan, v. 1, p. 641 2003.
ZEHR, Howard. Trocando as lentes: um novo foco sobre o crime e a justiça. São Paulo: Palas Athena, 2008.