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Direito e criptomoedas: as adversidades da regulamentação e a descentralização do Estado

DIREITO E CRIPTOMOEDAS: AS ADVERSIDADES DA REGULAMENTAÇÃO E A DESCENTRALIZAÇÃO DO ESTADO

LAW AND CRYPTOCURRENCY: THE ADVERSITIES OF REGULATION AND THE DECENTRALIZATION OF THE STATE

Altair da Mota Machado

Professor titular na Faculdade de Direito do Sul de Minas FDSM. Mestre em Direito pela Universidade Federal do Paraná UFPR (2006). Delegado de Polícia.

Matheus Curiel Marques

Graduando da Faculdade de Direito do Sul de Minas FDSM.

RESUMO:

Com o desenvolvimento de novas tecnologias e sistemas, como consequência da evolução da sociedade e dos seus meios, o Estado muitas vezes não consegue acompanhar tal evolução em tempo hábil para tipificar as práticas consideradas ilícitas que se manifestaram de diferentes formas com os novos mecanismos criados pelo homem. Assim ocorreu com relação as criptomoedas, quando essa ideia saiu da fase de planejamento e estruturação, após a intensa crise imobiliária de 2008, e começaram de fato, a serem introduzidos na prática e a gerar notório impacto social em níveis globais. Essa nova tecnologia apresentada ao sistema financeiro global de forma completamente despercebida em primeiro momento, surgiu há 13 anos, no dia 03/01/2009, com a criptomoeda mundialmente conhecida atualmente, O Bitcoin. Mas, com esse grande passo tecnológico, surgiram novas práticas que se utilizaram disso para o cometimento de crimes, que jamais haviam sido sequer cogitadas para o Direito em todos os seus ângulos de atuação, e muito menos para a sociedade, que progressivamente, até a atualidade, faz o uso desse novo tipo de sistema e o incluiu em diversas áreas e relações típicas do cotidiano em geral, e de certa forma não compreendendo a utilização disso completamente, além do quanto isso poda ser prejudicial sem a compreensão necessária do assunto. Já é de conhecimento do Estado que crimes como golpes, estelionato, roubos, sequestro e até mesmo homicídios envolvendo o universo dos criptoativos. Este artigo científico buscará em um primeiro momento facilitar o entendimento de como funciona a rede de criptomoedas, seus prós e contras, buscando facilitar o entendimento de determinadas expressões especificas, e em seguida expor casos e pesquisas de práticas ilegais nesse meio, demonstrando também infinitas possibilidades para práticas benéficas, seguras e privadas para o convívio em sociedade de modo geral.

Palavras-chave: direito penal - blockchain criptomoedas - crimes novas tecnologias.

ABSTRACT

With the development of New technologies and sistems caused by the evolution of society and its means, the state, many times, cant keep up with this society evolution in good time to punish the ilicit ways that manifest with the New mechanism created by man. And this happened when these ideias left the idialization plan, and started generating a good amount of social impact in global levels. This New global financial system technology started 13 years ago, on 01/03/2009, with the world most famous crypto coin, bitcoin. But with this great step for technology, there was number of new ways to practice crimes, that have never before even been considered by the law in all the angles, and much less with society, that as the years went by, incorporated that system and included in all sorts of áreas and general day-to-day relations, and in a way cant fully understand how much can this be detrimental without the particular knowledge of the matter. Its already known by the state that crimes like fraud, teft, kidnapping and even homicide involving the cryptoactives. This cientific article will look in a first momento to easy the understanding of how the crypto currency network works, with its pros and cons, looking to easy said understanding of especific expressions, and after that, expose cases and reseach of illicit practices on this médium, also showing infinite possibilites of much safer, better and private practices living in Society in a general way.

Keywords: criminal law - blockchain criptocurrency - new technologies.

INTRODUÇÃO

Este artigo científico irá abordar a relação do Direito Penal com o surgimento do mercado de criptoativos, buscando demonstrar, através de casos reais e atuais que a prática de crimes e infrações as quais se tornaram cada vez mais desenfreadas devido a popularização recente deste tipo de investimento.

É fato que, muitas pessoas não só no Brasil, mas no mundo todo, não obtém o conhecimento considerado necessário para a atuar em mercados considerados de alto risco, e acabam se tornando aventureiros, que na sua grande maioria se arriscam (e arriscam o próprio dinheiro) às cegas, sem compreender de fato todo o mecanismo que gira em torno disso. É nessa maneira de agir que inúmeras possibilidades para a prática de crimes surgiram e se tornaram consideravelmente frequentes entre os indivíduos que não agem de maneira ponderada no momento de investir.

Em demasiados casos isso é visto por indivíduos mal-intencionados como um leque de oportunidades para aplicar golpes, furtos, ameaças, além de tentativas de homicídio e até mesmo a consumação.

Além disso, é notável que o Estado e a legislação não são capazes de se parear no controle desses novos métodos por diversos fatores diretamente ligados ao funcionamento e a real motivação pela qual as criptomoedas foram criadas e idealizadas após o seu engajamento na corporatura social.

O presente artigo foi realizado através do método de pesquisa qualitativo, descritivo e bibliográfico, buscando compreender e explicar a motivação por trás da descentralização do poder estatal perante os meios de pagamentos contemporâneos e autônomos de natureza, que independem do seu controle ou de sua regulamentação para existirem e se manterem imutáveis e verídicos, e que ao mesmo tempo agem de modo a obstaculizar a hegemonia quanto as moedas sistematizadas pelo governo.

COMO FUNCIONA A CORRENTE DE BLOCOS

A corrente de blocos, popularmente conhecida como Blockchain nada mais é do que o sistema que faz a rede do Bitcoin funcionar de maneira totalmente diferente de qualquer outro sistema financeiro criado anteriormente na história.

Para iniciar esse tema, é preciso saber que não existe somente uma Blockchain, esta expressão é usada para dar nome as tecnologias de registro distribuídos, e estes registros são alterados à medida que transações vão sendo realizadas e armazenadas em blocos devidamente conectados1. Estes blocos surgem a cada 10 minutos, onde as transações realizadas no espaço de tempo referente ao bloco determinado ´passam por um processo de espera para serem, de fato, conferidas e validadas, para que então sejam, de fato confirmadas e incluídas na rede. Este processo de validação pode ocorrer de maneiras diversas, porém não idênticas, ainda que almejem o mesmo propósito2.

SOBRE O CONSENTIMENTO UNÂNIME QUANTO A VERACIDADE DAS INFORMAÇÕES COMO FORMA DE PROTEÇÃO DA REDE DESCENTRALIZADA

1 DA REDAÇÃO. Como funciona a tecnologia blockchain? Disponível em:

<https://exame.com/future-of-money/como-funciona-a-tecnologia-blockchain/>. Acesso em: 8 ago. 2022.

2 NAKAMOTO, S. Bitcoin: Um Sistema de Dinheiro Eletrônico Peer-to-Peer. [s.l: s.n.]. Disponível em: <https://bitcoin.org/files/bitcoin-paper/bitcoin_pt_br.pdf>.

Um dos variados métodos de validação, que são essencialmente realizados como um sistema de consenso, onde todos os computadores que sustentam a rede e servem também como uma proteção contra tentativas de burlar o sistema, é popularmente conhecido entre os usuários do sistema como Proof of Work (prova de trabalho), que nada mais é do que um processo de validação das transferências realizadas pelos usuários da rede dentro de determinado bloco, ou seja, os mineradores validam as informações contidas dentro de determinado bloco foram antes confirmadas através de um programa conhecido como full-node, atuando como validador de transações e blocos, como uma rede de nós conectadas e que apresentam consenso entre si sobre as informações confirmadas pela rede em geral3.

Uma espécie de caixa-preta, um livro aberto de informações armazenadas desde a primeira transação até o presente momento, sendo impossível o consentimento de informações falsas e maliciosas, que não apresentam consenso mútuo entre si. Uma vez validadas e incluídas, são dotadas de completa imutabilidade4.

DA MINERAÇÃO DE CRIPTOMOEDAS

Este processo de legitimação das transações inclusas em cada bloco é realizado pelos mineradores, aonde um problema matemático é estabelecido e o primeiro usuário que resolver esta equação ganha recompensas em forma de Bitcoins por apresentar a resposta para a equação disposta pela rede.

Desta forma, mineradores de toda a rede se unem com a finalidade de confirmar essas transações e as informações contidas dentro delas, como assinatura digital (conhecida como Hash de transação), carimbo de data e hora, além do endereço do destinatário, em troca de recompensas pagas em Bitcoin5.

Estima-se que cada bloco, comporta em média duas mil transações, podendo ocasionar em transações pendentes devido ao fluxo de usuários e a dificuldade que se encontra na resolução do problema matemático.

Este processo de premiação nada mais é do que o famoso termo conhecido até mesmo por quem não faz parte deste mercado, o ato de minerar criptomoedas, que é

3 Ibidem.

4 Ibidem.

considerado comum na atualidade, e que por diversas ocasiões se tornou objeto preponderante em esquemas de criminalidade, sendo utilizado até mesmo por facções criminosas, como o Primeiro Comando da Capital, o Comando vermelho e até mesmo a Milícia6.

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1.2 DA PRÁTICA DE MINERAÇÃO COM FINALIDADES VARIADAS

Ao passo que esse tipo de investimento é utilizado para práticas delituosas, é também um meio considerado legal para obtenção de renda, sendo utilizado até mesmo pelos Governos ao redor do mundo como uma prática comum. Utilizando desses novos mecanismos, indivíduos que praticam atividades ilícitas dos mais variados tipos encontraram uma nova forma de praticá-las, e de maneira consideravelmente mais complexa para identificação, controle e punição destes atos delituosos. Por diversas vezes em variadas operações contra o combate de vários nichos no ramo da criminalidade, já se ouviu falar sobre mineradoras de criptomoedas controladas por criminosos, servindo para a lavagem de dinheiro ilícito.

AS NOVAS MODALIDADES DE PRÁTICAS DELITUOSAS QUE SURGIRAM APÓS A TECNOLOGIA DA BLOCKCHAIN

É de conhecimento do atual sistema legislativo-punitivo a existência de diversas práticas criminosas, além de infrações e crimes de menor potencial ofensivo, porém, conforme os criptoativos se popularizaram e começaram a ser utilizados no dia a dia da sociedade, facilitando o lado burocrático do sistema em que vivemos de incontáveis formas, como consequência, essa tecnologia também é utilizada diversas vezes por criminosos para a delinquir de maneira anônima e utilizando-se da criptografia.

Como explicado anteriormente, sabe-se que, ao realizar uma transferência na rede criptografada do Bitcoin, por exemplo, se esta for feita de forma que, a quantia envolvida foi enviada de uma carteira para outra (sendo as duas provenientes da rede do Bitcoin, e não ligadas a corretoras digitais), esta transação se torna 100% anônima, visto que, a blockchain registra dados como endereço de quem enviou e de quem recebeu, a

quantidade, a data e o horário, além de outros detalhes que podem ser encontrados facilmente.

O ponto chave é, uma vez que o indivíduo que movimentar o dinheiro não fizer isso através de corretoras ou ferramentas que solicitem dados pessoais do usuário na hora do seu registro, não há possibilidade de estabelecer a ligação entre ele e a carteira em questão, uma vez que o que fica disponível publicamente nada mais é do que o endereço e as informações da transação, sendo assim, caso o dinheiro não seja movimentado por plataformas que utilizam informações pessoais como CPF, endereço residencial ou eletrônico, número de telefone, torna-se impraticável o rastreamento do verdadeiro dono da carteira digital.

Ainda assim, é possível sacar a quantidade em forma de dinheiro físico (geralmente o Dólar Americano), em caixas disponíveis em diversos lugares ao redor do globo, que são conhecidos como ATMS, que nada mais são do que uma espécie de caixa eletrônico, com funcionamento diferente dos convencionais, sendo ligados diretamente à rede e utilizando os dados criptografados do usuário para a realização de saques em espécie.

CASO CONCRETO DE RUG-PULL OCORRIDO EM 2021

Sendo assim, com esse mecanismo, as práticas ilícitas em torno disso se tornam cada dia mais frequentes e comuns, como por exemplo, furtos realizados através de Rug-pulls, que em tradução livre significam, literalmente, puxar o tapete.

A título de exemplo, recentemente um token lançado inspirado em uma série de televisão atraiu diversos investidores pela valorização desgovernada em um curto período, chegando ao valor de US$2.800,00, e logo em seguida os desenvolvedores anônimos realizaram a venda da maior parcela de moedas que estavam sob seu domínio, levando o preço a US$0. Estima-se que neste caso, foram roubados cerca de US$3.300.000,00 dos usuários que investiram no projeto, que veio a se mostrar um golpe após sua popularização (influenciada pelo sucesso da série), onde os criminosos foram sequer identificados7.

7 IGNACIO, B. Criptomoeda inspirada em Round 6 colapsa e se revela golpe milionário. Disponível em: <https://www.terra.com.br/noticias/tecnologia/criptomoeda-inspirada-em-round- 6-colapsa-e-se-revela-golpe-milionario,a717e9092abbfb91f122714d71912e5bifbzow76.html>. Acesso em: 8 ago. 2022.

Expandindo a pesquisa para proporções formidavelmente significativas, existem diversos casos envolvendo grandes empresas, grupos, facções, pessoas e até mesmo governos.

ATAQUE DE HACKERS E ROUBO DE CRIPTOMOEDAS CONTRA A CORRETORA MTGOX

Pode-se dizer que o maior roubo da história envolvendo criptoativos ocorreu em fevereiro de 2014, em um cenário onde o valor dolarizado do Bitcoin era algo em torno de US$800,00, nada próximo da cotação corrente no dia 31/05/2022, no início da madrugada às 01:35, onde o preço neste momento se encontra em US$31.765,05.

O caso em questão trata do histórico ataque hacker a uma corretora japonesa, sediada em Shibuya, Tóquio, onde o estimado era que cerca de 740.000 Bitcoins foram roubados lentamente por invasores que utilizaram de falhas estruturais da empresa para além de roubarem os ativos, praticar manipulação do mercado para benefício próprio. Nesta ocasião, a quantia roubada é estimada em US$35.000.000,00, e em fevereiro de 2022, US$30.000.000.000,00. Não se sabe ao certo quantos milhares de usuários compartilharam do prejuízo bilionário causado pelo colapso financeiro resultado do ataque hacker, todavia, quase uma década depois do ocorrido, nenhum reembolso chegou aos prejudicados pela falha da corretora. Vale ressaltar que à época, a corretora Mt.Gox movimentava cerca de 70% das transações realizadas na blockchain do Bitcoin, tendo uma quantidade massiva de operações e pessoas atuando ativa e diariamente em sua plataforma.

Segundo Fernando Martines, em uma matéria para o site Portal do Bitcoin, o ex-CEO da Mt.Gox, Mark Karpèles, comunicou que antigos clientes podem receber, em junho de 2022, cerca de US$9.000.000.000,00 em Bitcoins, de acordo com um documento sobre o plano de recuperação enviado ao Tribunal do Distrito de Tóquio, frisa-se que este valor gira em torno de 20% do total devido aos credores da falida empresa8.

8 MARTINES, F. Ex-CEO da corretora de bitcoin falida Mt. Gox diz que clientes serão pagos em junho de 2022 | Portal do Bitcoin. Disponível em: <https://portaldobitcoin.uol.com.br/ex- ceo-da-corretora-de-bitcoin-falida-mt-gox-diz-que-clientes-serao-pagos-junho-de-2022/>.

Acesso em: 8 ago. 2022.

Diante de todo o ocorrido, diversas teorias acerca do ocorrido surgiram desenfreadamente, visto que inúmeras pessoas e vítimas acreditam que, na verdade, de alguma forma os responsáveis pela corretora furtaram o dinheiro e de alguma forma conseguiram esconder isso, e não houve investigação suficiente por parte das autoridades, gerando o esquecimento com o decorrer dos anos. Outros acreditam que de fato, um ataque hacker pode ter sido a motivação, porém com responsáveis facilitando essa ação diretamente de dentro do sistema atacado, tornando muito mais fácil o trabalho dos criminosos9.

SILK ROAD, TRÁFICO DE DROGAS, DARKNET E BITCOIN

Em meio a tantos casos em que criptoativos foram usados como ferramenta para a prática dos mais variados tipos de crime, de longe, o mais emblemático é o de um site nomeado Silk Road, que operava através da Darknet (zona mais profunda e criminosa da internet), que foi fundamental para a exposição do Bitcoin ao redor do mundo, preliminarmente, no âmbito da ilegalidade e de sua aceitação como meio de pagamento em relações entre criminosos, considera-se este o primeiro mercado que onde isso foi possível.

Segundo Renato de Mello Jorge Ferreira10, Ross Ulbricht, conhecido também pelo codinome de Dread Pirate Roberts, e idealizador do mercado negro Silk Road alcançou a casa dos bilhões em transações através do site:

Utilizando-se do sistema TOR, ele acabou, em 2011, por utilizar bitcoins para criar um mercado anônimo para compradores anônimos, onde se podia vender e comprar de tudo, principalmente drogas. Tanto isso é verdade que foi ele chamado de e-Bay das drogas ilegais. Estima-se que essas transações alcançaram cifras de bilhões de dólares norte-americanos.

Ainda, segundo o autor, moedas virtuais não são dotadas de curso legal11:

9 POLLOCK, D. O desastre que foi Mt. Gox: quatro anos depois. Disponível em:

<https://cointelegraph.com.br/news/the-mess-that-was-mt-gox-four-years-on>. Acesso em: 8 ago. 2022.

10 SILVESTRE, Renato de Melo Jorge. Bitcoin e suas fronteiras penais: em busca do marco penal das criptomoedas. Pag. 113. Editora DPlácio. SP. 2018.

11 SILVESTRE, Renato de Melo Jorge. Bitcoin e suas fronteiras penais: em busca do marco penal das criptomoedas. Pag. 114. Editora DPlácio. SP. 2018.

É de se recordar que as moedas virtuais e criptografadas, pela sua própria estruturação (não sendo moeda em si, e em face de sua característica supranacional), não são dotadas de curso legal. Podem, de fato, ter poder liberatório, mas não detêm a personalidade mais intrínseca do que se entende por moeda no Brasil, vale dizer, da confiança dada pelo Estado.

DO CONCEITO LEGAL DE MOEDA PARA LUDWIG VON MISES

Este raciocínio se relaciona com a Teoria do Dinheiro e do Crédito escrita pelo economista Ludwig Von Mises12, onde este afirma que a lei diz respeito ao dinheiro como uma forma de extinguir obrigações, e que entende este não como um meio comum de troca, mas sim um meio legal de pagamento. É fato que, variados tipos de pagamento além do dinheiro comum são legalmente aceitos, objetos variados com valor econômico podem ser utilizados13.

Todavia, é completamente válido afirmar que, quando se fala em moeda de curso legal, o Estado consegue impor a sua circulação e controlá-la através de seu sistema bancário e suprimir práticas delituosas no seu âmbito, e ainda assim, existem diversos casos concretos envolvendo a cunha estatal, ainda que as possibilidades de fiscalização e regulamentação sejam infinitamente maiores comparadas à criptoativos

Uma vez que um novo tipo de meio de pagamento não oficial, como no caso das moedas virtuais, adentra a um sistema financeiro já existente, e estas por sua vez, sendo substancialmente menos suscetíveis ao controle estatal e jurídico, a descentralização do poder autônomo sobre o meio de pagamento é uma grande preocupação para os governos em geral e para os seus sistemas monetários correntes.

AS ADVERSIDADES DA REGULAMENTAÇÃO DOS CRIPTOATIVOS E A DESCENTRALIZAÇÃO DO ESTADO: O EXEMPLO DA CHINA

É incontestável que existe uma necessidade extrema e urgente referente a tomada de decisão do Estado quanto a regularização e a fiscalização desse meio de pagamento, que atua de maneira desvinculada no que concerne à atuação do aparelho estatal como

12 MISES, L.; BATSON, H. THE THEORY OF MONEY AND CREDIT New edition, enlarged

with an essay on Monetary Reconstruction Translated from the German. [s.l: s.n.]. Disponível em: <http://web.mit.edu/merolish/Public/books/libertarian/tmc.pdf>.

13 Ibidem.

mecanismo de controle para coibir práticas delituosas variadas através da moeda tradicional.

Apesar de ser apresentado ao mundo há mais de uma década, quando o tema envolve Bitcoin e criptomoedas, legalmente, o ordenamento jurídico brasileiro não apresenta nenhuma posição referente a legalidade do seu uso, logo, até o presente momento, ainda que a matéria em questão não esteja no campo da legalidade, também não é considerada como proibida.

A título de exemplo, com finalidade de demonstrar que, apesar de esforços, autoridades governamentais ao redor do mundo enfrentam dificuldades ao mirar na proibição ou na regulamentação devidamente eficiente, com diversos casos onde os resultados dessas medidas não alcançaram sucesso suficiente para os resultados desejados quando foram introduzidas ao regulamento vigente.

A China pode ser considerada um dos países que mais buscou esse marco. Ao todo, desde 2009, com o surgimento do Bitcoin, até 2021, ocorreram, no mínimo, 9 tentativas de proibição, através de variadas formas, mas que ainda assim, não foram completamente eficazes, uma vez que, apesar de todos os esforços, ainda é possível comprar e vender em corretoras descentralizadas que atuam nas profundidades da internet, além da existência de transações ponto-a-ponto, as quais não requerem um intermediário para serem realizadas, fala-se até mesmo na probabilidade de pena de morte em alguns casos envolvendo criptomoedas, mas não necessariamente como ferramenta para cometer crimes e infrações anteriormente tipificados pela lei.

A imagem abaixo (FIGURA 1), retirada do renomado portal brasileiro de notícias ligadas ao segmento de criptomoedas, Livecoins, demonstra perfeitamente a relação conflituosa e autoritária do governo chinês e as criptomoedas:

FIGURA 1 Quantas vezes a China já baniu o bitcoin?

FONTE: Quantas vezes a China já baniu o Bitcoin?

Henrique Kalashnikov. 2021.14

QUAL O ENTENDIMENTO DA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA SOBRE CRIPTOMOEDAS

Já no Brasil, a inércia na busca pela regularização ainda é uma realidade do ordenamento, como foi supracitado, ainda há certa nebulosidade quanto a legalidade ou não dos ativos. É certo que, de maneira simples, indivíduos que realizam investimentos, compras e negócios por meio de criptomoedas que foram adquiridas através de transferências bancárias onde os titulares das contas de onde o dinheiro proveio são facilmente encontrados, existindo a possibilidade de taxação através de imposto de renda, por exemplo. Ao passo que isso é uma verdade absoluta, em contrapartida, ainda existem diversas formas utilizadas para delinquir que ocorrem sem que o Estado perceba ou seja apto para coibi-las.

Até mesmo a maior facção brasileira, o Primeiro Comando da Capital já foi relacionado a crimes como homicídios motivados pelo sumiço de R$200.000.000,00 em criptomoedas. Além da utilização dessa ferramenta como forma de lavar o capital adquirido através do tráfico de drogas, onde até mesmo corretoras ativas no mercado tiveram envolvimento no ato criminoso15.

14 Quantas vezes a China já baniu o Bitcoin? Henrique Kalashnikov. 2021. Disponível em:

<https://livecoins.com.br/quantas-vezes-a-china-ja-baniu-o-bitcoin/>. Acesso em: 8 ago. 2022.

PESSOAS JURÍDICAS AGINDO DE MODO IRREGULAR NO BRASIL

Ainda sobre atividades que estão em desacordo com a legislação brasileira, ou com ordens de órgãos reguladores, se incluem práticas e serviços oferecidos por grandes atuantes do ramo.

A corretora chinesa Binance, -considerada a maior do mundo no que concerne ao volume mundial de transações diárias, sendo a sexta na lista das maiores corretoras do mundo- foi proibida por meio do Ato Declaratório nº 17.961 de 2 de julho de 202016 feito pela Comissão de Valores Imobiliários (CVM) de oferecer sem autorização em sua plataforma o Mercado de Futuros/ICOs (mercado de derivativos e de Oferta Inicial), que são considerados valores imobiliários pelo órgão independente do ativo.

O Ato Declaratório foi suspenso após a retirada desta opção da plataforma, porém com o alerta de que, caso sejam encontradas irregularidades, a CVM poderia agir futuramente17.

Ocorre que, é possível a realização de operações nesse tipo de mercado através da plataforma, de maneira simples, bastando a alteração do idioma do aplicativo para que a opção fique disponível, alternativa ensinada pela própria empresa aos seus clientes, todavia não se tem mais informações sobre o andamento das investigações a respeito do caso, demonstrando que a falta de legislação sobre o tema não é um problema apenas no campo do direito penal e que diz respeito somente a práticas ilícitas, mas do ordenamento como um todo, englobando também questões de regulamentação diante de grandes empresas nacionais e estrangeiras, que atuam, muitas vezes, de maneira ilegítima18.

PROJETO DE LEI Nº 4401 DE 2021 A LEI DO BITCOIN

15 R7.COM. R$ 200 milhões em criptomoedas podem ter causado mortes no PCC. Disponível em: <https://noticias.r7.com/sao-paulo/r-200-milhoes-em-criptomoedas-podem-ter-causado- mortes-no-pcc-24012022>. Acesso em: 8 ago. 2022.

16 IMPRENSA NACIONAL. ATO DECLARATÓRIO No 17.961, DE 2 DE JULHO DE 2020 -

DOU - Imprensa Nacional. Disponível em: <https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/ato- declaratorio-n-17.961-de-2-de-julho-de-2020-265060074>. Acesso em: 8 ago. 2022.

17 CASSIO GUSSON. CVM proíbe Binance de oferecer contratos futuros de Bitcoin no Brasil. Disponível em: <https://cointelegraph.com.br/news/cvm-prohibits-binance-from-offering- futures-market-in-brazil>. Acesso em: 8 ago. 2022.

18 Ibidem.

O Senado Federal aprovou no dia 26/04/2022 o projeto de lei nº 4401/2021 que versa sobre a regulamentação do mercado nacional de criptomoedas e de empresas prestadoras deste tipo de serviço no país. A proposta, após a tramitação do Senado, voltou à Câmara dos Deputados para que fosse analisada e dar seguimento ao processo de criação da lei., logo, ainda não há efeito diante dos ativos digitais.

A lei do Bitcoin, em primeiro momento, define suas intenções para a regulamentação não só dos ativos, mas também das empresas ligadas a esse tipo de investimento, além de esclarecer o entendimento legal sobre o que é considerado, aos olhos do ordenamento, um ativo virtual, que no caput do parágrafo 3º, é definido como: Para os efeitos desta Lei, considera-se ativo virtual a representação digital de valor que pode ser negociada ou transferida por meios eletrônicos e utilizada para a realização de pagamentos ou com o propósito de investimento, não incluídos:

Ainda neste artigo, os incisos subsequentes expõem outras modalidades de investimento as quais não são consideradas como ativos digitais, explicitando ainda mais a definição de criptomoedas para a lei brasileira.

Além disso, estipula penas para crimes já tipificados, porém cometidos através dessa nova ferramenta, e dispõe sobre a regularização para empresas do ramo.

Todavia, ainda não existe legislação definitiva, completamente eficiente diante das incontáveis possibilidades e funcionalidades que foram introduzidas com a criação da tecnologia da Blockchain e do Bitcoin, os quais resultaram em efeitos imensuráveis para a sociedade e a economia individual independente e privada dos indivíduos que se utilizam de suas funcionalidades19.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente artigo científico, objetivou demonstrar a funcionalidade da tecnologia disponibilizada pelo sistema Blockchain e do Bitcoin, enfatizando o surgimento de novas possibilidades através desse meio para realização de práticas delituosas

19 SENADO FEDERAL PROJETO DE LEI N° 4401, DE 2021. [s.l: s.n.]. Disponível em:

<https://legis.senado.leg.br/sdleg- getter/documento?dm=9054002&ts=1653562815393&disposition=inline>. Acesso em: 8 ago. 2022.

anteriormente tipificadas pelo ordenamento jurídico que foram adaptadas através do seu uso, facilitadas pela incapacidade estatal de legislar buscando conte-las.

Todavia, além do polo negativo da introdução da tecnologia, o trabalho buscou demonstrar que diversos avanços com relação a privacidade das relações entre sujeitos nas dinâmicas sociais cotidianas, autonomia econômica individual, que além da simplicidade de concretização, possibilitam o anonimato perante o domínio estatal autoritário sobre a economia feito através da moeda regularizada por este.

Uma vez que um meio de pagamento controlado e fiscalizado por décadas (como no caso de moeda corrente validada pelo Estado) perde sua soberania após a introdução de um mecanismo que possibilita ampla privacidade nas relações sociais entre indivíduos (além de incontáveis melhorias e acessibilidades que o antigo sistema não permite serem concretizadas), consequentemente, o enfraquecimento devido a popularização de novos meios de pagamento não regularizados é uma preocupação para soberanias estatais ao redor do mundo, onde a descentralização ocorre gradativamente pelo aumento da adesão de um novo sistema por parte da sociedade em geral.

No que compete ao Estado, existem medidas diversas que podem ser tomadas como tentativas de inibir esse avanço que já é uma realidade atualmente. Tentativas de proibição, penalização pelo uso do Bitcoin e de criptomoedas, a criação de empecilhos para o acesso aos mesmos.

Todavia, ainda que essas decisões com intuito de repressão gerem algum efeito a curto prazo, o sistema que possibilita a existência de criptoativos em geral ainda pode ser usado através de métodos que optam pelo máximo de privacidade possível, e ao mesmo tempo, apesar de mais complexidade nos processos de interações, são plenamente possíveis, mesmo que a imposição de qualquer tipo proibição aconteça.

O sistema da Blockchain não necessita de um intermediário para que se sustente, muito menos de alguém que o controle, pois todos os dados armazenados por este, são informações verdadeiras, imutáveis e completamente públicas, ainda que não se saiba as partes envolvidas nas transações.

Desta forma, como solução, a adaptação a esta nova realidade se demonstra ser a mais viável das medidas a serem tomadas diante do assunto tratado neste artigo, haja vista que, mesmo com a proibição de mecanismos aparentemente essenciais para o acesso à ferramenta, ainda é possível a sua utilização.

Além disso, a tentativa de conciliar a moeda corrente e controlada pelo Estado com as criptomoedas, para que estas se correlacionem de maneira equitativa também é

uma hipótese mais cabível do que frustradas tentativas de evitar o que se demonstra inevitável em um futuro que pode estar mais próximo do que a sociedade de modo geral imagina.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Sobre os autores
Altair Mota Machado

Professor da Faculdade de Direito do Sul de Minas – FDSM. Mestre em Direito  Universidade Federal do Paraná – UFPR.Delegado Geral de Policia Civil  -MG. Aposentado.

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