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Soberania e cooperação internacional: homologação de decisão judicial estrangeira

Agenda 10/11/2022 às 16:45

É possível o reconhecimento da validade e a execução de decisões judiciais proferidas em outros países, desde que dentro de certos requisitos.

Direito internacional privado e cooperação jurídica internacional

Num mundo globalizado, cada vez mais as relações econômicas, sociais e jurídicas tendem a ultrapassar fronteiras nacionais, de forma a dar lugar a conexões internacionais diversas. Conforme Portela (2021), cresce a frequência com a qual pessoas passam a viver ou estabelecer seus negócios em países diferentes, o que se reflete em transações comerciais internacionais, bem como investimentos no exterior e, ainda, casamento entre pessoas de nacionalidades distintas, entre outros.

Deste modo, conforme Miranda (2004), mediante o fenômeno da globalização, nas últimas décadas, ocorreu uma crescente  interdependência econômica entre os diferentes países, por meio do fluxo de comércio, capital, pessoas e tecnologias entre eles.  

Assim sendo, na realidade social contemporânea, negócios jurídicos diversos são realizados, cotidianamente, para além das fronteiras nacionais e esbarrando, não raro, em divergências acerca das legislações de cada país no que tange à regulação destas mesmas relações. Assim, estabelecem-se limites para a soberania dos Estados, ao mesmo tempo em que, mediante a aplicação do Direito Internacional, reconhece-se a legitimidade das mesmas (Miranda, 2004).

 Nesse contexto, com a finalidade de garantir segurança necessária ao processamento das relações internacionais, em âmbito privado, o ramo do Direito chamado Direito Internacional Privado focaliza a regulação de conflitos de leis entre territórios, no caso destas mesmas relações de caráter particular (PORTELA, 2021). As normas de referido ramo do Direito podem se originar de tratados internacionais, bem como de regras de Direito interno, estabelecidos por cada país, que por sua vez decidem qual a regra que irá ser aplicada nos casos de conexão internacional em relações jurídicas privadas (Ferreira, 2016).

Neste âmbito, cabe, portanto, ao Direito Internacional Privado, em caso de conflitos entre normas de diferentes países, no que tange a relações jurídicas entre particulares, indicar qual a norma a ser aplicada em cada caso, incluindo, inclusive, a possibilidade da aplicação de lei estrangeira em território nacional (RAMOS, 2013).

Considerando-se a soberania dos Estados, que inclui a possibilidade de exercer jurisdição sobre as pessoas e coisas que estejam em seu próprio território, nenhum país tem obrigação de cumprir leis estrangeiras ou decisões proferidas por tribunais de outra nacionalidade. Porém, por questões que envolvem política e diplomacia internacionais, a maioria dos países reconhece decisões estrangeiras, desde que dentro de certos requisitos (FERREIRA, 2016).

      Assim sendo, trata-se de estabelecer critérios para o que se chama de cooperação jurídica internacional. Conforme Ramos (2013), referida cooperação consistiria num conjunto de regras que coordenam atos de colaboração entre Estados (e também entre Estados e organizações internacionais) para facilitar o acesso à justiça.

Nas palavras de Ramos (2013):

Essa função do DIPr atende aos objetivos do Direito Internacional referentes à eliminação de tensões entre Estados (que poderiam ser geradas pela negativa da circulação de direitos e impedimento à cooperação jurídica internacional, por exemplo) e ainda logrando preservar os direitos humanos no âmbito global, evitando que as fronteiras políticas gerem denegação de justiça. (p. 626).

Inclusive, importante destacar que a própria Constituição Federal brasileira atualmente em vigor prevê, no artigo 4º, inciso, IX, que haja cooperação entre os povos nas relações internacionais do Brasil.  Assim sendo, trata-se de instituto de relevância reconhecida e garantida em nosso país, inclusive do ponto de vista constitucional.

Dentre os atos possíveis de colaboração jurídica internacional, encontram-se as cartas rogatórias, os pedidos de auxílio direto e a homologação de sentença estrangeira em território nacional. Enquanto as cartas rogatórias e os pedidos de auxílio direto se referem a decisões não definitivas e/ou a procedimentos não jurisdicionais, a homologação de decisão estrangeira se refere a decisões definitivas, emitidas por autoridades judiciárias estrangeiras, cujo cumprimento deverá se dar em território brasileiro (Portela, 2021).

 Assim sendo, para que um pedido de cumprimento advindo de decisão judicial estrangeira tenha efeitos no Brasil é necessário que referida decisão ou sentença seja devidamente homologada pelo aparato jurídico brasileiro (PORTELA, 2021).

Homologação de sentença estrangeira no Brasil

O instituto em tela se refere, conforme Artigo 4º, da Resolução nº 09, de 04 de maio de 2005, do Superior Tribunal de Justiça, a um ato formal, praticado pelo Poder Judiciário, que, ao recepcionar uma decisão estrangeira, a torna eficaz dentro do território nacional.

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Conforme o ordenamento jurídico brasileiro, podem ser alvo de homologação no Brasil decisões estrangeiras que sejam definitivas (que não comportem mais recurso e que já tenham transitado em julgado) em seu país de origem, assim como decisões arbitrais estrangeiras (PORTELA, 2021).

Importante ressaltar que, mediante alteração introduzida em 2004, com a Emenda Constitucional nº 45, a competência para a homologação de sentença estrangeira no Brasil passou a ser do Superior Tribunal de Justiça, sendo que antes pertencia ao Superior Tribunal Federal (CUNHA, 2012). Já a competência para a execução das decisões estrangeiras homologadas pelo STJ cabe a juízes federais de primeira instância (Portela, 2021).

Antes da efetiva homologação, no entanto, faz-se necessário que a referida decisão passe por uma fase de reconhecimento pela jurisdição doméstica (Portela, 2021). Neste contexto, conforme referido autor, o juízo homologatório das sentenças estrangeiras adota, no Brasil, o chamado sistema delibatório.

 Conforme Cunha (2012), o juízo de delibação não inclui o exame de mérito (meritum causae) da sentença estrangeira. Através deste sistema delibatório busca-se, na verdade, examinar as condições e pressupostos da decisão proferida, que precisam estar em consonância com os parâmetros do ordenamento jurídico brasileiro, para que a decisão possa produzir efeitos em território nacional. Referido exame também visa avaliar se a decisão que se pretende homologar afronta a ordem pública, soberania nacional ou bons costumes (PORTELA, 2021) e, em caso positivo para alguma destas hipóteses, não será homologada.

Assim sendo, os procedimentos delibatórios sinalizam que a homologação de decisão estrangeira tem caráter meramente processual, sem correlação direta com o direito material que a fundamenta (CUNHA, 2012).

No artigo 15º da LINDB estão presentes alguns dos principais requisitos para a efetiva homologação de decisões estrangeiras no Brasil, a saber:

Art. 15.  Será executada no Brasil a sentença proferida no estrangeiro, que reúna os seguintes requisitos:

a) haver sido proferida por juiz competente;

b) terem sido os partes citadas ou haver-se legalmente verificado a revelia;

c) ter passado em julgado e estar revestida das formalidades necessárias para a execução no lugar em que foi proferida;

d) estar traduzida por intérprete autorizado;

e) ter sido homologada pelo Superior Tribunal de Justiça.

Outros dispositivos legais trazem regulamentações adicionais subjacentes aos procedimentos de homologação de decisões estrangeiras no Brasil, tais como o artigo 963 do Código de Processo Civil de 2015, bem como o artigo 216-D do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça (PORTELA, 2021), também sendo observados na emissão de juízos de delibação.

Conforme CUNHA (2012), a ação de homologação de decisão estrangeira pode ser de iniciativa de qualquer pessoa interessada, desde as partes da ação original, como de terceiros, desde que sejam pessoas a serem atingidas com a referida decisão. Também se admite a possibilidade de que ações de homologação de decisão estrangeiras sejam de iniciativa diplomática. Protocolada a ação, será distribuída ao Presidente do STJ, e, na sequência, a parte interessada na homologação será citada para defender-se, no prazo legal.

Acerca da mencionada possibilidade de defesa, nota-se que é restrita, podendo focalizar apenas sobre o eventual descumprimento dos requisitos legais para a homologação e não sobre o mérito (PORTELA, 2021).

Decorridos estes procedimentos, p Superior Tribunal de Justiça poderá a) não homologar a decisão estrangeira; b) homologá-la integralmente ou c) homologá-la parcialmente. Sendo efetivada a homologação da referida sentença estrangeira, cabe ao interessado requerer a chamada Carta de Sentença (Art. 216-N do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça). De posse da mesma, o advogado poderá executar referida sentença estrangeira na Justiça Federal competente, com fulcro no artigo 965 do CPC (CUNHA, 2012).

Considerações finais

A homologação de sentenças estrangeiras, no Brasil, se encontra dentro dos parâmetros de cooperação jurídica internacional, previstos pela Constituição Federal. Trata-se de instituto que envolve o ramo do Direito Internacional Privado, sendo de competência no Superior Tribunal de Justiça a realização dos trâmites para sua efetivação.

Através destes dispositivos, decisões definitivas emitidas por autoridades judiciais de outros países, cujo cumprimento se almeja que seja efetivado no Brasil, são submetidas ao chamado juízo de delibação, que se presta a verificar se a referida decisão preenche os requisitos legais para ser executada no Brasil.

Os critérios para sua homologação encontram-se delimitados no artigo 15º da LINDB, artigo 963 do Código de Processo Civil de 2015, bem como no artigo 216-D do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça. Uma vez que o juízo de delibação seja concluído, a sentença estrangeira é homologada e seu efetivo cumprimento se dá através de juízes federais.

Assim, apesar da soberania dos Estados garantir aos mesmos o exercício da  jurisdição sobre as pessoas e coisas que estejam em seu próprio território, em função de aspectos que envolvem política e diplomacia internacionais, é possível o reconhecimento da validade e a execução de decisões judiciais proferidas em outros países, desde que dentro de certos requisitos.


Referências

CUNHA, D. S. (2012) A Homologação da sentença estrangeira no Brasil. RIDB, Ano 1 (2012), nº 2, 793-832.

FERREIRA, A. F. 2016. Elementos de Direito Internacional Privado. São Paulo: Perjuris (Cia do Ebook)

MIRANDA, N. R. Globalização, Soberania nacional e Direito internacional. CEJ, Brasília, n. 27, p. 86-94, out./dez. 2004

PORTELA P. H. G. (2021) Direito Internacional Público e Privado. 13ª Ed. Salvador, JusPodvim.

RAMOS, A. C. (2013) O novo Direito Internacional Privado e o conflito de fontes na cooperação jurídica internacional. Rev. Fac. Direito Univ. São Paulo, v.108, p. 621-647.

Sobre a autora
Nicole Medeiros Guimarães

Bacharel em Direito pela UNAERP, psicóloga judiciária no Tribunal de Justiça de São Paulo, doutora e mestre em Psicologia pela USP-Ribeirão Preto.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GUIMARÃES , Nicole Medeiros. Soberania e cooperação internacional: homologação de decisão judicial estrangeira. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 7071, 10 nov. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/100992. Acesso em: 24 nov. 2024.

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