Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

Reconstruir a confiança ou desfazer a desconfiança por meio da mediação - Lucas Soares Fontes

Agenda 08/11/2022 às 23:24

Lucas Soares Fontes

A grandeza de um oficio é talvez antes de tudo unir os homens, mas não é um luxo verdadeiro, que é aquele das relações humanas.

A reconstrução da confiança é invocada em setores muito diferentes, seja no contexto da família, das equipes ou entre sindicatos e diretorias entre organizações e também entre grupos da população ou de movimentos políticos dentro dos Estados, além dos países. A confiança permite que a determinado grupo coopere de forma mais eficaz e, portanto sobreviver em face dos perigos do cotidiano.

Apesar da frequência de utilização da palavra confiança, ela permanece complexa e má definida, mesmo sendo objeto de estudos psicológicos, filosóficos, antropológicos, econômicos e também no domino da neurociência, onde alguns gostariam de descobrir o significado de confiança.

Entretanto a palavra confiança não aparece no índice de numerosos livros de gestão de conflito de negociação ou mediação.

Este artigo dá dicas e faz reflexões de maneira a ligar confiança às dinâmicas de conflitos e às intervenções de mediação sobre a base experiências em contextos de conflito (dentro ou entre organizações) ou de por conflito (étnico religioso ou militar como no Burundi, na Libéria, no Timor Leste ou Israel).

O que é confiança? Quais são suas dinâmicas e seus efeitos sobre a tomada de decisão? Quais são as características da confiança? Finalmente, O que traz a mediação para reconstruir a confiança ou ao menos destruir a desconfiança.

CONFIANÇA, DESCONFIANÇA UM SENTIMENTO PLENO DE RACIONALIDADE QUALIFICADOR DE UMA RELAÇÃO

No tocante à confiança ou desconfiança, fiança tem por origem o latim fides fé. Confiança seria na sua etimologia ter fé em qualquer coisa ou qualquer um, mas pode significar também estar de boa fé. Nós temos assim uma dinâmica ativa eu tenho confiança e passiva eu sou digno de confiança (trustworthy em inglês), o que indica a confiança como sentimento que vai ligar os indivíduos ou as organizações. A desconfiança simboliza ao contrário a ruptura do laço. Um dos sentidos de desconfiar seria a ideia de se colocar em guarda, ficar atento, de não se colocar em risco ou se entregar a outrem. A dificuldade principal para conceituar e definir a confiança e a desconfiança é que se trata de sentimento baseado na percepção da capacidade de ser digno de confiança do outro. A confiança faz habitualmente referência à crença (fé) que nós podemos confiar na palavra ou promessa do outro com muito frequentemente risco de conseqüências negativas para si mesmo se o outro não cumprir sua palavra. A confiança se ancora, portanto, na sua própria vulnerabilidade que nós nos submetemos aos outros.

A propensão à confiança dependerá evidentemente do ambiente, do contexto e da história (e experiência passada), e como todo sistema, também será composto (mas não somente) das múltiplas micro-relações que o compõem.

Por exemplo, uma pesquisa que procura avaliar o grau de confiança no mundo com uma questão simples: De maneira geral, diria você que a maioria das pessoas são dignas de confiança, ou é necessário ter muita atenção na interação com outras pessoas? E a fórmula seguinte: índice de confiança=100+ (% maioria são dignos de confiança) (% ter muita atenção). Colocados à parte os países da Europa do Norte (Noruega, Suécia, Dinamarca e Finlândia) e seis outros países com um número igual de pessoas tendo ou não confiança, o resto está sobre o equilíbrio com os Estados Unidos (78,8), a França (37,9) e o Brasil (17,5), o Brasil está entre os 10 países com índices mais baixos do mundo.

DINÂMICAS DA CONFIANÇA E DESCONFIANÇA E EFEITOS SOBRE O PROCESSO DE TOMADA DE DECISÃO, SOBRE AS DECISÕES TOMADAS E SOBRE A COOPERAÇÃO

Além de um contexto sócio-político-econômico diferente, que se esconde atrás do sentimento de confiança, quais são as características dessa ligação?

A desconfiança está estreitamente ligada ao medo com o objetivo de identificar os perigos potenciais e assegurar assim a sobrevivência do indivíduo ou do grupo. O medo é a reação natural em face do perigo, mas também face ao desconhecido. O contrário da confiança pode, portanto, também ser o medo e a angústia. A confiança será assim estreitamente ligada à segurança e à certeza. Na sua raiz, confiável vem também de fides.

A desconfiança será nefasta para a tomada de decisões comuns, pois ela gera incerteza e, logo, instabilidade, medo e reações de defesa, enquanto que a confiança permitirá gerar certeza e, assim, previsibilidade, facilitando a decisão.

Nas interações entre os atores e notadamente no quadro da negociação como processo de tomada de diversas decisões, a confiança será útil na medida em que ela permitirá facilitar as trocas, notadamente pela sua relação com a reciprocidade e a doação. Si eu tenho confiança no outro, eu serei, na troca, mais aberto à ideia de lhe dar informação, de lhe fazer concessões, de aceitar algumas de suas proposições, e, portanto, de tomar o risco do engajamento, que significa uma promessa de ações futuras. Por outro lado, se eu desconfio, toda a dinâmica será mais difícil e dolorosa, quer seja ao nível do processo de troca de informações, quer seja ao nível do conteúdo, por exemplo, de concessões potenciais pelo medo de não ter retorno ou reciprocidade. Finalmente, o engajamento será um desafio pois como ter fé em promessa de ações futuras em alguém que se desconfia e que não se considera confiável?

A confiança é assim estreitamente ligada à minha capacidade de ter fé no outro para manter a reciprocidade e poder assim facilitar a propensão à doação/entrega. Com efeito, no caso de procura em situações de crise no seio de equipes ou de militares porque certas pessoas fazem qualquer coisa para um outro membro da equipe, a resposta é frequentemente: porque ela faria o mesmo por mim em condições similiares. Nós temos assim a ideia da confiança como base das relações com os outros e necessidade para a sobrevivência do grupo e do indivíduo.

A CONFIANÇA É INDISPENSÁVEL PARA A NEGOCIAÇÃO?

A confiança é indispensável para chegar a negociar com outro? Nós consideramos, às vezes, que não podemos negociar e chegar ao acordo sem confiança. Entretanto, em muitas situações, a confiança preexistente não está presente, nós não conhecemos a pessoa. Além disso, a confiança não se decreta (não é imposta), ela é construída pelas ações no tempo. É necessário assim saber negociar fora de toda confiança. Isso é ainda diferente da situação de desconfiança, onde a confiança é o desafio em si, e viria de uma má experiência com a outra parte ou em todo caso daquilo que é percebido como uma experiência ruim.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

A confiança equivale assim a se colocar vulnerável ao outro, eu me dôo ou confio sem saber se terei retorno, ou se o outro terá engajamento. E assim se o outro teve no passado rompido essa confiança por suas ações, aquilo que me machucou ou traiu nos acordos ou nas expectativas. Eu não me percebo mais em situação de segurança em relação a ele ou a suas palavras e a desconfiança se instala. O erro consiste nesse caso a não negociar o verdadeiro desafio: da confiança. Com efeito, a ausência de desconfiança é uma condição necessária para a cooperação eficaz.

CARACTERÍSTICAS DA CONFIANÇA E PARTICULARIDADES DAS SITUAÇÕES DE CONFLITO

A confiança é um sentimento, e suas características são dificilmente generalizáveis.

As três características que nós encontramos sistematicamente para ser digno de confiança são: competência para a ação específica (nós temos confiança em relação a uma expectativa precisa), transparência e congruência na maneira de fazer e na comunicação (dizer aquilo que se faz e fazer aquilo que se diz), e confiança nas ações e engajamentos (ter palavra).

Nós poderíamos assim ter confiança em nossos inimigos. A confiança não é assim sempre acompanhada de sentimentos de benemerência. Em certas situações, por exemplo no caso: se eu tiver que coabitar com alguém no trabalho ou na vida privada, sua boa vontade se torna uma característica necessária para minha segurança e, assim, para ter confiança na pessoa.

No âmbito das intervenções em situações de conflito ou de pós-conflito, a situação é evidentemente particular. O conflito pode ser definido como uma interação entre os atores, que é percebido pelo menos por um dos atores como uma frustração presente ou futura das suas próprias preocupações (objetivos, direitos, motivações) e é vivido como uma oposição ao nível relacional: cognitivo (pensamentos) e emocional, comportamental (ações) e de resultados (conteúdo). É, portanto, emocional, interferindo no sentimento de confiança preexistente ou na ausência de uma relação preexistente. A confiança comporta sempre uma possibilidade de tensão, pelo seu componente de vulnerabilidade e de risco e é suficiente que as expectativas explícitas ou implícitas não sejam preenchidas para que o sentimento de traição apareça. Todo conflito é ao mesmo tempo um perigo de destruição a relação e uma oportunidade de reforço da relação em função da sua gestão. O fenômeno do conflito terá, entretanto, alcançado o lugar mais difícil, pois isso significa também uma percepção baseada numa vivência, e que comporta em si um reforço dessa percepção do outro como inimigo. A noção que o outro me opõe cria as condições desconfiança e torna a confiança difícil. Com efeito, esses preconceitos ou pós-conceitos se seguem ao impacto de certas ações do outro e vão condicionar meus pensamentos e minha análise ( notadamente, por umas perspectiva tal que a percepção seletiva e a perspectiva de confirmação que me farão selecionar elementos que me confirmem meu preconceito), determinarão minhas ações e comportamentos de proteção como de ataque contra o outro, e, finalmente, acarretarão como resultado uma espiral de escalada negativa do conflito pelo mecanismo de ação e reação. Será, então, antes de tudo, necessário trabalhar sobre os preconceitos no momento das intervenções de transformação dos conflitos. O mediador terá assim por papel esconder as crenças com o objetivo de abrir os campos do possível para recolocar as partes em movimento.

A MEDIAÇÃO COMO INSTRUMENTO DE DESCONTRUÇÃO DA DESCONFIANÇA PARA FACILITAR UMA RECONCILIAÇÃO NECESSÁRIA PARA IR EM DIREÇÃO A UM FUTURO SUSTENTÁVEL

Antes de falar da reconstrução da confiança, que é, efetivamente, o objetivo a mais longo prazo, uma primeira etapa na intervenção sensível é a destruição da desconfiança. A ideia principal é quebrar as certezas e os medos do outro de fazer emergir das partes as condições ou possibilidades de ações futuras mais satisfatórias que a situação atual ou que uma espiral destrutiva. 

O desafio principal a ser gerido é a convicção que os impactos das ações de um são o reflexo das intenções nefastas nutridas em face do outro. Sem uma verdadeira ação de reconciliação para apaziguar esta vivencia negativa, assimilada a uma traição ou agressão, conforme haja ou não uma confiança preexistente, as partes não poderão tomar decisões comuns ou entendimentos duráveis. A diferença principal entre um acordo e um acordo eficaz reside, com efeito, sobre o restabelecimento de um mínimo de relação entre os protagonistas para aceitar ser interdependentes e, portanto, vulneráveis um ao outro. Caso contrário, significaria simplesmente uma transação final ou um acordo que seria letra morta (como em numerosos casos de acordos de paz que são seguidos por anos de conflitos sangrentos). O trabalho sobre a relação é, assim, essencial para a transformação do conflito.

O processo de mediação será um catalisador para reconhecer a história e a vivência das partes na esperança de as acompanhar em direção a uma outra relação. As diferentes etapas da mediação: convite, acolhimento, representações da realidade e compreensão mútua, terão por objetivo modificar as percepções recíprocas e, assim, a realidade da relação afim de que seja possível uma nova percepção das hipóteses de solução e um compromisso para o futuro. 

A DESCONSTRUÇÃO DA DESCONFIANÇA PARA ERGUER UMA RELAÇÃO FUNCIONAL

O convite das partes na mediação já delimita o início da transformação das relações e do sistema do conflito em questão. A possibilidade de um outro tipo de relação de confiança aparece na relação do terceiro que intervém. Esta fase é muito inexistente ou minimizada nas aberturas da mediação, e é, entretanto, uma fase essencial para o sucesso da mediação. O convite permitirá ao mediador adquirir legitimidade frente às partes. Ela será justamente caracterizada por uma relação de confiança. O mediador poderá, assim, exemplificar e estruturar uma relação de segurança por meio da sua postura e das explicações do seu papel e suas intenções, de transparência e congruência pela explicação das questões e desafios da mediação, da competência para as explicações do processo e, finalmente, para a confiança pela execução das etapas e condições para concretizar a mediação. Para ganhar adesão ao processo, ele procurará compreender a situação, facilitando a verbalização das questões e elaborando perguntas abertas e sem julgamentos, ele definirá claramente os limites de sua intervenção como terceiro, multiparcial, o âmbito de confidencialidade e de livre adesão que conduz os protagonistas à segurança. Ele pedirá a expressão de consentimento ao processo e responderá as dúvidas, medos, e objeções e finalizará o convite com um plano de ação composto por etapas bem definidas. Este acordo celebrado pelas partes de se reencontrar novamente com o outro representa a aceitação de retomar o risco da relação e da vulnerabilidade.

A mesa redonda comportará três etapas inicias orientadas para o restabelecimento de uma relação funcional: acolhimento, representações da realidade (com as histórias do conflito e seus efeitos) e a compreensão mútua com a chave do CE essencial do reconhecimento do impacto do conflito sobre cada um.

UM AMBIENTE PROTETOR E BENEVOLENTE PARA A ESTRUTURAÇÃO DO ACOLHIMENTO

O acolhimento é o início do reencontro dos protagonistas do conflito em outro ambiente, com outras dinâmicas propostas e controladas pelo mediador. Nós começamos então por valorizar as partes pela sua diligência, e nós lembramos depois os limites e as questões das intervenções para depois anunciar e validar os princípios de funcionamento que permitirão ao mediador assegurar e proteger as partes (o respeito mútuo, a confidencialidade) e de ser congruente naquilo que se relaciona com os termos da postura, tempo e etapas. É a oportunidade para o mediador ser claro sobre as intenções e o motivo de cada uma das etapas a fim de estabelecer uma dinâmica de explicação antes de convidar rapidamente à tomada da palavra. É também o primeiro acordo comum entre as partes sobre as maneiras de fazer e ser na relação. Estes micro acordos são essenciais pois eles começam a condicionar as relações sobre as ações que poderão ser verificadas por outro, e são essas ações que recuperam a confiança quando elas são respeitadas.

AS REPRESENTAÇÕES DA REALIDADE JUSTAPOSTA E NÃO OPOSTA

As representações da realidade constituem uma fase narrativa que é essencial à dinâmica da mediação. De um lado, o mediador se torna testemunha sem julgamento da história, o que permite às duas partes de existir aos olhos daquele pela sua escuta e de verbalizar o impacto do conflito sobre eles. De outro lado, o que as partes vão compreender é diferente daquilo que eles compreenderam por duas razões principais: a maneira que nós falamos ao mediador para procurar lhe mostrar que é aquele que é razoável e no que é justo, para o seduzir, é diferente da maneira que nós falamos ao outro com quem nós estávamos em conflito; e a maneira que o mediador compreende a questiona o interlocutor é também diferente pois esse último procurará a fazer exprimir as intenções atrás das ações. Nessa fase, o mediador se transformará em portador de duas histórias e próximo de dois atores (multi ou omni-parcialidade) o que lhe permitirá de colocar lado a lado duas representações ou percepções sem lhes opor e de iluminar um eventual acordo sobre o desacordo. Para retomar os conceitos de reconstrução de paz, essa fase permite fazer ato de memória e de testemunha. Para citar uma frase de Louis Joinet em um relatório sobre a questão da impunidade dos atores em violações de direitos humanos para poder virar a página, ainda é necessário ter lido e é uma dinâmica que nós sabemos necessário para ultrapassar os traumas.

UMA COMPREENSÃO MÚTUA VITAL PARA A RELAÇÃO

A fase de compreensão mútua é aquela que será crítica sobre uma eventual reconexão entre os atores. É nessa fase que as emoções, único fenômeno comum aos diferentes seres humanos permitirão de refazer uma conexão para a tomada de consciência de meu impacto sobre o outro e assim redescobrir a humanidade que nos liga e reaproxima. Compreender não significa estar de acordo, e o objetivo único deve ser de gerar uma compreensão mútua. É aquela onde os protagonistas tomam consciência e reconhecem o impacto do conflito sobre cada um. Aquela pode ocorrer a qualquer momento e dá início muitas vezes uma fase de reconciliação. A reconciliação e as necessidades para ir adiante são diferentes para cada um dentre nós e nós falamos, e assim entendemos as diferentes linguagens. Gary Chapman e Jennifer Thomas têm assim identificado cinco línguas da reconciliação ou desculpas distintas: exprimir desavenças, reconhecer sua responsabilidade, reparar, se repensar e pedir perdão. Desmond Tutu dizia: 

perdoar não é esquecer; é antes de mais nada se lembrar se lembrar e não utilizar o direito de resposta. É uma segunda chance para um novo início. E se lembrar é particularmente importante, sobretudo se nós não queremos reproduzir aquilo que se passou.

O sucesso dessa fase se sente irremediavelmente por uma baixa de tensão entre as partes e muitas vezes uma comunicação diferente que se reestabelece entre eles.

O DESAFIO DE PERCEBER SOLUÇÕES OU DE ESTAR NOVAMENTE DEPENDENDO DO OUTRO

No âmbito do conflito, e da desconfiança, o objetivo muitas vezes não estar vulnerável e assim dependente do outro. Toda dificuldade e o paradoxo do conflito vêm do fato que nós não queremos mais ter que fazer ao outro e que nós não queremos mais ter que fazer ao outro e que por definição o conflito é um laço do qual nós só podemos ser liberados pelo outro. Se um conflito entre duas pessoas aparece e elas não se vêem mais, esse conflito será sempre parte integrante e carregado por essas pessoas. É isso que transforma os conflitos familiares trágicos quando uma das partes morre.

Uma vez que a desconfiança não está mais em questão, a possibilidade de uma outra relação e outras soluções reaparecem, mas a segurança terá necessidade de garantias, de soluções concretas que permitam, mesmo si estamos de novo vulneráveis para minimizar os riscos. Isso acarreta colocar o verdadeiro problema na mesa: o problema da confiança suficiente para tomar as decisões e agir em conjunto. Muitas ferramentas e técnicas existem, mas o princípio é simples: como garantir concretamente uma minimização do risco de ser vulnerável ao outro? O terceiro terá uma autonomia e uma distância que lhe permitirá guiar as partes na invenção de possibilidades e a pesquisa de garantias. Nós podemos, por exemplo, imaginar soluções de controle e verificação, de partilha de poder e de autonomia, de sanções ou compensações, etapas preexistentes, progressão nas trocas, de balões de ensaio... ao final o que importa na fase de engajamento, é assegurar que cada um está em segurança suficiente para retomar o risco da relação com o outro. É essa partida de novo que permitirá de se recolocar em marcha, doravante lentamente e por pequenas etapas.

Em conclusão, a mediação, como processo de intervenção de um terceiro no conflito permite desconstruir as relações de desconfiança entre as partes por sua estruturação e sua essência mesmo. Trata-se, com efeito, de processo de responsabilização das partes, que devem responder pelos seus atos, refletir sobre suas motivações e assumir seu impacto sobre os outros. É assim no âmbito da honestidade, de congruência e de segurança que a vulnerabilidade das partes poderá exprimir de novo e que a desconfiança poderá ser desconstruída para começar a reconstruir relação e eventualmente a confiança apesar das feridas do passado.

Alguns dizem de justiça doce, mas nós nos damos conta que se trata de caminho difícil portando a esperança de ressurgir do conflito aumentado e verdadeiramente livre.

Perdoar e se reconciliar com nossos inimigos ou nossos seres amados não é pretender que as coisas sejam diferentes do que elas são. Não é se virar de costas e não ver o que vai mal. A verdadeira reconciliação expõe o horror, o abuso, a dor, a verdade. Ela poderá mesmo às vezes piorar as coisas. É jornada arriscada mas que vale a pena, porque ao final, somente a confrontação honesta com a realidade pode trazer verdadeira saúde. Reconciliação superficial só pode trazer cura superficial.

Por Lucas Soares Fontes







Sobre o autor
Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!