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Mediação em Direito de Família - Novas Questões

Agenda 09/11/2022 às 10:51

A MEDIAÇÃO NO DIREITO DE FAMÍLIA NOVAS QUESTÕES

RESUMO: Aborda o fenômeno do grande volume e adensamento de discussões em direito de família, com a necessidade de se fometar a mediação como modo mais adequado ao atendimento destas demandas.

JULIO CESAR BALLERINI SILVA ADVOGADO, MAGISTRADO APOSENTADO, PROFESSOR, COORDENADOR NACIONAL DA PÓS GRADUAÇÃO DE PROCESSO IVIL E DIREITO CIVIL DA ESCOLA SUPERIOR DE DIREITO, PROFESSOR DA ESCOLA SUPERIOR DE DIREITO, MESTRE EM PROCESSO CIVIL E ESPECIALISTA EM PROCESSO CIVIL E DIREITO PRIVADO, AUTOR DE LIVROS E ARTICULISTA. PROFESSOR DA FAJ UNIEDUK CAMPUS JAGUARIUNA.

EM COAUTORIA COM

LUIS GUILHERME FERREIRA DE ARAUJO - ESTAGIÁRIO DO ESCRITÓRIO BALLERINI & HEES

O direito de família, até pouco tempo atrás, por nossa história constitucional era entendido de modo completamente diverso do que hoje se verifica. A interpretação que os Tribunais Superiores foram dando a institutos constitucionais e correlatos para que chegássemos ao quadro atual.

A família brasileira como hoje é conhecida sofreu influências da família Romana, Canônica e Germânica. Em Roma a definição de família entende-se como um conjunto de pessoas que estavam sob a pátria potestas do ascendente comum vivo mais velho, tal definição independia da consanguinidade. O pater familias, termo da época que significa literalmente pai de família, exercia sua autoridade sobre todos os seus descendentes não emancipados, sobre sua esposa e sobre as mulheres casadas com manus com os seus descendentes. (WALD, 1981, p. 8).

A família era conjuntamente uma unidade econômica, política, religiosa e jurisdicional. Inicialmente havia um só patrimônio administrado pelo pater que pertencia à família. Em uma fase mais evoluída do Direito Romano surgiram patrimônios individuais como os pecúlios, fortunas administradas por pessoas que atestavam sob a autoridade do pater. (WALD, 1981, p. 8).

Nessa época a mulher ao casar-se perdia completamente o vínculo com sua família de origem, ou seja, pertencia somente a família do marido. O pai não tinha mais nenhum poder sobre a filha casada, passando o marido a ser o principal responsável por ela, detendo um grande poder sobre a esposa. (BRASIL, 2016, p. 10).

Deste modo, ao longo dos anos o casamento começou a se transformar, a se encaixar na realidade social, tornando-se mais tolerante e com isso aos poucos a família se mostrou em constante evolução onde o poder patriarcal já não é mais tão influente, passando assim, os outros membros da família ter uma maior autonomia e responsabilidade. (BRASIL, 2016, p. 10).

Com isso, o pater não tinha mais o poder do julgamento sobre a vida e morte de seus familiares e nem administrava mais todos os bens de família, os filhos passaram a administrar seus próprios pertences. A passagem do status casamento com manu para o casamento sem manus gerou a emancipação gradual e progressiva da mulher da época. (BRASIL, 2016, p. 10).

Diante de todo esse cenário e avançando um pouco mais a frente na história, foi no início do século XX que o instituto da família sofreu grandes transformações. Após a revolução industrial que a mulher conseguiu se inserir no mercado de trabalho e assim conquistar seu espaço dentro da sociedade, com isso, a estrutura familiar existente foi modificada. (VENOSA, 2010, p. 6).

Segundo Lobô (2011, p.17) A família sofreu Profundas mudanças de função, natureza, composição e consequentemente, de concepção, sobretudo após o advento do estado social, ao longo do século XX. Que em um plano constitucional o Estado que antes era ausente, passou a se interessar de uma forma clara pelas relações de família. A família patriarcal a qual a legislação civil brasileira tinha como modelo desde o tempo do Império e durante boa parte do século XX entrou em crise, levando ao seu declínio no plano jurídico pelos valores introduzidos na Constituição de 1988.

Nesse contexto em um Brasil impulsionado pelo crescimento da urbanização e da emancipação das mulheres, as leis começaram a sofrer alterações, com isso

surge a Lei nº 6.515/77 a antiga Lei do divórcio que foi promulgada, gerando assim a possibilidade de dissolução do casamento. E com a promulgação da Constituição de 1988 houve uma profunda modificação no Direito de Família brasileiro a nova Carta Magna, em seu artigo 226 elencava a igualdade entre homens e mulheres, foi reconhecida a união estável como forma de família e estabeleceu-se a igualdade entre os filhos sem qualquer distinção. (ARAÚJO, 2021, p. 8).

Tais mudanças não pararam por aí, com a promulgação do Código Civil de 2002, houve a separação do direito pessoal e patrimonial da família em dois diferentes títulos, sendo reconhecida a existência de um núcleo mono parental, aquele que somente com um pai ou uma mãe e seus filhos, e também regulamentou a união estável como entidade familiar. (GONÇALVES, 2015, p. 34).

Dessa forma, a família natural formada por pai, mãe e filhos não é mais o único modelo existente, podendo a união estável, as relações homo afetivas, as famílias mono parentais, substituídas e adotivas, reconstituídas, paralelas, entre outras, serem o meio para o encontro da identidade dos indivíduos, cada qual é digno para fazer a sua escolha. Os reflexos da sociedade se disseminam para todas as esferas e é nesse contexto que a família recebe doses de modificações com o passar dos tempos. (WEIZENMANN, 2009, p. 18).

E impende ponderar no sentido de que o país, em meados de 1988, tempo de promulgação da Constituição Federal, convivia com diplomas legislativos muito longevos no âmbito do direito privado observava-se o monumento do individualismo que seria o Código Civil de 1916, as obrigações não se regiam por um único diploma, eis que também reguladas pelo Código Comercial de 1850, não havia nem ECA nem CDC.

Somente cerca de menos de vinte anos antes da Constituição, as mulheres haviam conquistado o direito de dispor de seus próprios salários se trabalhassem fora pelo Estatuto da Mulher Casada (sim, a mulher maior, casava-se e tornava-se praticamente incapaz, não ficando nem mesmo com a gestão do seu salário até meados de 1960).

Em síntese, convivíamos, em final de século XX com legislações que datavam do período do Oitocentismo (século XIX ou período de 1.800 a 1899). Não se esqueça, o Código Comercial que regia a vida das sociedades então ditas comerciais (a partir do regime dos Atos de Comércio do regime imperial) e com um Código Civil que incorporava valores do patrimonialismo exacerbado e liberdade sem limites dos tempos da Revolução Francesa (não se esqueça que o Código Civil de Bevilácqua 1.916 abeberou-se nas fontes do Code Napoleon Código Civil francês ou Código Napoleônico de 1804 que se inspirava nos ideais da Revolução Francesa ou o livro burguês o BGB Código Civil alemão de 1.896).

Tal sistema legal fazia com o que o país se regesse por leis que cultuavam valores de outros séculos anteriores,. Isso gerava situações sociais insólitas (no âmbito do direito de família, para se ter um exemplo, o marido poderia anular um casamento se constatasse que a mulher não seria virgem ao tempo das núpcias, no prazo de dez dias, não havia previsão de união estável e se a mulher fosse considerada culpada pelo fim de um casamento perderia quase tudo, de pensão a guarda e visita de filhos, estes poderiam ser tratados de modo diferente pelo pai, grande e poderoso gestor da família tradicional, heterossexual o gestor do pátrio poder. Tudo isso foi impactado pelo implemento de uma nova ordem constitucional, em 1988.

Ou seja, em pleno final de século XX nos encontrávamos apegados ao que regia a sociedade europeia antes que se considerassem valores como aqueles adquiridos no Estado de Bem Estar Social ou New Deal (política empregada pelo Presidente Franklin Delano Roosevelt para por fim à crise econômica dos Estados Unidos aos tempos da quebra da Bolsa de Nova York, no fim dos anos de 1.920).

O período da década de 1.980, no Brasil, aliás, se encontrava conturbado, havia uma forte pressão pelo fim do Governo Militar que, em sua Revolução (sim, como a transição se deu pelas regras previstas no texto constitucional de então, tecnicamente não foi golpe, foi transição, do ponto de vista técnico por mais que se queira estabelecer uma carga ideológica ao termo golpe militar tão em voga em certos segmentos históricos mais à esquerda isso é permeado por grande carga ideológica) chegou ao poder, diga-se de passagem, com grande apoio popular, mas depois de duas décadas se ansiava pelo fim daquele regime (e certamente isso foi impulsionado por insucessos de políticas econômicas ao final dos anos de 1.970 antes disso o crescimento econômico não gerava grandes pressões políticas). Isso levou a negociações intensas por uma transição mais ou menos pacífica e ordenada do poder, pondo fim ao período militar.

O problema residia no fato de que os oposicionistas ao regime militar estavam apoiados por uma miríade de grupos, o que levou a intensas negociações, fazendo com que o texto constitucional representasse anseios de grande número de interesses, desbordando numa Constituição que disciplinasse assuntos que não são muito próprios sob uma perspectiva materialmente constitucional (disciplina vocacionada a analisar como se constituirão os poderes, quais seus limites, como se garantir sua harmonia, quais as cláusulas pétreas etc).

Isso impactou de modo intenso o direito de família e o próprio direito privado. Ou seja, diante disso, o foco do direito civil sai da ampla liberdade (laissez faire, laissez passet) do oitocentismo do Código Napoleônico e do patrimônio, mudando o norte do direito privado para o fenômeno da personalização das relações (dignidade da pessoa humana) evitando-se formações de processos de marginalização ou exclusão social.

Diante disso, surgem, como apontam autores como Nelson Rosenvald de Cristiano Chaves de Farias (Direito Civil, Parte Geral), novos subprincípios de direito privado, afinado com esses valores constitucionais ganham relevância os fatores de socialidade, operabilidade, eticidade e concretude (no âmbito do direito de família passa-se à análise de outro subprincipio ou valor a questão da afetividade).

Pela ideia de socialidade, todos os institutos de direito privado passam a ter função social (não só a propriedade como consta do artigo 5º CF ou o contrato como consta dos artigos 421 e 2035, par. único CC), daí se evoluir para a função social da posse, da família, do testamento (veja-se a polêmica em torno do que vem sendo chamado testamento magistral pelo precedente do mui digno Juízo de Guaxupé-MG em que o Magistrado a partir de tais premissas entendeu ser possível o controle de cláusulas testamentárias que ofendam a função social tratando-se netos de modo assimétrico).

A ideia de socialidade enquanto função social é conceito caro a autores como Miguel Reale (idealizador do atual Código Civil), Roberto Senise Lisboa e Judith Martins Costa, estando consubstanciada, desde há muito, em nosso sistema jurídico pela ideia de necessidade do Julgador ficar atento às exigências do bem comum e aos fins sociais a que a lei se destina artigo 5º LINDB (essa norma, antes lei ordinária agora ganha contornos de constitucionalidade à luz da dita ideia de solidariedade social).

Por eticidade, parte-se de postulados idealizados por Karl Larenz no sentido de que normas não podem ser aplicadas destituídas de um compromisso com a Justiça (aliás, aplicações de normas desapegadas desse ideal de Justiça descambaram em situações teratológicas como as vivenciadas em regimes totalitários, que o digam os judeus e não arianos na Alemanha de Carl Schmidt ou os cossacos na União Soviética Stalinista - o próprio Hans Kelsen em sua Teoria Pura do Direito jamais pregou que o direito deveria ser aplicado sem preocupação com a ideia de Justiça apenas quis fazer um experimento teórico para situar o cientista do direito).

Mas não é só !!! Observe-se o quanto o próprio Miguel Reale aponta a respeito da eticidade enquanto decorrência da solidariedade constitucional, orientada, sobre tudo, no combate aos atos praticados com abuso de direito:

A eticidade Procurou-se superar o apego do Código atual ao formalismo jurídico, fruto, a um só tempo, da influência recebida a cavaleiro dos séculos XIX e XX, do Direito tradicional português e da Escola germânica dos pandectistas, aquele decorrente do trabalho empírico dos glosadores; esta dominada pelo tecnicismo institucional, haurido na admirável experiência do Direito Romano. Não obstante os méritos desses valores técnicos, não era possível deixar de reconhecer, em nossos dias, a indeclinável participação dos valores éticos no ordenamento jurídico, sem abandono, é claro, das conquistas da técnica jurídica , que com aqueles deve se compatibilizar. Nesse sentido, temos, em primeiro lugar, o art. 113,na Parte Geral, segundo o qual "os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração". E mais este; "Art. 187. Comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelos eu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes." Lembro como outro exemplo o art. 422 que dispõe quase como um prolegômeno a toda à teoria dos contratos, a saber: "Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé." Freqüente é no Projeto a referência à probidade e a boa-fé, assim como a correção (correteza) ao contrário do que ocorre no Código vigente, demasiado parcimonioso nessa matéria, com se tudo pudesse ser regido por determinações de caráter estritamente jurídicos

Nesse cenário, panorama e perspectiva, o número de demandas envolvendo o objeto família aumentou exponencialmente o conceito de família muito alargado, envolvendo questões de afetividade, discussões em torno de famílias paralelas, monoparentais, homoafetivas, enfim, esse aumento exponencial de possibilidades de demandas não se fez acompanhar no que tange ao número de juízes, varas, serventuários etc.

O fato de ainda não se ter aprovado a possibilidade de arbitragem em direito de família, não obstante exista projeto de lei nesse sentido (e somos favoráveis á ideia, sobretudo pela rapidez na obtenção de segurança jurídica e questões ligadas á confidencialidade por exemplo) somente agrava esse cenário, advindo dai a ideia de busca pelos meios alternativos de composiçao de um litigio de direito de família.

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Esse direito, em tempos constitucionalizados deve se preocupar em respeitar as diferenças, as minorias e buscar garantir um equilíbrio de relações para estes grupos minoritários e desprotegidos, evitando a exclusão social mencionada acima sempre se lembrando que minoria não é um conceito necessariamente numérico, mas um critério que leva em conta aspectos de desigualdade.

Nossa Carta Política, como asseverado, em mais de uma oportunidade pelo STF não prevê uma igualdade formal, mas uma igualdade material ou isonomia, a ideia platônica de que se deva tratar desigualmente os desiguais, na medida de sua desigualdade, para igualá-los em oportunidades e condições de cidadania. Vem daí a ideia de que o direito deva prestigiar a operabilidade daí identificarmos grupos minoritários e conceder-lhes tratamento assimétrico desigual para igualá-los caso da base da proteção do consumidor enquanto sujeito mais fraco e vulnerável que o fornecedor, de um modo geral.

Quando um grupo é minoritário e tem prioridade legal se considera vulnerável, mas dentro das vulnerabilidades tem se reconhecido hipervulneráveis que tem tratamento prioritário veja-se o caso, por exemplo, de uma criança que não está em situação de risco e tem a situação de sua guarda regulada pelo Código Civil, quando está em situação de risco, surge uma excepcional vulnerabilidade e a guarda se disciplina pelo ECA, mas quando, além disso, a criança está em um ambiente de violência doméstica, aplica-se a Lei Maria da Penha e mãe e criança são tidas como hipervulneráveis.

Outro exemplo: O idoso a partir de sessenta anos é considerado vulnerável, mas a partir de oitenta anos se torna hipervulnerável. E isso pode se dar quando se cumulam, para efeitos de operabilidade, várias vulnerabilidades gerando hipervulnerabildiade (idoso, portador de deficiência, em situação de superendividamento bancário). E a vedação de processos de exclusão social provocados por esses fenômenos agregada à dignidade da pessoa humana e prelados isonômicos gera a constitucionalização transversa dessa operabilidade.

Nosso texto constitucional se preocupou com a questão, eis que constitucionalizou a questão dos idosos, em vários dispositivos (por exemplo, a base da teoria do desamor ou abandono afetivo que pode ocorrer em relação a menores em relação aos quais não se garanta convivência familiar artigo 227 CF, também se aplica a idosos que sejam privados de tal convívio artigo 229 CF). Nossa Constituição se preocupa com questões como o lazer e o desporto das pessoas, o que se sobreleva no caso de tais valores para pessoas vulneráveis (por exemplo consumidores , menores e idosos) ou hipervulneráveis (pessoas com deficiências graves ou octagenários).

A proteção de direitos de pessoas idosas suscita debates em sede constitucional como no se dá no caso da imposição de um regime matrimonial de separação obrigatória de bens a partir dos 70 anos de idade alguns apontam, aí, nesga de preconceito, como se toda pessoa desta idade, num mundo com nossa tecnologia e acesso a tratamentos geriátricos fosse presa fácil ou tivesse capacidade reduzida essa vedação em caráter absoluto é que poderia ser antevista como preconceito (mormente porque, por exemplo, pessoas com deficiência mental e intelectual artigo 2º da Lei de Inclusão, podem escolher livremente seu regime de casamento artigo 6º da mesma lei, com a garantia de capacidade civil plena).

Eis aí questão a ser analisada sob uma perspectiva de proporcionalidade, razoabilidade e ponderação. Há vozes de peso, inclusive, que apontam quebra da isonomia nesta questão da capacidade civil plena de pessoas com deficiência mental ou intelectual eis que se põe em condições de igualdade com as pessoas antes ditas capazes pessoas que deveriam ser protegidas, por exemplo, em sede de contratações e outros atos jurídicos.

Não se nega que no campo da isonomia, em muito avançamos, firmando, inclusive, a Convenção de Nova York em 2007 que repercutiu na aprovação da Lei Brasileira de Inclusão de 2015, mas a lei deve comportar, ainda, alguns detalhamentos em sede de revisão para evitar distorções que prejudiquem pessoas que devem ser protegidas até em respeito à própria socialidade.

De igual modo, se tem a ideia de que verba cum effectu sunt accipienda (Carlos Maximiliano em seu Tratado de Hermenêutica apontava a tradução literal no sentido de que a lei não contém palavras ou expressões inúteis). Outro adágio latino a se destacar seria In Claris Cessat Interpretatio na clareza cessa a interpretação, tudo isso conduzindo no sentido de que nossa ordem constitucional, no âmbito do direito privado, prestigia o valor concretude. Os atos jurídicos devem ser pensados e aplicados de modo a que surtam efeitos concretos no mundo dos fatos.

Ou seja, aí outra aplicação do texto constitucional que poderia ser tida como embrião de proteção da boa-fé objetiva, eis que armadilhas que visem retirar de algum contrato ou ato, seus efeitos esperados, implicará em ato comprometido à luz dessa concretude que deriva da proteção da própria dignidade da pessoa humana. O agir de qualquer pessoa deve ser fraterno pela solidariedade constitucional.

Antes da Constituição, repita-se, família reconhecida pelo Estado era a formal (matrimonial) e heterossexual. Alguns falam que a própria Constituição Federal vigente pressuporia que a família seria necessariamente monogâmica, eis que se refere, no artigo 226 a um homem e uma mulher. Mas há outros detalhes a examinar. Observe-se que no corpo dos parágrafos do artigo 226 havia insipiente proteção das famílias informais (uniões estáveis). A aspiração normal de uma família informal, ao tempo da promulgação, seria a conversão em casamento união formal.

No entanto o modo de interpretar a realidade social à luz da Constituição Federal passou a se orientar no sentido de proteger não a formalidade da união, mas caminhou em sentido diverso, conferindo proteção formal onde houvesse um núcleo de afetividade.

Daí se extrai a conclusão inicial de que a família, na medida em que goza de proteção constitucional, passou a ser tida como um sistema jurídico (o conjunto vale mais do que a soma individual de seus membros quando um individuo assume seu papel social de pai ou de mãe e de marido ou esposa ou companheiro seu valor aumenta agregando força ao grupo).

Em verdade a família passa a ser titular de direitos e obrigações sem ter adquirido capacidade própria em linhas gerais, passa a ser um ente jurídico equiparado pela Constituição à pessoa (tal como se dá em relação ao espólio, a herança jacente etc.).

E não existe família de pessoa sozinha (embora a Súmula nº 364 STJ conceda proteção ao bem de família de pessoa solteira, isso não quer dizer que o solteiro seja família, mas, ao contrário, o mesmo passa a ter uma proteção análoga a uma família na proteção de seu lar). Família sempre implicará em uma união, mas a interpretação que a Constituição dá ao tema, a união não se aferirá pelo formalismo mas pelo núcleo de afeto formado (base da proteção ao parentesco sócio-afetivo e da multiparentalidade).

Daí as uniões informais (uniões estáveis, passarem a contar com a proteção constitucional, adquirindo o status de famílias). Mas, como separar uma união estável reconhecida como família, de outros tipos de uniões ? Por exemplo, de um concubinato.

Uma das chaves é a análise da questão dos contratos de namoro, por exemplo, como evolução do instituto da união estável no direito atual. Muitos de meus alunos já ouviram minha expressão no sentido de que o mundo seria um lugar perigoso para se viver e isso se lança diante do enorme risco de judicialização de tudo na sociedade moderna o risco de alguém ser processado é enorme. Por conta do entendimento de que o núcleo de afeto permite o reconhecimento de uma união familiar, pessoas tem, de modo cada vez mais frequente entabulado contratos de namoro, de namoro qualificado e de união estável.

E como sabido, há vários tipos de famílias reconhecidos no direito brasileiro, desde há muito que não nos atemos apenas e tão somente aos modelos de família formal e matrimonial (opção lícita e legítima para aqueles que tenham um viés mais conservador e, sobretudo, as pessoas afeitas ao cumprimento de regras religiosas sabe-se que o Estado é laico, mas simplesmente não se pode negar a validade de regras que prestigiem o fenômeno cultural religião a própria Constituição prestigia o direito de liberdade religiosa, diga-se de passagem).

Pelo óbvio que a família matrimonial pode ser uma opção também para os não conservadores ou mesmo para ateus, é uma questão de opção, simplesmente. Mas, a par da existência de famílias formais (com a ideia de um vínculo matrimonial e formação de uma sociedade conjugal com seus direitos e deveres), o direito tutela, na mesma medida, a família informal.

Numa visão do início da formulação técnica do conceito de união estável, o que se observava seria o fenômeno de se separar a união estável da relação de concubinato, pelo simples fato de que, na primeira, não haveria impedimento para o casamento, situação evidenciada no segundo caso.

Vem daí a ideia de que a concubina, conceito a que se agregou carga ideológica negativa, seria a amante (ou o concubino seria o amante), eis que como estaria se relacionando com pessoa já casada, havendo impedimento para que se casasse, a união havida entre eles não seria passível de tutela para o direito, eis que haveria uma ideia de família monogâmica (a previsão do artigo 226 CF com referência à união de um homem com uma mulher).

Quando não havia impedimento para o casamento, por exemplo, duas pessoas solteiras, que poderiam se casar, se o quisessem, não haveria uma mácula ao conceito de família informal, vindo, daí, a ideia de ser possível uma união estável, diversa da situação de um concubinato.

No entanto, nem tudo é tão simples assim, eis que a legislação civil estabelece que o separado de fato (pessoa formalmente casada) poderia constituir união estável vindo daí questionamentos no sentido de que a união estável não seria tão fácil, assim, de se separar de uma união concubinária, apenas e tão somente por conta do requisito impedimento matrimonial.

O foco deve ser colocado na função, ou não, de se constituir família isso tornará uma pessoa formalmente casada e impedida de se casar novamente, mas separada de fato, em companheiro em união estável.

Observe-se a ênfase que se dá, no texto legal, em sua parte final no sentido de que: "é reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família".

Parte-se, portanto, desse marco diferencial seria a intenção, ou não, de se constituir família (artigo 1.723 CC parte final) se houve intenção haverá união estável, hetero ou homoafetiva.

Se não houve tal intenção, o caso poderá ser de um namoro ou de um namoro qualificado. Namoro qualificado seria a figura criada pelo Superior Tribunal de Justiça, por sua 4ª Turma, para designar situações em que os namorados moram sob um mesmo teto, mas continuam sem a intenção de constituir família (em recurso cujo número não se informa para preservar o sigilo de Justiça, mas que se encontra disponível em http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/noticias/noticias/Destaques/Conviv%C3%AAncia-com-expectativa-de-formar-fam%C3%ADlia-no-futuro-n%C3%A3o-configura-uni%C3%A3o-est%C3%A1vel> . Acesso em: 14 mar. 2015).

Nesse mesmo sentido a orientação lançada como premissa número 2, da edição 50 da ferramenta Jurisprudência em Teses, do STJ, dedicada à união estável:

"A coabitação não é elemento indispensável à caracterização da união estável" (precedentes citados: STJ, Ag. Rg. no AREsp 649.786/GO, Rel. ministro Marco Aurélio Bellizze, 3ª Turma, julgado em 4/8/2015, DJE 18/8/2015; Ag. Rg. no AREsp 223.319/RS, Rel. ministro Sidnei Beneti, 3ª Turma, julgado em 18/12/2012, DJE4/2/2013; Ag. Rg. no AREsp 59.256/SP, Rel. ministro Massami Uyeda, 3ª Turma, julgado em 18/9/2012, DJE 4/10/2012; Ag. Rg. nos EDcl. no REsp 805265/AL, Rel. ministro Vasco Della Giustina (desembargador convocado do TJ/RS), 3ª Turma, julgado em 14/9/2010, DJE 21/9/2010, REsp 1.096.324/RS, Rel. ministro Honildo Amaral de Mello Castro (desembargador convocado do TJ/AP), 4ª Turma, julgado em 2/3/2010, DJE 10/5/2010, e REsp 275.839/SP, Rel. ministro Ari Pargendler, Rel. p/ Acórdão ministra Nancy Andrighi, 3ª Turma, julgado em 2/10/2008, DJE 23/10/2008).

De fato, morar ou não, debaixo de um mesmo teto, inclusive, não seria elemento necessário nem mesmo para uma família formal, matrimonial, mais tradicionalista e conservadora (são muitos casais, por exemplo, que trabalham em cidades distintas e se encontram apenas em finais de semana e feriados). Não faria sentido exigir isso em uma união que, por definição, seria considerada família informal.

Já não basta morar sob um mesmo teto para que se presuma a intenção de constituir família e haver união estável. Isso explica o número cada vez maior de contratos de namoro para evitar disputas sobretudo patrimoniais em caso de fim de relacionamento.

Isso porque, em se cuidando de pessoas maiores e capazes, dispondo sobre direitos patrimoniais, o que for ajustado em relação ao patrimônio prevalecerá, independentemente de ter havido, ou não, concurso para a construção de algum bem, em situação reiterada pela jurisprudência do mesmo STJ neste ano.

De todo modo, com relação a direitos existenciais, por exemplo, direito de obter pensão alimentícia (direito de personalidade de integridade física, na tradicional classificação de Rubens Limongi França), o acordo não produzirá efeito, eis que aí há limites de ordem pública que não são aptos a atingirem os direitos patrimoniais, sobre os quais, reitere-se, a disposição será livre..

Não se esqueça, ainda de que, nesses trinta anos de Constituição outros tabus foram rompidos na interpretação constitucional dos institutos de direito de família. Isso porque, na versão original, o texto constitucional pressupunha como família a união de um homem e de uma mulher ou seja, isso pareceria excluir da proteção do texto as famílias monoparentais (homem ou mulher sozinho, com prole).

Tal ideia restou superada à luz do tratamento isonômico do afeto não é menos família aquele que tenha apenas uma figura genitora (pai ou mãe) com sua prole. E, de igual modo, após intensas lutas, se verificou verdadeira revolução no que tange ao tabu da união entre pessoas do mesmo sexo (homoafetiva ou homoerótica).

Isso porque, pelos valores negociados aos tempos da abertura política que viabilizou o texto constitucional, a família seria composta por um homem e uma mulher no entanto, há que se observar, em relação a tanto, o disposto no artigo 5º CF que prevê a igualdade não só de sexo, mas a partir do julgamento da ADPF nº 132 passou a ser entendida como uma questão de gênero.

Observe-se que seria preciso, à essa altura, já se separar o que seria sexo, do que seria gênero, do que seria orientação sexual. O sexo é um conceito biológico (ovário, escroto etc). Hoje tem se entendido, até mesmo, diante da igualdade de gênero, ser inconstitucional questionar-se sobre o sexo de alguém (por exemplo em um concurso público ou para se matricular alguém em alguma escola), o correto seria perquirir a respeito de seu gênero.

Em 2017 a Argentina votou lei no sentido de permitir o registro de nascimento sem sexo para quem o desejar (pessoa maior e capaz embora eu saiba que alguns questionarão isso mas é condição legal para a opção que a pessoa seja capaz de deliberar sobre isso).

No gênero o aspecto a se examinar não seria o sexo biológico mas como a pessoa se identifica psicologicamente (se sente homem ou se sente mulher). E nada disso se confunde com a orientação sexual (heterossexual, homossexual, bissexual, pansexual etc). Uma pessoa pode ter nascido homem, se sentir mulher e gostar de homem não será homossexual como se pensa, mas heterossexual pelo fato de gostar de gênero diverso do seu, portanto hetero e não do mesmo homo o jurídico campeia à larga do entendimento do homem vulgar nessa matéria.

E se ninguém pode ser discriminado sob pena de geração de processo de exclusão social vedado pelo ordenamento, tem-se que locais públicos não podem segregar pessoas pelo gênero o STF em posicionamento recente condenou um Shopping Center de Santa Catarina por impedir que uma pessoa do gênero feminino, mas de sexo masculino ingressasse num banheiro feminino.

Essa a interpretação que se concedeu até o momento, concorde-se com ela, ou não. Mas ainda há fatores, me permitam a divagação, que podem ser sopesados, como, por exemplo, o respeito a sentimentos religiosos dos envolvidos por exemplo, mulheres evangélicas ou homens evangélicos podem não se sentir confortáveis com isso seria matéria apta à ponderação, evidentemente.

A questão é por demais delicada, eis que, a par de haver uma questão de gênero a ser observada, em outros casos isso pode esbarrar em outra liberdade pública, qual seja, o direito de liberdade religiosa (hoje em trâmite pelo Congresso Nacional, inclusive, tramita um projeto de lei que estabelecerá o Estatuto da Liberdade Religiosa). O fato é que não se pode pretender isolar a comunidade LGBTQI de acesso a banheiros adequados ao seu gênero, isso seria maneira de provocar um processo de exclusão social não poderá haver um banheiro privativo para pessoas que se identifiquem com gênero diverso de seu sexo.

Isso seria ato de preconceito e geraria, sim, o dever de indenizar. Questão diversa, no entanto, seria a da ponderação em relação a outros direitos, o que, muitas vezes, não tem sido aceito por certos setores, como se dá em relação a princípios decorrentes do respeito religioso e do respeito para com a família.

Mas não há impedimento, por exemplo, para espaços como families roons ou espaços privativos para que famílias, sobretudo com filhos pequenos possam ter autonomia sobre como será abordado o tema, enquanto decorrência dos deveres de guarda e educação de seus próprios filhos, nos momentos que julgarem adequados para a discussão da sexualidade (não se está a defender, atacar ou julgar, mas, por vezes mães sentem-se constrangidas, não por preconceito, mas pela tênue linha que separa valores religiosos e morais tudo vai da existência de motivos relevantes, em que se tenham se que deparar em banheiros públicos, com suas filhas pequenas e pessoas que sintam mulheres e tenham, por exemplo, um pênis que poderá ser exposto a questão trazida não tem nada de simplista eis que não se pode admitir preconceito mas igualmente não se pode tolher as famílias do momento para a opção da discussão do tema e sei que serei atacado tanto por conservadores que querem impedir entrada em banheiros como por ativistas vanguardistas que querem o acesso em quaisquer condições inclusive para emular quem se incomode, mas, enfim, estou buscando balizas técnicas para a análise integral da questão).

Isso também pelas técnicas de ponderação entre direitos que devem ser observadas, por exemplo, por gestores desses espaços. A socialidade impede que ocorram soluções simplistas, maniqueístas e maquiavélicas (nós e eles dividir para governar). Há que se buscar um espaço de consenso, em que o interesse da maioria conviva, de modo harmônico, com direitos individuais, sem que um macere o outro não há liberdade absoluta para se fazer o que se quiser, tampouco ditadura da maioria. Não parece ter sido isso preconizado pelo constituinte como norte a dirigir os rumos do direito privado nacional.

Outra entidade familiar reconhecida pelo direito é a família mosaico ou reconstruída, informal ou não, em que remanescentes de famílias desfeitas pela perda de afeto ou outros eventos se reconstroem vivendo como se sistema fossem. Pai viúvo com filha pequena que vai viver com mulher solteira que tem dois filhos e ambos decidem ter mais um filho em comum coisas impensáveis na ordem constitucional anterior que permitia até mesmo tratamento diferenciado para filhos ilegítimos.

A próxima fronteira que vem sendo desafiada pela interpretação que se dê ao tema em âmbito de STF é a questão da família poliafetiva (que não se confunde com a sociedade paralela instituto congênere). Vamos ao exame:

Na sociedade poliafetiva, tem-se um único grupo familiar, constituído por mais de duas pessoas na posição de genitores em três, já se cunharam as expressões triação (meação de três) e trisal. Mas isso obviamente poderia envolver núcleos de quatro ou mais pessoas. Na sociedade paralela, de modo diverso, tem-se vários núcleos familiares com um elemento em comum. O caso, por exemplo, de um caminhoneiro que, numa semana mora com mulher e dois filhos no Rio de Janeiro, noutra quinzena mora em São Paulo com outra mulher e outros filhos, de modo mais ou menos permanente.

Como visto, ao menos por ora, a questão não tem sido admitida, em nenhuma das modalidades pelos Tribunais do país. Não obstante a questão é muito mais complexa do que parece. Pelo óbvio que a liberdade sexual de pessoas maiores e capazes pode ser exercida de modo livre, dentro de limites que não ofendam a ordem pública (por exemplo, isso não se aplica a pessoas menores de idade, eis que pedofilia seria crime, ou não se admite o tabu do incesto, como se daria no casamento entre irmãos).

Mas parece não haver base constitucional para impedir que pessoas maiores, capazes e que tenham liberdade sexual, não possam viver da forma como entendam correta, se um homem e duas mulheres consentem em viver em harmonia desse modo, não parece haver base para que se entenda que isso seria proibido pelo direito.

Hoje se vive o impasse no sentido de que alguns conseguiram obter certidões de uniões estáveis poliafetivas, providência atualmente proibida por deliberação do Conselho Nacional de Justiça (Pedido de Providências PP 0001459 08.2016.2.00.0000) que recomenda que cartórios e tabelionatos não emitam tais certidões.

Isso porque, ao que parece, a matéria atinente a direito civil, nos termos do artigo 22 e seus incisos do próprio Texto Constitucional seja de competência legislativa da União Federal, convindo que se aguardem providências do Congresso Nacional, no exame da questão no entanto, embora não se possa admitir tais uniões como uniões formais ante o exposto acima, parece não haver óbice na regulação informal dessas uniões por contratos de união estável que disciplinem as regras, sobretudo a respeito de disposições patrimoniais (por exemplo, regime de bens) tal como apontado linhas acima (não parece haver base técnica para que se negue efeito a contrato que envolve pessoas capazes sobre objetos disponíveis).

E isso valeria, tanto por tanto, para o sistema de sociedades paralelas (presumindo-se, aí, que todos se conheçam e aceitem a situação). Observe-se que essas ponderações são lançadas para as disposições entre conviventes eis que filhos oriundos desses relacionamentos (poliafetividade ou sociedades paralelas não serão atingidos pelo que vier a ser acordado por seus pais em casos de separação ou ruptura da união ou uniões pelo óbvio que, numa ruptura post mortem o regime jurídico se alteraria, sendo recomendável que se faça um testamento para conferir um mínimo de segurança jurídica em torno da questão sempre se lembrando que segurança jurídica implica num valor constitucional).

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, ao menos até o momento, não tem aceito a possibilidade de reconhecimento de efeitos jurídicos a sociedades paralelas. Sobre o tema, de se pedir vênia para destacar:

AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA. UNIÕES ESTÁVEIS SIMULTÂNEAS. IMPOSSIBILIDADE. REQUISITOS LEGAIS. EQUIPARAÇÃO A CASAMENTO. PRIMAZIA DA MONOGAMIA. RELAÇÕES AFETIVAS DIVERSAS. QUALIFICAÇÃO MÁXIMA DE CONCUBINATO. RECURSO DESPROVIDO. ... 4. Este Tribunal Superior consagrou o entendimento de ser inadmissível o reconhecimento de uniões estáveis paralelas. Assim, se uma relação afetiva de convivência for caracterizada como união estável, as outras concomitantes, quando muito, poderão ser enquadradas como concubinato (ou sociedade de fato). 5. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no Ag 1130816/MG, Rel. Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), TERCEIRA TURMA, julgado em 19/08/2010, DJe 27/08/2010)

Alguns Julgados de Tribunais pátrios, no entanto, partindo da ideia de vedação de enriquecimento sem causa (cláusula geral do artigo 884 CC), bem como da orientação da Súmula nº 380 STF de que restaria possível reconhecer partilha de bens adquiridos pelo esforço comum, em sociedades de fato, referem-se a uma situação de uniões estáveis putativas (quando numa sociedade paralela, um convivente não souber da coexistência da união paralela). Como exemplo:

UNIÃO ESTÁVEL RELACIONAMENTO PARALELO A OUTRO JUDICIALMENTE RECONHECIDO. SOCIEDADE DE FATO. A união estável é entidade familiar e o nosso ordenamento jurídico sujeita-se ao princípio da monogamia, não sendo possível juridicamente reconhecer uniões estáveis paralelas, até por que a própria recorrente reconheceu em outra ação que o varão mantinha com outra mulher uma união estável, que foi judicialmente declarada. Diante disso, o seu relacionamento com o de cujus teve um cunho meramente concubinário, capaz de agasalhar uma sociedade de fato, protegida pela Súmula n° 380 do STF. Essa questão patrimonial esvaziou-se em razão do acordo entabulado entre a autora e a sucessão. Recurso desprovido, por maioria. (Apelação Cível Nº 70001494236, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em 20/12/2000).

Em sentido divergente, no entanto, reconhecendo a existência e possibilidade de sociedades paralelas, sem a exigência da boa-fé pela ignorância do estado pelos envolvidos, mas em nome de prelados constitucionais, de se destacar o entendimento do TJBA:

APELAÇÃO CIVEL. DIREITO DE FAMÍLIA.AÇÃO DE RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL POST MORTEM. UNIÃO ESTÁVEL SIMULTANEA. PRINCIPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA AFETIVIDADE. PROVA ROBUSTA. POSSIBILIDADE. 1. Ainda que de forma incipiente, doutrina e jurisprudência vêm reconhecendo a juridicidade das chamadas famílias paralelas, como aquelas que se formam concomitantemente ao casamento ou à união estável. 2. A força dos fatos surge como situações novas que reclamam acolhida jurídica para não ficarem no limbo da exclusão. Dentre esses casos, estão exatamente as famílias paralelas, que vicejam ao lado das famílias matrimonializadas. 3. Havendo nos autos elementos suficientes ao reconhecimento da existência de união estável entre a apelante e o de cujus, o caso é de procedência do pedido. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO IMPROVIDO. (Classe: Apelação,Número do Processo: 0002396-95.2010.8.05.0191, Relator (a): Maurício Kertzman Szporer, Segunda Câmara Cível, Publicado em: 15/04/2015 ) (TJ-BA APL: 00023969520108050191, Relator: Maurício Kertzman Szporer, Segunda Câmara Cível, Data de Publicação: 15/04/2015

Mais ainda, a questão da socialidade e da solidariedade social pode se fazer sentir em torno de temas como a própria da fidelidade entre cônjuges e companheiros e a possibilidade de obtenção, ou não, por conta dessas situações, e, relembrando, vivemos em tempos de socialidade, uma decorrência da interpretação integrada dos princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade social, previstos na Constituição Federal e que permeiam o direito civil contemporâneo. Vai daí que tudo comporta uma função social, e, como aponta Maria Berenice Dias, em cada união familiar, cada um dos membros da família tem uma função.

Aliás, por esse motivo se aponta que, alguns tipos familiares, tome-se o casamento, por exemplo, implique em arranjo familiar que exija expressamente uma comunhão plena de vida (artigo 1.513 CC) e com isso se quer dizer que quem adere ao combo matrimonial, abrirá mão de parcela de sua individualidade em prol do grupo familiar que daí se formará (ideia que pode, aliás, ser aproveitada para outros tipos de união familiar como por exemplo a informal união estável e a homoafetiva, dentre outras).

Há um papel a ser esperado de cada qual em um ambiente em que os comportamentos dos membros geram expectativas em relação aos demais. Os filhos maiores, enquanto não saem do núcleo familiar para formar os seus próprios, tendem a ajudar nas despesas do lar, os cônjuges/companheiros/parceiros tendem a manter as necessidades da prole, e por aí vai. Não podemos ceder a falsos moralismos, eis que a fidelidade não implica em componente essencial desta equação, não obstante institutos formais e solenes como o casamento imponham o dever de fidelidade (artigo 1.566, inciso I CC).

Ocorre que não obstante se tenha associado pela tradição, o conceito de fidelidade a um tipo de comportamento agregado a comportamentos de cunho sensual, o fato é que a norma não disciplina exatamente o que seria a fidelidade (afinal, o que é ser fiel?).

Deve-se buscar algo mais amplo que seria a lealdade. Ou seja, pessoas capazes tem liberdade de consentir ou não, em relação às práticas do uns dos outros. Se ambos mantém um relacionamento aberto (prática corrente na atualidade o assim chamado casamento ou relação eudemônico), ou seja, se ambos concordam e se permitem tal situação, todos sabendo o que se passa, pelo óbvio, por uma questão de boa-fé, não haverá dano moral, não haverá qualquer violação passível de indenização.

Há lealdade, sem fidelidade, na acepção estrita do termo. E salvo o entendimento dos mais conservadores, não haveria qualquer óbice técnico (não obstante exista a família tradicional matrimonial com o dever de fidelidade - o fato é que, se houver violação a esse dever, o máximo que se admitiria em discussão em sede de culpa - muitos autores de peso sequer admitem isso - seria a indenização - mas se há prova de tal regra clara não há margem para indenização se todos sabem e permitem e se ambos concordam com isso não pode haver margem para a indenização não haveria ultraje ou sensação de ilusão ou eventuais problemas psicológicos). Negando indenização pelo simples fato de não se admitir a discussão de culpa em direito de família, por exemplo, o seguinte entendimento do TJRJ:

TJ-RJ - APELACAO APL 00125246720098190209 RJ 0012524-67.2009.8.19.0209 (TJ-RJ) Data de publicação: 21/11/2013 Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. DANO MORAL. CASAMENTO. INFIDELIDADE. DIVÓRCIO. SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. IRRESIGNAÇÃO DE AMBAS AS PARTES. In casu, restou demonstrado que as partes trabalhavam na mesma empresa e que os réus começaram a se relacionar em meados de 2006. Depoimentos testemunhais comprovando que colegas de trabalho dos ora litigantes tiveram conhecimento da situação, mencionando a existência de comentários pejorativos em relação aos fatos. Em que pesem as alegações do autor, entendo que não houve na hipótese violação ao dever de fidelidade. Isso porque, a fidelidade diz respeito à verdade e, na hipótese, não se verifica em nenhum momento que a ré tenha faltado com a verdade; pelo contrário, a narrativa da inicial, bem como a prova dos autos demonstram que a demandada agiu de modo sincero com o seu ex-marido, expressando os seus sentimentos e assumindo a responsabilidade por suas escolhas. O "dever de fidelidade" previsto no Código Civil de 2002 não pode ser interpretado do mesmo modo que era à época da Lei Civilista de 1916. Com a promulgação da CRFB /1988, a dignidade da pessoa humana passou a ser um dos fundamentos da República. Nesse contexto, salientando-se que o Código Civil de 2002 tem como diretriz a boa-fé objetiva e que a Lei Civil deve ser interpretada e aplicada à luz da Lei Maior, não há como entender que a conduta da ré tenha violado o dever de fidelidade. Tal dever vincula-se à verdade, não sendo tolerada pela sociedade atual a hipocrisia, nem as relações baseadas em aparências. No caso, o conjunto probatório demonstra que o casamento das partes estava, de fato, em gravíssima crise. Registro de ocorrência. A CRFB assegura a liberdade, frisando-se que sob o pálio de tal direito encontra-se a liberdade relativa aos sentimentos e à autonomia da pessoa humana, permitindo-lhe tomar decisões e alterar o rumo de sua vida.

Tal aresto, se lido na inteireza o voto do Relator se refere expressamente ao valor busca da felicidade hoje matéria objeto de proposta de Emenda Constitucional (se aprovada tal busca da felicidade poderia se tornar direito social do indivíduo o que tornaria inconstitucionais tentativas legislativas de se estabelecer danos morais ou seu tabelamento nos casos de infidelidade).

Mas há aqueles que admitem a culpa como elemento passível de gerar indenização por dano moral em casos de infidelidade conjugal no entanto, não é tão simples obter uma indenização como se possa querer fazer crer. Em primeiro lugar, não se toma a expressão fidelidade no sentido exclusivo de mantença de relações sexuais (há questões, como por exemplo, se reconhece infidelidade virtual, através da troca de mensagens de cunho sexual, sem que tenha havido contato físico e noutros casos, mesmo com a prática do ato sexual não haverá indenização).

Isso porque, se o casal tem regras claras no sentido de que a fidelidade será exigida, haverá margem para indenização. Mas isso porque a regra foi fixada claramente. Mas tudo comporta exegeses. Tentativa legislativa deveria se valer, portanto, da técnica dos conceitos vagos, permitindo que Magistrados analisem questões caso a caso eis que, insista-se, nem sempre haverá dano moral a questão não pode ser tratada como se fosse de uma caracterização automática de dano moral dano in ré ipsa.

Ou seja, quem adere à família formal (matrimônio), em regra, exigirá a fidelidade, eis que a regra em tal tipo de união familiar é essa ou seja, o dever de fidelidade recíproca. Mas se houver prova inequívoca no sentido de que ambos manteriam relacionamento aberto, pelo óbvio que não haverá indenização. Do contrário se violaria o princípio geral de direito consagrado pelos romanos, com sua peculiar pragmaticidade no sentido de que nemo auditur turpitudinem suans proprians allegans ou, em tradução literal e livre, a ninguém é dado alegar a própria torpeza em seu favor.

Ou, ainda mais, e como ficaria tal questão no âmbito dos trisais (casais de três existentes até mesmo por força de escrituras públicas registradas não obstante em 2016 o CNJ tenha recomendado que tais escrituras não sejam mais lavradas até que o Legislativo resolva a questão como explanado acima fato é que existem várias que foram lavradas).

Tratar da questão como sendo de danos in re ipsa seria permitir criação de teratologias e admissão de atos emulativos sob a perspectiva dos atos próprios (atos com abuso de direito, portanto ilícitos pelo comportamento contraditório ne venire contra factum proprium nos termos do artigo 187 CC).

Sem qualquer paixão religiosa ou carga moral, mas analisando friamente a questão sob uma perspectiva técnica, e tendo em vista que o Texto Constitucional protege o afeto e não necessariamente a monogamia (não obstante Julgados anteriores do STJ dando conta da monogamia como princípio constitucional implícito já há alguns anos), não há mais como sentir-se seguro para afirmar que relações não monogâmicas não possam ser protegidas se houver afeto e intenção de se criar famílias de modo não convencional (sociedades paralelas, poliamor e poliafetividade etc.).

Ou seja, quem se dispõe a viver de modo não convencional, sem ofender a qualquer preceito de ordem pública, não poderia depois, de modo a gerar o comportamento contraditório (quis viver assim) buscar uma indenização por danos morais sob a bandeira de uma suposta infidelidade.

Tanto assim o é que somente se tem deferido indenizações por infidelidade conjugal nos casos em que, em primeiro lugar, houve repercussões na esfera moral da vítima (dor, agonia, abalos psíquicos de quaisquer ordens etc ou seja atingimento daquilo que classicamente se convencionou chamar honra subjetiva) ou se houver repercussão externa que atinja a honra objetiva (por exemplo, o caso da mulher que, no ambiente de trabalho, passou a ser apontada pelos outros que cochichavam enquanto passava).

Não há, assim, um dano moral presumido, ou seja, in ré ipsa. Há casos curiosos, por exemplo, na jurisprudência dos Tribunais pátrios, apontando- se, até mesmo, que não se indeniza dano moral por infidelidade, sem comprovação de intenção de ridicularizar ou expor o outro. Nesse sentido:

TJ-RO - Apelação APL 00185527520108220001 RO 0018552-75.2010.822.0001 (TJ-RO) Data de publicação: 04/11/2015 Ementa: Apelação cível. Infidelidade conjugal. Dano moral. Inocorrência. Infidelidade conjugal não geral dano moral indenizável, especialmente quando não há prova de que o autor teve a intenção de causar lesão ou ridicularizar o cônjuge prejudicado. Ameaça. Arma de fogo. Local público. Dano moral. Caracterização. Quantum indenizatório. Majoração. Ameaçar pessoa com uso de arma de fogo em local público causa dano moral. Cabe ao Tribunal rever o valor da indenização fixada pela instância ordinária quando este se mostrar irrisório ou exorbitante.

Reconhecendo necessidade de comprovação de fatos externos, como uma repercussão pública como dado apto a atingir a honra objetiva do cônjuge ou companheiro:

TJ-ES - Apelação APL 00029635520108080026 (TJ-ES) Data de publicação: 14/10/2015 Ementa: APELAÇÃO CÍVEL Nº 0002963-55.2010.8.08.0026 APELANTE: ADELSON DE CASTRO APELADOS: VALDINEIA SANTOS FERREIRA e WEDSON DA SILVA RELATOR: DES. SUBST. JÚLIO CÉSAR COSTA DE OLIVEIRA ACÓRDÃO EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL UNIÃO ESTÁVEL - DANO MORAL  SUPOSTA INFIDELIDADE  DEVER DE INDENIZAR RECURSO IMPROVIDO. 1. Não há dúvidas quanto à incidência das regras de responsabilidade civil nas relações do âmbito familiar, devendo o caso em comento ser analisado à luz do artigo 186 do Código Civil. Assim, para que seja caracterizado o dano moral, e gerado o dever de indenizar, é necessária a comprovação de existência do dano, do nexo de causalidade entre o fato e o dano e da culpa do agente. 2. Com relação ao apontado cúmplice do convivente infiel, não há como se imputar o dever de indenizar, já que ele não possui, legal ou contratualmente, vínculo obrigacional com o convivente supostamente traído, não sendo possível exigir sua responsabilização pelo descumprimento de deveres inerente ao casamento. 3. Ainda que a união estável imponha o dever de fidelidade recíproca e de lealdade, a violação pura e simples de um dever jurídico familiar não é suficiente para caracterizar o direito de indenizar. A prática de adultério, isoladamente, não se mostra suficiente a gerar um dano moral indenizável, sendo necessário que a postura do cônjuge infiel seja ostentada de forma pública, comprometendo a reputação, a imagem e a dignidade do companheiro. 4. Recurso improvido. VISTOS, relatados e discutidos estes autos, ACORDAM os Desembargadores que integram a Primeira Câmara Cível do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo, à unanimidade de votos, NEGAR PROVIMENTO ao recurso. VitóriaES, 06 de outubro de 2015.

Afastando indenização no caso de falta de provas de ofensa sequer de honra subjetiva:

TJ-MG - Apelação Cível AC 10699060652137001 MG (TJ-MG) Data de publicação: 19/07/2013 Ementa: INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - INFIDELIDADE CONJUGAL - AUSÊNCIA DE PROVA DE OFENSA À HONRA SUBJETIVA - RESPONSABILIDADE CIVIL NÃO CONFIGURADA. A alegação de infidelidade conjugal, por si só, sem a prova de ofensa à honra objetiva da vítima, não enseja a condenação em indenização por danos morais, por ausência dos elementos configuradores da responsabilidade civil.

Não adianta haver possibilidade de soluçao do problema ou balizas que o admitam se a soluçao demorar tanto para surgir que o filho fique recebendo valores infimos em sua fase de menoridade e acesso à escolaridade que lhe resta negada, ou que o idoso faleça antes de ver atendido seu pleito. Isso esvazia a solidariedade social por falta de concretude, o que ocorre em medida ainda ponderável porque o Poder Judiciário não tem dado conta de atender o grande volume de demandas.

Sobre o autor
Julio Cesar Ballerini Silva

Advogado. Magistrado aposentado. Professor da FAJ do Grupo Unieduk de Unitá Faculdade. Coordenador nacional dos cursos de Pós-Graduação em Direito Civil e Processo Civil, Direito Imobiliário e Direito Contratual da Escola Superior de Direito – ESD Proordem Campinas e da pós-graduação em Direito Médico da Vida Marketing Formação em Saúde. Embaixador do Direito à Saúde da AGETS – LIDE.

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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