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Distrato de imóvel, um direito do comprador imobiliário

Agenda 20/11/2022 às 15:31

O compromissário comprador de imóvel, mesmo inadimplente, pode pedir a rescisão do contrato e reaver as quantias pagas, admitida a compensação com gastos próprios de administração e propaganda feitos pelo compromissário vendedor.

Muitos compradores de imóvel perguntam com certa frequência se teriam algum direito ao desistir do contrato de compra de imóvel. A resposta é simples - todo e qualquer comprador imobiliário, percebendo que não existem mais condições de continuar com o contrato assinado, seja por questões financeiras, defeitos no imóvel ou atraso na entrega, ou por outro motivo, poderá realizar o distrato do imóvel comprado na planta.

Uma outra dúvida recorrente seria o valor a ser devolvido no caso de rescisão de contrato de imóvel. Então vejamos, se o imóvel estiver em regime de tributação especial (RET), como patrimônio de afetação, 50% do valor pago fica retido com a incorporadora, os outros 50% serão devolvidos ao comprador. Entretanto, na maioria das vezes o imóvel não possui patrimônio de afetação, sendo assim, normalmente 25% do valor fica retido com a empresa e o restante é devolvido ao comprador.

O STJ fixou a multa contratual em 25% para o comprador que desistir do negócio. Se o comprador, por qualquer motivo, desiste da compra e venda de um imóvel, deve arcar com o ônus desta decisão. Este valor de retenção poderá ser reduzido, se comprovadamente existirem benfeitorias no imóvel, defeitos construtivos, ou outro motivo que permitirá a compensação de valores.

É fato que o compromissário comprador de imóvel, mesmo inadimplente, pode pedir a rescisão do contrato e reaver as quantias pagas, admitida a compensação com gastos próprios de administração e propaganda feitos pelo compromissário vendedor, assim como com o valor que se arbitrar pelo tempo de ocupação do bem, a qualquer tempo, isso foi garantido nos termos da Lei 13786/15, mais conhecida como a Lei do Distrato.

PATRIMÔNIO DE AFETAÇÃO

O chamado regime de patrimônio de afetação possui direta correlação com a Incorporação Imobiliária e foi instituído pela lei 10.931/04 e possui alterações feitos pela lei 13.786/18, também conhecida como Lei do Distrato.

O patrimônio de afetação consiste na possibilidade de que, no âmbito da incorporação imobiliária (a qualquer momento), seja realizada uma espécie de segregação de determinados bens, os quais passam a funcionar como uma espécie de garantia financeira para a conclusão daquele empreendimento, na medida em que eles não podem mais ter outra destinação, ficando, portanto, vinculados à conclusão do empreendimento.

 Em outros termos, a instituição do Patrimônio de afetação gera uma espécie de blindagem do patrimônio destinado ao empreendimento eleito - objeto da incorporação imobiliária.

 Entretanto vale consignar que não se trata de uma blindagem absoluta, na medida em que, por exemplo, hipóteses de fraudes podem abrir margem para alcançar até mesmo o patrimônio pessoal dos sócios, através do instituto jurídico conhecido como desconsideração da personalidade jurídica.

 Mas em linhas gerais e, portanto, tendo por premissa o exercício da incorporação imobiliária em conformidade com Lei, a instituição do Patrimônio de Afetação tem por efeito a incomunicabilidade dos bens, conforme previsto no art. 31-A e seu parágrafo primeiro:

 Art. 31-A. A critério do incorporador, a incorporação poderá ser submetida ao regime da afetação, pelo qual o terreno e as acessões objeto de incorporação imobiliária, bem como os demais bens e direitos a ela vinculados, manter-se-ão apartados do patrimônio do incorporador e constituirão patrimônio de afetação, destinado à consecução da incorporação correspondente e à entrega das unidades imobiliárias aos respectivos adquirentes (Incluído pela lei 10.931/04).

 § 1o O patrimônio de afetação não se comunica com os demais bens, direitos e obrigações do patrimônio geral do incorporador ou de outros patrimônios de afetação por ele constituídos e só responde por dívidas e obrigações vinculadas à incorporação respectiva. (Incluído pela lei 10.931/04)"

 Como visto pelo teor da Lei, trata-se de uma faculdade conferida pela Lei ao incorporador imobiliário. Seu objetivo é dar maior garantia aos compradores e investidores acerca da finalização e entrega das unidades em caso de falência ou insolvência da Incorporadora.

CONSIDERAÇÕES IMPORTANTES

Com a Lei do Distrato, o atraso na entrega do imóvel configura quebra de contrato e permite que o comprador desista do negócio sem incorrer em qualquer prejuízo para si. Porém, a lei do distrato estabelece que os fornecedores podem incorrer em até 180 dias de atraso, a partir da data prevista de entrega, sem pagar nenhuma multa por isso. Sendo assim, legalmente foi estabelecida uma tolerância de 6 meses para atraso na entrega da obra sem a incidência de qualquer penalidade pecuniária.

Conclui-se que, caso ocorra atraso das obras, a construtora terá 180 dias de prorrogação para a entrega sem pagar multa. Após esse prazo, o comprador poderá pedir a rescisão e devolução de todos os valores pagos, além da multa, corrigidos, em até 60 dias corridos do pedido de distrato.

MULTA POR DESISTÊNCIA

Antes da regulamentação em relação aos cancelamentos de contratos, os percentuais de multas definidos judicialmente variavam entre 10% e 25% do total pago pelo comprador. 

Agora, aquele comprador que desistir da compra recebe até 75% do valor de volta, caso o imóvel esteja em nome da construtora. Já em relação aos patrimônios de afetação, ou seja, casos que o valor pago pelo cliente é destinado a construção do empreendimento em si, ele só recebe cerca de 50% das parcelas quitadas.

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Quanto aos prazos de devolução, também há diferenças. Para os imóveis com patrimônio de afetação, o prazo é de 30 dias após a liberação do Habite-se e demais empreendimentos, são 180 dias a partir do cancelamento de todo o acordo.

COMO ERA ANTES DA LEI DO DISTRATO

Apesar de a Lei 4.591/64 estabelecer, em seu artigo 32, §4º, que o contrato de compra e venda é irrevogável e irretratável, a orientação que acabou prevalecendo na jurisprudência do STJ (EREsp 59.870/SP, rel. min. Barros Monteiro) foi de que o comprador detém o direito à resilição unilateral, especialmente nas hipóteses de insuficiência econômica, o que se afigura, no mínimo, um entendimento contra a literalidade da mencionada regra.

Antes da Lei 13.786/2018 (Lei do Distrato), o STJ firmou orientação de que, na hipótese de resolução do contrato, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo comprador integralmente, em caso de culpa exclusiva do vendedor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento, a teor da Súmula 543.

Se a extinção do contrato se operasse por inadimplemento contratual do comprador, deveria haver a retenção pelo vendedor de até 25% do total da quantia paga, incidindo os juros moratórios a partir do trânsito em julgado (STJ, 3ª Turma, AgInt no REsp 1862927/RJ, rel. min. Marco Aurélio Bellizze).

De outro lado, se a extinção do contrato se operasse por inadimplemento contratual do vendedor, haveria a restituição integral dos valores com juros moratórios a partir da citação (STJ, 4ª Turma, AgInt no AREsp 1597320/RJ, rel. min. Maria Isabel Gallotti).

Em ambos os casos, deve haver a incidência de correção monetária sobre os valores pagos, a partir de cada desembolso, por se tratar de uma cláusula móvel que visa a recompor os efeitos deletérios da desvalorização da moeda.

Nas recentes teses firmadas pelo STJ, em tema repetitivo 996, descreve ainda que, na aquisição de unidades autônomas em construção, o contrato deverá estabelecer, de forma clara, expressa e inteligível, o prazo certo para a entrega do imóvel, o qual não poderá estar vinculado à concessão do financiamento, ou a nenhum outro negócio jurídico, exceto o acréscimo do prazo de tolerância.

No caso de descumprimento do prazo para a entrega do imóvel, incluído o período de tolerância, o prejuízo do comprador é presumido, consistente na injusta privação do uso do bem, a ensejar o pagamento de indenização, na forma de aluguel mensal, com base no valor locatício de imóvel assemelhado, com termo final na data da disponibilização da posse direta ao adquirente da unidade autônoma.

NO CASO DE RESCISÃO DE CONTRATO DE IMÓVEL FINANCIADO

Decisão recente, em 2022, o STJ definiu que não se aplica o Código de Defesa do Consumidor, nos casos de imóvel financiado, com cláusula de garantia de alienação fiduciária, em contratos registrados em cartório.

A 2ª seção do STJ fixou que em contrato de compra e venda de imóvel com garantia de alienação fiduciária devidamente registrada, a resolução do pacto na hipótese de inadimplemento do devedor devidamente constituído em mora deverá observar a forma prevista na lei 9.514/97, por se tratar de legislação específica, afastando-se, por conseguinte, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor.

Entretanto, não é um entendimento pacífico, não existe súmula vinculante e existem decisões em contrário do que foi recentemente decidido.

ENTENDIMENTO RECENTE DO STJ

Uma empresa do ramo imobiliário recorreu ao STJ após decisão do TJ/SP que favoreceu devedores de imóvel. O imóvel foi adquirido per meio de contrato de compra e venda com pacto de alienação fiduciária em garantia, conforme escritura pública.

Atualmente, não há entendimento geral sobre se o comprador consegue ou não reaver o valor pago, pois as decisões podem ser amparadas na lei 9.514 ou no CDC. Os compradores não conseguiram pagar o valor total das parcelas.

O TJ/SP decidiu que a empresa teria de devolver 90% dos valores pagos. O artigo 53 do CDC determina que nos contratos de compra e venda em prestações, são nulas as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas. A empresa alegou que o CDC não se aplica ao caso. O relator, ministro Marco Buzzi, ressaltou que a matéria já possui legislação específica.

"Em contrato de compra e venda de imóvel com garantia de alienação fiduciária registrada em cartório, a resolução do pacto na hipótese de inadimplemento do devedor devidamente constituído em mora deverá observar a forma da lei 9.514/17, por se tratar de legislação específica afastando-se a aplicação do CDC."

Dessa forma, existiriam duas hipóteses.

Assim, o caso trata de imóveis cuja compra é feita por meio de financiamento com alienação fiduciária, ou seja, a propriedade do bem é transferida para a instituição financeira que forneceu o dinheiro e só é devolvida ao comprador quando a dívida for totalmente quitada.

Essa operação é orientada pela Lei 9.514/1997. Ela prevê que, em caso de inadimplemento, a propriedade seja consolidada em favor do credor fiduciário, que por sua vez venderá o bem em leilão para quitar a dívida. O que sobrar, se sobrar, deve ser devolvido ao comprador devedor.

Esse seria o caso do primeiro leilão, previsto no artigo 27, parágrafo 1º, da lei. Se o maior lance tiver valor inferior ao que vale o imóvel, será feito um segundo leilão, e neste será aceito o maior lance oferecido, desde que igual ou superior ao valor da dívida. Ou seja, é nesse caso que o devedor pode ser ver de mãos abanando ao fim do processo.

Uma outra opção, e possível entendimento jurídico, seria usar o Código de Defesa do Consumidor, que em seu artigo 53 determina que são nulas as cláusulas de contratos de compra e venda que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor que pedir a resolução do acordo por inadimplemento.

No entendimento recente do STJ, trouxe maior segurança para o ordenamento jurídico e os contratos, contudo, cria uma barreira de atuação do CDC, limitando sua atuação nos casos em que existe contrato de alienação fiduciária registrado.

Neste raciocínio, alguns juristas descrevem que o artigo 53 do CDC proíbe a cláusula contratual que estabeleça a perda total dos valores pagos, entretanto, não há essa previsão no contrato de compra e venda com alienação fiduciária, porque não só os valores são repassados da construtora ou incorporadora para o banco, assim como a propriedade é repassada para o banco, até a quitação plena do valor do imóvel.

Podemos concluir que, no caso do imóvel financiado, o que se trata da grande maioria dos contratos imobiliários assinados no Brasil, o recente entendimento da Corte, trouxe um grande prejuízo para os compromissários compradores que optarem em financiar o imóvel, e decidirem por rescindir o contrato, pois é provável que o valor financiado não será devolvido para o promissário comprador.

NO CASO DO IMÓVEL NÃO FINANCIADO

A Discussão no STJ, sobre o tema repetitivo n.557, referente à forma de devolução dos valores devidos ao promitente comprador (se imediatamente ou somente ao término da obra) em razão da rescisão do contrato de promessa de compra e venda de imóvel.

A tese firmada é que, em contratos submetidos ao Código de Defesa do Consumidor, é abusiva a cláusula contratual que determina a restituição dos valores devidos somente ao término da obra ou de forma parcelada, na hipótese de resolução de contato de promessa de compra e venda de imóvel, por culpa de qualquer dos contratantes.

"Assim, em tais avenças submetidas às regras do Código de Defesa do Consumidor, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador - integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento." disse o relator.

Sendo assim, é mantido o entendimento que todo o valor pago no imóvel, no caso de rescisão de contrato, deve ser devolvido na íntegra, e de forma imediata.

ATRASO NA ENTREGA DO IMÓVEL

Na aquisição de unidades autônomas em construção, o contrato deverá estabelecer, de forma clara, expressa e inteligível, o prazo certo para a entrega do imóvel, o qual não poderá estar vinculado à concessão do financiamento, ou a nenhum outro negócio jurídico, exceto o acréscimo do prazo de tolerância de 180 dias.

No recurso repetitivo n.996 do STJ, foi decidido que no caso de descumprimento do prazo para a entrega do imóvel, incluído o período de tolerância, o prejuízo do comprador é presumido, consistente na injusta privação do uso do bem, a ensejar o pagamento de indenização, na forma de aluguel mensal, com base no valor locatício de imóvel assemelhado, com termo final na data da disponibilização da posse direta ao adquirente da unidade autônoma.

Ademais, o descumprimento do prazo de entrega do imóvel, computado o período de tolerância, faz cessar a incidência de correção monetária sobre o saldo devedor com base em indexador setorial, que reflete o custo da construção civil, o qual deverá ser substituído pelo IPCA, salvo quando este último for mais gravoso ao consumidor.

TRANSFERÊNCIA DO IMÓVEL COMO OPÇÃO À RESCISÃO

Esta é uma questão mais demorada e complexa, pois não depende apenas da vontade do promissário comprador. Em recente decisão em tema repetitivo de n.522, o STJ definiu que no caso de cessão de direitos sobre imóvel financiado no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação realizada após 25/10/1996, a anuência da instituição financeira mutuante é indispensável para que o cessionário adquira legitimidade ativa para requerer revisão das condições ajustadas.

SE O COMPRADOR NÃO CONSEGUIU FINANCIAR O IMÓVEL

Uma outra situação é a que os autores celebraram contrato de compra e venda de imóvel na planta com a construtora e alegaram, na ação, que a ré exige que o financiamento seja realizado junto à Caixa Econômica Federal, porém a instituição bancária não lhes concedeu o crédito necessário. Eles também tentaram no Itaú e não obtiveram sucesso.

Em vários casos, onde ocorre o desfazimento do contrato, os magistrados têm considerado como não abusivo o valor retido pela empresa ré, de 50% do montante já pago pelo consumidor, visto que representa 2,60% do valor do contrato.

São frequentes decisões nos Tribunais em que se julga parcialmente procedente o pedido apenas para declarar a rescisão do contrato celebrado, por culpa do autor, condenando as empresas rés a restituírem as quantias já pagas pela aquisição do imóvel descontando o valor de 50%, "cuja retenção foi declarada permitida nos termos da fundamentação".

Sendo assim, podemos considerar que o direito à rescisão do contrato, por culpa ou não do comprador ainda subsiste apesar das recentes decisões que reduziram alguns direitos dos promissários compradores, especialmente quanto ao imóvel financiado, contudo, casos como imóveis na planta, atraso na entrega, vícios construtivos, e até mesmo não concessão de financiamento imobiliário, ainda garantem o distrato de imóvel com valores entre 50%, 75% e até a totalidade do valor pago.

Devemos lembrar que, diferente de um veículo automotor, a compra de imóvel é um investimento a longo prazo, e como tal, deverá ter maiores garantias ao comprador que procura quitar o imóvel a longo prazo. Não seria justificável que as construtoras e incorporadoras fossem premiadas três vezes, com incapacidade financeira do adquirente imobiliário, uma com a devolução do imóvel, duas com a retenção do valor pago, três com a possibilidade de execução dos valores em aberto. Com as mudanças econômicas, variações dos índices e taxas de juros aplicáveis e praticadas no Brasil, taxas extras, demais penduricalhos jurídicos fiscais, cada operação imobiliária seria sempre um grande negócio, mas para o vendedor.

Sobre o autor
Bernardo César Coura

Advogado Especialista em Direito Imobiliário e Direito Condominial pela FGV. Especialista em Contratos pela FGV. Especialista em Direito Ambiental pela FGV e Processo Civil pelo CAD. Especialista em Direito Digital, Startups pela FGV. Colunista do Jornal do Síndico, EPD Cursos e Boletim do Direito Imobiliário. Autor de artigos jurídicos, publicados nas revistas e sites especializados. Escritório referência em Direito Imobiliário, reconhecido com um dos melhores de Belo Horizonte, com atendimento nacional.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COURA, Bernardo César. Distrato de imóvel, um direito do comprador imobiliário. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 7081, 20 nov. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/101190. Acesso em: 25 dez. 2024.

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