RESUMO: Com a construção do presente artigo busca-se analisar como as famílias precisam ser abordadas em suas diferentes estruturações, pela justiça, partindo sempre dos princípios norteadores estabelecidos em lei: dignidade da pessoa humana, igualdade, afetividade e solidariedade, todos essenciais para que a família possa estar bem e ser atendida de forma qualificada pelo sistema judiciário. O objetivo do estudo é analisar os princípios legais que cercam a família no meio judiciário destacando a importância de sua observância para bem atender as famílias em suas demandas. A metodologia empregada para a construção do trabalho é o estudo bibliográfico, ou seja, partindo de estudos e pesquisas já efetivados, analisa-se a temática em apreciação. Conclui-se que as mudanças que se deram no seio familiar nos últimos anos, exigem que a legislação se atualize, mas, que até essas mudanças essenciais serem efetivadas, seguir os princípios legais quanto às famílias é essencial
PALAVRAS-CHAVE: Família. Sistema Judiciário. Princípios Legais.
1. INTRODUÇÃO
O mundo contemporâneo, revela um cenário em que as famílias, ao ganharem novos arranjos, frutos dos contextos sociais e culturais mais atuais, precisam ser entendidas em sua complexidade para que possam ser efetivamente atendidas pelo sistema judiciário brasileiro.
Ao longo desse artigo busca-se analisar como as famílias precisam ser abordadas em suas diferentes estruturações, pela justiça, partindo sempre dos princípios norteadores estabelecidos em lei: dignidade da pessoa humana, igualdade, afetividade e solidariedade, todos essenciais para que a família possa estar bem e ser atendida de forma qualificada pelo sistema judiciário.
O objetivo geral desse estudo é: analisar os princípios legais que cercam a família no meio judiciário destacando a importância de sua observância para bem atender as famílias em suas demandas. Os objetivos específicos são: contextualizar os novos arranjos familiares e discutir como a legislação apresenta princípios essenciais para o trato com as famílias no sistema judiciário.
A metodologia empregada para a construção do trabalho é o estudo bibliográfico, ou seja, partindo de estudos e pesquisas já efetivados, busca-se integrar os resultados e discutir a temática evidenciando os pontos de comunhão e divergência entre os autores que já estudaram e trabalharam com a temática dentro da perspectiva da metodologia científica (AMARAL, 2007).
No presente estudo serão destacados apenas alguns de maior relevância para o estudo em questão: o princípio da dignidade humana, o princípio da igualdade (à luz dos aspectos do ambiente familiar), o princípio da solidariedade e o princípio da afetividade, todos muito caros à compreensão do estudo em tela.
Ao final, o que se verifica é que as mudanças que se deram no seio familiar nos últimos anos, exigem que a legislação se atualize, mas, que até essas mudanças essenciais serem efetivadas, seguir os princípios legais quanto às famílias é essencial para bem atender as famílias em suas demandas.
2. DIREITO DAS FAMÍLIAS: ESPÉCIES DE FAMÍLIA
É cada vez mais complexo definir e conceituar o que vem a ser a família, uma vez que, a sociedade capitalista da atualidade, a consolidação do estado laico e o contexto de associações interpessoais como forma de se colocar dentro dessa sociedade e buscar consolidar um projeto de vida, torna isso cada vez mais complexo. Assim sendo, o que antes era facilmente visível e tido como modelo, na atualidade se mostra como apenas mais uma dessas muitas formas de constituir e estruturar uma família.
De acordo com o Dicionário Larousse da Língua Portuguesa (2001, p. 427), a palavra família define-se como: “[...] grupo de pessoas ligadas entre si por laços de casamento ou de parentesco; pai, mãe e filhos; grupo de parentes mais ou menos próximos; conjunto dos ancestrais ou os descendentes de um indivíduo; linhagem; filhos, prole”.
No passado, facilmente era possível encontrar um modelo de família tradicional, bem colocado pelo pesquisador Lévi-Strauss (1956, p. 309) que afirmava a situação recorrente de antropólogos, que colocavam que conceito de que a família é resultante de um processo de evolução progressivo e de duração longa, inclinamse ao oposto dessa convicção, ou seja, “A família, consistindo de uma união mais ou menos duradoura, socialmente aprovada, entre um homem, uma mulher e seus filhos, constitui fenômeno universal, presente em todo e qualquer tipo de sociedade (LÉVISTRAUSS, 1956, p.309)”.
Esse modelo familiar que o autor colocava como sento de ampla discussão não encontra mais bojo no meio social da atualidade para figurar como o único. Levando em consideração a cada vez maior complexidade de relações interpessoais e os novos arranjos familiares que se verifica em todos os cantos do Brasil, o que se tem é uma pluralidade de formatos familiares que se diversificam cada vez mais, tornando a família um objeto social multifacetado.
Dentro dessa perspectiva, posicionamentos de viés extremista, que apenas consideram pontos engessados ou tradicionais não podem mais ser adotados nos discursos em relação à família, esses, em vez de serem uníssonos, devem ser diversificados e destacar o caráter da família enquanto célula mãe da sociedade que vem se tornando personalizada e reflexiva de seus interesses pessoais e coletivos.
O ponto inicial mais fundamental a ser elencado quando se busca entender o direito familiar e seus aspectos é o fato de que, as famílias são plurais e cada uma, dadas as realidades que vivenciam, sua cultura e seus aspectos de organização interna, precisam ser vistas com essa pluralidade ante o direito.
Como a linguagem condiciona o pensamento, é necessário subtrair qualquer adjetivação ao substantivo família e simplesmente falar em famílias. Como refere Jones Figueirêdo Alves, apenas uma consoante a mais sintetiza a magnitude das famílias em suas multifacetadas formatações. Deste modo a expressão direito das famílias é a que melhor atende à necessidade de enlaçar, no seu âmbito de proteção, as famílias, todas elas, sem discriminação, tenham a formação que tiver (DIAS, 2016. p. 23)
É preciso retificar que as famílias possuem inúmeros arranjos, organizações variedades, diversificados núcleos e diferentes lideranças, o que exige do s Tribunais, olhar analítico e que não ignore a realidade prática vivenciada por esses diferentes tipos de arranjos familiares.
Szymanski (2002), destaca em seus estudos que se pode encontrar facilmente em um bairro famílias tradicionais, com pai, mãe e filhos, mas também, com maior facilidade famílias de pai e filhos, mãe e filhos, avós e netos, tios e sobrinhos, pessoas que vivem só, famílias de dois pais e filhos, e uma infinidades de arranjos familiares que se formam a partir das necessidades e condições culturais, sociais e econômicas por exemplo. Levando isso para dentro das constatações de muitos autores, a lei não pode ignorar essa realidade social ante a justiça.
Assim, pode-se observa que a família possui um duplo caráter, sendo que, o público é o que menos interessa ao direito e o privado, amplamente ponderado em situações jurídicas, está também ligado a outros aspectos como o religioso, o cultural, o político, o econômico, entre outros.
A família é tanto uma estrutura pública como uma relação privada, pois identifica o indivíduo como integrante do vínculo familiar e também como partícipe do contexto social. O direito das famílias, por dizer respeito a todos os cidadãos, revela-se como o recorte da vida privada que mais se presta às expectativas e mais está sujeito a críticas de toda sorte (DIAS, 2016. p. 23).
O direito familiar, portanto, trabalha com uma sorte infinita de situações que podem, por um lado emergir do caráter público, tal qual situações de difamação a uma mãe separada que cria os filhos sozinha e é criticada pelos vizinhos, quanto do caráter privado, por exemplo uma situação de divórcio litigioso entre um casal após anos de um casamento estável e exemplar aos olhos da sociedade.
Todo esse cenário de trabalho com o direito familiar, portando, pode ser dito como fruto de um profundo amadurecimento das legislações e das atuações dos legisladores e estudiosos do direito brasileiro, que tem na Carta Magna de 1988 a expressão maior da separação entre legislação estatal e tradição seja ela cultural ou religiosa da população.
A Constituição Federal de 1988, como diz Zeno Veloso, num único dispositivo, espancou séculos de hipocrisia e preconceito. Instaurou a igualdade entre o homem e a mulher e esgarçou o conceito de família, passando a proteger de forma igualitária todos os seus membros. Estendeu proteção à família constituída pelo casamento, bem como à união estável entre o homem e a mulher e à comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, que recebeu o nome de família monoparental. Consagrou a igualdade dos filhos, havidos ou não do casamento, ou por adoção, garantindo-lhes os mesmos direitos e qualificações. Essas profundas modificações acabaram derrogando inúmeros dispositivos da legislação então em vigor, por não recepcionados pelo novo sistema jurídico. Como lembra Luiz Edson Fachin, após a Constituição, o Código Civil perdeu o papel de lei fundamental do direito de família (DIAS, 2016. p. 26).
Deste modo, as mudanças legais que vivenciamos na prática nos dias atuais, podem ser atribuídas a anos de amadurecimento das legislações que levou ou mesmo forçou alguns juristas a trabalharem com os princípios constitucionais em emanam do direito e respingam sobre os arranjos familiares diversificados na atualidade.
Gonçalves (2011), deixa evidente que, os princípios constitucionais de dignidade da pessoa humana, igualdade, solidariedade e afetividade são inerentes a todos os seres humanos, mas, encontram na família o bojo essencial de sua prática, desnudando as leis em situações reais a serem trabalhadas por juízes, advogados e legisladores. Não se pode ignorar esses princípios e as mudanças legais ante a família, por exemplos, por crenças religiosas ou pensamentos pessoais como no passado.
O afastamento do Estado em relação à igreja revolucionou os costumes e especialmente os princípios que regem o direito das famílias, provocando profundas mudanças no próprio conceito de família. Sobreveio o pluralismo das entidades familiares, escapando às normatizações existentes. Ainda assim, o direito das famílias é o campo do direito mais bafejado e influenciado por ideias morais e religiosas, havendo a tendência do legislador de se arvorar no papel de guardião dos bons costumes, na busca da preservação de uma moral conservadora (DIAS, 2016. p. 69-70).
Portanto, pode-se dizer que, no âmbito do direito, as famílias receberam maior atenção e mais ampla percepção, deixando de ser vistas em uma ótica influenciada pela tradição, pelos tabus sociais e pela religião e passando a ser encaradas com olhos mais técnicos, percepções mais empíricas e práticas das realidades vivenciadas no campo social. Era preciso, pois, se a sociedade havia mudado a lei precisava mudar para tanto.
Para a mesma autora, a família passou a ser percebida como entidade moral, ou seja, de acordo com a apreciação de Dias (2006), as famílias precisavam parar ser vistas como resposta aos costumes sociais, por exemplo, dar direito aos filhos fora do casamento, situação quase impensável no século XIX, e tratada de forma diferente, com o princípio da igualdade, exemplificando, como o é no final do século XX ao menos no papel.
Continuando, autora e mesmo outros legisladores, precisavam de olhares mais éticos antes as famílias que chegavam aos tribunais e se apresentavam na sociedade, os legisladores não poderiam, nem podem mais, deixar de vislumbrar a realidade social para interpretar e aplicar as leis.
A finalidade da lei não é imobilizar a vida, cristalizá-la. Deve permanecer em contato com ela, segui-la em sua evolução e a ela se adaptar. Daí o papel social do direito, do qual o juiz deve participar, interpretando as leis não somente segundo seu texto e suas palavras, mas consoante as necessidades sociais e as exigências da justiça e da equidade que constituem seu fim (DIAS, 2016. p. 73).
Deste modo, um juiz precisa ter um olhar sensível à realidade que o cerca e interpretar as leis, como já asseverado, com um olhar mais flexível e embasado nas realidades que se verifica no meio social e na vida cotidiana. As famílias mudaram, a lei mudou e contender os fundamentos dessa lei ante essas novas famílias é uma carência demasiada de quem pretende trabalhar no ramo jurídico.
3 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DOS DIREITOS DAS FAMÍLIAS
O Código Civil de 2002 procurou adaptar-se à evolução social e aos bons costumes, incorporando também as mudanças legislativas sobrevindas nas últimas décadas do século passado, destaque-se, grandes transformações no seio social e cultural Brasileiro. Adveio, assim, com ampla e atualizada regulamentação dos aspectos essenciais do direito de família à luz dos princípios e normas constitucionais como bem assevera Gonçalves (2020).
Dentro dessa seara, o que se pode verificar é a adoção de um posicionamento triplo dentro da Constituição de 1988, em relação à família, na qual se encontra reconhecido três modelos de família: primeira aquela advinda do casamento, segunda a família oriunda da união estável e a família monoparental (BRASIL, 1988). Como se verificou anteriormente, de forma introdutória, a sociedade supera essa classificação e apresenta, no contexto mais atual, uma diversidade bem maior de modelos familiares, reconhecidas e amparadas amplamente pelas jurisprudências e doutrinas, fontes indiretas do direito.
Ressaltam-se como princípios constitucionais do direito de família os princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana, da solidariedade e afetividade. Sendo de caráter constitucional, contendo o mesmo valor, ou seja, não há hierarquia entre eles. Podendo esses serem expressos ou implícitos. Os implícitos não estão presentes nos textos legais e dependem de uma interpretação do sistema constitucional, como por exemplo, o princípio da afetividade. Já o princípio da dignidade e da igualdade, consideram-se como princípios gerais e são adotados em quase todos os ramos do direito.
Existem infindos princípios aplicáveis no direito de família e aqui serão destacados apenas alguns de maior relevância para o estudo em questão: o princípio da dignidade humana, o princípio da igualdade (à luz dos aspectos do ambiente familiar), o princípio da solidariedade e o princípio da afetividade, todos muito caros à compreensão do estudo em tela.
3.1 PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Na Constituição Federal Brasileira de 1988, em seu art. 1º, inciso III, encontrase o princípio da dignidade da pessoa humana, bem como no art. 226, § 7º, que trata do planejamento familiar, esses sendo os princípios mais gerais do direito. O princípio da dignidade da pessoa humana é o mais fundamental a ser observado.
É possível observar com mais clareza tal evento no ordenamento, através dos artigos 226 §7 e 229 da CF, que em seu texto deixa evidente os seguintes ditames sobre o princípio supracitado.
Art. 226, §7. Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é de livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte das instituições oficiais ou privadas.
Art. 229: Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade. (BRASIL, 1988).
Graças a mudança na estrutura familiar e no entendimento que se tem sobre o que é família, foi possível legislar sobre os aspectos afetivos essenciais ao desenvolvimento do indivíduo. Hoje a norma deixa claro que o aspecto afetivo é essencial na construção da família, assim como qualquer outro princípio defendido pela doutrina antiga.
A dignidade da pessoa humana, alçada no topo da pirâmide normativa do ordenamento jurídico brasileiro, encontra na família o solo apropriado para seu enraizamento e desenvolvimento, o que justifica a ordem constitucional no sentido de que o Estado dê especial e efetiva proteção às famílias, independentemente de sua espécie (FARACO, 2014, p. 234).
Este princípio torna essencial a aplicação da igualdade substancial e o tratamento dos desiguais na medias de suas desigualdades. No que tange à família, isso se aplica a tratamentos legais diferenciados, por exemplo a famílias homoafetivas, famílias unipessoais, entre outras tantas possibilidades de arranjo familiar que se mostram desiguais aos contextos legais constitucionais, ponto encerramento aos casos de marginalização e desamparo legal.
3.2 PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Enraizado no aspecto da isonomia, que assevera a igualdade de todos perante a lei e o sistema judiciário como um todo, o princípio da igualdade entre os cônjuges coloca em pauta a necessidade de que os que formam a família sejam tratados sempre como o mesmo respeito, superando marcas de racismo, sexismo, entre outras.
O princípio da igualdade está identificado no art. 3º, inc. IV da Constituição Federal que dispõe ser um objetivo fundamental da República – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (FARACO, 2014, p. 234).
Compreende-se assim, que, ao promover análises legais de uma situação litigiosa ou de necessidade de acordo envolvendo uma família, seja o homem ou seja a mulher, seja a pessoa negra ou branca, amarela ou parada, independente do aranjo familiar ao qual o indivíduo pertença, será tratada de igual forma do seu oponente na luta judicial perante a lei.
O mesmo pode ser dito em relação aos filhos, uma vez que, ao longo do texto da Carta Maior, no seu art. 227, § 6º, encontra-se analise legal sobre tal mister. De mesma forma, no 226, §5º e 227, §7º, encontra-se a igualde aplicada ao que diz respeito à gerência familiar.
Mesmo com toda essa disciplina e normatização entorno da família, é preciso perceber que a observância do princípio da igualdade requer uma capacidade apurada de entender que a autonomia das famílias deve sempre ser observada, pois, o que deve imperar é o respeito ao direito de escolha e a atuação do Estado como instituição cuidadora.
O desafio fundamental para a família e das nas normas que a disciplinam é conseguir conciliar o direito à autonomia e à liberdade de escolha com os interesses de ordem pública que se consubstanciam na atuação do Estado apenas como protetor. Essa conciliação deve ser feita por meio de uma hermenêutica comprometida com os princípios fundamentais do Direito de Família, especialmente o da autonomia privada, desconsiderando tudo aquilo que põe o sujeito em posição de indignidade e o assujeite ao objeto da relação ou ao gosto de outrem sem o seu consentimento (PEREIRA, 2012, p. 189).
Assim, mais que a simples garantia de respeito e cuidado, o direito precisa zelar pela participação ativa e livre de cada um, percebendo todos como iguais, com direitos e deveres dentro do seio familiar, mas, também, entendendo que existem as flexibilizações naturais entorno destas.
3.3 PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE
Este princípio parte da ajuda mutua, do respeito mútuo, da convivência em parceria entre os integrantes da família, e chega aos aspectos que tem relação com a manutenção das estruturas familiares arranjadas por pontos de ligação afetiva, sentimentais, que fazem com que um precise da presença do outro.
O afeto é um sentimento positivo e, por assim ser, a sua ação e o seu desenvolvimento sempre se prestam à construção de uma relação familiar saudável, pois fruto de uma vontade intrínseca e genuinamente verdadeira de formar um vínculo, de se entrelaçar (FARACO, 2014, p. 238).
Uma família que se estrutura de forma afetiva, que busca estabelecer laços para além dos sanguíneos, partindo para o campo sentimental, via de regra, terá muito mais dificuldade em se fragmentar e que seus membros ajam de forma injusta, desrespeitando a dignidade humana dos demais integrantes ou mesmo não agindo uns com os outros de forma solidária.
Ana Carolina Brochado Teixeira (2005, p. 74) fala sobre essa “modernização” no direito brasileiro, levando a uma reflexão dessa temática:
O direito de Família, por seu turno, viu-se compelido a acompanhar essa evolução, sob pena de descumprir sua função primordial, que é reger fatos sociais. Mas isso apenas se realizou em virtude da virada hermenêutica que perpassou todo o Direito Civil, por nós conhecida como fenômeno da constitucionalização ou personalização do Direito Civil, através do qual a pessoa humana assumiu o centro da ordem jurídica.
Como se pode notar, uma nova ordem jurídica para a família foi instalada. A partir do momento que se atribui valor jurídico ao afeto, passou-se a considerar o princípio da afetividade como princípio fundamental no direito de família, o que deixa evidente que, alguém que quebre os laços de afetividade, ou que deixe de lado esse aspecto tão fundamental da agregação familiar, perde direitos em relação ao conjunto que é a família.
Hoje, ser um bom pai ou uma boa mãe, não é algum tipo de escolha de conduta dos genitores perante a criação de sua prole, nem atitude que molde caráter do indivíduo, é uma obrigação protegida por Lei, uma vez que, aos genitores cabe a efetivação de sua missão natural: criar e preparar os filhos para o mundo aos olhos da lei.
Após a evolução familiar, ficou claro que o afeto e cuidado são elementos fundamentais na construção e manutenção das relações familiares. O aprimoramento de nosso ordenamento fez com que a falta, ou negação dessas características pudessem ser reparadas de modo judicial, haja vista que o dever de cuidado é obrigação de todo genitor.
Na jurisprudência nacional, o princípio da afetividade vem sendo muito bem aplicado, com o reconhecimento da parentalidade socioafetiva, predominante sobre o vínculo biológico. Para nós, o princípio da afetividade é importantíssimo, pois quebra paradigmas, trazendo a concepção da família de acordo com o meio social (TARTURCE, 2006, p. 14).
Essa necessidade de reordenamento das ações legais e de aplicação de leis contextualizadas ao meio social e cultural no qual a família se insere, mostra a necessidade da lei em trabalhar com a individualização dos casos, e, de forma igual, agir com justiça e equidade quando de seus julgamentos. A justiça precisa trabalhar com o entendimento de que é a afetividade e os lações emocionais que formatam os arranjos famílias, para além dos laços se sangue que por ventura existam e ajudem a formar a família.
3.4 PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE
Foi a capacidade de convier com os demais em uma coletividade que fez com que o ser humano se tornasse um anima racional de sucesso no meio natural. Cooperar nas caçadas, cuidados doentes, compartilha roupas, alimentos, conhecimentos, são aspectos de solidariedade que contribuíram de forma significativa para o sucesso da humanidade no mundo.
No que toca à seara da legalidade, o princípio da solidariedade está ligado ao cunho ético e moral disposto no artigo 3°, inciso I e artigo 229, Constituição Federal que reza:
Art. 3° Constitui objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - Construir uma sociedade livre, justa e solidária.
Art. 229. Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade. (BRASIL, 1988).
Tomando como base o pensamento de Bianca (2005), é possível dizer que a solidariedade, no que tange ao núcleo familiar, precisa ser compreendida como exemplo de solidariedade que precisa ser recíproca, tanto entres os cônjuges e companheiros, quanto aos demais membros, tendo como aspecto principal a assistência moral e material. A solidariedade em relação aos filhos responde a exigência da pessoa de ser cuidada até atingia a idade adulta, isto é, de ser mantida, instruída e educada para plena formação social.
Não se trata apenas de uma solidariedade material, mas, de uma solidariedade psicológica, solidariedade emocional, entre ouros. Em cada uma dessas situações de solidariedade, existe uma preocupação direta em ajudar e cooperar para que a vida familiar sejam mais apraz.
Há então uma relação de reciprocidade, na qual os pais cuidam dos filhos e na impossibilidade, ou seja, na velhice ou na enfermidade, os filhos cuidam dos pais. Obtendo o dever de cuidar e dar afeto aos seus entes, demonstrando compaixão, ajuda mútua, garantindo os direitos já adquiridos historicamente e constitucionalmente em nosso ordenamento pátrio.
Humana, social e juridicamente inconcebível, quando os filhos falham no princípio da solidariedade para com seus pais, e deixam de cuidar dos mesmos em situações de velhice, doença, impossibilidade de auto cuidado, entre outras, tem-se configurado o abandono afetivo inverso.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A função social do direito é trazer a paz para a sociedade, solucionando as querelas que por ventura venham a se desenvolver entre partes. Deste modo, todos precisam ter acesso à justiça, o que é conhecido como princípio de acesso à justiça, inafastabilidade da jurisdição ou ainda como princípio do controle de jurisdição, o que significa dizer que a justiça não pode deixar de atender nenhum dos cidadãos que venham a procurar o poder judiciário para resolver querelas.
Cada arranjo familiar precisa ser conhecido e respeitado pelos que ajudam a fazer o sistema judiciário, e essa famílias precisam ser bem atendidas pela justiça, que, executando bem o seu trabalho, deverá solucionar os problemas e querelas das famílias, trazendo qualidade e melhoria das condições dessas famílias.
Existem no ordenamento jurídico, infindos princípios aplicáveis no direito de família, sendo que no presente estudo foram destacados apenas alguns de maior relevância para o estudo em questão: o princípio da dignidade humana, o princípio da igualdade (à luz dos aspectos do ambiente familiar), o princípio da solidariedade e o princípio da afetividade, todos muito caros à compreensão do estudo em tela.
Concluso o trabalho, o que fica evidente é que as mudanças que se deram no seio familiar nos últimos anos, exigem que a legislação se atualize, mas, que até essas mudanças essenciais serem efetivadas, seguir os princípios legais quanto às famílias é essencial para bem atender as famílias em suas demandas.
REFERÊNCIAS
AMARAL, J. J. F. Como Fazer uma Pesquisa Bibliográfica. Apostila do Professor. 2007. Disponível em: http://200.17.137.109:8081/xiscanoe/courses1/mentoring/tutoring/Como%20fazer%20pesquisa%20bibliografica.pdf. Acesso em: 05/11/2020.
BIANCA, C. M. Diritto Civile. La famiglia. Le sucessioni. Milano: Giuffrè, 2005. v. II.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: Promulgada em 5 de outubro de 1988.
DIAS, M.B. Manual de Direito das famílias (livro eletrônico). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. 3,03 Mb. PDF.
FARACO, L. Os Princípios Constitucionais do Direito de Família. Revista da Faculdade de Direito da UFRGS – nº 32, 2014, PP. 227-242.
GONÇALVES, C. R. Responsabilidade civil. 13.ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
LARROUSSE, Dicionário da língua portuguesa mini/ {coordenação Diego Rodrigues e Fernando Nuno}. -1ª edição. – São Paulo: Larrousse do Brasil, 2005.
LÉVI-STRAUSS, C. A família. In: SHAPIRO, H. L. Homem, cultura e sociedade. São Paulo: Fundo de Cultura, 1956.
PEREIRA, R. C. Princípios fundamentais e norteadores do direito de família. São Paulo: Editora Saraiva, 2012, p. 42.
SZYMANSKI, H. Viver em família como experiência de cuidado mútuo: desafios de um mundo em mudança. Revista Serviço Social e Sociedade, São Paulo, ano 21, n. 71, p. 9-25, set. 2002.
TARTUCE, F. Novos Princípios do Direito de Família Brasileiro. Seminário virtual Temas atuais do Direito de Família, do site Âmbito Jurídico (www.ambitojuridico.com.br), ocorrido entre os dias 9 e 11 de maio de 2006.
TEIXEIRA, A. C. B. "Responsabilidade Civil e Ofensa à Dignidade Humana". IN Revista Brasileira de Direito de Família. Ano VII. Nº32. Out-Nov 2005, p. 139