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Origem dos recursos aportados a planos de benefícios não deveria condicionar a competência do TCU para fiscalizar diretamente as entidades fechadas de previdência complementar

Agenda 21/11/2022 às 18:15

O Tribunal de Contas da União (TCU) se atribui competência para fiscalizar diretamente as entidades fechadas de previdência complementar (EFPC) ao argumento central de que os recursos aportados nos planos de benefícios administrados por tais entidades deriva de entes públicos e, portanto, são públicos. A matéria restou decidida naquela Corte de Contas no Acórdão 3133/2012, de 21/11/2012, assim ementado:

CONSULTA. CONFLITO DE COMPETÊNCIA PARA FISCALIZAÇÃO DAS EFPC ENTRE TCU E PREVIC. INEXISTÊNCIA. RECURSOS QUE INTEGRAM AS CONTAS INDIVIDUAIS DOS PARTICIPANTES. NATUREZA JURÍDICA DE RECURSOS PÚBLICOS ENQUANTO GERIDOS PELAS EFPC. MARCO LEGAL DA ATUAÇÃO DO TCU: CONSTIUIÇÃO FEDERAL, LEI ORGÂNICA, REGIMENTO INTERNO, INSTRUÇÕES, RESOLUÇÕES E DECISÕES NORMATIVAS PROPRIAS, ALÉM DA LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA APLICÁVEL ÀS EFPC.

Os recursos que integram as contas individuais dos participantes das EFPC, quer oriundos do patrocínio de órgãos públicos ou de entidade de natureza jurídica de direito privado, quer das contribuições individuais dos participantes, enquanto administrados pelas Entidades Fechadas de Previdência Complementar (EFPC), são considerados de caráter público.

O Tribunal, quando for o caso de sua atuação fiscalizatória de primeira ou segunda ordem, sobretudo nas hipóteses de operações que gerem ou possam gerar prejuízos ao erário, verificará o cumprimento dos dispositivos das Constituição Federal, das Leis Complementares nºs 108/2001 e 109/2001, bem como as regulações expedidas pelo Conselho Nacional de Previdência Complementar, pelo Conselho Monetário Nacional entre outras leis e normas infralegais, mediante a utilização dos procedimentos previstos em sua lei orgânica, em seu regimento interno, em suas resoluções administrativas, instruções e decisões normativas, a exemplo de tomadas de contas especiais, inspeções, auditorias, acompanhamentos, monitoramentos, relatórios de gestão etc.

A competência constitucional do TCU para fiscalizar a aplicação de recursos pelas EFPC, direta ou indiretamente, não ilide nem se sobrepõe a outros controles previstos no ordenamento jurídico, como o realizado pelos entes patrocinadores, pela Superintendência Nacional de Previdência Complementar e por outros órgãos a quem lei ou a Constituição Federar atribui competência.

A 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) já proferiu entendimento avalizando a competência do TCU sobre particulares quando envolvendo convênios com entes públicos, tendo em vista o que restou assentado no julgamento do MS 24.379, sob relatoria do Ministro Dias Toffoli:

Em decorrência da amplitude das competências fiscalizadoras da Corte de Contas, tem-se que não é a natureza do ente envolvido na relação que permite, ou não, a incidência da fiscalização da Corte de Contas, mas sim a origem dos recursos envolvidos, conforme dispõe o art. 71, II, da CF.[1]

Mas, mesmo dentro desse diapasão, a 2ª Turma do STF fez distinção entre a natureza da verba, conforme se vê no julgado abaixo, que analisou a situação da Fundação Banco do Brasil:

2. Não compete ao TCU adotar procedimento de fiscalização que alcance a Fundação Banco do Brasil quanto aos recursos próprios, de natureza eminentemente privada, repassados por aquela entidade a terceiros, visto que a FBB não integra o rol de entidades obrigadas a prestar contas àquela Corte de Contas, nos termos do art. 71, II, da CF, não lhe cabendo, por via reflexa, subserviência aos preceitos que regem a Administração Pública. Precedentes.[2]

A questão central, portanto, para se analisar a competência do TCU para interferir nas atividades das EFPC, parece estar localizada na natureza do patrimônio de seus planos de benefícios.

Nesse sentido, buscaremos demonstrar que tais recursos são privados, o que, pelos próprios critérios que o TCU e o STF estabeleceram para identificar competência da Corte de Contas, exclui a possibilidade jurídica de fiscalização direta desta sobre as entidades fechadas de previdência complementar.

Quanto à sua natureza jurídica, a previdência complementar brasileira tem natureza privada, nos termos do art. 202 da Constituição. O mesmo dispositivo informa ainda que o liame jurídico que embasa a relação entre as partes é contratual, que a adesão é facultativa e que a previdência complementar é autônoma em relação ao regime geral de previdência social, uma vez que este é compulsório, público e cujas relações jurídicas decorrem da lei e não de um contrato. O STF já se manifestou afirmando que a previdência complementar tem como substrato um contrato privado, no qual a relação jurídica, embora de natureza previdenciária, se dá entre o beneficiário e a contratante. [3]

Importa salientar que a Constituição Federal, para afirmar, como o fez no art. 202, que a previdência complementar fechada tem natureza privada, não distingue o patrocinador, se empresa privada ou empresa vinculada à Administração Pública.

Portanto, as EFPC, mesmo as que possuem como patrocinador entes públicos, empresas públicas ou sociedades de economia mista, possuem natureza privada, e não integram, em hipótese alguma, a Administração Pública.

Como é assente, a Administração Pública, se desdobra em Direta e Indireta, conforme estabelecido pelo art. 4º do Decreto-Lei 200/1967, sendo que a Administração Direta se constitui dos serviços integrados na estrutura administrativa da Presidência da República e Ministérios, e, a Indireta, compreende as seguintes categorias de entidades, dotadas de personalidade jurídica própria: Autarquias; Empresas Públicas; Sociedades de Economia Mista; Fundações públicas.[4]

Desta maneira, há definições legais tanto para o conceito de Administração Pública, como também para as entidades que compõem a denominada Administração Pública Indireta. Por tal razão MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO classifica Administração Pública como o conjunto de órgãos e pessoas jurídicas aos quais a lei atribui o exercício da função administrativa do Estado. [5]

Trazendo tal realidade jurídica para o âmbito das EFPC patrocinadas por empresas públicas ou sociedades de economia mista, verifica-se que, muito embora possam ser enquadradas como entidades controladas mesmo que indiretamente por sua patrocinadora estatal e desta receba recursos que podem ser classificados como públicos, não integra a Administração Pública, seja direta ou indireta. Não há lei dispondo que as EFPC integram a Administração Pública e, como visto, somente a lei pode atribuir tal categoria a uma pessoa jurídica.

As EFPC são privadas, como o afirmam o citado artigo 202 da Constituição Federal e o artigo 1.º da LC 109/2001 que, repita-se, não fazem distinção entre entidade de previdência patrocinada por ente ou empresa pública ou privada. Tal situação ficou ainda mais evidente com a Emenda Constitucional nº 103, de 2019, que alterou a redação do § 15 do art. 40 da Constituição Federal, retirando a obrigatoriedade de que as entidades de previdência instituídas pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios tenham natureza pública, conforme havia sido estabelecido pela EC 41, de 2003. Portanto, nem mesmo as entidades patrocinadas por entes integrantes da Administração Direta possuem obrigatoriamente natureza pública.

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Deste modo, sendo as EFPC entidades de direito privado, conforme assevera o art. 31, § 1.º, da LC 109/2001, e não havendo lei que as enquadrem como integrantes da Administra Pública, não participam, portanto, do rol das entidades que a integram.

Como já observado, as EFPC recebem recursos (a) das empresas ou entes patrocinadores dos planos de benefícios, (b) dos participantes (empregados ou servidores da ativa) de tais planos e (c) dos assistidos (aposentados e pensionistas).

No caso das entidades patrocinadas por empresas e entes ligados à Administração Pública, regidas pela LC 108/2001, existe a regra da paridade contributiva, segundo a qual a empresa patrocinadora estatal não pode efetuar contribuições normais para o plano de benefício em patamares maiores do que os participantes e assistidos (CF, art. 202, § 3º).

Pela dinâmica de funcionamento da previdência complementar fechada, os recursos dos planos de benefícios vão sendo arrecadados continuamente pelas EFPC e capitalizados para fazer jus aos compromissos previdenciários contratualmente fixados no respectivo regulamento do plano. O resultado positivo dos investimentos retorna ao plano de benefícios e se junta às contribuições dos demais integrantes do plano de benefícios (patrocinadores, participantes e assistidos), sendo continuamente aplicado.

A capitalização dos recursos é obrigatória por força do caput do art. 202 da Constituição Federal que diz que o regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar.

Veja-se, portanto, que, conforme o art. 202 da CF, as reservas formadas pelas contribuições realizadas nos planos de benefícios, acrescidas dos resultados dos investimentos, formam um fundo financeiro para garantia dos benefícios beneficiários contratados.

De quem é a titularidade de tal fundo? Sem sombra de dúvida, tal fundo pertence aos participantes e aos assistidos desses planos, pois estes contrataram junto à EFPC o pagamento de benefícios quando cumpridas as exigências do Regulamento. A EFPC só os administra. E os patrocinadores não possuem ingerência sobre os recursos financeiros.

Tanto é assim que, se o empregado se desligar da empresa empregadora, pode fazer uso dos chamados institutos obrigatórios (benefício proporcional diferido, portabilidade, resgate e autopatrocínio) previstos no art. 14 da LC 109/2001 e, por exemplo, resgatar os recursos de seu plano de previdência ou portá-los integralmente para outra entidade, aberta ou fechada, incluindo os recursos aportados em seu nome no plano de benefícios pela empresa patrocinadora.

A atual norma regulamentadora do art. 14 da citada LC 109/2001 é a Resolução CNPC 50, de 16/02/2022, que assim qualifica cada um dos institutos obrigatórios:

Art. 2º O benefício proporcional diferido é o instituto que faculta ao participante, em razão da cessação do vínculo empregatício com o patrocinador ou associativo com o instituidor antes da aquisição do direito ao benefício pleno, optar por receber, em tempo futuro, o benefício decorrente dessa opção.

Art. 8º A portabilidade é o instituto que faculta ao participante transferir os recursos financeiros correspondentes ao seu direito acumulado para outro plano de benefícios de caráter previdenciário administrado por entidade fechada de previdência complementar, entidade aberta de previdência complementar ou sociedade seguradora autorizada a operar o referido plano.

Art. 16. O resgate é o instituto que faculta ao participante receber, durante a fase de diferimento, valor decorrente de recursos vertidos em seu nome ao plano de benefícios.

Art. 23. O autopatrocínio é instituto que faculta ao participante a manutenção do valor de sua contribuição e a do patrocinador, no caso de perda parcial ou total da remuneração recebida, para assegurar a percepção dos benefícios nos níveis correspondentes àquela remuneração ou em outros definidos em normas regulamentares.

Da simples leitura dos dispositivos acima verifica-se que será o participante quem irá escolher o que fazer com o dinheiro aportado em seu nome por si próprio e pela empresa empregadora (seja pública ou privada, frise-se). Pode mantê-los na entidade e convertê-los em renda no futuro (benefício proporcional diferido). Pode resgatar esses recursos conforme as regras do plano (a lei garante que poderá resgatar no mínimo as próprias contribuições, mas a maioria dos regulamentos dos planos de benefícios permite o resgate de pelo menos parte dos recursos aportados pelos patrocinadores, geralmente vinculando-se ao tempo de permanência no plano). Pode continuar no plano contribuindo sozinho (autopatrocínio). Ou pode, ainda, portar a totalidade dos recursos para outra entidade, fechada ou aberta (incluindo integralmente os aportes feitos pela patrocinadora).

Observe-se, neste último caso, que a lei fala em direito acumulado. A própria LC 109/2001, no parágrafo único do art. 15, conceitua essa expressão: O direito acumulado corresponde às reservas constituídas pelo participante ou à reserva matemática, o que lhe for mais favorável. Cabe aqui conceituar reserva matemática: [6]

A reserva matemática é formada a partir da contribuição do participante mais a contribuição da Patrocinadora, acrescida das rentabilidades mensais de cada plano de benefício. Ela será utilizada para o pagamento dos benefícios previdenciários quando o participante reunir as condições para se aposentar.[7]

Assim, como se vê, a legislação de regência claramente atribui aos participantes dos planos de benefícios a liberalidade sobre o destino dos recursos que, portanto, lhe pertencem, são a eles destinados. Constituem seu patrimônio previdenciário, seu direito acumulado junto ao plano de benefício.

Para a doutrina de Wagner Balera a expressão direito acumulado não é juridicamente aceitável. Esse direito refere-se às reservas ou valores acumulados e não propriamente a um direito, mesmo porque o termo direito, é sintática, semântica e pragmaticamente impreciso, não forma nenhum liame significativa com a palavra acumulado. O direito não é acumulável, haja vista que não é coisa.[8]

O doutrinador tem absoluta razão quanto à imprecisão do termo eis que não se trata de direito em abstrato, mas de coisa concreta, de patrimônio, o patrimônio garantidor do benefício previdenciário.

Nesse sentido é de se citar que o plano de benefícios possui independência patrimonial, contabilização segregada e inscrição no CNPJ, conforme Resolução nº 31, de 11/12/2018:

Art. 2º Cada plano de benefícios de caráter previdenciário deverá manter independência patrimonial em relação aos demais planos de benefícios operados pela entidade fechada de previdência complementar, assim como em relação à entidade que o administra, por meio da inscrição no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica - CNPJ, conforme regulamentação da Secretaria da Receita Federal do Brasil.

§ 1º O plano de benefícios de caráter previdenciário possui identidade própria e individualizada em todos os aspectos regulamentares, cadastrais, atuariais, contábeis e de investimentos.

§ 2º Os recursos de um plano de benefício não respondem por obrigações de outro plano de benefícios ou por obrigações da entidade que o administra.

Tal conjunto normativo indica que os planos de benefícios se assemelham juridicamente aos fundos de investimentos, conceituados no art. 1.368-C do Código Civil como uma comunhão de recursos, constituído sob a forma de condomínio de natureza especial, destinado à aplicação em ativos financeiros, bens e direitos de qualquer natureza.

Portanto, os recursos dos planos de benefícios formam um patrimônio segregado e constituem a reserva de poupança previdenciária de titularidade dos participantes e assistidos. São necessariamente privados, como são a remuneração e demais benefícios pagos ou disponibilizados aos empregados.

Assumir que os recursos dos planos de benefícios continuam públicos porque tiveram aportes de entes ou empresas estatais e que, portanto, estaria o TCU autorizado a fiscalizar diretamente as EFPC, poderia conduzir a situações pitorescas e absolutamente desarrazoadas. Por exemplo, deveria ser admitida a hipótese, juridicamente absurda, da fiscalização sobre o uso que o empregado público faz do vale refeição, do plano de saúde colocado à sua disposição ou, em última análise, até do próprio salário. Não se pode olvidar que a instituição de previdência privada aos empregados constitui uma utilidade fornecida pelo empregador, na forma do art. 458, § 2º, VI, da Consolidação das Leis do Trabalho, assim como outros benefícios trabalhistas.

Indo mais além, caso seja permitida a fiscalização do TCU sobre os recursos dos planos de benefícios das EFPC sob a ótica da origem pública da formação do seu patrimônio, terá que ser admitida, ainda, a investigação direta daquela Corte de Contas nas empresas privadas investidas por tais entidades de previdência, como por exemplo, a Vale do Rio Doce, o Banco Itaú e inúmeras outras grandes companhias privadas listadas na bolsa de valores brasileira e que possuem entre seus acionistas as EFPC ou fundos de investimentos dos quais tais entidades são cotistas. Pelo critério adotado equivocadamente pelo TCU os recursos investidos nessas empresas também teriam origem pública, o que tornaria a Corte de Contas legitimada para fiscalizar toda e qualquer empresa privada que tivesse as EFPC patrocinadas por estatais como acionista, cotista, debenturista etc.

Aliás, ainda nesse exercício hipotético, deveria ser cogitada até a absurda hipótese de o TCU fiscalizar empresas privadas em solo estrangeiro, pois as EFPC, por força do art. 26 da Resolução CMN 4.994, de 24/03/2022, podem investir até 10% do patrimônio de cada um de seus planos de benefícios em outros países.

Veja-se, portanto, que não se sustenta o argumento de que a origem de uma parte dos recursos dos planos de benefícios administrados pelas EFPC condiciona a competência do TCU. Os recursos aportados pelo patrocinador nos planos de benefícios serão sempre privados, seja esta patrocinadora uma empresa privada ou ligada à Administração Pública, eis que destinados a uma finalidade previdenciária, uma utilidade instituída e destinada ao empregado, conforme a estrutura constitucional e legal vigente.

Um outro argumento, que se junta subsidiariamente ao até aqui exposto, reforça ser insustentável juridicamente a possibilidade de que o TCU intervenha diretamente sobre as EFPC: já existe um órgão federal responsável pela fiscalização em tais entidades.

O art. 21, VIII, da Constituição Federal determina a competência da União para ... fiscalizar as operações de natureza financeira, especialmente as de crédito, câmbio e capitalização, bem como as de seguros e de previdência privada. Na ADI 1.357, o STF já assentou que o art. 21 da Constituição Federal traz competências privativas da União.[9]

Assim, para a tarefa de fiscalização das atividades de previdência privada, a competência privativa é da União, que exerce tal competência por meio da já citada PREVIC para as entidades fechadas, e da SUSEP-Superintendência de Seguros Privados, para as entidades abertas, criada pelo Decreto-lei nº 73, de 21/11/1966.

A Constituição Federal não atribuiu a função de fiscalizar a previdência privada ao TCU, eis que não consta do rol taxativo do art. 71, mas à exclusiva competência da União.

E o fato é que as EFPC são intensamente fiscalizadas e normatizadas. Não há vácuo fiscalizatório, ao contrário, há intensa fiscalização e prestação de contas por parte da PREVIC. Se admitida a fiscalização direta das EFPC por parte do TCU estar-se-ia permitindo uma sobreposição de entes fiscalizadores, com evidente bis in idem regulatório e fiscalizatório sobre o administrado.

Há de ser mencionado que a PREVIC e o TCU, inclusive, firmaram, em 15/03/2018, um Acordo de Cooperação Técnica com vistas ao intercâmbio de informações, à articulação e à coordenação de atividades comuns, conjuntas ou correlatas[10], mas tal acordo não implica delegação de competência fiscalizatória daquela autarquia para este tribunal administrativo. Inclusive porque tal competência é indelegável, derivada diretamente da Constituição e da Lei 12.154/2009, motivo pelo qual, caso houvesse qualquer indício de delegação, seria no mínimo ilegal, eis que o art. 13, III, da Lei. 9.784/1999 estabelece que não podem ser objeto de delegação as matérias de competência exclusiva do órgão ou autoridade.

Conforme procuramos demonstrar no presente artigo, os dispositivos constitucionais e legais atinentes à previdência complementar fechada em nosso país conferem a esta uma natureza jurídica privada, contratual e facultativa, não importando se o patrocinador é vinculado à Administração Pública ou uma empresa privada. As EFPC não integram a Administração Pública, eis que não há lei assim classificando tais entidades.

Uma vez aportados os recursos no plano de benefícios, o patrocinador não mais participa diretamente da decisão sobre seu destino. No que tange ao benefício previdenciário ou aos institutos obrigatórios quem passa a tomar as decisões sobre o que fazer com o direito acumulado do participante é ele próprio, obedecidas a legislação pertinente e as regras do Regulamento do plano.

As normas da previdência complementar fechada não impedem a circulação de recursos para efetivação, à critério exclusivo do participante, do exercício do direito aos institutos obrigatórios, sob o argumento de que são recursos públicos. E isto porque, verdadeiramente, não são. Os recursos dos planos de benefícios administrados pelas EFPC possuem natureza privada, pois privada é a natureza do benefício previdenciário a ser pago (assim como a remuneração do empregado, o vale refeição e demais benefícios oferecidos pelo empregador). Os recursos aportados nos planos de benefícios pelo patrocinador passam a integrar o patrimônio previdenciário dos participantes, que é privado.

Nesse sentido, resta afastada, no nosso entendimento, a premissa de que os recursos dos planos de benefícios administrados pelas EFPC patrocinadas por estatais são públicos. O TCU foca seu entendimento apenas na origem dos aportes dos patrocinadores vinculados à Administração Pública quando, no nosso entendimento, e em obediências aos pressupostos constitucionais e legais relativos à previdência complementar fechada, deveria ser observada não a origem, mas o destino dos recursos, que são previdenciários e, portanto, privados, de titularidade dos participantes e assistidos do plano de benefícios. Sendo tais recursos privados, não há que se falar em competência do TCU para fiscalizar diretamente as EFPC patrocinadas por estatais.

Pelo ângulo da conformação institucional trazida pela Constituição Federal para a matéria, vê-se ainda que a presença do TCU no âmbito fiscalizatório direto sobre as EFPC não é autorizada pelo Constituinte, tendo em vista a previsão, no texto constitucional, de um órgão federal específico para fiscalização de tais entidades, papel atualmente exercido pela PREVIC, autarquia federal com plena e indelegável competência para a tarefa.

Brasília, novembro de 2022.

Sobre o autor
Alexandre Maimoni

Alexandre Brandão Henriques Maimoni, Advogado especializado em Direito Administrativo e previdência complementar fechada, Membro titular da Câmara de Recursos da Previdência Complementar, Possui graduação em Direito pela Universidade de São Paulo(1993), graduação em Comunicação Social - Jornalismo pelo Centro Universitário de Brasília(1999), especialização em Direito da Medicina pela Universidade de Coimbra(2014), especialização em Health Strategic Management for the Executive Manager (HESTRAM) pela University of Miami(2015) e aperfeicoamento em Curso Avançado de Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público(2001). Atualmente é Sócio em escritório de advocacia da Maimoni Advogados Associados. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Público.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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