Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

Cessão de Direitos Hereditários sobre bem determinado. É possível lavrar esse tipo de Escritura?

Agenda 23/11/2022 às 11:46

A CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS deve ser formalizada por Escritura Pública. Trata-se de um negócio jurídico plenamente válido que possui regras muito bem contornadas no art. 1.793 e seguintes do Código Civil e pode ser uma viável solução para quem tem bens a resolver em sede de INVENTÁRIO e PARTILHA mas não pretende enfrentar toda a via crucis que pode representar um Inventário Judicial (ou mesmo um Extrajudicial), além dos seus elevados custos. Algumas observações importantes devem ser ser feitas no que diz respeito a este negócio jurídico, que ainda que atraia regras da COMPRA E VENDA (quando onerosa a cessão) e da DOAÇÃO (quando graciosa) não deve jamais tratar de venda ou doação de direitos mas CESSÃO, como ensinam os mestres GAGLIANO e PAMPLONA (Novo Curso de Direito Civil. 2022) que destacam ainda:

"Trata-se, inequivocamente, de um ato negocial de NATUREZA ALEATÓRIA, na medida em que o cessionário ASSUME O RISCO de NADA VIR A RECEBER, caso se apure a existência de dívidas deixadas pelo falecido, que possam vir a ESGOTAR as forças da herança. Por isso, quando onerosa a cessão, o preço recebido pela quota transferida costuma ser mais baixo, exatamente para cobrir o risco de o cessionário não receber, ao cabo do inventário ou arrolamento, o justo valor pela quota por quer pagou".

Como se percebe, não deixa de ser um negócio de RISCO como todas as transações relacionadas a patrimônio. A importância da assessoria especializada de Advogado - inclusive e especialmente antes mesmo de o adquirente adiantar qualquer valor aos herdeiros cedentes - é nítida: trata-se de negócio de risco, negócio aleatório, onde o adquirente pode realmente nada vir a receber (caso a herança seja consumida pelas dívidas do espólio, como aliás prevê com clareza o art. 1.997 do CCB), sem contar da previsível necessidade de enfrentar um INVENTÁRIO (judicial ou extrajudicial) e seus respectivos custos.

Efetivamente analisar, dimensionar e projetar os custos e etapas além de dar melhor visão ao adquirente/cessionário vai lhe permitir negociar de forma mais inteligente a aquisição, inclusive no que diz respeito a preço da negociação, na hipótese de uma Cessão de Direitos onerosa.

Ponto importante, pode dizer respeito à necessidade de uma Cessão de Direitos sobre bem determinado, que evidentemente será uma Cessão PARCIAL do direito hereditário. Tal negociação é plenamente possível, ainda que muitos Cartórios de Notas, inadvertidamente - prefiro acreditar - estejam negando a sua realização. O ato não é nulo; ele pode ser reputado ineficaz, porém - como dito acima, sendo feito com a devida assessoria pode representar na verdade uma SOLUÇÃO e uma excelente oportunidade de negócio. A doutrina abalizada do ilustre ZENO VELOSO ( http://www.cartaforense.com.br/conteudo/artigos/cessao-de-direitos-hereditarios-de-bens-singulares-possibilidade/5649) é clara:

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

"O art. 1.793, § 2º, dispõe que é INEFICAZ a cessão, pelo co-herdeiro, de seu direito hereditário sobre qualquer bem da herança considerado SINGULARMENTE. (...). Note-se: a cessão de um bem individuado, dentre os que compõem o espólio, NÃO É NEGÓCIO JURÍDICO INVÁLIDO. Não é nulo, nem anulável. A censura da lei está no PLANO DA EFICÁCIA. A cessão, neste caso, é ineficaz, não produz efeito, é inoponível aos demais herdeiros, dado que a herança é uma universalidade, e até a partilha, indivisível. Todavia, a cessão que teve por objeto direito sobre bem determinado recobrir-se-á de eficácia, futuramente, se, na partilha, o aludido bem for efetivamente atribuído ao herdeiro cedente. A questão estará superada, e tudo se resolve. A eficácia opera ex tunc, até por imperativo da lógica e do bom senso".

Em Cartório a realização deste negócio amarrada junto ao INVENTÁRIO EXTRAJUDICIAL também pode representar uma solução viável e rápida, já que será prescindível o processo judicial para dar solução aos bens da herança. A assistência de Advogado, repisamos, aqui além de nitidamente recomendável é obrigatória como aponta a Lei 11.441/2007 e a regulamentação pela Resolução 35/2007 do CNJ.

POR FIM, a jurisprudência do STJ que não deixa dúvidas sobre a possibilidade de realização de Cessão de Direitos Hereditários sobre BEM DETERMINADO:

"STJ. REsp: 1809548/SP. J. em: 19/05/2020. RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. (...) CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS. BEM DETERMINADO. NULIDADE. AUSÊNCIA. NEGÓCIO JURÍDICO VÁLIDO. EFICÁCIA CONDICIONADA QUE NÃO IMPEDE A TRANSMISSÃO DA POSSE. (...) 5. A cessão de direitos hereditários sobre bem singular, desde que celebrada por escritura pública e não envolva o direito de incapazes, não é negócio jurídico nulo, tampouco inválido, ficando apenas a sua eficácia condicionada a evento futuro e incerto, consubstanciado na efetiva atribuição do bem ao herdeiro cedente por ocasião da partilha. 6. Se o negócio não é nulo, mas tem apenas a sua eficácia suspensa, a cessão de direitos hereditários sobre bem singular viabiliza a transmissão da posse, que pode ser objeto de tutela específica na via dos embargos de terceiro. (...). 9. Recurso especial não provido"

Sobre o autor
Julio Martins

Advogado (OAB/RJ 197.250) com extensa experiência em Direito Notarial, Registral, Imobiliário, Sucessório e Família. Atualmente é Presidente da COMISSÃO DE PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS da 8ª Subseção da OAB/RJ - OAB São Gonçalo/RJ. É ex-Escrevente e ex-Substituto em Serventias Extrajudiciais no Rio de Janeiro, com mais de 21 anos de experiência profissional (1998-2019) e atualmente Advogado atuante tanto no âmbito Judicial quanto no Extrajudicial especialmente em questões solucionadas na esfera extrajudicial (Divórcio e Partilha, União Estável, Escrituras, Inventário, Usucapião etc), assim como em causas Previdenciárias.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!