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Entre bits e bytes: o direito real e a propriedade no mundo virtual

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Agenda 01/02/2023 às 17:28

Objetos virtuais só existem numa simulação de computador. Como classificá-los juridicamente?

Resumo: O termo Objetos Virtuais se refere à classe de objetos que existem a partir da uma simulação de computador, ou seja, dentro do mundo virtual. Com a popularização dos mesmos e a sua valoração, se torna pertinente ao Direito classificá-los e tutelá-los. Esse trabalho será realizado através de revisão bibliográfica. Considerando o estado de novidade do assunto, existem poucas disposições doutrinárias, legislativas e jurisprudenciais sobre o tema. Desse modo, a elaboração de novos textos legislativos e de estudos se mostra importante. De todo modo, esse trabalho permite concluir que a propriedade de objetos virtuais já é uma realidade e que a tutela do direito em relação aos mesmos com isso em voga se faz necessária, assim como a que se faça a classificação desses objetos como coisas, o que é pertinente e plausível.

Palavras-Chave: Direito das Coisas. Criptomoeda. Criptoativo. Objeto Virtual.

Sumário: 1 INTRODUÇÃO. 2 OBJETOS VIRTUAIS. 2.1 Block Chain e o Experimento Bitcoin. 2.2 NFT E Smart Contract. 2.3 Formas Simples de Objeto Virtual e Negociações de Licenças de Ambiente Virtual. 3 OS IMPACTOS DOS OBJETOS VIRTUAIS NO MUNDO JURÍDICO . 3.1 Os Impactos do Mundo Virtual nos Outros Ramos do Direito . 3.1.1 Direito Administrativo. 3.1.2 Direito Tributário. 3.1.3 Direito Penal. 3.2 Direito das Coisas. 3.2.1 Da coisa. 3.2.2 Da Posse. 3.2.3 Da Propriedade. 4 AS COLOCAÇÕES SOBRE OS OBJETOS VIRTUAIS NA LEGISLAÇÃO E JURISPRUDÊNCIA PÁTRIA. 4.1 A Legislação. 4.1.1 Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil, Nº 1888, de 03 de maio de 2019. 4.1.2 Parecer de Orientação CVM nº 40, de 11 de outubro de 2022. 4.1.3 Projeto de lei nº 4401, de 2021 (nº 2.303/2015, na Câmara dos Deputados). 4.1.4 Comunicado BACEN Nº 25306 DE 19/02/2014. 4.2 A Jurisprudência. 5 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS.


1. INTRODUÇÃO

Objetos virtuais, isto é, objetos que existem por meio de simulação de computador, são atualmente umas das mais diversas facetas das relações de consumo e de negócios de toda uma geração que é familiarizada com a internet. Seja na forma de agregadores de valor ou de cosméticos dentro de jogos, muito dinheiro é gasto em relação a uma classe de objetos que não é, sequer, tangível.

Tais objetos, principalmente as criptomoedas, se popularizaram a partir do ano de 2009, com a proposta inicial da Block Chain, feita por Satoshi Nakamoto, e, desde então, usuários em todo o mundo utilizam dos mesmos para realizar transações e negócios nos mais diversos tópicos.

O direito possui interesse em relação a esses objetos, uma vez que os direitos constituídos em relação a eles acabam por ser objetos de ações judiciais, cuja resolução fica condicionada a interpretação dos juizados, uma vez que ainda não se observa uma consolidação na classificação em relação a esses objetos, principalmente no que se fala das leis.

Com pouquíssimas leis versando sobre o tema e uma enxurrada de demandas relacionadas ao mesmo, além da necessidade do estado em relação a classificação desses objetos para fins relacionados a sua existência, se torna pertinente tentar explicar a natureza desses objetos, assim como compara-los aos objetos físicos.

Dessa forma, o presente trabalho busca informar o que vem a ser objetos virtual e suas diversas espécies, demonstrar as interações desses objetos em relação aos ramos do direito e apresentar as disposições legislativas e jurisprudenciais brasileiras em relação ao tema, fazendo-se através de pesquisa e revisão bibliográfica de material escrito e on-line.

No primeiro capítulo, será explicado o que vem a ser objeto virtual e sus espécies, de acordo com a interpretação fornecida nesse trabalho, tais sejam as criptomoedas, os NFT’s e os Smart Contracts e as licenças de uso dentro de ambiente virtual, assim como os mecanismos nos quais esses objetos são criados.

No segundo capitulo, serão demonstrados as interações entre os objetos virtuais e os ramos do direito, assim como os temas pertinentes no que se refere ao Direito das Coisas, tal como o conceito de coisa, propriedade e posse.

No terceiro capitulo, serão apresentadas as colocações legislativas relacionadas ao tema em questão, assim como algumas colocações de tribunais em ações relacionadas a esse tipo de objeto.

A partir disso, se extrai que a propriedade desse tipo de objeto já é um fato e que ele meramente deve ser tutelado pelo direito

Deste modo, conclui-se que a legislação brasileira ainda possui pouquíssimas entradas quando se trata de qualquer que seja o tipo de objeto virtual, assim como o fato de haver terminologias desencontradas entre essas disposições legais, dessa forma sendo necessário que sejam padronizados os termos e que seja elaborada lei pertinente ao tema que venha a sanar as dúvidas em questão. Ainda assim, as legislações, de todo modo, já servem o seu fim especifico.


2. OBJETOS VIRTUAIS

Vindo da obscuridade de um projeto que tinha como objetivo interligar os centros de pesquisa do Departamento de Defesa dos Estados Unidos, a Internet tem hoje um papel crucial nesse atual mundo globalizado. Quase tudo pode ser feito através dela, e o que ainda não é possível, logo será. Assim, não é incomum pensar que a internet passou a não só ser uma ferramenta estratégica, mas também uma fonte de renda para milhares de pessoas ao redor do globo: através da internet, é possível comprar e vender objetos, compartilhar e adquirir conhecimento, achar pessoas ou se esconder, etc., tudo através dos meandros de suas incontáveis conexões.

Por tal motivo, não é surpresa que a internet, de certo modo, criou um mundo que só existe dentro dela: o mundo virtual. Nele, as pessoas encontram aquilo que procuram quase que da mesma forma que no mundo real, ou seja, com endereço fixo e até CEP, basta apenas que você digite as palavras certas no lugar certo. Mesmo assim, esse mundo não existe de fato, pois ele é, por definição, virtual, ou seja, ele não está no plano físico, mas sim em uma realidade criada. Conforme definição do dicionário on-line Dicio, a palavra ‘virtual’ pode ser interpretada das seguintes formas: “Não real; simulado eletronicamente; [...] [Informática]: Que existe unicamente como resultado de uma demonstração ou simulação criada por um programa de computador [...]; teórico; sem consequência real; cuja existência ocorre em teoria. [...] (DICIO, 2022, não paginado) ”. Ou seja, para os efeitos deste trabalho, aquilo que é virtual não existe de fato, sendo uma criação de meio eletrônico, como a internet, por exemplo.

Ainda, o mundo virtual proporcionado pela internet vem evoluindo a cada dia, com ambientes de realidade virtual ou realidade aumentada se tornando cada vez mais comuns nos mais diversos locais da internet, como o Metaverso proposto por Mark Zuckerberg ou o jogo VRChat, da produtora de mesmo nome, VRChat. Neles, usando a internet, as pessoas misturam a realidade virtual e a aumentada e interagem com um mundo totalmente criado em computador.

Da mesma forma, já deixou de ser mera possibilidade que as coisas criadas nesse mundo virtual possam ser negociadas por aqueles interessados naquilo como uma forma de investimento, ocorrendo a especulação de valores em relação a àquilo que sequer existe no mundo físico.

Entretanto, conforme preceitua Ammous (2018, p. 170), “[...] The nature of digital objects, since the inception of computers, is that they are not scarce. They can be reproduced endlessly, and as such it was impossible to make a currency out of them, because sending them will only duplicate them. [...]1” Como se observa, os objetos virtuais são essencialmente infinitos, fazendo com que eles sejam péssimas escolhas quando se trata de atribuição de valor.

Assim, usando a definição de ‘virtual’ dada anteriormente, e conforme o Professor Ammous (2018) preceitua, os objetos virtuais podem ser definidos como criações feitas em computador, proporcionadas por um programa, cuja reprodução é ilimitada, não havendo empecilhos para a sua expansão numérica. Deste modo, precisava-se que os objetos virtuais se tornassem limitados, afim de atribuir existência única para cada um deles, da mesma forma que se atribuía valor, sem que tal existência e valoração não fosse mera especulação.

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Destarte, se observará, a seguir, um breve resumo das tecnologias usadas para a criação de objetos virtuais e as formas em que os eles tomam quando assumem lugar no mundo virtual.

2.1 Block chain e o experimento bitcoin

Em outubro de 2008, Satoshi Nakamoto publicou, para um seleto grupo de entusiastas da criptografia, no domínio bitcoin.org, um ensaio, de nome “Bitcoin: A Peer-to-Peer Electronic Cash System”, cuja tradução é “Bitcoin: Um sistema de Dinheiro Eletrônico Par-à-Par”, onde detalhava sua proposta para um sistema de dinheiro eletrônico sem a validação de um terceiro de confiança. Vale destacar que, até hoje, Satoshi Nakamoto ainda permanece desconhecido, sendo tratado apenas como um pseudônimo de uma pessoa ou um grupo de pessoas que desenvolveu a ideia para a Block Chain.

No documento, Satoshi detalha como, usando um sistema complexo que utilizava conceitos de criptografia, era possível criar uma sequência (corrente, ou ‘chain’) de dados (bloco, ou ‘block’) que nunca se repetia e, com apenas o trabalho exercido para criar a corrente, era possível garantir sua autenticidade perante fraudes.

Mas como se pode perceber, o que viria a ser chamado de Block Chain estava atrelada ao Bitcoin quase que por um cordão umbilical, já que, sem esta tecnologia, o Bitcoin não poderia ter existido, ou seja, para suprir os interesses da criação de uma moeda digital, a Block Chain precisava surgir.

Deste modo, vale levar em consideração os motivos para que Satoshi viesse a criar o Bitcoin. Sua intenção era criar uma forma de dinheiro eletrônico puramente entre pares, que não requeresse terceiros para transação e que sua oferta não pudesse ser alterada por qualquer terceiro (AMMOUS, 2018, p. 171).

Vale lembrar que a maioria das transações atuais ocorrem com o intermédio de um terceiro, como um banco por exemplo, usando objetos virtuais reproduzidos indiscriminadamente, que representariam o dinheiro em questão, assim como, conforme discorre Nascimento (2021, p. 12) “[...]. Pode parecer estranho, mas não podemos esquecer que, em tese, uma boa parte do dinheiro em circulação simplesmente consiste em registros eletrônicos na base de dados de algum governo ou instituição bancária.”. Além disso, ainda existe a natureza intrínseca dos objetos virtuais, usados para a validação das transações nesse modelo, que são facilmente reproduzíveis devido impossibilidade de sua escassez (AMMOUS, 2018, p. 270).

Assim, observa-se que os interesses para a criação do Bitcoin estavam atrelados com a insatisfação de Satoshi com a forma em que os bancos e os diversos governos pelo mundo geriam o sistema monetário global, então, conforme continua Ammous (2018, p. 171), “[...] Nakamoto succeeded in achieving this through the utilization of a few important though not widely understood technologies: a distributed peer-to‐peer network with no single point of failure, hashing, digital signatures, and proof-of‐work.” 2

Para Satoshi, além disso, o problema era que quanto mais variáveis existissem no momento da transação, maior a possibilidade de fraude, e a forma mais segura de transação é aquela que envolve duas partes apenas, como no caso do dinheiro físico onde uma paga e o outra recebe, ou seja, a vantagem dessa modalidade de pagamento e de ser imediato e final, não requerendo confiança de nenhum dos lados, e não sendo possível intervir para impedir tal tipo de transação (AMMOUS, 2018, p. 169).

Para viabilizar o Bitcoin, Satoshi então precisava de uma tecnologia que suprisse a necessidade da garantia de um terceiro enquanto trouxesse as características positivas do dinheiro físico (principalmente a falta de necessidade de um terceiro garantidor), sem ainda trazer os problemas e limitações do mesmo (como a necessidade de se efetuar pagamento em pessoa), e, para isso, ele propôs a tecnologia que viria a ser chamada de Block Chain, que nada mais é que uma rede compartilhada de capacidade de cálculo, onde se emprestava CPU para realização de cálculos matemáticos complicadíssimos, e, conforme se concluía os cálculos e a rede os verificava, era recebido uma recompensa pela apresentação da solução da prova de trabalho.

A partir disso, na Block Chain, cada Bitcoin carrega consigo todo o trabalho da rede para chegar à sua existência, ou seja, ele possui garantia de existência perante toda a rede, uma vez que, quando apresentado para qualquer parte da rede, esta pode solucionar o cálculo enquanto verifica os fatores da equação, mesmo sabendo o resultado, para que assim se garanta a autenticidade daquele bloco da corrente, permitindo que se possa adicionar blocos a partir daquele devido à sua autenticidade, conforme Ammous caracteriza em relação a Block Chain:

[...]. Every transaction has to be recorded by every member of the network so that they all share one common ledger of balances and transactions. Whenever a member of the network transfers a sum to another member, all network members can verify the sender has a sufficient balance, and nodes compete to be the first to update the ledger with a new block of transactions every ten minutes. In order for a node to commit a block of transactions to the ledger, it has to expend processing power on solving complicated mathematical problems that are hard to solve but whose correct solution is easy to verify. This is the proof-of‐work (PoW) system, [...]. Once a node solves the proof-of-work correctly and announces the transactions, other nodes on the network vote for its validity, and once a majority has voted to approve the block, nodes begin committing transactions to a new block to be amended to the previous one and solving the new proof-of‐work for it. [...] (AMMOUS, 2018, p. 171-172) 3

Então, Satoshi havia conseguido colocar em prática sua ideia e criou o que viria a ser a primeira forma de dinheiro eletrônico que em funcionava sem a garantia de terceiro, já que os usuários que emprestavam CPU para blockchain forneciam a garantia coletiva do Bitcoin, mas, mais do que isso, Satoshi havia criado, com sucesso, dois conceitos importantíssimos para a valorização de objeto virtual: a ‘escassez virtual’ e a ‘escassez absoluta’.

Em suma, a ‘escassez virtual’ está atrelada ao fato de que um Bitcoin não poderia existir em dois lugares ao mesmo tempo dentro do mundo virtual, diferente de todas as formas de objeto virtual anteriores, fazendo com que ele se torne escasso, conforme discorre Ammous (AMMOUS, 2018, p. 174) :

With this technological design, Nakamoto was able to invent digital scarcity. Bitcoin is the first example of a digital good that is scarce and cannot be reproduced infinitely. While it is trivial to send a digital object from one location to another in a digital network, [...], it is more accurate to describe these processes as copying rather than sending, because the digital objects remain with the sender and can be reproduced infinitely. Bitcoin is the first example of a digital good whose transfer stops it from being owned by the sender.4

Além disso, Bitcoin pode ser considerado a primeira forma de comódite ‘verdadeiramente escassa’, ou ‘absolutamente escassa’, considerando que seus números são invariavelmente limitados, uma vez que, conforme Ammous (AMMOUS, 2018, p. 174) continua em seu argumento:

[...], Bitcoin is also the first example of absolute scarcity, the only liquid commodity (digital or physical) with a set fixed quantity that cannot conceivably be increased. Until the invention of Bitcoin, scarcity was always relative, never absolute. It is a common misconception to imagine that any physical good is finite, or absolutely scarce, because the limit on the quantity we can produce of any good is never its prevalence in the planet, but the effort and time dedicated to producing it. 5

Assim, mesmo com o sucesso do experimento, o Bitcoin ainda tinha um bom percurso pela frente até deslanchar em um agregador de valor de sucesso como ele é hoje, já que ele precisava se tornar popular. Da mesma forma, a Block Chain demoraria o mesmo tanto para se tornar um popular método de garantia usada por para ciar a escassez de outras criptomoedas e objetos virtuais.

2.2 NFT e Smart Contract

A Block Chain, como dito anteriormente, é um registro comum e compartilhado que garante o Bitcoin. Nela, todas as informações relacionadas a existência e a transação de um Bitcoin estão contidas e são atualizadas por uma rede compartilhada de usuários, sendo que a base da tecnologia blockchain também é usada por diversas outras criptomoedas dentro do mundo virtual.

Mas, existe a possibilidade de, além das informações referentes a garantia de uma criptomoeda, a blockchain também carregar consigo outras informações, distintas da criptomoeda, que também são capazes de imputar garantia em relação a outros objetos virtuais, sejam eles arquivos de imagem ou um documento, como é o caso dos Smart Contracts e dos NFT.

No caso dos Smart Contracts, ou ‘contratos inteligentes’, conforme discorre Ammous (2018, p. 258) “[...] Smart contract cryptographic systems such as Ethereum encode contracts into a blockchain to make them self-executing, with no possibility for appeal or reversal and beyond the reach of courts and police. [...] 6 Nessa hipótese, o contrato fica limitado àquilo que constitui seu conteúdo e protegido em relação a interferência externa, não sendo possível alteração realizada por fora da blockchain.

Normalmente, conforme discorre Ammous (2018, p. 258) “[...] contracts are drafted by lawyers, judged by courts, and enforced by the police. [...]7 . No caso dos contratos civis realizados entre duas pessoas, o que garante a executabilidade do contrato é a anuência de ambas as partes em relação ao conteúdo e as cláusulas do contrato e a garantia que a lei proporciona caso haja descumprimento das cláusulas.

Nesse sentido, o código descrito na blockchain em que o contrato está é aquilo que dá garantia de executabilidade para ele, além da confiança das partes na blockchain, por esse motivo ele é auto executável, ou seja, o código de programação que codifica o contrato é aquilo que substitui a lei no caso dos Smart Contracts, conforme exemplifica Ammous (2018, p. 258), “[...]“Code is law” is a motto used by smart contract programmers. [...] 8 .

Os conteúdos dos Smart Contracts variam muito, podendo ser acordos entre os usuários da rede Ethereum que delimitam a transferência da criptomoeda, mas, essencialmente, como discorre Entriken, et al. (2018, não paginado):

There are many proposed uses of Ethereum smart contracts that depend on tracking distinguishable assets. Examples of existing or planned NFTs are LAND in Decentraland, the eponymous punks in CryptoPunks, and in-game items using systems like DMarket or EnjinCoin. Future uses include tracking real-world assets, like real-estate (as envisioned by companies like Ubitquity or Propy). [...] 9

Como se pode observar, os objetos dos contratos inteligentes podem ser desde ativos virtuais até mesmo ativos no mundo real, entretanto, eles dependem do rastreio dos ativos que são seus objetos, ou seja, eles precisam mostrar para quem assina o contrato aonde está o ativo, seja ele virtual ou real.

Assim, uma outra possibilidade de conteúdo dos Smart Contracts são os NFT’s, sigla em inglês para non-fungible token, ou ‘ficha não fungível’, sendo que essa ‘ficha’ existe apenas no mundo virtual. Além disso, conforme definição do dicionário on-line Dicio, na acepção jurídica da palavra ‘infungível’ (ou ‘não fungível’), “[Jurídico] Que é insubstituível; que não pode ser substituído por outro bem de mesma espécie (valor, quantidade e qualidade): uma obra de arte de Picasso é um bem infungível. “ (DICIO, 2022, não paginado)

A alcunha foi forjada para delimitar aqueles ativos digitais que passaram por um tratamento criptográfico afim de atribuir a eles um lugar para ir na blockchain do Ethereum, ou seja, a ficha aponta para quem a possui aonde ir na blockchain afim de reivindicar o ativo adquirido, ou conforme explica Entriken, et al. (2018, não paginado):

Every NFT is identified by a unique uint256 ID inside the ERC-721 smart contract. This identifying number SHALL NOT change for the life of the contract. The pair (contract address, uint256 tokenId) will then be a globally unique and fully-qualified identifier for a specific asset on an Ethereum chain. [...] 10

Nesse sentido, eles passam a ser únicos e adquirem a capacidade de representar não só ativos digitais ou físicos, mas também a propriedade dos mesmos, conforme propõe Entriken, et al. (2018, não paginado):

[...] We considered use cases of NFTs being owned and transacted by individuals as well as consignment to third party brokers/wallets/auctioneers (“operators”). NFTs can represent ownership over digital or physical assets. We considered a diverse universe of assets, and we know you will dream up many more:

Physical property — houses, unique artwork

Virtual collectables — unique pictures of kittens, collectable cards

“Negative value” assets — loans, burdens and other responsibilities

In general, all houses are distinct and no two kittens are alike. NFTs are distinguishable and you must track the ownership of each one separately. 11

Assim, pode-se considerar que contratos inteligentes são utilizados para delimitar um acordo entre duas partes que estão usando a blockchain da criptomoeda Ethereum, mas não só limitado a ela, afim de tornar esse acordo conhecido e auto executável perante os outros usuários, normalmente transferindo a propriedade de algum ativo do qual eles são donos, e as fichas são os endereços dos ativos a serem transferidos pelo contrato, ou seja, o objeto do contrato, sejam eles físicos ou virtuais.

2.3 Formas Simples de Objeto Virtual e Negociações de Licenças de Ambiente Virtual

Conforme preceituado anteriormente, objetos virtuais são objetos que existem puramente dentro de uma simulação de computador. Do mesmo, modo, se observa que é possível realizar tratamento em relação aos objetos virtuais e conferir a eles unicidade, como é o caso do Bitcoin, que deixa de ser apenas um aglomerado de dados e se transforma num agregador de valor escasso.

Ainda assim, os objetos virtuais que não passaram pelo tratamento de criptografia que confere a eles unicidade podem ser negociados ser prejuízos a parte que compra tais objetos. Normalmente, um objeto virtual, tal como um software, é comercializado com base em licença de uso. No caso do programa de computador, ou software, sua propriedade intelectual é regida pela Lei nº 9.609/98, e eles são caracterizados da seguinte forma:

Art. 1º Programa de computador é a expressão de um conjunto organizado de instruções em linguagem natural ou codificada, contida em suporte físico de qualquer natureza, de emprego necessário em máquinas automáticas de tratamento da informação, dispositivos, instrumentos ou equipamentos periféricos, baseados em técnica digital ou análoga, para fazê-los funcionar de modo e para fins determinados. (BRASIL, 1998, não paginado).

Ainda, o Art. 9º da mesma lei discorre “O uso de programa de computador no País será objeto de contrato de licença. (BRASIL, 1998, não paginado) ”. A partir dessa exposição, são muitas as modalidades possíveis de programas de computador. O Windows e suas variantes são sistemas operacionais, o Microsoft Word é um programa de processamento de texto, o League of Legends é um jogo eletrônico para computador e todos são software. Esse último, ao contrário dos dois primeiros, é gratuito, não havendo contraprestação para sua aquisição, porém é possível usar dinheiro real para ‘comprar’ itens dentro do jogo, e tais compras são regidas por um termo de serviço, que serão observados a título de exemplo.

Nos Termos de Serviço da Riot Games (2021, não paginado), em uma sessão reservada para as cláusulas mais importantes, nas quais os usuários devem prestar mais atenção, estão os dizeres:

[...] Conteúdo virtual. Quando você clica para comprar, ganhar ou receber um Conteúdo Virtual, você obtém apenas uma licença para acessar o Conteúdo Virtual. Você não possui a propriedade sobre nenhum Conteúdo Virtual que desbloquear e não poderá transferi-lo para outra pessoa. O Conteúdo Virtual não tem valor monetário, geralmente é específico do jogo e você não pode resgatar Conteúdo Virtual por qualquer tipo de dinheiro do “mundo real”. [...] (Grifo do autor)

Logo abaixo, em sua cláusula 4.1, a empresa define “4.1. O que é Conteúdo Virtual? (O Conteúdo Virtual inclui itens como moeda do jogo e produtos virtuais, como campeões, skins, emotes, acessórios etc) [...] (RIOT GAMES, 2021, não paginado, grifo do autor) ”. Conforme definido anteriormente, nesse caso, esse conteúdo virtual existe através do programa de computador que é o jogo, não sendo possível extrair qualquer que seja o objeto definido pela empresa como conteúdo virtual de dentro do programa, nem atribuir a ele um valor que não seja aquele conferido pela empresa, não podendo converte-lo em nenhum tipo de ‘dinheiro real’.

Vale destacar que a obtenção da licença normalmente está vinculada a uma contraprestação por parte do usuário, normalmente feita em dinheiro real, mas também poderá ocorrer de a mesma ser recebida ou ganhada sem esta contraprestação, conforme a empresa discorre na clausula 4.2:

[...]. Podemos oferecer a você várias oportunidades para adquirir uma licença limitada para acessar a Moeda do Jogo ou o Conteúdo Virtual, inclusive:

1. comprá-la (p. ex., com cartão de crédito);

2. ganhá-la (p. ex., cumprindo missões ou tarefas de jogo); ou

3. recebê-la (p. ex., de outro jogador como presente ou usar a funcionalidade de criação como Hextech®). (RIOT GAMES, 2021, não paginado)

Por fim, para encerrar a sessão que conceitua sobre o Conteúdo Virtual, a empresa continua:

4.4. Mais uma vez: não possuo meu Conteúdo Virtual? ("Não!", gritaram todos os advogados.)

Quando você obtém nosso Conteúdo Virtual, o que estamos realmente oferecendo a você é uma licença e um direito pessoal, não exclusivos, intransferíveis, não sublicenciáveis, revogáveis, limitados, para usar esse Conteúdo Virtual apenas em relação ao uso que você fizer dos Serviços da Riot em questão. [...] (RIOT GAMES, 2021, não paginado, grifo do autor)

Como se pode perceber, não há nenhum interesse por parte da empresa de transferir a propriedade do conteúdo virtual adquirido através dos serviços prestados pela empresa, sendo que o que a empresa faz é apenas ceder uma licença de uso limitada ao ambiente dentro do jogo e intransferível para outras pessoas, dentro ou fora do jogo.

Não só isso, a empresa afasta até mesmo direito de propriedade em relação a conta na qual você concordou com o serviço, assim discorrendo:

[...] Não obstante qualquer disposição em contrário neste documento, você reconhece e concorda que não terá nenhum direito de propriedade ou outro tipo de direito sobre sua conta, e que todos os direitos de sua conta são e sempre serão de propriedade da Riot Games e reverterão em benefício desta. [...] (RIOT GAMES, 2021, não paginado, grifo do autor)

Destarte, observa-se que, ao contrário do Bitcoin e dos NFT’s citados anteriormente, os objetos virtuais em questão, negociados através da concessão de licença a título de ‘Conteúdo Virtual’, são fungíveis e não escassos, uma vez que qualquer pessoa poderá obtê-los, contando que concorde com os termos de serviço, e que eles serão replicados para atingir a demanda de quem pagou pelo serviço.

O que se observa nesse caso é a tentativa da empresa de defender sua propriedade intelectual. É certo que a capacidade criativa do homem sempre existiu, mas a necessidade da proteção desta propriedade criativa só se tornou necessária depois que o homem se tornou capaz de reproduzi-las em grande escala (SILVEIRA, 2018, p. 10).

A proteção da propriedade imaterial visa garantir o direito do autor em relação a obra, já que:

[...]. O que se protege é o fruto dessa atividade, quando ela resulta em uma obra intelectual, ou seja, uma forma com unidade suficiente para ser reconhecida como ela mesma. O fundamento do direito sobre tais obras se explica pela própria origem da obra: o indivíduo. A obra lhe pertence originalmente pelo próprio processo de criação; só a ele compete decidir revelá-la pondo-a no mundo, e essa decisão não destrói a ligação original entre obra e autor. (SILVEIRA, 2018, p. 10).

Na mesma seara, os softwares constituem forma de criação intelectual que visa algo útil, ou, conforme discorre Silveira (2018, p. 12):

A criação no campo da indústria, ou invenção industrial, objetiva produzir efeitos no mundo material, obtendo um resultado utilitário. Em suma, o poder do homem sobre o mundo material que o cerca é aumentado pelo emprego da invenção, em termos de maior força, mais rapidez ou perfeição.

Assim, pode-se concluir que os objetos virtuais não possuem valor monetário, constituindo parte da propriedade intelectual da empresa, sendo que, através da licença negociada, a pessoa recebe autorização para utilizar tal conteúdo, ou seja, um direito pessoal. Da mesma forma, o dinheiro gasto com a aquisição da licença deixa de ter valor monetário quando a pessoa paga por ele, sendo impedida, a partir daquele ponto, de dispor daquele direito, já que ele diz respeito à propriedade da empresa, não do titular da licença.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NASCIMENTO, Darlan Valente. Entre bits e bytes: o direito real e a propriedade no mundo virtual. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7154, 1 fev. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/101346. Acesso em: 21 nov. 2024.

Mais informações

Monografia de conclusão de curso apresentada ao curso de Direito do Centro Universitário Presidente Antônio Carlos - UNIPAC, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Me. Joseane Pepino de Oliveira

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