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O Direito de Família internacional sobre casamento, divórcio e partilha de bens.

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Norma, doutrina e jurisprudência brasileira atualizada sobre casamento, divórcio e partilha de bens no Direito de Família Internacional

Introdução

Neste artigo, abordaremos o Direito de Família Internacional a partir da norma, da doutrina e da jurisprudência brasileira sobre casamento, divórcio e partilha de bens. Afinal, trata-se de um tema do Direito Internacional Privado que traz profundas discussões a partir de grandes teorias relativas à Autonomia da Vontade, aos direitos adquiridos, à fraude à lei e às qualificações. E daí haver tantas convenções sobre o tema.

Não à toa, a doutrina (DOLINGER & TIBURCIO, 2020) aponta sempre casos relevantes envolvendo o tema, como o Caso Princesa de Bauffremont e o Caso Patiño, por serem paradigmáticos das discussões relevantes a seu respeito. No primeiro caso, a Condessa de Caraman Chimay, de nacionalidade belga. Havia contraído núpcias com o príncipe de Bauffremont, francês. Mas ao obter separação de corpos na Corte de Paris, e se casar em Berlim com o príncipe Bibesco, de nacionalidade romena, viu seus atos praticados serem considerados fraude à lei francesa, ineficazes na França:

Em 1874, ela obteve contra ele, na Corte de Paris, uma sentença de separação de corpos (nosso desquite). Em seguida, ela se dirige ao ducado de Saxo-Altenburgo, onde estabelece seu domicílio e se naturaliza em 1875. Valendo-se de uma lei daquele ducado que permite a esposos definitivamente separados por decisão judicial contrair novas núpcias, a princesa se casa no mesmo ano, em Berlim, com o príncipe Bibesco, de nacionalidade romena. A justiça francesa, em ação proposta pelo príncipe francês, decidiu que os atos praticados pela princesa Bauffremont consistiram em fraude à lei francesa, pelo que inaceitáveis e ineficazes em França. (DOLINGER & TIBURCIO, 2020: 693)

No segundo caso, uma espanhola de 18 anos, em 1931, Maria Christina de Bourbon, assinou contrato nupcial com Antenor Patiño, de nacionalidade boliviana, tornando-se ela mesma boliviana. Em 1955, ela buscou na França uma declaração de nulidade desse contrato, por ser menor à época do casamento, com fundamento na lei espanhola, na qual a ação somente prescreveria em 30 anos. Diz a doutrina:

Patiño defendeu-se, sustentando que, de acordo com a lei boliviana, tratava-se de nulidade relativa, cuja ação prescreve em 10 anos. A qual das duas leis se refere o art. 3º, inciso III, do Código Civil francês? À lei da nacionalidade no momento da assinatura do contrato lei espanhola, nulidade absoluta, só prescritível em 30 anos ou à lei da nacionalidade à época em que pretende a decretação da nulidade lei boliviana, nulidade relativa, já prescrita a ação? A Corte de Cassação francesa decidiu que a inabilitação de menor de idade para firmar um contrato matrimonial constitui modalidade de sua incapacidade geral de contratar, regida, para sua proteção, por sua lei pessoal à data do contrato. Esta a solução correta, comenta François Rigaux, pois a validade de um ato jurídico é determinada de acordo com a lei indicada como aplicável no momento em que o ato é efetuado, e não seria racional submeter o exercício da ação de nulidade a uma lei diferente, desassociando, assim, a causa da nulidade, estabelecida pela primeira lei, do regime de sanção por ela determinado. (DOLINGER & TIBURCIO, 2020: 464)

No Brasil, a doutrina costuma discutir a relevância do divórcio no exterior, e aqui examinaremos o entendimento jurisprudencial acerca desta discussão, bem como o entendimento jurisprudencial sobre discussões envolvendo casamentos e partilha de bens. Sempre atentos à importância das dimensões da lei aplicável e da jurisdição, que são relevantes em todo Direito Internacional Privado, tendo centralidade quando tratamos do Direito de Família Internacional.


1. O casamento

Para a determinação da lei aplicável às relações jurídicas de direito de família e ao casamento, é necessário observar as denominadas regras de conexão dispostas no nosso ordenamento pátrio. O matrimônio, em suas variadas manifestações, apresenta um rol de regras de conexão, todas concentradas no art. 7º da Lei de Introdução. Predomina no matrimônio a lei do domicílio como estabelecido no caput do art. 7º.

Contudo, as relações jurídicas, no mundo fático, podem se apresentarem de forma complexa, com diferentes etapas e situações. Nessa linha, os professores Jacob Dolinger e Carmem Tiburcio (2020), elencam algumas das etapas e situações possíveis e comuns no campo do matrimônio da seguinte maneira: formalidades nupciais habilitantes, formalidades de celebração, capacidade nupcial/validade substancial do casamento, efeitos pessoais do casamento, efeitos patrimoniais do casamento.

Assim, nesse tópico seguiremos a mesma divisão, no intuito de mantermos uma maior clareza quanto à ordem dos tópicos a serem abordados.

Quanto às formalidades nupciais, a LINDB não contém regra expressa sobre as formalidades habilitantes quando pessoas regidas pela lei brasileira (leia-se domiciliados no Brasil, conforme o caput do art. 7º), se consorciam fora do Brasil. Tal silêncio gera o questionamento se seria imprescindível a prévia publicação de proclamas no domicílio brasileiro do cônjuge que aqui vive, para que, depois de contraídas núpcias no exterior, possa registrar o casamento no Brasil.

Nesse sentido, doutrinadores como Clóvis Beviláqua e Wilson Batalha entendem que essas formalidades são necessárias, e Carmem Tiburcio e Jacob Dolinger (2020) acrescentam que tal entendimento é o que prevalece, podendo quanto à época da realização das formalidades habilitantes, ser realizada antes ou depois do casamento no exterior, quando de sua transcrição no Brasil, nos termos do art. 32, § 1º, da Lei dos Registros Públicos (DOLINGER & TIBURCIO, 2020: 492).

Já quanto às formalidades de celebração, o § 1º do art. 7º da LINDB é expresso ao dizer que para o casamento celebrado no Brasil, a lei aplicável quanto aos impedimentos dirimentes e às formalidades de celebração é a lei brasileira. Isso é uma manifestação da regra de conexão lex loci celebrationis.

Esse, por exemplo, foi o entendimento reproduzido em 1950 pelo Pleno do STF no julgamento do SE 1188, de relatoria do Ministro Ribeiro da Costa, que entendeu com base no art. 7º da LINDB, que a lei aplicável era a brasileira, ainda que o casal na hipótese fossem ambos suíços, pois o casamento deles foi celebrado no Brasil, conforme a lei brasileira e após constituíram domicílio no Brasil, portanto a lei do local de celebração e do domicílio é que deveria prevalecer.

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Contudo, apesar da dicção do dispositivo estar na forma unilateral, se o casamento for celebrado no exterior, a lei que deverá reger o casamento deverá ser a lei do local de celebração do ato jurídico. Isso é o que Maristela Basso (2020) diz ao frisar que regra de conexão lex loci celebrationis não necessariamente será a lei nacional dos nubentes (lex patriae), muito embora, a depender da situação, ambas possam coincidir.

Diferente é o caso da hipótese do casamento realizado no Brasil por cônsul ou diplomata estrangeiro, pois nesse caso o representante estrangeiro acreditado aqui só poderá celebrar o casamento de duas pessoas de sua nacionalidade, pois o critério é o do domicílio, como no caso anterior, uma vez que não se trata de seleção de lei aplicável, mas de determinação de competência de representante de país estrangeiro, o qual, de acordo com as normas do direito internacional público, tem poderes tão somente para proteger e servir os seus nacionais e não as pessoas domiciliadas no país enviante. Portanto, se o diplomata ou cônsul estrangeiro oficiar casamento de um estrangeiro com uma brasileira, por exemplo, as autoridades brasileiras não reconhecerão tal, porque seria tido como um atentado à soberania brasileira. (DOLINGER & TIBURCIO, 2020: 493 3 494).

A doutrina e a jurisprudência também têm entendimento de que um cônsul brasileiro em outro país só pode realizar o casamento entre dois brasileiros; bem como não seria reconhecido o casamento celebrado por cônsul estrangeiro no caso de apenas um dos cônjuges serem da sua nacionalidade, pois é necessário que ambos sejam da nacionalidade a qual o agente diplomático representa. Tudo isso é uma questão de reciprocidade, no final das contas.

A prova do casamento de estrangeiros celebrado pelas autoridades consulares e diplomáticas no Brasil é feita mediante apresentação da certidão do assento do registro da repartição estrangeira.

Quanto à capacidade nupcial/validade substancial do casamento, consoante interpretação do art. 7º e seus parágrafos, da LINDB, se o casamento de estrangeiros for realizado no Brasil, os impedimentos da lei estrangeira devem ser respeitados de acordo com a norma geral da lei domiciliar regedora da capacidade, bem como os impedimentos dirimentes da lei brasileira devem ser obedecidos por uma questão de ordem pública. Assim, se cada nubente for domiciliado em um país distinto do outro, mas tiver a celebração do casamento no Brasil, a legislação dos 3 países deverá ser observada quanto aos impedimentos dirimentes.

Havia discussão se o §3º seria contraditório com o restante do dispositivo, porém o STF, diante da contradição do §3º com o sistema estabelecido pela Lei Introdutória, aplicou interpretação de considerar o dispositivo como norma não escrita.

Ademais, quanto aos efeitos pessoais do casamento, o art. 7º, §7º da LINDB dispõe que em caso de conflito intraconjugal, na hipótese de cônjuges que estabeleceram domicílios em países diferentes, o domicílio do chefe de família (o homem, conforme a interpretação da época em a norma foi editada) deveria prevalecer e se estender aos demais integrantes da família, salvo em caso de abandono familiar. Entretanto, com a vigência da CRFB/88 (§5º do art. 226) e do novo Código Civil (art. 1.511), que estabeleceu a paridade entre os cônjuges, tem-se que o §7º do art. 7º da LINDB foi revogado, e a doutrina vem aplicando o princípio da proximidade para solucionar a questão, ou seja, a lei que tenha laços mais íntimos com a relação jurídica em causa é que deverá reger a situação (DOLLINGER & TIBURCIO, 2020: 496-497).

Outro tema relevante nesse eixo temático é referente a obrigação alimentar entre os cônjuges, que é uma matéria regida pela Convenção Interamericana sobre Obrigações Alimentares, que abarca a obrigação entre cônjuges, bem como entre pais e filhos.

A Convenção, que foi ratificada e internalizada pelo Decreto nº 2.428/1997, dispõe em seu artigo 6º, in verbis:

A obrigação alimentar, bem como as qualidades de credor e de devedor de alimentos, será regulada pela ordem jurídica que, a critério da autoridade competente, for mais favorável ao credor, dentre as seguintes:

a) ordenamento jurídico do Estado de domicílio ou residência habitual do credor;

b) ordenamento jurídico do Estado de domicílio ou residência habitual do devedor.

Portanto, a lei aplicável será a que for mais benéfica para o credor dos alimentos dentre os critérios estabelecidos nos incisos a e b do artigo transcrito acima.

Outrossim, tema também de extrema relevância e de comum discussão no meio da jurisprudência são os efeitos patrimoniais do casamento ou regime de bens.

O Código Bustamante, ratificado em 1928 pelo Brasil, dispõe no art. 187. que: os contratos matrimoniais regem-se pela lei pessoal comum dos contratantes e, na sua falta, pela do primeiro domicílio matrimonial, e o § 4º do art. 7º da LINDB estabelece que o regime de bens, legal ou convencional, obedece à lei do país em que tiverem os nubentes domicílio, e, se este for diverso, a do primeiro domicílio conjugal. Logo, há perfeita harmonia entre o direito interno e o direito convencional. E a doutrina não admite a aplicação aos bens do casal da regra de conexão lex rei sitae, que determina a regência da legislação do local do bem, pois o regime de bens é uno e universal. (DOLLINGER & TIBURCIO, 2020: 498).

Desse modo, a unidade do regime matrimonial de bens do casal justifica em grande medida a aplicação da lei do local de domicílio conjugal como lei disciplinadora das relações patrimoniais decorrentes do casamento.

Contudo, é claro que se o casal for domiciliado no Brasil e tiver bens em outro país que determine a aplicação da lei local para reger o regime de bens, os tribunais brasileiros terão dificuldade para atuar, porque as suas decisões não serão efetivas.

A doutrina critica a lógica adotada pelo nosso sistema da seguinte maneira:

Do disposto na Lei Introdutória resulta que cônjuges que tinham o mesmo domicílio antes do casamento, terão suas relações patrimoniais regidas pela lei deste Estado, irrelevante a escolha de outro país para o domicílio matrimonial. E os cônjuges que tinham domicílio diverso ao casar, terão seus bens regidos pela lei do primeiro domicílio conjugal, sem relevância a adoção posterior de outro domicílio conjugal. Esta bifurcação não é lógica, pois tanto nubentes com o mesmo domicílio, como os que têm domicílio diverso ao casar, deveriam ser regidos pela lei do primeiro domicílio conjugal, resultante da vontade de viverem em país diverso daquele em que estavam ao se matrimoniar. (DOLINGER & TIBURCIO, 2020: 999)

A doutrina critica também a comparação do regime convencional ao legal, pois defende que regime estabelecido pela vontade dos nubentes, por meio de pacto antenupcial, deveria ser respeitado, integralmente, inclusive para a escolha de submeter seu patrimônio à lei de outro Estado, não devendo ficar adstritos à lei do primeiro domicílio conjugal.

Outro aspecto importante é a compatibilidade entre o princípio da mutabilidade justificada do regime de bens do casal, como estabelecido no art. 1.639, § 2º, do Código Civil 16 c/c art. 7º da LINDB (com referência à lei aplicável ao casamento). No direito brasileiro, a modificação do regime matrimonial após a celebração do ato nupcial é possível, desde que feita mediante autorização judicial sobre pedido motivado pelos cônjuges e constatada a inexistência de prejuízos a direitos de terceiros.

A doutrina diz que tal possibilidade é compatível com o previsto no art. 7º, § 5º, da LINDB, que diz:

§ 5º O estrangeiro casado que se naturalizar brasileiro, pode, mediante expressa anuência de seu cônjuge, requerer ao Juiz, no ato de entrega do decreto de naturalização, se apostile ao mesmo a adoção do regime de comunhão parcial de bens, respeitados os direitos de terceiros e dada esta adoção ao competente registro.

A finalidade da norma é duplamente assegurar a liberdade do casal de gerenciamento do patrimônio conjugal durante a constância do matrimônio e, ao mesmo tempo, proteger direitos de terceiros, vinculando tal adoção de regime de bens à publicidade exigida no direito brasileiro por meio de registro competente. (BASSO, 2020: 612).

O STJ, em 2003, proferiu decisão que abordou 2 questões que geram muitas discussões no direito de família internacional: uma delas relativa à lei aplicável ao regime matrimonial de bens e a outra à lei aplicável à qualificação dos bens que integram o conjunto do patrimônio do casal. Nessa mesma de decisão o STJ esclareceu a aplicação dos arts. 7º, 8º e 10 da LINDB. Confira-se:

EMENTA: DIREITOS INTERNACIONAL PRIVADO E CIVIL. PARTILHA DE BENS. SEPARAÇÃO DE CASAL DOMICILIADO NO BRASIL. REGIME DA CO-MUNHÃO UNIVERSAL DE BENS. APLICABILIDADE DO DIREITO BRASILEIRO VIGENTE NA DATA DA CELEBRAÇÃO DO CASAMENTO. COMUNICABILIDADE DE TODOS OS BENS PRESENTES E FUTUROS COM EXCEÇÃO DOS GRAVADOS COM INCOMUNICABILIDADE. BENS LOCALIZADOS NO BRASIL E NO LÍBANO. BENS NO ESTRANGEIRO HERDADOS PELA MULHER DE PESSOA DE NACIONALIDADE LIBANESA DOMICILIADA NO BRASIL. APLICABILIDADE DO DIREITO BRASILEIRO DAS SUCESSÕES. INEXISTÊNCIA DE GRAVAME FORMAL INSTITUÍDO PELO DE CUJUS. DIREITO DO VARÃO À MEAÇÃO DOS BENS HERDADOS PELA ESPOSA NO LÍBANO. RECURSO DESACOLHIDO.

I Tratando-se de casal domiciliado no Brasil há que aplicar-se o direito brasileiro vigente na data da celebração do casamento, 11-7- 1970, quanto ao regime de bens, nos termos do art. 7º , § 4º da Lei de Introdução.

II O regime de bens do casamento em questão é o da comunhão universal de bens, com os contornos dados à época pela legislação nacional aplicável, segundo a qual, nos termos do art. 262. do Código Civil, importava a comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas dívidas passivas, excetuando-se dessa universalidade, segundo o art. 263-II e XI do mesmo Código os bens doados ou legados com a cláusula de incomunicabilidade e os sub-rogados em seu lugar, bem como os bens da herança necessária, a que se impuser a cláusula de incomunicabilidade.

III Tratando-se da sucessão de pessoa de nacionalidade libanesa domiciliada no Brasil, aplica-se à espécie o art. 10, caput, da Lei de Introdução, segundo o qual a sucessão por morte ou por ausência obedece à lei em que era domiciliado o defunto ou desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens.

IV Não há incomunicabilidade dos bens da herança em tela, sendo certo que no Brasil os bens da herança somente comportam incomunicabilidade quando expressa e formalmente constituído esse gravame pelo de cujus, nos termos dos arts. 1.676, 1.677 e 1.723 do Código Civil, complementados por dispositivos constantes da Lei de Registros Públicos.

V Não há como afastar o direito do recorrido à meação incidente sobre os bens herdados de sua mãe pela recorrente, na constância do casamento sob o regime da comunhão universal de bens, os que se encontram no 15.4 Brasil e os localizados no Líbano, não ocorrendo a ofensa ao art. 263, d o Código Civil, apontada pela recorrente, uma vez inexistente a incomunicabilidade dos bens herdados pela recorrente no Líbano.

VI O art. 23-II, CPC/15, contém disposição aplicável à competência para o processamento do inventário e partilha, quando existentes bens localizados no Brasil e no estrangeiro, não conduzindo, todavia, à supressão do direito material garantido ao cônjuge pelo regime de comunhão universal de bens do casamento, especialmente porque não atingido esse regime na espécie por qualquer obstáculo da legislação sucessória aplicável.

VII Impõe-se a conclusão de que a partilha seja realizada sobre os bens do casal existentes no Brasil, sem desprezar, no entanto, o valor dos bens localizados no Líbano, de maneira a operar a equalização das cotas patrimoniais, em obediência à legislação que rege a espécie, que não exclui da comunhão os bens localizados no Líbano e herdados pela recorrente, segundo as regras brasileiras de sucessão hereditária.

(REsp 275.985/SP, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 17/06/2003, DJ 13/10/2003)

Já em 2009, o STJ proferiu nova decisão no seguinte sentido:

CIVIL E PROCESSUAL. RECURSO ESPECIAL. PREQUESTIONAMENTO LIMITADO. DISSÍDIO NÃO APRESENTADO. INVENTÁRIO. CASAMENTO CONTRAÍDO NA ÁUSTRIA. REGIME DA SEPARAÇÃO DE BENS, CONSOANTE A LEI DAQUELE PAÍS, POR FALTA DE PACTO ANTENUPCIAL EM SENTIDO CONTRÁRIO. VINDA PARA O BRASIL. AQUISIÇÃO DE PATRIMÔNIO AO LONGO DA VIDA EM COMUM. FALECIMENTO DO CÔNJUGE VARÃO. DECLARAÇÃO DE BENS, CONSTANDO APENAS AQUELES EM NOME DO DE CUJUS. IMPUGNAÇÃO PELA FILHA DO PRIMEIRO CASAMENTO. AQÜESTOS. COMUNICAÇÃO. RESSALVA QUANTO AOS HAVIDOS PELO ESFORÇO EXCLUSIVO/DOAÇÃO/HERANÇA DA CÔNJUGE MULHER. LICC, ART. 7º, § 4º CC, ART. 259. SÚMULA N. 377-STF.

I . Apesar de o casamento haver sido contraído pelo regime da separação de bens no exterior, os bens adquiridos na constância da vida comum, quase à totalidade transcorrida no Brasil, devem se comunicar, desde que resultantes do esforço comum.

II. Exclusão, portanto, do patrimônio existente em nome da viúva, obtido pelo labor individual, doação ou herança, incorporando-se os demais ao espólio do cônjuge varão, para partilha e meação, a serem apurados em ação própria.

(STJ, REsp 123633, Rel. Aldir Passarinho, 4ª T. j. 17.3.2009)

Por fim, um último tema que vale a pena mencionar aqui é a questão da nacionalidade da mulher casada, que antigamente era determinada pela nacionalidade do marido, ou seja, havia uma adesão automática da nacionalidade do marido pela mulher, o que gerava sérios problemas principalmente quando o casal se divorciava, porque a mulher algumas vezes acaba perdendo sua nacionalidade original e a do marido. Nesse sentido, a tendência no Direito Internacional foi tentar impedir isso e trazer mais direitos às mulheres.

O diploma internacional mais importante sobre a matéria, aprovado pela maioria dos países, inclusive o Brasil, é a Convenção sobre a Nacionalidade da Mulher Casada, de 1957, que em seu art. 1º fixa que todo Estado contratante acorda em que nem a celebração, nem a dissolução do matrimônio entre súditos e estrangeiros, nem a mudança da nacionalidade do marido durante o matrimônio, poderão ipso facto produzir efeitos sobre a nacionalidade da mulher (DOLLINGER & TIBURCIO, 2020: 216).

É relevante ainda mencionar a Convenção da ONU sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres, de 1979, que estabeleceu no art. 9.1. que:

Os Estados-Partes outorgarão às mulheres direitos iguais aos dos homens para adquirir, mudar ou conservar sua nacionalidade. Garantirão, em particular, que nem o casamento com um estrangeiro, nem a mudança de nacionalidade do marido durante o casamento, modifiquem automaticamente a nacionalidade da esposa, convertam-na em apátrida ou a obriguem a adotar a nacionalidade do cônjuge.

Portanto, a perda automática da nacionalidade da mulher casada não é mais realidade. A mulher ao casar pode até perder sua nacionalidade, mas não de forma automática em razão do casamento, nem tem sua nacionalidade atrelada à nacionalidade do seu cônjuge. Nesse sentido, entende o STJ atualmente:

PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO DE DIVORCIO DIRETO - COMPETENCIA - CASAL ESTRANGEIRO - CASAMENTO CELEBRADO NA ARGENTINA.

I - A NORMA DO ART. 100, I, CPC, NÃO E ABSOLUTA. SE A MULHER NÃO OFERECER EXCEÇÃO DE INCOMPETENCIA DO JUIZO, EM TEMPO HABIL, A COMPETENCIA TERRITORIAL ESTARA PRORROGADA POR VONTADE DAS PARTES.

II - CONSOANTE A DOUTRINA E JURISPRUDENCIA "EM SE TRATANDO DE CONJUGES ESTRANGEIROS, COM UM DELES DOMICILIADO NO EXTERIOR, NÃO TEM PREVALENCIA O FORO PRIVILEGIADO DA REGRA PROCESSUAL, EIS QUE PREPONDERAM PARA SEREM OBSERVADAS AS NORMAS DE SOBREDIREITO EM SEU CARATER GERAL". TAL PRIVILEGIO ASSIM ESTABELECIDO A BENEFICIO DA MULHER CASADA, JA NÃO MAIS PREVALECE, PORQUANTO CONFLITA COM O PRINCIPIO DA IGUALDADE ENTRE CONJUGES, PROCLAMADO NO ART. 266, PAR. 5º DA CF/1988. INCIDENCIA DA NORMA INSCRITA NO ART. 94, DO CPC.

III - RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

(REsp 27.483/SP, Rel. Ministro WALDEMAR ZVEITER, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/03/1997, DJ 07/04/1997, p. 11112)

Sobre os autores
Carlos Eduardo Oliva de Carvalho Rêgo

Advogado (OAB 254.318/RJ). Doutor e mestre em Ciência Política (UFF), especialista em ensino de Sociologia (CPII) e em Direito Público Constitucional, Administrativo e Tributário (FF/PR), bacharel em Direito (UERJ), bacharel e licenciado em Ciências Sociais (UFRJ), é professor de Sociologia da carreira EBTT do Ministério da Educação, pesquisador e líder do LAEDH - Laboratório de Educação em Direitos Humanos do Colégio Pedro II.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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