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O Negócio Jurídico Processual e a possibilidade de interposição de Agravo de Instrumento no caso de seu indeferimento fora das hipóteses legalmente previstas

Agenda 28/11/2022 às 15:43

O NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL E A POSSIBILIDADE DE INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO NO CASO DE SEU INDEFERIMENTO FORA DAS HIPÓTESES LEGALMENTE PREVISTAS

O Código de Processo Civil (CPC), diploma com grande foco em posturas consensuais, estipulou em seus artigos iniciais, e com grande influência da Constituição Federal, princípios e deveres que deverão ser observados pelas partes durante o trâmite do processo, com o intuito de, ao final, ser possível a obtenção de justa tutela jurisdicional.

Dentre as normativas principiológicas previstas pelo CPC, infere-se a previsão da cooperação (art. 6º), que possibilita às partes, por exemplo, e em análise conjunta com o princípio da liberdade, tão consagrado do direito privado, moldar determinados aspectos do processo para que que seja possível alcançar de modo ainda mais efetivo a decisão de mérito justa e efetiva.

Neste contexto, de modo a possibilitar que as partes também influenciem a condução do processo e flexibilizem o procedimento, que o CPC previu no art. 190 o Negócio Jurídico Processual. Trata-se de convenção que, respeitados os requisitos legais, permite aos litigantes conjuntamente alterar certas situações do processo para adequá-las à realidade e permitir que o juiz, no exercício de sua função, possa proferir decisão de mérito com mais efetividade.

O art. 190 do CPC estipulou três requisitos para a formalização do Negócio Jurídico Processual: (i) direitos que admitam autocomposição; (ii) partes plenamente capazes; e (iii) convenção que se limita aos ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.

Uma vez preenchidos referidos requisitos, o Negócio Jurídico Processual passa a valer, devendo ser homologado pelo juiz, que somente poderá recusá-lo em duas situações: (i) nulidade ou inserção abusiva em contrato de adesão e/ou (ii) caso alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade (art. 190, parágrafo único do CPC).

Veja que o magistrado está adstrito ao Negócio Jurídico Processual firmado entre as partes e, apesar de controlar a validade destas convenções, possui hipóteses taxativamente previstas em que poderá recusar o ato.

Naturalmente, se o juiz deferir o Negócio Jurídico Processual, ou se indeferi-lo com base em alguma das situações previstas no parágrafo único do art. 190, eventual insatisfação da parte somente poderá ser externada em preliminar de apelação, via de regra (pois dependendo do momento processual no qual as partes firmam esta convenção, o recurso será outro, por expressa disposição de lei).

Mas interessante questão surge a este respeito: seria possível recorrer se o juiz analisar o Negócio Jurídico Processual especialmente no início da ação e indeferi-lo fora das hipóteses legais?

Vale dizer: as partes, de comum acordo, firmam a convenção, modulam o procedimento da demanda, apresentam o ato ao juiz para homologação mas, em contrapartida, se deparam com o indeferimento do pedido por motivos alheios àqueles previstos no parágrafo único do art. 190 do CPC.

Caberia algum recurso neste caso?

Para responder à essa indagação, é importante rememorar que o Col. Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o rol taxativo do art. 1.015 do CPC pode ser mitigado para abranger situações urgentes, consideradas como aquelas que as partes não podem esperar até a prolação da sentença para arguir eventual vício ou nulidade processual em preliminar de apelação.

Este posicionamento foi sedimentado no julgamento de dois recursos especiais representativos de controvérsia (REsp 1.704.520/MT e REsp 1.696.396/MT), ambos da lavra da consagrada Ministra Nancy Andrighi, firmando o entendimento de que é possível a impugnação de decisões interlocutórias por meio de agravo de instrumento em situações não previstas nos incisos do art. 1.015 do CPC em função da taxatividade mitigada deste dispositivo legal.

Isso porque, como explica a Ministra, caso a taxatividade deste rol seja considerada pelo viés exaustivo, haveria manifesta insuficiência de regulamentação legal de hipóteses nas quais o agravo de instrumento seria cabível, pois subsistiriam situações claramente dotadas de urgência fora da lista do art. 1.015 do CPC e que não podem aguardar o julgamento de eventual recurso de apelação para, somente então, a questão já dotada de premente urgência ser analisada.

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Para sanar este temerário cenário, o Col. STJ fixou, com fulcro no art. 1.036 do CPC, a seguinte tese (Tema 988 STJ): O rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação.

Vejamos a ementa de um destes recursos que basta, por si só, para expor este entendimento (grifos nossos):

RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. NATUREZA JURÍDICA DO ROL DO ART. 1.015 DO CPC/2015. IMPUGNAÇÃO IMEDIATA DE DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS NÃO PREVISTAS NOS INCISOS DO REFERIDO DISPOSITIVO LEGAL. POSSIBILIDADE. TAXATIVIDADE MITIGADA. EXCEPCIONALIDADE DA IMPUGNAÇÃO FORA DAS HIPÓTESES PREVISTAS EM LEI. REQUISITOS.

1- O propósito do presente recurso especial, processado e julgado sob o rito dos recursos repetitivos, é definir a natureza jurídica do rol do art. 1.015 do CPC/15 e verificar a possibilidade de sua interpretação extensiva, analógica ou exemplificativa, a fim de admitir a interposição de agravo de instrumento contra decisão interlocutória que verse sobre hipóteses não expressamente previstas nos incisos do referido dispositivo legal.

2- Ao restringir a recorribilidade das decisões interlocutórias proferidas na fase de conhecimento do procedimento comum e dos procedimentos especiais, exceção feita ao inventário, pretendeu o legislador salvaguardar apenas as situações que, realmente, não podem aguardar rediscussão futura em eventual recurso de apelação.

3- A enunciação, em rol pretensamente exaustivo, das hipóteses em que o agravo de instrumento seria cabível revela-se, na esteira da majoritária doutrina e jurisprudência, insuficiente e em desconformidade com as normas fundamentais do processo civil, na medida em que sobrevivem questões urgentes fora da lista do art. 1.015 do CPC e que tornam inviável a interpretação de que o referido rol seria absolutamente taxativo e que deveria ser lido de modo restritivo.

4- A tese de que o rol do art. 1.015 do CPC seria taxativo, mas admitiria interpretações extensivas ou analógicas, mostra-se igualmente ineficaz para a conferir ao referido dispositivo uma interpretação em sintonia com as normas fundamentais do processo civil, seja porque ainda remanescerão hipóteses em que não será possível extrair o cabimento do agravo das situações enunciadas no rol, seja porque o uso da interpretação extensiva ou da analogia pode desnaturar a essência de institutos jurídicos ontologicamente distintos.

5- A tese de que o rol do art. 1.015 do CPC seria meramente exemplificativo, por sua vez, resultaria na repristinação do regime recursal das interlocutórias que vigorava no CPC/73 e que fora conscientemente modificado pelo legislador do novo CPC, de modo que estaria o Poder Judiciário, nessa hipótese, substituindo a atividade e a vontade expressamente externada pelo Poder Legislativo.

6- Assim, nos termos do art. 1.036 e seguintes do CPC/2015, fixa-se a seguinte tese jurídica: O rol do art. 1.015 do CPC é de taxatividade mitigada, por isso admite a interposição de agravo de instrumento quando verificada a urgência decorrente da inutilidade do julgamento da questão no recurso de apelação.

7- Embora não haja risco de as partes que confiaram na absoluta taxatividade com interpretação restritiva serem surpreendidas pela tese jurídica firmada neste recurso especial repetitivo, eis que somente se cogitará de preclusão nas hipóteses em que o recurso eventualmente interposto pela parte tenha sido admitido pelo Tribunal, estabelece-se neste ato um regime de transição que modula os efeitos da presente decisão, a fim de que a tese jurídica somente seja aplicável às decisões interlocutórias proferidas após a publicação do presente acórdão.

8- Na hipótese, dá-se provimento em parte ao recurso especial para determinar ao TJ/MT que, observados os demais pressupostos de admissibilidade, conheça e dê regular prosseguimento ao agravo de instrumento no que tange à competência.

9- Recurso especial conhecido e provido.

Claro está, portanto, que o agravo de instrumento pode ser interposto fora das hipóteses taxativamente previstas no art. 1.015 do CPC.

Este recurso, então, poderia ser interposto caso o juiz indefira o Negócio Jurídico Processual fora das hipóteses legais?

Cremos que sim; e não apenas pode, como deve ser interposto.

De um lado, é possível argumentar que o indeferimento da avença não acarretaria prejuízo às partes logo, sendo incabível a interposição do recurso porque a demanda teria seu procedimento regulamentado de acordo com as regras ordinárias já previstas pelo CPC, considerando, assim, todos os direitos, deveres, ônus e faculdades de praxe, inexistindo prejuízo às partes.

Contudo, veja que esta situação traz em seu teor três problemas graves que devem ser evitados, justificando a possibilidade de interposição do agravo.

Em primeiro lugar, tornaria inócua a letra da lei, já que seria irrelevante o fato de as partes se utilizarem do Negócio Jurídico Processual para amoldar a demanda às peculiaridades fático-jurídicas do caso, desestimulando seu uso.

Em segundo lugar, porque o legislador, justamente buscando regulamentar e incentivar o tema, trouxe apenas e tão somente duas situações nas quais é possível indeferir a convenção: (i) nulidade ou inserção abusiva em contrato de adesão e/ou (ii) caso alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade (art. 190, parágrafo único do CPC).

Não se verifica discricionariedade na análise da situação pelo juiz, mas sim hipóteses taxativamente previstas. Esta foi, claramente, a intenção do legislador e nenhum exercício de hermenêutica ou de lógica-dedutiva se mostra apto a estender as hipóteses previstas no referido artigo legal.

Sob pena, aliás, de se criar subjetivamente cenário temerário de hipóteses não previstas em lei para o indeferimento do negócio, em afronta à segurança jurídica e ao devido processo legal.

Em terceiro lugar, e talvez mais importante, não existe qualquer lógica em seguir com o processo de acordo com o procedimento previsto pelo CPC para, em preliminar de apelação, o Tribunal anular o feito para que o Negócio Jurídico Processual seja cumprido, com a reiteração da prática de novos atos que já haviam sido praticados (guardadas as devidas proporções com a possibilidade de reaproveitamento de alguns deles).

Em outras palavras, arguir a nulidade do processo pelo indeferimento do Negócio Jurídico Processual somente em preliminar de apelação significaria tramitar o feito ciente de estar escoimado de vício, não sendo congruente que o E. Tribunal nulifique a demanda somente após a prolação da sentença para que, então, sejam realizados novamente os atos nos termos da convenção firmada entre as partes e que já havia sido apresentada ao julgador desde o início.

Logo, indeferir o ato fora das hipóteses legais acarreta não apenas contrariedade à lei, mas também significa a inobservância daquilo que as partes ajustaram legal e conjuntamente para alcançar decisão de mérito mais justa e efetiva, sem prejuízo, ainda, da criação de cenário que ensejaria nulidades processuais em nítida afronta à segurança jurídica e aos princípios da economia e celeridade processuais.

E isso, reitere-se, porque a lei é clara ao conferir às partes esta possibilidade, prevendo tão somente duas hipóteses que ensejariam o não acolhimento da convenção.

Então, para evitar este cenário que seria admissível a interposição do agravo de instrumento com base na mitigação do rol taxativo previsto no art. 1.015 do CPC, possibilitando que o E. Tribunal ad quem verifique se o indeferimento do Negócio Jurídico Processual realmente ocorreu fora das hipóteses legais e, se o caso, determinar que se cumpra a avença desde o momento em que fora apresentada ao magistrado, garantindo às partes que esta prerrogativa que lhes fora expressamente concedida pelo legislador (art. 190 do CPC) seja fielmente garantida.

Citamos um exemplo de possibilidade de Negócio Jurídico Processual: imagine que, em determinada ação já em fase de cumprimento de sentença, Exequente e Executado firmem negócio para adimplemento da obrigação em termos semelhantes ao art. 916 do CPC.

Como se sabe, o §7º do referido dispositivo legal veda essa possibilidade nesta espécie de incidente. Mas, em nosso entendimento, nada impede que as partes estipulem seu cumprimento desta forma via Negócio Jurídico Processual.

E se o juiz indefere o negócio, seria admissível a interposição de agravo de instrumento, e isso não apenas por força do art. 1.015, parágrafo único, da legislação processual, mas também por força da teoria da taxatividade mitigada, aplicável pelo fato de o juiz ter indeferido o negócio firmado pelas partes fora das hipóteses legais.

Deste modo, sendo admissível a interposição do agravo de instrumento nestas situações, o processo tramitará com maior segurança jurídica e a busca da solução da lide, objetivo final do processo, é alcançado com maior efetividade.

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