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ONU: Arma Mortal? Comentários sobre a Carta de São Francisco, a Assembleia Geral da ONU, seu Conselho de Segurança e a questão do poder de veto

Agenda 01/12/2022 às 02:01

Uma discussão sobre a ONU a partir de uma canção de Tom Zé

Tom Zé, cantor e compositor tropicalista, por algumas vezes não resistiu à eufonia da sigla ONU, que remete, em língua portuguesa, à Organização das Nações Unidas, para compor algumas de suas canções irreverentes, independentes e iconoclastas. Este é o caso de sua ONU, Arma Mortal do seu álbum Com Defeito de Fabricação (1998) e de sua Vai (Menina Amanhã de Manhã) do álbum Estudando o Samba (1976). Na primeira, ele diz, entre outros versos: uma ONU pra manter a paz/ e a turma lá, que turma!/ fabrica armas mortais. Na segunda, a mais antiga, dizia: menina a felicidade/ é cheia de ano/ é cheia de Eno/ é cheia de hino/ é cheia de ONU...

Será que o compositor popular de verve crítica conseguiu traduzir como só a Arte pode fazer alguns aspectos de fato referentes à ONU? Para responder a esta questão, neste ensaio vou explicar sinteticamente (1) os objetivos fundamentais da Carta de São Francisco, (2) as principais diferenças entre a Assembleia Geral da ONU e seu o Conselho de Segurança e, por fim, (3) em que consiste o poder de veto no Conselho de Segurança da ONU.

(1) A Carta de São Francisco de 1945 é o tratado que estabeleceu a ONU, Organização das Nações Unidas, em 1945. Esta carta foi elaborada pelos representantes de 50 países que estiveram em uma Conferência reunida em São Francisco entre 1945 e 1946, com o 51º país (a Polônia) a assinando um pouco depois. A ONU começou a existir oficialmente em 24 de outubro de 1945, com a ratificação da Carta por diversos signatários, entre os quais a China, os Estados Unidos, a França, o Reino Unido e a antiga URSS. É possível esta carta ser acessada em língua portuguesa e um texto a seu respeito ser lido na própria página da ONU Brasil[1]. Esta Carta é considerada o documento mais importante da ONU e até o Estatuto da Corte Internacional de Justiça faz parte desta Carta. Nela, é também estabelecida a existência de um Conselho de Segurança da ONU, com cinco membros permanentes (os países citados acima), mas outros demais membros, conselho sobre o qual trataremos mais detalhadamente abaixo.

(2) O Conselho de Segurança da ONU é um órgão desta organização internacional responsável pela paz e segurança internacionais. Conforme a página da ONU Brasil, ele é formado por 15 membros: cinco permanentes, que possuem o direito a veto Estados Unidos, Rússia, Reino Unido, França e China e dez membros não-permanentes, eleitos pela Assembleia Geral por dois anos. É importante destacar que trata-se de um órgão com poder decisório, devendo os membros da ONU aceitar e cumprir suas decisões. Entre suas funções estão (a) a manutenção da paz e da segurança internacional, (b) a recomendação de métodos de diálogo entre os países, (c) investigar situações que possam se transformar em um conflito internacional e (d) determinar se há uma ameaça para a paz, entre outras funções, incluindo (e) recomendar para a Assembleia Geral a eleição de um novo Secretário-Geral da ONU[2].

Já a Assembleia Geral da ONU é um órgão deliberativo da ONU onde TODOS os Estados-membros da organização (são 193!) podem se reunir e tratar de assuntos pertinentes, com todos os países tendo direito a um voto. São assuntos pertinentes a esta assembleia (a) a paz e a segurança, (b) a aprovação de um novo membro, (c) a cooperação internacional, entre outros. Na Assembleia Geral se vota e aprova resoluções que são como recomendações, ou seja, não são obrigatórias. A Assembleia Geral discute questões relacionadas a conflitos com exceção das questões na pauta do Conselho de Segurança, que tem o famoso poder de veto[3].

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(3) Já em relação á nossa última  questão, sobre o Poder de Veto do Conselho de Segurança da ONU, este se trata bem sinteticamente de um poder exercido por apenas cinco membros permanentes deste Conselho (que vimos acima que são a China, os Estados Unidos, a França, o Reino Unido  e hoje a Rússia no lugar da antiga URSS), que podem vetar resoluções. Todos os 15 membros do Conselho de Segurança, ao se reunirem, podem votar e se manifestar, mas apenas os 5 referidos países possuem direito ao veto. Segundo Casella (2012: 195), um uso abusivo do direito de veto desses países até enfraqueceu um pouco o Conselho de Segurança, o que fortaleceu a Assembleia Geral, que passou a opinar nos assuntos em que o Conselho de Segurança não conseguia solucionar.

Enfim, diante de tais explicações, vemos que Tom Zé tem muita razão em sua ironia ao dizer que, embora se tenha a ONU, há uma turma que fabrica armas mortais, mas também ao se referir aos diacríticos ano, eno, hino e ONU ao se referir a de que é cheia a felicidade. Porque, se a paz é condição sine qua non para a felicidade, de fato só podermos ser felizes se seguirmos vivos ano após ano, com saúde (a licença poética do compositor para se referir ao eno), com nossa livre possibilidade de nos manifestarmos e aos nossos hinos, em sentido lato, e, claro, com a possibilidade de gozar da paz, que é o objetivo maior da ONU, que surgiu com a Carta de São Francisco em 1945 e para cuja atuação tanto sua Assembleia Geral quanto seu Conselho de segurança se orientam, havendo ainda o poder de veto de cinco dos membros permanentes do Conselho de Segurança, a fim de vetar qualquer resolução que possa ser entendida como algo que contrarie a paz e, portanto, nossa felicidade.

 

Referência bibliográfica

 

CASELLA, Paulo Borba. Manual de Direito Internacional Público. São Paulo: Saraiva, 2012

 


[1] Disponível em <https://brasil.un.org/pt-br/91220-carta-das-nacoes-unidas Acesso em 15 de setembro de 2020>

[2] Tais detalhes podem ser melhor conhecidos na página da ONU Brasil pelo link <https://nacoesunidas.org/conheca/como-funciona/conselho-de-seguranca/#:~:text=O%20Conselho%20de%20Seguran%C3%A7a%20%C3%A9,Assembleia%20Geral%20por%20dois%20anos Acesso em 15 de setembro de 2020>

[3] O site da ONU Brasil também detalha suas principais funções: <https://nacoesunidas.org/conheca/como-funciona/assembleia-geral/ Acesso em 15 de setembro de 2020>

Sobre o autor
Carlos Eduardo Oliva de Carvalho Rêgo

Advogado (OAB 254.318/RJ). Doutor e mestre em Ciência Política (UFF), especialista em ensino de Sociologia (CPII) e em Direito Público Constitucional, Administrativo e Tributário (FF/PR), bacharel em Direito (UERJ), bacharel e licenciado em Ciências Sociais (UFRJ), é professor de Sociologia da carreira EBTT do Ministério da Educação, pesquisador e líder do LAEDH - Laboratório de Educação em Direitos Humanos do Colégio Pedro II.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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