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Contra a visão gerencial da Justiça: a efetividade e o garantismo processual segundo Leonardo Greco

Agenda 19/12/2022 às 13:03

O Judiciário deve resolver os problemas da quantidade excessiva de processos e da sua morosidade, mas, ao mesmo tempo, assegurar a todas as causas os meios de que cada uma delas precisa para alcançar uma justiça eficaz na tutela dos direitos de todos

Neste artigo, a a partir de um clássico texto do Prof. Leonardo Greco (2012), "Novas perspectivas da efetividade e do garantismo processual", veremos o quanto este autor acrescenta às reflexões sobre Processo Civil. Segundo o Prof. Greco, a eficácia concreta dos direitos constitucionalmente e legalmente assegurados depende da garantia da tutela jurisdicional efetiva, que assegura ao titular do direito a proteção necessária do Estado. Assim, o Direito Processual disciplina o exercício da jurisdição para dar maior efetividade ao processo, respeitando direitos fundamentais das partes com garantias fundamentais do processo, como o contraditório participativo com seus elementos, como o direito de apresentar alegações e a congruidade dos prazos , a visão cooperativa do processo e a proposição e produção de provas junto à busca da verdade se tornando componentes essenciais do direito de defesa.

Mas o Prof. Greco sinaliza em seu texto também os desafios à efetividade e ao garantismo processual, em um cenário de exacerbação do demandismo, com aumento do volume de causas judiciais e uma demora maior para sua solução, que levam a uma perda da credibilidade dos juízes e do sistema judicial, que buscaram reagir com a simplificação das formas e dos ritos e a aceleração dos procedimentos, bem como a adoção de novos institutos (GRECO, 2012:7) para enfrentamento da massificação de demandas e dos recursos, entre os quais as tutelas antecipatórias, muitas vezes secundarizando a qualidade das decisões e as garantias. É nessa sua análise que encontramos a defesa de garantias fundamentais do processo, de modo a tutelas antecipadas não negarem o direito em vez de promovê-lo.

Sim, porque não deve servir a um jurista uma visão gerencial da Justiça! Visão esta bastante difundida, hoje, não apenas no Brasil, mas nos EUA e na Europa, conforme aponta Greco, que indica a importância de se resolver os problemas da quantidade excessiva de processos e da morosidade, mas, ao mesmo tempo, se assegurar a todas as causas os meios de que cada uma delas precisa para alcançar uma justiça eficaz na tutela dos direitos de todos. Nesse sentido, Greco aponta providências adotadas pelos juízes que podem ser consideradas positivas, mas também algumas soluções nefastas e algumas medidas que apresentam aspectos positivos e negativos.

Como medidas positivas, Greco cita (1) a adoção do sistema bifásico, com dois momentos decisórios, a audiência preliminar e a audiência final, (2) a busca de soluções amigáveis pelas partes com redução de recursos e agravos à concessão de tutela antecipada e despacho saneador; (3) atos preparatórios que melhoram a fundamentação das postulações das partes, acelerando a composição dos litigantes; (4) ampliação dos espaços de contratualização do processo judicial; (5) modificação do objeto litigioso, com questões que não fizeram parte da inicial; (6) a conciliação da sumarização dos procedimentos com as garantias fundamentais do processo, como o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa, etc., por exemplo, os juizados de pequenas causas ou especiais; (7) uma reforma da Execução, evitando execuções inúteis em que o credor não tem perspectiva de receber, etc. (Cf. GRECO, 2012: 34-43)

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Entre as soluções nefastas, Greco critica (1) o fortalecimento da ideia de jurisdição como instrumento de pacificação social, de tutela dos direitos dos mais fracos e minorias que, segundo ele, reduz a observância da lei (...) e estimula o juiz a realizar a justiça à sua moda (GRECO, 2012:12); (2) a tendência incontrolável à hipertrofia da jurisprudência dos tribunais superiores; (3) a tentativa de transformar em definitiva a tutela da urgência preventiva ou antecipatória, surgida na França, seguida por Itália e Portugal e que chegou ao Brasil, não podendo, porém, sem cognição exaustiva e ao arrepio da vontade expressa das partes, adquirir força definitiva; (4) a progressiva monocratização das decisões dos tribunais superiores e (5)  a redução cognitiva da segunda instância, que deixa o jurisdicionado à mercê de um único julgamento de um único juiz. O autor apresenta detalhadas críticas e elas. (Cf. GRECO, 2012: 11-19)

Entre as medidas que apresentam aspectos positivos e negativos, Greco (2012) aponta (1) os métodos alternativos de solução de conflitos (mediação, arbitragem, justiça interna das associações); (2) o condicionamento do ingresso em juízo à mediação prévia obrigatória ou, no caso das causas da Administração Pública, à prévia postulação administrativa; (3) o gerenciamento do processo pelo juiz, que busca uma marcha processual mais adequada; (4) os instrumentos de tutela coletiva, de solução coletiva de litígios individuais e de padronização de decisões; (5) a sumarização dos procedimentos, adotada como estratégia simples barata, com simplificação de atos, prazos menores, fundamentos de ataque e defesa restritos, etc.; (6) a lógica do esgotamento dos pontos de divergência entre as partes, (7) o sistema de arrecadamento de autonomia financeira do Judiciário com aumento de custas contra o demandismo, além de outras medidas voltadas para impedir a morosidade do processo. O autor apresenta aspectos positivos dessas medidas e detalhadas críticas a seu respeito. (Cf. GRECO, 2012: 19-34)

Não iremos aqui detalhar todas as observações de Greco acerca de cada uma dessas medidas, mas podemos inferir que, de acordo com Greco, apesar dos desafios do Direito Processual Civil na busca da eficiência da prestação jurisdicional como instrumento de tutela dos direitos dos cidadãos, um juiz jamais deve abandonar o compromisso do Estado Democrático de Direito, devendo conceder tutela provisória apenas com muita ponderação, com o Estado assumindo seu papel, a jurisdição sendo entendida como instrumento de tutela efetiva de direitos fundamentais, com independência e imparcialidade dos juízes, primado da lei e cumprimento das decisões judiciais, sem interpretações da lei incompatíveis com seu enunciado, com respeito à ordem pública processual, diminuindo-se o número de processos e recursos, sem se reduzir o acesso à Justiça e nem se deixar de assegurar aos jurisdicionados as garantias processuais!

 

Referência bibliográfica

GRECO, Leonardo. Novas perspectivas da efetividade e do garantismo processual. In: RODRIGUES, Walter et al. (Coord.). O novo código de processo civil: garantias fundamentais do processo. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012.

 

Sobre o autor
Carlos Eduardo Oliva de Carvalho Rêgo

Advogado (OAB 254.318/RJ). Doutor e mestre em Ciência Política (UFF), especialista em ensino de Sociologia (CPII) e em Direito Público Constitucional, Administrativo e Tributário (FF/PR), bacharel em Direito (UERJ), bacharel e licenciado em Ciências Sociais (UFRJ), é professor de Sociologia da carreira EBTT do Ministério da Educação, pesquisador e líder do LAEDH - Laboratório de Educação em Direitos Humanos do Colégio Pedro II.

Informações sobre o texto

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