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A Equidade no Ordenamento Jurídico Brasileiro

Agenda 19/12/2022 às 17:03

Equity in the Brazilian Legal Order

Reis Friede[1]

Resumo: a doutrina diverge quanto à natureza jurídica da equidade. Para alguns, trata-se de uma fonte do Direito. Outros autores a concebem apenas como um critério a ser considerado pelo juiz quando da aplicação da lei. Do mesmo modo, há quem defenda que a equidade, embora não prevista expressamente na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, constitui-se em um autêntico mecanismo de integração de lacunas. Por fim, hodiernamente, há juristas que a veem como um direito fundamental, assim como o direito à igualdade.

Palavras-chave: natureza jurídica; equidade; fonte do Direito; lacuna.

Abstract: The doctrine diverges in what regards the legal nature of equity. For some, it is a legal source. Other authors conceive it only as a criterion to be considered by the judge when applying the law. In the same way, there are those who defend that equity, although not expressly forecast in the Law of Introduction to the Norms of Brazilian Law (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro - LINDB), constitutes itself as an authentic mechanism of gap integration. Finally, nowadays, there are scholars who see it as a fundamental right, as well as the right to equality.

Keywords: Legal Nature; Equity; Legal Source; Gap.

1. Introdução

2. Equidade

3. A Natureza Jurídica da Equidade

4. A Equidade no Ordenamento Jurídico Brasileiro

5. Conclusão

6. Referências Bibliográficas

1. Introdução

A palavra equidade, etimologicamente, advém de aequitas, aequitatis, que, por sua vez, deriva de aequus, que significa justo, sendo correntemente empregada para denotar igualdade e justiça. Segundo o pensamento de ARISTÓTELES, é o meio através do qual se pretende corrigir a lei, aplicando-a com justiça ao caso concreto. Com efeito, para o filósofo grego, equidade seria a justa aplicação da norma jurídica ao caso a ser decidido, de modo a abrandar o teor normativo. Conforme assevera NADER (2017, p. 114), ARISTÓTELES traçou, com precisão, o conceito de equidade, considerando-a uma correção da lei quando ela é deficiente em razão da sua universalidade e comparou-a com a régua de Lesbos que, por ser de chumbo, se ajustava às diferentes superfícies.

No mesmo sentido, leciona REALE (2002, p. 123) que ARISTÓTELES, em sua Ética a Nicômaco, concebia a equidade como uma forma de justiça, ou melhor, a justiça mesma em um de seus momentos, no momento decisivo de sua aplicação ao caso concreto.

A equidade para ARISTÓTELES é a justiça do caso concreto, enquanto adaptada, ajustada à particularidade de cada fato ocorrente. Enquanto a justiça em si é medida abstrata, suscetível de aplicação a todas as hipóteses a que se refere, a equidade já é a justiça no seu dinâmico ajustamento ao caso.

Foi por esse motivo que ARISTÓTELES a comparava à régua de Lesbos. Esta expressão é de grande precisão. A régua de Lesbos era a régua especial de que se serviam os operários para medir certos blocos de granito, por ser feita de metal flexível que lhe permitia ajustar-se às irregularidades do objeto. A justiça é uma proporção genérica e abstrata, ao passo que a equidade é específica e concreta, como a régua de Lesbos flexível, que não mede apenas aquilo que é normal, mas, também, as variações e curvaturas inevitáveis de experiência humana. (REALE, 2002, p. 123)

Por sua vez, MASCARO (2015, p. 19) recorda que, à época do Direito Romano, o Direito era concebido como a arte do bem e da equidade (jus est ars boni et aequi), ou seja, os romanos entendiam a sua atividade muito mais como arte do que como técnica, ao contrário da estrutura moderna do direito.

Dizia-se no passado, por isso, que seria preciso que o bom jurista fosse um artista do Direito, para bem entender cada situação concreta, sua justeza, a natureza das coisas ali envolvidas. A norma era importante para alcançar essa justeza, mas não apenas ela. A equidade, que é a arte de entender cada caso concreto, é superior, para ARISTÓTELES, à própria lei. (MASCARO, 2015, p. 25)

2. Equidade

Equidade, na dicção de VENOSA (2006, p. 144-146), é forma de manifestação de justiça que tem o condão de atenuar, amenizar, dignificar a regra jurídica. Trata-se de um conceito que se conecta ao do próprio Direito, uma vez que, enquanto o Direito regula a sociedade com normas gerais do justo e do equitativo, a equidade procura adaptar essas normas a um caso concreto. Consiste tal figura, portanto, na busca constante e permanente do julgador da melhor interpretação legal e da melhor decisão para o caso concreto.

São frequentes as situações com que se defronta o julgador ao ter que aplicar uma lei, oportunidade em que percebe que, no caso concreto, afasta-se da noção do que é justo. O trabalho de aplicação do Direito por equidade é de precipuamente aparar as arestas na aplicação da lei dura e crua, para que uma injustiça não seja cometida. A equidade é um trabalho de abrandamento da norma jurídica no caso concreto. A equidade flexibiliza a aplicação da lei. Por vezes, o próprio legislador, no bojo da norma, a ela se refere.

A equidade não é apenas um abrandamento da norma em caso específico, mas também deve ser um sentimento que brote do âmago do julgador. Seu conceito é filosófico e, como tal, dá margem, evidentemente, a várias concepções. (VENOSA, 2006, p. 145)

SILVEIRA, citado por DINIZ (2000, p. 464), entende que o termo equidade admite três significações: a) sentido latíssimo equidade enquanto princípio universal da ordem normativa, a razão prática extensível a toda conduta humana, configurando-se como uma suprema regra de justiça a que os homens devem obedecer; b) sentido lato equidade confundir-se-ia com a ideia de justiça absoluta ou ideal, com os princípios de direito, com a ideia do direito, com o direito natural em todas as suas significações; c) sentido estrito equidade efetivamente aplicada na interpretação, integração, individualização judiciária, adaptação, etc..

Quanto às espécies, GUSMÃO (2000, p. 72-73) classifica a equidade em: a) equidade secundum legem, consistente na justa concretização do preceito legal, espécie dotada de grande valor na aplicação do Direito; b) equidade contra legem, ou seja, aquela que conflita com o Direito Positivo, cabendo ressaltar que, diante de tal situação, e consoante os ensinamentos de GUSMÃO, o Direito Positivo há de prevalecer sobre a equidade, por assim exigir um de seus fins, qual seja, a segurança jurídica; e c) equidade praeter legem, cuja aplicação ocorre diante da existência da denominada lacuna, isto é, quando o magistrado, não encontrando nos princípios gerais de Direito o instrumento aplicável ao caso novo, socorre-se da espécie de equidade em questão, correspondente ao ideal histórico de justiça, ainda que não presente no Direito Positivo.

3. Natureza Jurídica da Equidade

Em relação à natureza jurídica, os estudiosos divergem quanto à posição da figura em exame no ordenamento jurídico.

Para alguns, a equidade configura inconteste fonte do Direito. No caso, a palavra fonte, proveniente do latim fontis, quer dizer nascente de água ou manancial de água que brota do solo. Assim, o vocábulo fonte, semanticamente, significa a origem, o surgimento, o princípio de algo. Por conseguinte, a expressão fontes do Direito, atribuída à época de CÍCERO (VENOSA, 2006, p. 119), traduz a origem do Direito, seu nascedouro, isto é, os modos de formação e revelação das normas jurídicas. REALE, conceituando o termo fonte, assevera que:

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Por fonte do direito designamos os processos ou meios em virtude dos quais as regras jurídicas se positivam com legítima força obrigatória, isto é, com vigência e eficácia no contexto de uma estrutura normativa. (REALE, 2002, p. 140)

DINIZ adverte que a expressão fonte do Direito, por ser empregada metaforicamente, apresenta mais de um sentido, concepção semântica assim explicada pela ilustre autora:

Fonte jurídica seria a origem primária do direito, confundindo-se com o problema da gênese do direito. Trata-se da fonte real ou material do direito, ou seja, dos fatores reais que condicionaram o aparecimento de norma jurídica. KELSEN admite esse sentido do vocábulo, apesar de não o considerar científico-jurídico, quando com esse termo se designam todas as representações que, de fato, influenciam a função criadora e aplicadora do direito, como: princípios morais e políticos, teorias jurídicas, pareceres de especialistas. Fontes essas que, no seu entender, se distinguem das do direito positivo, porque estas são juridicamente vinculantes e aquelas não o serão enquanto uma norma jurídica positiva não as tornar vinculantes, caso em que elas assumem o caráter de uma norma jurídica superior que determina a produção de uma norma jurídica inferior. Emprega-se também o termo fonte do direito como equivalente ao fundamento de validade da ordem jurídica. A teoria kelseniana, por postular a pureza metódica da ciência jurídica, libera-a da análise de aspectos fáticos, teleológicos, morais ou políticos que, porventura, estejam ligados ao direito. Portanto, só as normas são suscetíveis, segundo KELSEN, de indagação teórico-científica. Com isso essa doutrina designa como fonte o fundamento de validade jurídico-positiva da norma jurídica, confundindo a problemática das fontes jurídicas com a noção de validez das normas de direito. (DINIZ, 2000, p. 278)

De acordo com RAMOS (2014, p. 600), a expressão fontes do Direito é, antes de tudo, polissêmica, traduzindo, por um lado, os modos pelos quais as normas jurídicas são produzidas (fontes formais) e, por outro, os eventos sociais que geram as necessidades a serem reguladas pelas normas jurídicas (fontes materiais). Tal afirmação indica que o tema sob exame é objeto de múltiplas classificações doutrinárias, o que explica as diversas perspectivas apresentadas pelos estudiosos do assunto, inexistindo uniformidade nos modos de expressá-las.

REALE (2002, p. 139-140), discordando da distinção levada a efeito por certo segmento doutrinário, no qual se encontram GUSMÃO e DINIZ, assevera que a antiga distinção entre fonte formal e fonte material do Direito tem sido fonte de grandes equívocos nos domínios da Ciência Jurídica. Para o mestre REALE, a expressão fonte do Direito deveria ser empregada apenas para designar os processos de produção de normas jurídicas, raciocínio que se fundamenta nos seguintes argumentos:

Tais processos pressupõem sempre uma estrutura de poder, desde o poder capaz de assegurar por si mesmo o adimplemento das normas por ele emanadas (como é o caso do poder estatal no processo legislativo) até outras formas subordinadas de poder que estabelecem, de maneira objetiva, relações que permitem seja pretendida a garantia de execução outorgada pelo Estado.

Vejamos o que se tem designado com a expressão fonte material, para demonstrarmos a inconveniência desse termo.

Verificando-se, por exemplo, como aparece uma lei, podemos indagar de suas razões últimas, dos motivos lógicos ou morais que guiaram o legislador em sua tarefa. Estamos, pois, diante de uma pesquisa de natureza filosófica, que diz respeito às condições lógicas e éticas do fenômeno jurídico.

Ao lado dessa questão, que se liga ao próprio problema da justiça, da liberdade, da segurança e da ordem, encontramos outros problemas que já possuem um aspecto sociológico. Indagamos das causas não remotas, mas imediatas da lei. Podemos perguntar, por exemplo, se uma lei é devida a fatores econômicos permanentes ou transitórios, ou se ela é decorrência de exigências demográficas, geográficas, raciais, higiênicas e assim por diante. O problema que gira em torno das causas imediatas ou próximas do fenômeno jurídico pertence ao âmbito da Sociologia e, a rigor, da Sociologia Jurídica.

Como se vê, o que se costuma indicar com a expressão fonte material não é outra coisa senão o estudo filosófico ou sociológico dos motivos éticos ou dos fatos econômicos que condicionam o aparecimento e as transformações das regras de direito. Fácil é perceber que se trata do problema do fundamento ético ou do fundamento social das normas jurídicas, situando-se, por conseguinte, fora do campo da Ciência do Direito. Melhor é, por conseguinte, que se dê ao termo fonte do direito uma única acepção, circunscrita ao campo do Direito. (REALE, 2002, p. 139-140)

Como se vê, as fontes do Direito, na visão realeana, estão relacionadas às formas de expressão do poder. Assim, escreve REALE, quatro são as fontes de Direito, porque quatro são as formas de poder: o processo legislativo, expressão do Poder Legislativo; a jurisdição, que corresponde ao Poder Judiciário; os usos e costumes jurídicos, que exprimem o poder social, ou seja, o poder decisório anônimo do povo; e, finalmente, a fonte negocial, expressão do poder negocial ou da autonomia da vontade.

Para que se possa falar, por conseguinte, de fonte de direito, isto é, de fonte de regras obrigatórias, dotadas de vigência e de eficácia, é preciso que haja um poder capaz de especificar o conteúdo do devido, para exigir o seu cumprimento, não sendo indispensável que ele mesmo aplique a sanção penal. É por isso que se diz que o problema das fontes do direito se confunde com o das formas de produção de regras de direito vigentes e eficazes, podendo ser elas genéricas ou não.

Por ora, podemos fixar esta noção essencial: toda fonte de direito implica uma estrutura normativa de poder, pois a gênese de qualquer regra de direito (nomogênese jurídica) - tal como pensamos ter demonstrado em nossos estudos de Filosofia do Direito - só ocorre em virtude da interferência de um centro de poder, o qual, diante de um complexo de fatos e valores, opta por dada solução normativa com características de objetividade. (REALE, 2002, p. 141)

Não obstante a mencionada posição de REALE, constata-se, de um modo geral, uma divisão das fontes do Direito em: a) fontes materiais e b) fontes formais, justamente o que faz GUSMÃO (2000, p. 101), que define as primeiras como sendo os dados extraídos da realidade social, das tradições e dos ideais dominantes, com os quais o legislador, resolvendo questões que dele exigem solução, dá conteúdo ou matéria às regras jurídicas. Por sua vez, fontes formais são os meios ou formas pelos quais o Direito Positivo se apresenta na História ou pode ser conhecido.

VENOSA (2006, p. 119), no mesmo contexto classificatório, admite a existência de fontes materiais (que têm o Estado como poder emanador), além das fontes formais, estas subdivididas em fontes formais primárias/diretas/imediatas (a lei e o costume jurídico) e fontes formais secundárias/indiretas/mediatas (a doutrina e a jurisprudência), reconhecendo, porém, outras figuras, tal como a equidade.

Entendem-se por fontes diretas, imediatas ou primárias aquelas que, de per si, têm potencialidade suficiente para gerar a regra jurídica. As fontes mediatas ou secundárias são as que, não possuindo o mesmo vigor criativo das primeiras, esclarecem, contudo, os espíritos dos aplicadores da lei e servem de precioso substrato, auxílio ou adminículo para a aplicação global do Direito. Desse modo, estabelecendo-se ao lado da lei e do costume, estes como fontes primárias, a doutrina, a jurisprudência, a analogia, os princípios gerais de direito e a equidade postam-se como fontes secundárias, segundo essa visão, sem que estritamente todos estes últimos institutos possam considerar-se fontes típicas. Advirta-se, porém, que não há unanimidade na doutrina quanto a essa classificação. (VENOSA, 2006, p. 121)

Não obstante o entendimento anterior equidade enquanto fonte do Direito há quem conceba essa figura jurídica apenas como um critério a ser considerado pelo juiz quando da aplicação da lei, mormente diante do comando inscrito no art. 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB, Decreto-Lei nº 4.657/1942), segundo o qual, na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.

Algumas normas há que se ajustam inteiramente ao caso prático, sem a necessidade de qualquer adaptação; outras há, porém, que se revelam rigorosas para o caso específico. Nesse momento, então, surge o papel da equidade, que é adaptar a norma jurídica geral e abstrata às condições do caso concreto. Equidade é a justiça do caso particular. [...]. Não é, via de regra, fonte criadora do Direito, apenas sábio critério que desenvolve o espírito das normas jurídicas, projetando-o nos casos concretos. ICÍLIO VANNI precisou, com clareza e objetividade, que a equidade não é mais do que um modo particular de aplicar a norma jurídica aos casos concretos; um critério de aplicação, pelo qual se leva em conta o que há de particular em cada relação. (NADER, 2017, p. 114)

Ainda no que se refere à natureza jurídica, há quem defenda (VENOSA, por exemplo) que a equidade, embora não prevista expressamente no art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, constitui juntamente com a analogia, os costumes e os princípios gerais de Direito um autêntico mecanismo de integração de lacunas.

A propósito, o termo lacuna, para DINIZ (2002, p. 70), pode ser conceituado como sendo faltas ou falhas de conteúdos de regulamentação jurídico-positiva para determinadas situações fáticas, que admitem sua remoção por uma decisão judicial jurídico-integradora. Ainda segundo a mesma autora, constitui-se a lacuna em um estado incompleto do sistema, defeito que necessita ser colmatado, do que resulta a importante missão a ser desempenhada pelo referido art. 4º, regra que concebe ao magistrado, impedido de furtar-se a uma decisão, a possibilidade de integrar ou preencher a lacuna, de forma que possa chegar a uma solução adequada (DINIZ, 2001, p. 10).

Tal providência, que a doutrina convencionou chamar de integração normativa, caracteriza, em última análise, o desenvolvimento aberto do Direito, dirigido metodicamente, em que o aplicador adquire consciência da modificação que as normas experimentam, continuamente, ao serem aplicadas às mais diversas relações da vida, chegando a apresentar, na ordem normativa, omissões concernentes a uma nova exigência da vida. Com efeito, e diante da proibição do non liquet, encontra-se o magistrado absolutamente obrigado (constitucional e legalmente) a decidir o caso que lhe foi submetido, devendo, para tanto, recorrer aos instrumentos postos à sua disposição, entre os quais se inclui, segundo uma parcela da doutrina, a equidade.

Como já citado, o art. 4o da nossa Lei de Introdução é princípio norteador ao intérprete: Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de Direito. Ao estudarmos as fontes, ficou acentuado que o costume é fonte subsidiária entre nós e, ao lado da analogia, dos princípios gerais e também da equidade constituem formas de raciocínio para a aplicação e integração do Direito. Não se pode afirmar que sempre serão encontrados costumes ou será sempre possível a analogia para a aplicação no caso concreto. Daí por que, como foi enfatizado, a importância do conceito e da extensão dos princípios gerais de Direito e da equidade nesse processo. (VENOSA, 2006, p. 178)

Comungando do mesmo entendimento, FERRAZ JR. (2015, p. 267) assevera que o juízo por equidade, na falta de norma positiva, é o recurso a uma espécie de intuição, no concreto, das exigências da justiça enquanto igualdade proporcional. Para ele, deve o intérprete sempre buscar uma racionalização dessa intuição, mediante uma análise das considerações práticas dos efeitos presumíveis das soluções encontradas, o que exige juízos empíricos e de valor, os quais aparecem fundidos na expressão juízo por equidade.

Em todo caso, o juízo equitativo, de um lado, apesar das considerações dos efeitos presumíveis, é sempre um juízo jungido ao particular, sem preocupações generalizantes. Não gera, assim, uma compulsão para que outros casos, semelhantes, sejam interpretados e decididos do mesmo modo. Por isso, não é, propriamente, fonte do Direito, mas meio de integração. De outro lado, porém, pela consideração dos efeitos presumíveis, também não aparece como arbitrário, mas sim representando o sentido do que seja jurídico no contexto social em que se aplica.

Essa oscilação entre o subjetivo e o objetivo explica os cuidados que tem a doutrina em circunscrever a equidade e seu uso. Na falta de norma, a equidade integra o ordenamento sumariamente, assentando-se nas circunstâncias do caso concreto. Seu contraponto, porém, mesmo quando não parece claramente institucionalizado, é a existência de algum consenso. (FERRAZ JR., 2015, p. 267-268)

REALE (2002, p. 300-301) também concebe a equidade como um quarto elemento de integração, juntamente com a analogia, os costumes e os princípios gerais de Direito. Através dela, o juiz ou o administrador realizam a integração da lei para atingir a plenitude da vida, escreve o saudoso professor. MASCARO (2015, p. 156), na mesma linha de raciocínio, elenca a equidade entre os instrumentos de resolução das lacunas, aduzindo que, além dos princípios gerais do Direito, os costumes e a equidade costumam ser instrumentos institucionais de resolução de lacunas. DINIZ, adotando a mesma inteligência supletiva, igualmente insere a equidade entre os instrumentos de integração.

Em caso de lacuna, o juiz deverá constatar, na própria legislação, se há semelhança entre fatos diferentes, fazendo juízo de valor de que esta semelhança se sobrepõe às diferenças. E se não encontrar casos análogos, deve recorrer ao costume e ao princípio geral de direito; não podendo contar com essas alternativas, é-lhe permitido, ainda, socorrer-se da equidade. [...].

Do que foi exposto infere-se a inegável função da equidade de suplementar a lei, ante as possíveis lacunas. No nosso entender, a equidade é elemento de integração, pois consiste, uma vez esgotados os mecanismos previstos no art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil [atual Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro], em restituir à norma, a que acaso falte, por imprecisão de seu texto ou por imprevisão de certa circunstância fática, a exata avaliação da situação a que esta corresponde, a flexibilidade necessária à sua aplicação, afastando por imposição do fim social da própria norma o risco de convertê-la num instrumento iníquo. (DINIZ, 2000, p. 463 e 467)

De qualquer forma, consoante os ensinamentos de DINIZ (2000, p. 470), cumpre registrar que o magistrado, quando do emprego da equidade, não poderá se afastar das balizas estabelecidas pelo legislador. Ele deve considerar, fundamentalmente, que a equidade configura uma autorização para apreciar, segundo a lógica do razoável, interesses e fatos não determinados a priori pelo legislador. Assim, poderá estabelecer uma norma individual para o caso concreto ou singular, sempre considerando as pautas axiológicas contidas no sistema jurídico, ou seja, relacionando sempre os subsistemas normativos, valorativos e fáticos.

4. A Equidade no Ordenamento Jurídico Brasileiro

O ordenamento jurídico pátrio, em diversas passagens, refere-se (direta ou indiretamente) à equidade. Por exemplo, o revogado Decreto-Lei nº 1.608/1939 (Código de Processo Civil de 1939) preceituava que o juiz, quando autorizado a decidir por equidade, deveria aplicar a norma que estabeleceria se fosse legislador (art. 114). A Lei Processual Civil de 1973 (Lei nº 5.869/1973), igualmente revogada, dispunha que o juiz só decidiria por equidade nos casos previstos em lei (art. 127); ademais, no seu art. 20, parágrafo 4º, o Codex de 1973 estabelecia que nas causas de pequeno valor e nas de valor inestimável, bem como naquelas em que não houver condenação ou for vencida a Fazenda Pública, os honorários serão fixados consoante apreciarão equitativa do juiz, dispositivo legal que teve larga aplicação jurisprudencial.

Agravo regimental em ação rescisória. Recurso interposto pela União em ação originária por meio de petição assinada isoladamente por Procurador da Fazenda Nacional. Irregularidade processual sanada com a ratificação do ato praticado pelo Advogado-Geral da União. Fixação de honorários advocatícios. Com a denegação do mandado de segurança originário em sede de ação rescisória, tem-se uma decisão declaratória negativa. Não havendo condenação, os honorários advocatícios devem ser fixados com base no art. 20, § 4º, do Código de Processo Civil, que determina ao magistrado apreciar com equidade a fixação dos referidos honorários. Agravo regimental a que se nega provimento.

(STF, Tribunal Pleno, Agravo Regimental em Ação Rescisória nº 1.520/PE, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, julgamento em 01.08.2011)

O aludido art. 127 do CPC de 1973 foi praticamente reproduzido pelo art. 140 do Estatuto Processual Civil de 2015 (Lei nº 13.105/2015), segundo o qual o magistrado não se exime de decidir sob a alegação de lacuna ou obscuridade do ordenamento jurídico (caput), somente podendo decidir por equidade nos casos previstos em lei (parágrafo único), dispositivo legal que, evidentemente, objetiva impedir que o julgador transforme-se em legislador.

Além desses, o revogado Código Civil de 1916 (Lei nº 3.071/1916), no art. 1.040, inciso IV, permitia que os árbitros, no denominado juízo arbitral, julgassem por equidade. De sua parte, o Código Civil de 2002 (Lei nº 10.406/2002) também trata da equidade em alguns de seus dispositivos, a saber:

a) Art. 413: a penalidade deve ser reduzida equitativamente pelo juiz se a obrigação principal tiver sido cumprida em parte, ou se o montante da penalidade for manifestamente excessivo, tendo-se em vista a natureza e a finalidade do negócio.

b) Art. 478: nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato; e, nos termos do art. 479, a resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato.

c) Art. 738, caput: a pessoa transportada deve sujeitar-se às normas estabelecidas pelo transportador, constantes no bilhete ou afixadas à vista dos usuários, abstendo-se de quaisquer atos que causem incômodo ou prejuízo aos passageiros, danifiquem o veículo, ou dificultem ou impeçam a execução normal do serviço. Em seguida, no parágrafo único do mesmo artigo, afirma-se que se o prejuízo sofrido pela pessoa transportada for atribuível à transgressão de normas e instruções regulamentares, o juiz reduzirá equitativamente a indenização, na medida em que a vítima houver concorrido para a ocorrência do dano.

d) Art. 928, caput: o incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes, sendo certo que a indenização prevista neste artigo, que deverá ser equitativa, não terá lugar se privar do necessário o incapaz ou as pessoas que dele dependem (parágrafo único).

e) Art. 944, caput: a indenização mede-se pela extensão do dano. Havendo excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização (art. 944, parágrafo único). Nota-se, portanto, que a Lei Civil autoriza que o magistrado, constatando haver desproporção entre a gravidade da culpa e a extensão do dano, reduza a indenização, tudo com base em um juízo de equidade.

f) Art. 953, caput: a indenização por injúria, difamação ou calúnia consistirá na reparação do dano que delas resulte ao ofendido, afirmando, outrossim, que se o ofendido não puder provar prejuízo material, caberá ao juiz fixar, equitativamente, o valor da indenização, na conformidade das circunstâncias do caso (parágrafo único).

O Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172/1966), no seu art. 108, caput, incisos I a IV, preceitua que na ausência de disposição expressa, a autoridade competente para aplicar a legislação tributária utilizará sucessivamente, na ordem indicada [...], a analogia, os princípios gerais de direito tributário, os princípios gerais de direito público e a equidade, sendo que o emprego desta não poderá resultar na dispensa do pagamento de tributo devido (art. 108, parágrafo 2º).

Ademais, preceitua o art. 6º da Lei nº 9.099/95 (Lei dos Juizados Cíveis e Criminais) que o juiz adotará em cada caso a decisão que reputar mais justa e equânime, atendendo aos fins sociais da lei e às exigências do bem comum. Cite-se, ainda, o art. 25 da mesma Lei, segundo o qual o árbitro conduzirá o processo com os mesmos critérios do juiz, na forma dos arts. 5º e 6º desta Lei, podendo decidir por equidade.

5. Conclusão

Como visto, a doutrina diverge quanto à natureza jurídica da equidade. Para alguns, trata-se de uma fonte do Direito. Outros autores a concebem como um critério a ser considerado pelo juiz quando da aplicação da lei, mormente diante do comando inscrito no art. 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, segundo o qual, na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum. Do mesmo modo, há quem defenda que a equidade, embora não prevista expressamente no art. 4º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, constitui juntamente com a analogia, os costumes e os princípios gerais de Direito um autêntico mecanismo de integração de lacunas.

De qualquer forma, independentemente da natureza jurídica que lhe seja atribuída, o magistrado, quando do emprego da equidade, não poderá se afastar das balizas estabelecidas pelo legislador. Ele deve considerar, fundamentalmente, que a equidade configura uma autorização para apreciar, segundo a lógica do razoável, interesses e fatos não determinados a priori pelo legislador. Assim, poderá estabelecer uma norma individual para o caso concreto ou singular, sempre considerando as pautas axiológicas contidas no sistema jurídico, ou seja, relacionando sempre os subsistemas normativos, valorativos e fáticos (DINIZ, 2000, p. 470).

6. Referências Bibliográficas

BRASIL. STF. Tribunal Pleno, Agravo Regimental em Ação Rescisória nº 1.520/PE, Rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 01.08.2011.

DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito, 12ª ed., São Paulo, Saraiva, 2000.

________. As Lacunas no Direito, 7ª ed., São Paulo, Saraiva, 2002.

________. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro Interpretada, 8ª ed., São Paulo, Saraiva, 2001.

FERRAZ JR., Tercio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito, Técnica, Decisão, Dominação, 8ª ed., São Paulo, Atlas, 2015.

GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao Estudo do Direito, 27ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2000.

MASCARO, Alysson. Introdução ao Estudo do Direito, 5ª ed., Atlas, 2015.

NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito, 39ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2017.

RAMOS, André de Carvalho. Pluralidade das Fontes e o Novo Direito Internacional Privado, Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, v. 109, jan./dez. 2014.

REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito, 26ª ed., São Paulo, Saraiva, 2002.

VENOSA, Sílvio. Introdução ao Estudo do Direito Primeiras Linhas, 2ª ed., São Paulo, Atlas, 2006.

Sobre o autor
Reis Friede

Desembargador Federal, Presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (biênio 2019/21), Mestre e Doutor em Direito e Professor Adjunto da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). É autor do livro Teoria do Direito.

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