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Medidas atípicas na Lei de Falências e no Código de Processo Civil

Agenda 21/12/2022 às 18:10

RESUMO:O presente trabalho tem como objetivo analisar as medidas do artigo 139, inciso IV do Código de Processo Civil e do artigo 99, inciso VII da lei 11.101 de 2005, por meio de uma análise da doutrina, jurisprudência e texto de lei.

Palavras-chaves: Direito; Medidas Atípicas; Processo Civil; Direito Falimentar.

INTRODUÇÃO

Dentro de uma demanda judicial, muitos interesses são envolvidos inevitavelmente. O processo trata-se de um procedimento por meio do qual se alcança um certo objetivo, não sendo um fim em si mesmo, mas um meio.

O objetivo da demanda que consiste na resolução do litígio, seja realizando o cumprimento da obrigação, seja garantindo todos os interesses ali envolvidos, muitas vezes pode acabar necessitando que sejam tomadas medidas concretas para que se alcance o resultado prático e útil do processo. Para isso, a lei trouxe dois importantes dispositivos, o artigo 139, inciso IV do Código de Processo Civil e o artigo 99, inciso VII da lei 11.101 de 2005.

O INCISO IV DO ARTIGO 139 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL 

O simples pronunciamento jurisdicional, muitas vezes, não é o suficiente para efetivar o direito daquele que fora lesionado, não pode a lei aguardar a boa vontade de cada indivíduo para que o seu direito se restabeleça (MACHADO, NASCIMENTO, 2019).

Nesse contexto, são necessários meios concretos para que se alcance o resultado prático e útil do processo. É imperioso respeitar o que fora decidido pelo magistrado, uma vez que somente a letra da lei não põe fim ao litígio, por si só não satisfaz o direito do credor, sendo necessária a tomada de medidas concretas que objetivam a satisfação do titular desse direito (GONÇALVES, 2017; MACHADO, NASCIMENTO, 2019).

Para essa concretização se realizar, existem os meios típicos, previstos de forma expressa no texto legal, para que se busque essa satisfação do direito do credor, como, por exemplo, o arresto, o sequestro e a penhora.

Além disso, o artigo 139 do CPC que está inserido no capítulo dos poderes, deveres e reponsabilidades do juiz, trouxe as medidas atípicas, cujos meios executórios não estão previstos de forma expressa no texto legal. Diante disso, o magistrado dirigirá o processo de acordo com a lei processual e, conforme o inciso IV do mesmo artigo em questão, com a novidade trazida pelo CPC de 2015, o juiz poderá determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento da ordem judicial, até mesmo nas ações de prestação pecuniária.

No entanto, não se pode usar diretamente dessas medidas do artigo 139, inciso IV. Por se tratar de uma alternativa excepcional, é preciso que os meios executórios tradicionais estabelecidos expressamente no ordenamento já tenham sido esgotados e que, mesmo assim, não tenha sido possível a satisfação do direito do credor (MACHADO, NASCIMENTO, 2019). Em uma situação, por exemplo, em que o devedor realiza a ocultação de seu patrimônio.

Além do mais, deve-se sempre observar o bem jurídico tutelado com a finalidade de realizar a adequada proporcionalidade dos meios no caso concreto, respeitando, também, a regra de menor onerosidade ao devedor, prevista no artigo 805 do CPC, para que não prejudique a dignidade do executado.

Perante tal situação, é preciso que haja um contraditório prévio e uma fundamentação substancial, principalmente, nos direitos e garantias consagrados na Constituição Federal, posto que não parece possível que se determine o pagamento sob pena de prisão (ressalvada a hipótese legal de prisão por dívida alimentar), vedação ao exercício da profissão, ou do direito de ir e vir, dentre outras (GAJARDONI, 2015).

Conforme vem sendo, também, o entendimento do STJ no RHC 97.876 que considerou desproporcional a suspensão do passaporte de um devedor, como forma de coagi-lo ao pagamento da dívida, estabelecendo que as modernas regras de processo, no entanto, ainda respaldadas pela busca da efetividade jurisdicional, em nenhuma circunstância, poderão se distanciar dos ditames constitucionais, apenas sendo possível a implementação de comandos não discricionários ou que restrinjam direitos individuais de forma razoável. (STJ RHC: 97.876 SP 2018/0104023-6 Relator: ministro Luís Felipe Salomão, Data de Julgamento: 5/6/2018, 4ª Turma, Data de Publicação: DJe 9/8/2018)

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Em sentido contrário, porém, a 3ª Turma do referido tribunal supracitado, no julgamento do RHC 99.606, teve o entendimento de que caso o executado não indique meios para saldar seu débito, poderá ter a retenção do seu passaporte como um meio de impeli-lo ao pagamento da dívida. Lembrando, também, que nesse julgado o devedor violou os deveres da boa-fé, já que não havia proposto meio para sua menor onerosidade e de maior eficácia da execução (STJ RHC: 99.606 SP 2018/0150671-9 Relator: ministra Nancy Andrighi, Data de Julgamento: 13/11/2018, 3ª Turma, Data de Publicação: DJe  20/11/2018).

Na doutrina, também há posicionamentos divergentes quanto as medidas atípicas. Afirmam Didier, Cunha, Braga e Oliveira (2017) que medidas como suspensão de CNH, passaporte ou, até mesmo, o bloqueio dos cartões de crédito do devedor, constituem uma forma de punir o executado, e não um modo de compeli-lo ao cumprimento do que fora decidido pelo magistrado. Para eles, não há uma relação de meio e fim, pois essas medidas não geram como consequência direta o cumprimento da obrigação.

Todavia, Neves (2017) salienta que a adoção dessas medidas coercitivas atípicas, não significa dizer que o corpo do devedor agora passou a responder por suas obrigações. Na verdade, para ele, seriam apenas meios que pressionam psicologicamente o executado a cumprir com seus deveres.

O INCISO VII DO ARTIGO 99 DA LEI 11.101 DE 2005 

A sentença que decreta a falência, além de dar fim a fase de conhecimento, funciona também como uma decisão interlocutória, pois autoriza o início da execução coletiva. Assim, inaugura, de imediato, a fase de execução. O artigo 99 da lei 11.101/05 elenca, em seus treze incisos, as providências que deverão ser adotadas pelo magistrado no próprio texto da sentença, em atenção aos princípios da economia e celeridade processual, organizando o estado jurídico do falido.

Dentre essas providências, destaca-se o inciso VII do referido artigo supracitado, o qual confere ao juízo que decreta a falência um poder geral de cautela, já que eventualmente podem ser necessárias a tomada de diligências adicionais que salvaguardem os interesses das partes envolvidas. Além disso, pode também decretar a prisão preventiva do empresário individual falido ou dos administradores da sociedade empresária falida, com fundamento em provas da prática de crime falimentar, os quais estão definidos na própria lei 11.101/05, nos artigos 168 a 178 (RAMOS, 2017; TOMAZETTE, 2017).

Antes, o inciso VI, do artigo 14, do Decreto-lei 7.661/45 utilizava o termo em que a sentença providenciará, sendo adequadamente alterado, pela lei 11.101/05, para determinará, uma vez que se trata da função jurisdicional, pois o administrator judicial e os demais serventuários da justiça devem providenciar aquilo que foi determinado. Além disso, a lei anterior dizia diligências convenientes ao interesse da massa, sendo modificado para os interesses das partes envolvidas, representando, pois, uma ampliação do poder jurisdicional já que o juiz deverá ter uma visão maior, não só os interesses da massa, mas também considerando, direta ou indiretamente, os interesses das partes envolvidas (MAMEDE, 2019).

O inciso VII da lei 11.101/05 expressa um amplo poder acautelatório concedido ao magistrado, uma exceção legal expressa à vedação do artigo 492 do CPC com relação as sentenças ultra ou extra petita, pois o juiz deve ir além do pedido de decretação da falência, ele deve determinar as diligências necessárias para salvaguardar os interesses das partes envolvidas. As medidas não precisam ser pedidas pelo autor, uma vez que a inicial se resume em requerer a decretação da falência. O próprio legislador não espera que haja um pedido específico para tais diligências, posto que a própria norma usa o verbo determinará, e não a pedido das partes (MAMEDE, 2019).

Com relação a essas diligências, não se tem uma definição legal, nem uma limitação legal, para essas medidas de salvaguarda dos interesses das partes envolvidas. Diante disso, um amplo campo se abre. Podem ser determinadas medidas decorrentes diretamente da própria falência, como, por exemplo, o encerramento das atividades da empresa com o desligamento de maquinário, entre outros. No entanto, pode-se ir além, determinando medidas acautelatórias como busca e apreensão de documentos, arresto de bens, entre outras mais (MAMEDE, 2019).

Observa-se que a decisão que estabelecer as diligências, deve apresentar os seus fundamentos de fato e de direito que sustentam a determinação de tais medidas, conforme o inciso IX, do artigo 93 da Constituição Federal. Além disso, é imprescindível que as medidas guardem relação com os fatos defrontados e apontados pelo julgador a partir dos elementos aferidos na instrução (MAMEDE, 2019).

Com relação a ordem de prisão preventiva do falido ou de seus administradores, deve ser desenvolvido em ambiente processual próprio do juízo criminal, seguindo as regras do Código de Processo Penal, não sendo da jurisdição cível do juízo falimentar, ainda que em comarcas sem divisão de competência em razão da matéria. Esclarece Mamede (2019) que a previsão da ordem de prisão cautelar na lei 11.101/05 foi um equívoco do legislador, pois o artigo 183 da mesma lei em questão estabelece que compete ao juiz criminal da jurisdição onde tenha sido decretada a falência, concedida a recuperação judicial ou homologado o plano de recuperação extrajudicial, conhecer da ação penal pelos crimes previstos na lei falimentar; o artigo 184 diz que os crimes previstos na legislação falimentar são de ação penal pública incondicionada; e o artigo 185 manda observar os artigos 531 a 540 do CPC para o seu processamento. Dessa forma, é necessário constituir a jurisdição penal para obter a prisão preventiva do empresário falido ou de seus administradores.

CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Diante do exposto, nota-se que o inciso VII, do artigo 99, da lei 11.101, desde de 2005, já previa a possibilidade de o magistrado no juízo falimentar determinar qualquer tipo de medida coercitiva para salvaguardar os direitos e interesses dos credores. Percebe-se que tais diligências possuem a mesma natureza jurídica das medidas atípicas do inciso IV, do artigo 139 do Código de Processo Civil.

Importante ressaltar que o uso dessas medidas não podem ser feito de forma indiscriminada pelo magistrado. Deve haver limites, pois o objetivo é assegurar o resultado útil do processo, é salvaguardar os interesses das partes envolvidas. Não se pode determinar uma medida coercitiva que se torne uma punição para a pessoa do executado ou do falido. Deve haver uma devida fundamentação para o uso dessas medidas, dentro dos limites do litígio, garantido o contraditório, para que se alcance a devida proporcionalidade entre os meios e fins, tendo sempre como seu alicerce os princípios fundamentais garantidos a todos pela Constituição Federal.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito processual civil esquematizado/ Marcus Vinicius Rios Gonçalves. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

DIDIER JR, Fredie; CUNHA, Leonardo Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de Direito Processual Civil: Execução. 7. ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2017.

MAMEDE, Gladston. Falência e recuperação de empresas/ Gladston Mamede. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2019.

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil Volume único 9. ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2017.

TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: Falência e recuperação de empresas, v. 3 / Marlon Tomazette. 5. ed. rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2017.

RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito empresarial / André Luiz Santa Cruz Ramos. 7 ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2017.

GAJARDONI, Fernando da Fonseca. A revolução silenciosa da execução por quantia. 2015. Disponível em: <https://www.jota.info/paywall?redirect_to=//www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/a-revolucao-silenciosa-da-execucao-por-quantia-24082015> Acesso em: 14 maio 2020.

NASCIMENTO, Izabella de Sousa Coimbra; MACHADO, Paulo Ricardo da Rocha. As Medidas Atípicas no Processo Civil Constitucional Brasileiro e o Processo Como Meio Garantidos de Qualidade de Vida. 2019. Disponível em: <https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-processual-civil/as-medidas-atipicas-no-processo-civil-constitucional-brasileiro-e-o-processo-como-meio-garantidos-de-qualidade-de-vida/> Acesso em: 14 maio 2020.

WAMBIER, Luiz Rodrigues; RAMOS, Newton. Ainda a polêmica sobre as medidas executivas atípicas previstas no CPC. 2019. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2019-mai-30/opiniao-ainda-polemica-medidas-executivas-atipicas> Acesso em: 14 maio 2020.

STJ RHC: 97.876 SP 2018/0104023-6 Relator: ministro Luís Felipe Salomão, Data de Julgamento: 5/6/2018, 4ª Turma, Data de Publicação: DJe 9/8/2018. Disponível em: <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/611423833/recurso-ordinario-em-habeas-corpus-rhc-97876-sp-2018-0104023-6/inteiro-teor-611423848> Acesso em: 14 maio 2020.

STJ RHC: 99.606 SP 2018/0150671-9 Relator: ministra Nancy Andrighi, Data de Julgamento: 13/11/2018, 3ª Turma, Data de Publicação: DJe  20/11/2018. Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/arquivos/2018/12/art20181212-01.pdf> Acesso em: 14 maio 2020.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/lei/l11101.htm> Acesso em 14 maio 2020.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm> Acesso em: 14 maio 2020.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del7661.htm> Acesso em: 14 maio 2020.

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