Pra você que não sabe, etologia é um ramo da Biologia que estuda o comportamento dos animais em seu habitat natural, mas que foi incorporado à Antropologia como o estudo dos costumes humanos enquanto fatos sociais.
É bem provável que até há pouco tempo você acreditasse que o comportamento do puxa saco correspondesse apenas a condutas como elogiar o chefe, mas a essa altura, como já aprendeu a distinguir o puxa-saco do baba-ovo, superou essa visão, uma vez que extremamente simplista, uma vez que totalmente equivocada.
Um bom puxa saco dificilmente fará elogios rasgados diretamente ao chefe, até para evitar ser confundido com um assediador, assim como evitará fazer elogios públicos ao chefe, seja para evitar que se fechem eventuais portas para sacos mais promissores para serem puxados, seja para melhor desempenhar suas funções de olheiro.
Sem prejuízo ao fato de que essas funções serão melhores detalhadas num futuro próximo, cabe adiantar que uma das funções do bom puxa-saco é a manter o chefe atualizado sobre o que acontece fora do gabinete dele. Daí que o bom puxa-saco sabe que vez por outra é até oportuno falar mal do chefe (lógico que com moderação), para que os outros sintam-se à vontade para fazerem o mesmo e exporem as verdadeiras opiniões.
Ao contrário do capacho, outra figura sobre a qual já tratamos, o puxa-saco nunca (ou quase nunca) briga com os colegas de trabalho. Pelo contrário, ele é sociável e extremamente pacífico. Ele informa o chefe sobre problemas, nunca os cria, ou, quando o faz, não leva a culpa por eles.
Via de regra, o puxa-saco é gente boa! O que pode parecer um problema é que o afastamento dele das atividades fim do órgão, empresa ou entidade, gera um impacto que acaba fazendo com que ele acabe sendo mal visto pelos pares, quase tanto quanto é amado pela chefia.
Ocorre que segundo a Lei da Conservação de Massa de Lauvosieur, na natureza, nada se perde, nada se cria, tudo se transforma. Sendo certo que, direta ou indiretamente, essa regra pode ter sua interpretação estendida para muito além da física, como, por exemplo, para o estudo das relações sociais.
Assim, imagine, a título de exercício mental, que em determinada repartição existe uma demanda de trabalho que chamaremos de X e que deve ser dividida entre um número Y de servidores. Teremos que o resultado da demanda de trabalho per capta [T] poderá ser calculada através da formula:
T = X / Y |
Agora imagine que determinada quantidade de servidores [n] seja dispensada do desempenho da atividade fim para exercer as funções de puxa saco. A carga de trabalho então passará a ser:
T = X / [Y - n] |
Lógico que se você fosse capaz de entender o que acabei de explicar estaria fazendo algo mais útil do que lendo mais este artigo, logo, vou tentar exemplificar para deixar tudo mais claro:
Considere que numa repartição existem 1.000 procedimentos [X] para serem manejados por 10 servidores [Y], teremos que: T = 1.000 / [10 0] T = 1.000 / 10 T = 100 procedimentos por servidor.
Agora imagine que um servidor foi dispensado do manejo dos procedimentos para dedicar-se à bajulação da chefia. A carga de trabalho passa então a ser: T = 1.000 / [10 1] T = 1.000 / 9 T = 111,11 procedimentos por servidor.
Vamos além, consideremos agora que um único puxa saco era insuficiente para as necessidades da chefia e dois servidores passam a ser reservados à função, a realidade passa a ser: T = 1.000 / [10 2] T = 1.000 / 8 T = 125 procedimentos por servidor.
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Conseguiu notar agora o efeito que o puxa saco gera no ambiente de trabalho? Talvez por isso os puxa sacos, normalmente, sejam tão mal vistos pelos colegas, uma vez que acabam sobrecarregados. Entretanto, urge lembrar que: a função do puxa saco não é agradar aos pares, mas à chefia! No mesmo sentido, é possível que essa apresentação matemática induza à conclusão equivocada de que esse profissional deva ser extirpado.
Por todo esse contexto, tratar-se de recorrente engano, ao se discutir o papel do puxa saco nas repartições, fazê-lo na perspectiva dos servidores que recebem uma maior carga de trabalho. O que justifica o sem número de vídeos, artigos e postagens demonizando esses profissionais.
Certamente, sobre essa temática, a visão dos chefes e a do próprio puxa saco é diametralmente oposta. Tanto que não seria absurdo imaginar que, sendo inquirido sobre qual o subordinado favorito, um chefe não indique aquele que produz mais e melhor, o mais eficiente, e nem mesmo o mais pontual ou comprometido de fato, mas sim o seu puxa saco, o que certamente não aconteceria se ele fosse tão deletério quando tem-se ventilado ao longo dos anos.
Na verdade, quando se trata do puxa saco, o mais comum é que ele seja aquele sobre quem a chefia mais tece elogios e de quem mais sente falta quando se aposenta, ao mesmo tempo em que é aquele sobre quem os que realmente trabalham mais destacam a inutilidade para o serviço.
E é fácil identificar o puxa saco em uma repartição qualquer, já que normalmente é alguém que, estando no local, se não está conversando com a chefia, está com uma pilha de papel, em uma mesa ou andando de um lado a outro, falando alto para que, na cabeça dele, aparente trabalhar. Inclusive, se você trabalha em alguma repartição pública e não sabe quem é o puxa saco dela, é com misto de prazer e inveja que esclareço: essa pessoa é você (parabéns!).
Aqui cabe um parêntese para destacar que quando vai ao gabinete da chefia o puxa saco não o faz, necessariamente, para tecer elogios ou dedurar os colegas [ainda que faça, direta e indiretamente, muito das duas coisas], mas sim para conversar amenidades, já que é natural ao puxa saco criar uma imagem de amizade, aproximação, com a chefia.
Mas retomando, o puxa saco de carteirinha, por todo o teatro que cria, consegue ser afastado do exercício da atividade fim, pelo fato de a chefia nunca passar nada para ele, uma vez que sempre o crê sobrecarregado. Oa contrário da opinião de todos os outros servidores.
E engana-se quem acredita que esse tipo de máscara, pelo fato de o puxa saco, como já dito, jamais apresentar algo real do trabalho, caia em pouco tempo. Não mesmo! O comum é que ela perdure por anos, senão por toda a vida funcional do servidor. Daí que qualquer discussão realmente séria acerca da matéria tem que se cautelar contra as armadilhas do etnocentrismo que, em apertada síntese, pode ser definida como a tendência que uma pessoa ou grupo de pessoas tem de considerar os respectivos valores e costumes como melhores, superiores, que o de outras pessoas e grupos de pessoas.
Assim, é diante do repudio social preponderante, que dificilmente um chefe admitirá que possui um puxa saco, uma vez que isso exporia sua carência e insegurança, não obstante seja inegável que não consegue existir sem tê-lo. Da mesma forma, nenhum puxa saco irá escrever sobre as formas e vantagens de sê-lo, até por que não seria louco de fomentar a concorrência. Contexto que só reforça a necessidade de materiais como este, tratando dessas verdades que não costumam serem ditas, mas que nem por isso deixam de ser absolutamente reais e necessárias.