Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

A possibilidade de embargar execução fiscal sem garantia – parcial ou integral - ao valor da dívida

Agenda 23/12/2022 às 16:44

RESUMO

 

O presente trabalho tem como objetivo analisar a questão da possibilidade de o devedor embargar a execução fiscal sem garantia, parcial ou integral, ao valor da dívida, com base no texto legal, na jurisprudência e doutrina.

 

Palavras chaves: Direito Tributário; Execução Fiscal; Garantia; Embargos à Execução.

 

INTRODUÇÃO

 

Na execução fiscal busca-se satisfazer o interesse da Fazenda Pública, com o pagamento do débito pelo contribuinte. Em face disso, o devedor dispõe dos embargos à execução como uma forma de exercer sua defesa. Todavia, pela letra fria da lei, para usar dos embargos deve-se antes realizar a garantia do juízo.

O exercício do direito de defesa deve ser garantido a todos, e pela análise da jurisprudência tem-se notado uma tendência para ampliar o uso dos embargos, abrangendo situações especiais que acabariam não sendo amparados pela letra seca da lei.

 

EXECUÇÃO FISCAL

 

Seguindo a linha do tempo, tem-se primeiramente a hipótese de incidência que consiste na descrição normativa, depois tem-se a ocorrência fática dessa previsão normativa, seguido pelo lançamento, no qual ocorrerá a constituição da obrigação tributária. Feito isso, ocorre a inscrição em dívida ativa, transformando o lançamento em um título executivo, e, após essa inscrição, o Estado poderá ajuizar ação de execução fiscal, tendo lastro no título executivo extrajudicial que é a certidão de dívida ativa.

A execução fiscal é regulamentada em lei própria, Lei 6.830 de 1980 (LEF), sendo aplicado o Código de Processo Civil de forma subsidiária, conforme determina o artigo 1° da lei em questão. Ela serve para satisfazer o interesse do credor, ou seja, para cobrar dívida ativa tributária ou não tributária dos entes federados (União, Estados e Municípios) e suas autarquias, conforme preceitua o artigo 2° da LEF (BARREIRINHAS, 2019).

Essa ação de cobrança depende de título executivo extrajudicial, o qual se trata da certidão de dívida ativa, e em princípio corresponde à inicial, de acordo com o artigo 6° § 2° da lei 6.830/80 (BARREIRINHAS, 2019). Esse documento deve conter, como requisitos, conforme determina o artigo 2°, § 5° da lei 6.830/80, o nome do devedor, valor da dívida, origem do débito, nome do credor, lei que fundamenta a cobrança, juros e multa com fundamento legal, e o número do processo administrativo (caso haja). Vale observar também que a CDA poderá ser emendada ou substituída para a correção de erro material ou formal, até a prolação da sentença de embargos, sendo vedada a modificação do sujeito passivo, conforme ditame da súmula 392 do STJ.

Não é preciso instruir a petição inicial com demonstrativo de cálculo do débito, por não se tratar de requisito previsto no artigo 6° da lei 6.830/80, de acordo com a súmula 559 do STJ, e, também, a falta de indicação do CPF e/ou RG ou CNPJ da parte executada, não é argumento para indeferimento da inicial, conforme súmula 558 o STJ (BARREIRINHAS, 2019).

Em consonância com o artigo 4° da lei 6.830/80, a execução fiscal pode ser promovida contra o devedor, fiador, espólio, massa, responsável ou sucessores a qualquer título. Devem, também, as intimações aos representantes da Fazenda Pública serem sempre pessoais, conforme preceitua o artigo 25 da lei 6.830/80 (BARREIRINHAS, 2019).

Além disso, a cobrança judicial da dívida ativa da Fazenda Pública não é sujeita a concurso de credores, e a competência para a execução fiscal exclui a de qualquer outro juízo, inclusive o da falência e do inventário, de acordo com o artigo 29 da LEF (BARREIRINHAS, 2019). O juiz também, em consonância com o artigo 28 da lei 6.830/80 e súmula 515 do STJ, poderá, a requerimento das partes, por conveniência da unidade da garantia da execução, ordenar a reunião de processos contra o mesmo devedor, sendo que nessa situação, os processos serão redistribuídos ao juízo da primeira distribuição.

De acordo com o artigo 8° da LEF, o despacho do juiz que defere a inicial, determina a citação, que em regra será feita pelo correio, para que devedor pague a dívida, ou garanta a execução em 5 dias. Vale observar que o despacho do Juiz, que ordenar a citação, interrompe a prescrição, isto é, o Fisco deve se precaver para que intente a execução observando o prazo de 5 anos (BARREIRINHAS, 2019).

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Sendo citado o devedor, transcorrido o prazo de 5 dias, e mesmo assim não apresentar garantia, nem pagar o débito, a Fazenda Pública poderá realizar uma penhora livre, que poderá recair sobre qualquer bem do executado, exceto os que a lei declarar absolutamente impenhoráveis, de acordo com o artigo 10 da LEF.

 

GARANTIA

 

Para garantir a execução, conforme estabelece o artigo 9° da lei 6.830/80, o executado poderá efetuar depósito judicial em dinheiro, oferecer fiança bancária ou seguro garantia, sendo que nessas situações garante-se o valor independentemente da anuência do credor. Poderá, também, o devedor nomear bens à penhora, ou indicar bens oferecidos por terceiros à penhora (se casado precisa do consentimento expresso do cônjuge, e se for pessoa jurídica, precisa da carta de anuência) sendo que nessas hipóteses depende da aceitação do credor para que o juiz possa assim determinar. Vale ressaltar também que, de acordo com o § 3°, do artigo 15 da LEF, a garantia da execução, por meio de depósito em dinheiro, fiança bancária ou seguro garantia, produz os mesmos efeitos da penhora.

A penhora de bens deve respeitar a seguinte ordem determinada pelo artigo 11 da LEF: dinheiro; título da dívida pública, bem como título de crédito, que tenham cotação em bolsa; pedras e metais preciosos; imóveis; navios e aeronaves; veículos; móveis ou semoventes; e direitos e ações.

Observa-se que em relação a cláusula de impenhorabilidade e inalienabilidade, em consonância com o artigo 184 do Código Tributário Nacional, o débito tributário passa por cima disso, atingindo o bem independentemente dessas cláusulas. Todavia, quando isso é gerado por imposição legal como no caso da impenhorabilidade do bem de família (artigo 1° da lei 8.009/90), o direito tributário respeita isso, não atingindo o bem, salvo os débitos decorrentes da própria natureza do bem, como a incidência do IPTU e débitos de condomínio em imóvel urbano.

O artigo 9°, § 6° da lei 6.830/80 dispõe que o executado poderá pagar parcela da dívida, que julgar incontroversa, e garantir a execução do saldo devedor. Além disso, o executado poderá, também, requerer, em qualquer fase do processo, a substituição da penhora por depósito em dinheiro, fiança bancária ou seguro garantia, o que será deferido pelo juiz, de acordo com o artigo 15, inciso I da LEF. Se quiser fazer qualquer outra substituição, dependerá da concordância do Fisco. Além do mais, a Fazenda Pública poderá recusar a substituição de bem penhorado por outro menos líquido, como estabelece a súmula 406 do STJ sobre a substituição por precatório (BARREIRINHAS, 2019).

Percebe-se também que, em consonância com o artigo 15, inciso II da LEF, em qualquer fase do processo, a Fazenda Pública poderá requerer a substituição do bem penhorado por qualquer outro, independentemente da ordem do artigo 11, bem como o reforço da penhora insuficiente, o que será deferido pelo juiz. Assim, na situação de pedido de substituição formulado pelo Fisco, não será necessária a concordância do devedor (BARREIRINHAS, 2019). Além disso, o juiz, em qualquer fase do processo, ordenará a remoção do bem penhorado para depósito judicial, particular ou da Fazenda Pública exequente, sempre que esta o requerer, conforme ditame do artigo 11, § 3° da LEF.

Justicia, a inteligência artificial do Jus Faça uma pergunta sobre este conteúdo:

Por fim, a alienação ou oneração de bens ou rendas sem deixar reserva de recursos para satisfazer o crédito inscrito em dívida ativa, presume-se fraudulenta. Além de que sendo esgotadas todas as diligências, o juiz poderá determinar a indisponibilidade universal de bens e direitos do executado, de acordo com o artigo 185-A do CTN (BARREIRINHAS, 2019).

 

EMBARGOS À EXECUÇÃO

 

Realizada a garantia, surgem os prazos para a oposição de embargos, sendo de 30 dias contados da data de efetivação do depósito; da data da juntada da prova de fiança bancária ou do seguro garantia aos autos do processo; ou da data da intimação da penhora (da efetivação da penhora, não da indicação dos bens), conforme estabelece o artigo 16 da lei 6.830/80. Porém, não são admissíveis os embargos do devedor antes de garantida a execução, de acordo com o § 1° do mesmo artigo.

Em se tratando de um momento para o particular defender-se contra a cobrança da dívida tributária ou não tributária da Fazenda Pública, é possível alegar toda matéria de defesa em sede de embargos, assim, o executado deverá alegar toda matéria útil à sua defesa, requerer provas, arrolar testemunhas (até três, ou, a critério do juiz, até o dobro desse limite) e juntar aos autos os documentos que julgar pertinentes, de acordo com o § 2° do artigo 16 da LEF.

Observa-se que o § 3° do artigo 16 determina que não será admitida reconvenção ou compensação, pois, no que se refere à compensação, não se admite que o devedor pleiteie a extinção do crédito durante o curso da execução, podendo apenas comprovar que o crédito já havia sido extinto em compensação na esfera administrativa ou em uma demanda judicial anterior, antes do ajuizamento da execução que está sendo embargada, de acordo com a lei do próprio ente tributante. Além disso, estabelece que as exceções (salvo as de suspeição, incompetência e impedimentos) serão arguidas como preliminar, e processadas e julgadas com os embargos (BARREIRINHAS, 2019).

Os embargos ganham autonomia em relação ao processo de execução, e pela aplicação do artigo 919 do Código de Processo Civil, o STJ tem entendido que os embargos não suspendem, necessariamente, de forma automática o curso da execução (BARREIRINHAS, 2019). Para tanto, deve o executado demonstrar os requisitos do fumus boni iuris e o periculum in mora da tutela provisória para que possa ser concedido o efeito suspensivo aos seus embargos, junto com a garantia do juízo.

De acordo com o artigo 17 da LEF, uma vez recebidos os embargos, o juiz intimará a Fazenda Pública, para impugná-los no prazo de 30 dias, designando, em seguida, audiência de instrução e julgamento.

 

EMBARGAR EXECUÇÃO FISCAL SEM GARANTIA AO VALOR DA DÍVIDA

 

Primeiramente, é fato que está em pleno vigor o dispositivo legal da LEF (artigo 16, § 1° da lei n. 6.830/80) o qual exige a garantia do juízo para a admissão dos embargos à execução opostos pelo executado.

No entanto, com base na análise dos precedentes: TJ-MG-AI: 10024160973616001, STJ-REsp: 1.127.815, STJ-REsp: 1.487.772, e STJ-REsp: 1.681.111, podem ser observados os entendimentos jurisprudenciais explicados a seguir.

O Poder Judiciário tem decidido por afastar essa exigência da garantia integral do juízo para a oposição de embargos à execução fiscal, desde que o executado comprove inequivocamente que não possui patrimônio para garantia do crédito exequendo, isto é, comprove a sua hipossuficiência.

Além disso, a jurisprudência do STJ afirma que não se deve obstar a admissibilidade ou apreciação dos embargos à execução pelo fato de o valor do bem penhorado ser inferior ao valor total da dívida, devendo o juiz intimar o devedor para reforçar a penhora. Desse modo, a necessidade de reforçar a penhora, pela garantia parcial do juízo, não resulta na rejeição dos embargos já opostos pelo executado, devendo haver comprovação inequívoca de sua insuficiência patrimonial.

Assim, admite-se os embargos para a defesa do executado, porém dando continuidade à execução até alcançar a integralidade do valor da dívida. Cabe salientar que é necessária a contínua investigação por parte da Fazenda Pública, no curso do processo de embargos à execução, à procura da existência de bens ou direitos de propriedade do embargante que sejam aptos à penhora, garantindo-se posteriormente a execução.

No que se refere ao efeitos suspensivo dos embargos, caso a parte embargante não tenha garantido o juízo, mesmo que tenha demonstrado a probabilidade de seu direito, bem como o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo, será negado a concessão do efeito suspensivo posto que os requisitos determinados pelo artigo 919, § 1° do CPC são cumulativos ao preceituar que será atribuído efeito suspensivo aos embargos quando verificados os requisitos para a concessão da tutela provisória e desde que a execução já esteja garantida por penhora, depósito ou caução suficientes.

Por fim, observa-se que o fato de o devedor ser beneficiário da assistência judiciária gratuita, não significa uma autorização para oposição de embargos sem garantia do juízo, posto que não há previsão expressa permitindo isso na lei 1.060/50 que estabelece as normas para a concessão da gratuidade judicial. Assim, nessa situação do executado ser beneficiário da gratuidade judicial, pelo critério da especialidade, prevalece a lei 6.830/80 pela exigência da garantia do juízo.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Diante do exposto, nota-se que a mitigação da obrigatoriedade de garantia do crédito executado quando o devedor não possuir bens para garantir total ou parcialmente o juízo, desde que devidamente comprovada sua hipossuficiência, mostra-se uma atitude do Poder Judiciário para resguarda a todos os cidadãos o direito de acesso à Justiça, ao contraditório e à ampla defesa, consagrados no artigo 5° da Constituição Federal, sendo tais princípios constitucionais a base para a própria dignidade humana.

Caso assim não fosse o entendimento, e seguir-se literalmente a letra fria da lei, estaria permitindo apenas o direito de defesa na execução fiscal àquele que possui patrimônio suficiente para garantir o juízo, sendo retirado o mesmo direito de defesa daquele cujo patrimônio é insuficiente, quebrando o princípio da isonomia.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BARREIRINHAS, Robinson. Direito tributário. In: GARCIA, Wander (org.) Super-revisão para a OAB/Wander Garcia...  [et al.]. 9. ed. Indaiatuba, SP: Editora Foco, 2019, p. 617-676.

TJ/MG AI: 10024160973616001 - MG, Relator: Evandro Lopes da Costa Teixeira, Data de Julgamento: 28/05/2019, Data de Publicação: 03/06/2019. Disponível em: <https://tj-mg.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/716662570/agravo-de-instrumento-cv-ai-10024160973616001-mg?ref=serp> Acesso em: 12 maio 2020.

STJ - REsp: 1.127.815 - SP 2009/0045359-2, Relator: Ministro Luiz Fux, Data de Julgamento: 24/11/2010, Data de Publicação: 14/12/2010. Disponível em: <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/17667100/recurso-especial-resp-1127815-sp-2009-0045359-2/inteiro-teor-17667101?ref=juris-tabs> Acesso em: 12 maio 2020.

STJ - REsp: 1.487.772 - SE 2014/0269721-5, Relator: Ministro Gurgel de Faria, Data de Julgamento: 28/05/2019, Data de Publicação: 12/06/2019. Disponível em: <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/720723614/recurso-especial-resp-1487772-se-2014-0269721-5/inteiro-teor-720723617?ref=juris-tabs> Acesso em: 12 maio 2020.

STJ - REsp: 1.681.111 - RS 2017/0151119-0, Relator: Ministro Gurgel de Faria, Data de Julgamento: 07/05/2019, Data de Publicação: 24/05/2019. Disponível em: <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/712967755/recurso-especial-resp-1681111-rs-2017-0151119-0/inteiro-teor-712967762?ref=serp> Acesso em: 12 maio 2020.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172.htm> Acesso em: 12 maio 2020.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6830.htm> Acesso em: 12 maio 2020.

Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm> Acesso em: 12 maio 2020.

Sobre o autor
Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!