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Por Que foi anulado o júri do médico no Caso Bernardo?

Agenda 26/12/2022 às 16:40

No mês de abril de 2014 causou grande repercussão o desaparecimento do menino Bernardo Boldrini, em Três Passos, município da fronteira noroeste do Estado DO Rio Grande do Sul. Após as buscas, foi encontrado enterrado o corpo de menino às margens de um riacho e acusados pelo homicídio o pai, a madrasta e outras duas pessoas.

Após definição do enquadramento penal e do local de julgamento, foram julgados pelo Tribunal do Júri, o qual durou vários dias, com transmissão pela TV Justiça, resultando todos condenados.

No julgamento dos recursos interpostos ao Tribunal de Justiça houve divisão dos três desembargadores, justificando a interposição do recurso de Embargos Infringentes para o Grupo Criminal.

No julgamento pelo Grupo, os sete desembargadores presentes novamente se dividiram em alguns pontos, mas, por maioria, foi acolhido o recurso do médico para anular o julgamento com relação a ele e, ainda por maioria, negados os demais recursos.

O ponto nevrálgico da questão, que levou a maioria a anular o julgamento do pai do menino, foi a forma do interrogatório do acusado no julgamento pelo Tribunal do Júri.

A Constituição Federal, em seu Art. 5º, Inciso LXIII, ao dispor sobre os direitos e garantias individuais, estabelece que o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado. Essa disposição encontra ressonância no art. 186, do CPP, devendo o réu ser informado do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas. O silêncio não importará em confissão e não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa.

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O direito ao silêncio e a crítica à tortura já encontravam apoio de CESARE BONESANA, marquês de Beccaria, nascido em Milão no ano de 1738 e falecido em 1794, em sua famosa obra DEI DELITTI E DELLE PENE. Além da crítica às penas infamantes, Beccaria faz-se porta-voz dos protestos da consciência pública contra os julgamentos secretos e à tortura, reclamando a proporcionalidade das penas aos delitos. A tortura faz o inocente “confessar” crimes também. O resultado pode ser trágico quando o inocente fraco confessa e o culpado forte é tido como inocente.

No direito processual penal brasileiro cabia ao juiz alertar o acusado de seu direito ao silêncio, porém advertindo-o de que poderia prejudicar sua defesa. No entanto, com a alteração do art. 186, do CPP, pela Lei 10.792, de 01/12/2003, o silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa.

No caso do julgamento referido, durante seu interrogatório o médico respondeu às perguntas da juíza e dos defensores, sendo orientado pela defesa, ante a forma das perguntas da acusação, a não responder mais perguntas do Ministério Público, inclusive a virar as costas à projeção na tela de fotografias.

Segundo a crítica do voto majoritário, a acusação continuou a formular longas perguntas ao acusado, de forma considerada agressiva, fazendo alentadas argumentações que extrapolavam o simples questionamento, sem possibilidade do contraditório pela defesa. Considerou a maioria dos desembargadores que houve prejuízo ao réu e ao seu direito constitucional ao silêncio, valendo destacar que pela posterior Lei nº 13.869, de 05 de Setembro de 2019, art. 15, Parágrafo Único, Inciso I, passou a ser crime constranger a depor pessoa que tenha decidido exercer o direito ao silêncio.

Mais grave a nulidade, no caso, ter a juíza advertido o réu de que poderiam os jurados entender de outra forma seu silêncio. Segundo o voto majoritário, podem os jurados, ante seu íntimo convencimento, que não pode ser aferido, ter ignorado o princípio legal de não prejuízo ante o direito ao silêncio, ferindo de morte o princípio constitucional.

Nesse contexto, salvo ocorram recursos que alterem esse entendimento, deverá, apenas o médico, ser submetido a novo julgamento pelo Tribunal do Júri da Comarca de Três Passos.

Sobre o autor
Moacir Leopoldo Haeser

Advogado e Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, ex-professor da Faculdade de Direito de Santa Cruz do Sul (UNISC) e da Escola Superior da Magistratura – AJURIS.

Informações sobre o texto

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