Em primeiro lugar, há que se compreender os termos "legitimação" e "atribuição" – sabendo, desde já, que não devem ser confundidos, mas que também não devem ser esquecidos, visto que o Ministério Público, legitimado para a propositura de ações civis públicas, é, também, órgão – e serviço – administrativo, logo, sujeito aos limites impostos à sua atuação por suas atribuições.
Assim, por "legitimação" deve-se entender a correspondência entre a titularidade de quem pede, ou contra quem é pedido, e o direito que é objeto do pedido, ou da resistência ao pedido. Ou, como diz JOSÉ FREDERICO MARQUES, "aquele que pede a tutela jurisdicional em relação a um litígio deve ser o titular da pretensão formulada ao Judiciário, e deve apresentá-la em face de quem é o sujeito passivo dessa mesma pretensão". 1
O Ministério Público, ao propor uma ação civil pública, encontra-se legitimado extraordinariamente para defender interesses e direitos que não são dele, mas de coletividades ou da sociedade em geral. E encontra-se legitimado extraordinariamente para tal por força de lei, a começar pela Constituição Federal, em seu art. 129, III. Ele tem esta competência para a defesa de interesses qualificados. A possibilidade de propor Ações Civis Públicas, com esta finalidade, insere-se no rol de suas atribuições. Oportuno lembrar, assim, os significados da palavra "atribuição".
Segundo DE PLÁCIDO E SILVA,
"...atribuição" tem "a significação de prerrogativa, privilégio, competência. É tido, também, no sentido de concessão: atribuição de aposentadoria. E, sendo assim, representa: a) a soma de poderes outorgados ou conferidos à pessoa para que validamente pratique certos e determinados atos; b) competência conferida à pessoa, investida em função de cargo público, dentro da qual, criada a sua alçada, possa exercer as suas atividades. Pela soma de atribuições, então assinaladas, conhecem-se os poderes que lhe são dados e, assim, limita a órbita de suas funções, dentro da qual se acentua a legalidade e procedência de seus atos." 2
O Ministério Público é um órgão; não é uma entidade; não é um Poder. E é um órgão que se insere na órbita do Poder Executivo.
Assim, e como dizia JOSÉ AFONSO DA SILVA, sob o regime da Constituição Federal de 1969:
"Houve quem sustentasse, com improcedência manifesta, tratar-se de um quarto poder estatal, ao lado do legislativo, do executivo e do judiciário, ilação tirada do fato de a Constituição de 1946 abrir-lhe título autônomo.
"Lopes da Costa repele a concepção que o situa como órgão do Poder Executivo, entendendo-o instituto acessório do Poder Judiciário. Frederico Marques vê-o como órgão administrativo, pois não exerce função alguma de caráter jurisdicional. Nem legislativo, obviamente, diremos nós. Não há, pois, a nosso ver, outra posição para a instituição que não esta: integra-se no Poder Executivo, com a destinação de funcionar junto aos juízes e tribunais, como dispõe a Constituição (art. 94), para aí exercer função tipicamente executivo – administrativa: fazer observar a lei, promover a execução desta, especialmente na esfera penal, buscar a realização da paz social mediante a atuação da lei. E isso justifica atribuir-se-lhe situação autônoma na estrutura administrativa." 3 (destaque no original)
O Ministério Público, portanto, sendo um órgão, dotado de "função tipicamente executivo – administrativa", somente poderá agir nos limites de suas competências, de suas atribuições; será dentro desses limites, dessa "alçada", como dito por DE PLÁCIDO E SILVA, que poderá "exercer as suas atividades", inclusive "promover a execução" da lei, através da propositura de ações judiciais.
E o mais interessante – sempre segundo a técnica de falar de coisas velhas e por todos conhecidas –, e novamente recorrendo a JOSÉ FREDERICO MARQUES:
"Dentro de sua própria organização, encontra o Ministério Público os instrumentos aptos para realizar suas tarefas com eficiência e secundum legem, sob o comando e fiscalização decisória dos órgãos dirigentes da corporação.
"O Ministério Público é, por isso, uno e indivisível na estrutura orgânica de cada parquet. Ele distingue-se em corpos ou entidades autônomos (o parquet) com unidade de direção, sob a chefia do Procurador – Geral. Em cada Estado e no Distrito Federal forma-se o respectivo parquet, bem como na Justiça Federal."4 (destaquei)
O Ministério Público, assim, será considerado um só quando estiver a atuar funcionalmente, e quando esta atuação funcional se der em juízo, dentro de um processo.
Este o significado do princípio da unidade e da indivisibilidade do Ministério Público. 5
Como dito por HUGO NIGRI MAZZILI:
"Unidade significa que os membros do Ministério Público integram um só órgão sob a direção de um só chefe; indivisibilidade significa que seus membros podem ser substituídos uns pelos outros, não arbitrariamente, mas segundo a forma estabelecida na lei. Nesse sentido, não há unidade ou indivisibilidade entre os membros de Ministérios Públicos diversos; só há, dentro de cada Ministério Público, e assim mesmo, apenas dentro dos limites da lei.
"O art. 128. da Constituição diz que "o Ministério Público abrange" o da União e o dos Estados, e com isso dá idéia de unidade entre eles. Entretanto, é só conceitual a unidade entre os Ministérios Públicos: quer dizer que o ofício que todos eles exercem é o mesmo ofício de ministério público, a que aludem as leis.
"Indivisibilidade só se concebe quando haja unidade. (...)". 6
Eis as relações entre "legitimação", "atribuições", "órgão", "serviço administrativo", "estrutura administrativa" e "fiscalização e controle" a cargo de um Chefe – o Procurador-Geral da República, na esfera federal; os Procuradores Gerais ou Procuradores-Gerais de Justiça dos Estados, no âmbito dos Estados.
Daí porque somente se pode falar em unidade de todos os Ministérios Públicos sob o aspecto de sua atuação funcional em um determinado processo, já que todos os Ministérios Públicos – federais e estaduais – têm o mesmo escopo processual – a "atuação da lei", a defesa dos "interesses públicos".
Sob o prisma do Ministério Público como serviço ou organização estruturada, não se poderá falar em existência de um "Ministério Público Nacional", até porque, como dito, constituindo-se o Ministério Público em órgão, desprovido, pois, de personalidade jurídica própria, e inserido na estrutura de um Poder – o Executivo –, cada esfera política que contar com aquele órgão ministerial o terá como integrando seu próprio Poder Executivo.
O caráter nacional que, pela vez primeira, foi atribuído ao Ministério Público pela Lei Complementar nº. 40/81, diz respeito às garantias institucionais e estruturais que deverão ser observadas, uniformemente, pela União Federal, Estados e Distrito Federal, quando da estruturação e organização do serviço administrativo que é o Ministério Público.
Longe, portanto, de significar um serviço ou estrutura administrativa nacional, inclusive sob o ponto de vista meramente espacial ou territorial.
Ao contrário, por exemplo, do INSS, que é uma autarquia estruturada em todo o território nacional, ou do Sistema Único de Saúde – SUS, que é um serviço, não dotado de personalidade jurídica própria, mas que tem previsão constitucional e atuação em todo o território nacional, a União federal e cada Estado têm o seu próprio Ministério Público, e, obedecidos os princípios e normas gerais que devem ser aplicados para todos os Ministérios Públicos, estabelecidos na Constituição Federal e nas leis de organização do Ministério Público, tanto a União Federal como cada Estado, no exercício legítimo de suas autonomias constitucionais, manterão, regulamentarão, proverão e custearão seus serviços, independentemente do modo como os demais entes políticos estiverem a manter, regulamentar, prover e custear o Ministério Público respectivo.
É um equívoco, portanto, dizer, como KAZUO WATANABE, que "o Ministério Público" "é um ente legitimado para todo o País". 7
Nem o Ministério Público estará legitimado para "atuar em todo o País", senão na medida em que a própria União Federal estiver constitucionalmente legitimada a tanto – e, portanto, em tal hipótese, a atuação não será do Ministério Público Nacional, mas do Federal, atendendo a interesses nacionais; nem os Ministérios Públicos estaduais podem atuar em âmbito nacional, mas somente local, por motivos óbvios.
Vale salientar que, no caso de interesse nacional envolvido, a atuação do Ministério Público Federal será nacional no que se referir à defesa daquele interesse, e ao âmbito espacial de sua estrutura administrativa – há, em cada Região, que corresponde a um Estado da Federação, uma seccional do Ministério Público Federal.
Mas nem a qualidade de nacional do interesse a ser defendido, nem o âmbito nacional do espaço territorial onde esta defesa poderá ser exercida serão hábeis a transformar o órgão do Poder Executivo Federal, que é o Ministério Público Federal, em serviço nacional.
Continuando.
Cada Ministério Público – federal ou estadual – somente poderá exercer aquela atividade finalística quando formalizada em um processo judicial, perante uma determinada Justiça, e segundo a espécie de interesse público que estiver a defender, ou a forma de atuação da lei que esteja a perseguir.
Está-se diante da repartição de competências, inclusive, federativas, no campo do processo, segundo as espécies de interesses em conflito.
Não será lícito ao Ministério Público, por exemplo, pretender defender interesse de entidade pública, como se de interesse público primário estivesse a tratar.
Como dito por CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO, reportando-se a JOSÉ FREDERICO MARQUES:
"Por tudo quanto se sabe sobre o Ministério Público, o interesse público que lhe cabe tutelar é o da nação pro populo, e não do Estado pro domo sua. Essa é uma velha lição de Frederico Marques, de perene atualidade e estritamente fiel ao perfil político – institucional das funções do Parquet." 8
O mesmo autor, logo adiante:
"É preciso estar atento ao que dispõe a Constituição Federal a esse respeito e, particularmente, ao que está no inciso IX de seu art. 129, acima referido. É absolutamente excluída a iniciativa do Parquet com o objetivo de representação jurídica de entidades públicas." 9 (destaque no original)
Também não será lícito ao Ministério Público, em outro exemplo, atuar contrariamente, em um processo no qual esteja a atuar como parte, defendendo um determinado interesse público, também titularizado por um indivíduo, voltar-se contra este.
Nas palavras de LOPES DA COSTA – e voltando à técnica de falar de coisas velhas, por todos conhecidas, e aos clássicos -:
"A terceira atribuição o Ministério Público a exerce quando intervém em um processo pendente em defesa de um interesse público unido ao interesse particular trazido a juízo ou em processo por ele iniciado em defesa do interesse público, mas que pelo particular, indiretamente, poderia ter sido posto em discussão. (...) Aí, o órgão do Ministério Público é parte. Parte principal ou litisconsorte. Não é imparcial. Sua atuação há de ser sempre favorável à parte a que adere. (...) Não poderá procurar prova contra o interesse que representam – a manutenção do vínculo conjugal, a conservação da capacidade civil do interditando, não poderão concluir em contrário dessa finalidade, nem, neste sentido, recorrer, mesmo que a verdade e o interesse público lhe estiverem indicando conduta diversa. É conseqüência do papel que exercem no processo." 10
E agora digo, uma vez mais valendo-me de JOSÉ AFONSO DA SILVA: um outro limite será o de o Ministério Público atuar perante uma determinada Justiça, aquela que, constitucionalmente, recebeu competência para conhecer de determinado interesse público, ou coletivo, ou difuso.
Isto porque, como dito mais acima, a atuação do Ministério Público para o processo e no processo será condicionada pela finalidade para a qual esta atuação foi estabelecida na Constituição Federal e nas leis, finalidade esta que constituirá, também, o limite da sua atuação, em um caso concreto, e do modo como essa atuação irá se fazer.
Sendo a finalidade do Ministério Público, por definição e como princípio, a atuação da vontade da lei e a defesa de determinados interesses qualificados pela Constituição Federal e pelas leis, pode-se dizer que o limite da atuação do Ministério Público para a propositura de quaisquer ações, e o modo como se conduzirá perante o desenvolvimento dos respectivos processos corresponderá aos limites inerentes à própria lei que deverá ser atuada em concreto, ou à espécie dos interesses qualificados que caberá ao órgão ministerial tutelar, inclusive, judicialmente, por meio de ações civis públicas.
Daí a conclusão, que penso ser inevitável: a menos que os interesses a serem defendidos possam ser, a um só e ao mesmo tempo, cumulativamente, estadual e federal, sem que com isto se tornassem nacionais – o que não é possível -, não será lícito admitir-se a intervenção do Ministério Público Federal e do Ministério Público estadual em Ação Civil Pública proposta perante Judiciário estadual; e, vice- versa, não será lícito ao Ministério Público Estadual, individualmente ou em conjunto com o Ministério Público Federal, litigar perante a Justiça Federal.
Haveria, em contrário, ofensa ao princípio federativo de repartição constitucional de competências entre entes políticos federal e locais.
KAZUO WATANABE admite a legitimidade "ad causam" do Ministério Público Federal para a defesa de interesses difusos e coletivos pertinentes aos consumidores, perante a Justiça Estadual, quando de situação de omissão dos órgãos e entidades locais no sentido de promover aquela defesa.
Assim diz ele:
"(...) Em linha de princípio, a União deverá se preocupar com os interesses de âmbito nacionais, mas nada obsta que adote a iniciativa da tutela de interesses locais ou regionais, mormente na omissão dos demais co-legitimados." 11 (destaquei)
Sendo nítido o verdadeiro propósito quase que interventivo da União Federal no Estado, para a defesa dos direitos e garantias individuais (CF/88, art. 34, VII, letra "b"), porém, sem o trauma da decretação da intervenção federal, agravado pelo que seria a assunção da chefia dos órgãos e entidades estaduais encarregados daquela defesa – inclusive do Ministério Público Estadual – por autoridades federais.
O argumento de que o Ministério Público seria nacional, e, portanto, um só, é desenvolvido por KAZUO WATANABE à base do raciocínio de que haveria "mera divisão de trabalho que levou à criação de vários órgãos do Ministério Público, com atribuição específica de tarefas diferenciadas a cada um deles, seja por razão territorial, seja por razão de matéria", o que teria feito com que "tradicionalmente, esses órgãos atuassem como a indicação do setor que se lhes compete". 12
Estivéssemos em um Estado Unitário, o raciocínio seria perfeito.
Todavia, como estamos em um Estado Federativo, a questão não é apenas de "divisão de trabalho", mas de repartição de competências constitucionais, com esferas exclusivas pertencentes a cada ente político, e dentro das quais os demais entes políticos não podem se imiscuir, direta ou indiretamente, sob pena de invasão de competência.
Afastadas as premissas em que se baseia KAZUO WATANABE – e que, no fim das contas, também correspondem às que nortearam a elaboração do art. 113. do CDC – não há como se aceitar a sua conclusão, "verbis":
"O dispositivo vetado, repetido no § 5º. da Lei no. 7.347/85, que não foi objeto de veto, como já mencionado, teve apenas o propósito de explicitar a admissibilidade da atuação conjunta dos vários órgãos do Ministério Público, desde que o objeto do processo tenha compatibilidade com as atribuições que, nos termos da lei, lhes tocam. E a explicitação é necessária para que não se consolide na doutrina e na jurisprudência o entendimento de que o Ministério Público estadual não pode atuar na justiça federal e o Ministério Público federal na estadual. Desde que a defesa dos interesses e direitos difusos e coletivos esteja dentro das atribuições que a lei confere a um órgão do Ministério Público, a este é dado atuar em qualquer das justiças, até mesmo em atuação conjunta com um outro órgão do Ministério Público, igualmente contemplado com a mesma atribuição. (...)". 13
Ocorre que, se os interesses difusos ou coletivos a serem defendidos forem de âmbito estritamente local, regra geral, a competência judiciária pertencerá ao Estado e, conseqüentemente, ao seu Ministério Público; ao revés, se a questão for relevante o bastante para ser considerada de importância nacional, inclusive tendo em vista a repercussão que o dano poderá atingir, ou os diversos interesses a serem compostos, não raro, até internacionais, como se dá em matéria ambiental, então a competência será federal e, assim, do Ministério Público Federal.
Este o "princípio geral que norteia a repartição de competências entre as entidades componentes do Estado Federal", como lembrado por JOSÉ AFONSO DA SILVA. 14
Este princípio foi reforçado com o instituto do deslocamento de competência judicial em caso de inidoneidade de um Estado para apurar e reprimir judicialmente um ilícito penal atentatório contra os direitos humanos, introduzido pela Emenda Constitucional nº. 45/2004.
De fato, consoante o art. 109, V-A e § 5º. da Constituição Federal de 1988, com a redação dada pela Emenda nº. 45, de 08.12.2004, dependendo do grau da repercussão que a violação de direitos humanos em um caso puder acarretar para o País, e havendo sinais de que o Estado onde ocorreu o crime não terá condições técnicas, materiais, ou mesmo políticas de investigar e punir os criminosos, a causa terá sua competência deslocada para a Justiça Federal, e, portanto, contará com a atuação do Ministério Público Federal – e na qualidade de federal, não de nacional.
Imagine-se, então, hipótese em que fosse cometido um crime ambiental por fornecedor de produtos ou serviços a uma coletividade de consumidores (CDC, art. 22, XIII), crime esse que pudesse vir a ser considerado como atentatório aos direitos humanos de quarta geração.
Aceitas as premissas e as conclusões de KAZUO WATANABE e do art. 113. do CDC, e no caso de deslocamento da competência da investigação criminal e do processamento da respectiva ação penal perante a Justiça Federal, na forma do art. 109, V – A e § 5º. da CF/88, com a redação dada pela Emenda no. 45/2004, ter-se-ia a esdrúxula situação de, para a defesa dos consumidores lesados na esfera cível, admitir-se o litisconsórcio ativo entre os Ministérios Públicos estadual e federal, mas, para a ação penal, apenas o último seria legitimado – e isto porque o Estado não foi considerado idôneo para a tarefa.
Agora, como o Estado pode ser considerado idôneo o bastante para pedir judicialmente indenização civil em favor dos lesados, mas não para investigar e punir os responsáveis pelo ilícito penal, é algo difícil de entender.
E como o Ministério Público – que seria um só, segundo KAZUO WATANABE – embora somente pudesse ser o federal, no âmbito da Justiça Federal – que não é Justiça Nacional, embora atue em todo o território nacional –, se criminal a ação, mas poderia ser também o estadual, além daquele federal, se cível a pretensão, é coisa que não tem como deixar de soar contraditória.
Especialmente se for considerado, por exemplo, que, em matéria de responsabilidade por danos ao meio ambiente, caso típico de interesses difusos, as imputações cível, administrativa e penal são, muitas vezes, semelhantes; aliás, como dito por NEY DE BARROS BELLO FILHO, "há casos de anacronismo da legislação que geram a possibilidade de uma multa administrativa ser de maior valor que a multa penal sobre o mesmo fato".
E ainda, segundo o mesmo autor:
"Efetivamente não há uma diferença ontológica entre as responsabilidades, pois o simples fato de, em matéria ambiental, todas as questões serem passíveis de regramentos administrativos, dada a fundamentalidade do tema, e a importância deste para toda a coletividade, causa uma perfeita sintonia entre as esferas cível e administrativa.
"Da mesma forma, a esfera penal pouco se distancia da administrativa na essência, pois ambas não estão adstritas a considerações volitivas de cunho personalíssimo. Demais disso, as sanções atinentes à pessoa jurídica, quer na esfera penal, quer na esfera não penal, são absolutamente simétricas e por vezes idênticas. (...)". 15 (destaquei)
Essa a razão pela qual defendo o entendimento de não ser possível a intervenção ministerial conjunta, ao bel-prazer dos órgãos dos parquets estaduais e federal, apenas por se tratar de Ação Civil Pública, e de defesa de interesses coletivos ou difusos.
A jurisprudência tem se mostrado conflitante a respeito. 16
Certo, às vezes, na prática do dia-a-dia, situações poderão surgir em que será difícil delimitar, com precisão, se o interesse a ser protegido, inclusive tendo em vista a repercussão do ato ou fato praticados, ou ainda, omissão, causadores de danos a interesses difusos ou coletivos, será local ou federal.
Como dito por PINTO FERREIRA:
"A estrutura das normas gerais pertence ao Poder Legiferante da União, sem entrar em detalhes ou minúcias, que são de competência dos Estados e do Distrito Federal. O poder de regular da União se restringe, conseqüentemente, à edição de normas gerais, pois ampliar tal poder de edição de normas gerais torna o ato normativo inconstitucional, violando os direitos dos Estados – Membros e do Distrito Federal. É, porém, por vezes difícil delimitar a medida paramétrica correta do entendimento do que seja norma geral, para evitar o conflito de legislações federal, e estadual e distrital." 17
WLADIMIR PASSOS DE FREITAS exemplifica:
"Uma norma que seja elaborada para a região amazônica poderá ser considerada, ao nosso sentir, como geral. Dir-se-á que ela não alcança todo o Brasil e que por isso o interesse é local. Assim não pensamos, com a devida vênia. Isto porque a selva amazônica transcende os limites de seu território e hoje é tida como patrimônio da humanidade. Os reflexos dos danos que a ela venham a ser causados estendem-se a todos os brasileiros e não apenas aos que habitam naquela região. O exemplo da região amazônica é o mais contundente. Porém outros podem ser lembrados. Suponha-se que o IBAMA edite uma Resolução sobre a pesca de determinado peixe nos Estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Será ele geral, e, portanto, da competência do órgão federal ? Ou será local e, conseqüentemente, inconstitucional por ser da competência dos dois Estados? A nosso ver, ela pode ser classificada como geral. Veja-se que a preservação da fauna ictiológica foi objeto de adesão do Brasil à Convenção realizada em Genebra, em 29 de abril de 1958, conforme Decreto Legislativo no. 45/68. Em tais condições, e sendo evidente que os resultados da pesca em um Estado – Membro se refletem nos demais, cremos que cabe à União legislar a respeito. O caso comporta o entendimento de que se cuida de norma geral. Em suma, há que interpretar a regra constitucional em consonância com todo o sistema e não de forma gramatical. (...)". 18
Em tais circunstâncias, de duas, uma: ou se presumirá a competência da União Federal, por ser regra geral, em nosso sistema constitucional, a predominância da competência normativa deste ente político sobre os demais; ou, então, e com base no princípio da maior efetividade possível à proteção dos interesses e direitos difusos e coletivos ameaçados, admitir-se-á, caso a caso, a competência daquele ente que for o mais apto a defender aqueles interesses e direitos.
Mas não a figura do litisconsórcio entre o Ministério Público Federal e os estaduais.