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Análise crítica dos princípios administrativos

Agenda 15/03/2023 às 17:30

O exame da principiologia do direito administrativo sobressai como de especial relevância, funcionando como norte para a atuação de todos os operadores do direito.

Resumo: Objetiva o presente articulado traçar, de início, um panorama da normatividade dos princípios e sua evolução histórica para que, sob essa perspectiva, passem-se a detalhar os principais princípios com aplicação no âmbito do Direito Administrativo e, ainda, a sua importância para fins de controle judicial dos atos praticados pelo poder público.

Palavras-chave: Princípios. Normatividade. Neoconstitucionalismo. Pós-positivismo. Princípios em espécie.


1 Introdução

Após a Segunda Guerra Mundial, o paradigma de análise do ordenamento jurídico sofreu profunda alteração. Se, antes, havia o predomínio da visão positivista do Direito, onde a literalidade dos preceitos legais era o guia principal dos incumbidos da função de interpretá-los, depois, sob a influência direta do movimento neoconstitucionalista, os valores axiológicos subjacentes à legislação, em reaproximação da moral ao Direito, passaram a assumir papel de destaque.

Nesse contexto de mudança paradigmática, os princípios deixaram de ser vistos como elementos meramente laterais para, então, galgarem posição de centralidade no fenômeno jurídico. Em vez de instrumentos tão somente auxiliares da interpretação, passaram a ocupar a mesma posição do texto legal no ordenamento, sendo ambos, texto e princípios, espécies do gênero norma jurídica que, por essência, possuem igual força normativa.

Sobre o tema, ao indicar os ensinamentos de Ronaldo Dworkin e Robert Alexy como percursores da moderna distinção entre regras e princípios, assim ensina Bernardo Gonçalves Fernandes[2]:

Vários juristas vão pôr em relevo a construção de um ordenamento jurídico com base não só em regras, mas também em princípios jurídicos. Essa perspectiva vai ter como objetivo central superar a concepção positivista atrelada a um sistema jurídico fechado, preso a um modelo de regras.

Ao longo da história do direito, os princípios jurídicos percorreram um longo caminho até se desgarrarem totalmente da noção de Direito Natural e alcançarem uma leitura que lhes atribuísse normatividade. Nesse sentido, deixaram de ser vistos como elementos de uma racionalidade especial e atemporal (divina ou universal), para pertencerem ao conceito de norma jurídica, passando essa a ser formada agora por duas espécies distintas: as regras jurídicas e os princípios jurídicos.

Muito embora tardiamente, o pós-positivismo, majoritariamente entendido enquanto o marco filosófico do neoconstitucionalismo, exerceu forte influência sobre o ordenamento brasileiro, sobretudo após o advento da Constituição Federal de 1988, ela própria dotada de grande carga valorativo-axiológica.

Sobre o tema, eis o escólio do ilustre Luís Roberto Barroso, in verbis:

O marco histórico do novo direito constitucional, na Europa Continental, foi constitucionalismo do pós-guerra, especialmente na Alemanha e na Itália. No Brasil foi a Constituição de 1988 e o processo de redemocratização que ela ajudou a protagonizar. [...] A reconstitucionalização da Europa, imediatamente após a 2 grande guerra e ao longo da segunda metade do século XX, redefiniu o lugar da Constituição e a influência do direito constitucional sobre as instituições contemporâneas. A aproximação das ideias de constitucionalismo e de democracia produziu uma nova forma de organização política, que atende por nomes diversos: Estado democrático de direito, Estado constitucional de direito, Estado constitucional democrático. A principal referência no desenvolvimento do novo direito constitucional é a Lei fundamental de Bonn (Constituição Alemã), de 1949, e, especialmente a criação do Tribunal Constitucional Federal em 1951. A partir daí teve Início uma fecunda produção teórica e jurisprudencial, responsável pela ascendência científica do direito constitucional no âmbito dos países de tradição romano-germânica. A segunda referência de destaque é a da Constituição da Itália de 1947, e a subsequente instalação da Corte Constitucional, em 1956. Ao longo da década de 70, a redemocratização e a reconstitucionalização de Portugal (1976) e da Espanha (1978) agregaram valor e volume ao debate sobre o novo direito constitucional.

(...)

A superação histórica do jusnaturalismo e o fracasso político do positivismo abriram caminho para um conjunto amplo e ainda inacabado de reflexões acerca do direito, sua função social e sua interpretação. O pós-positivismo busca ir além da legalidade estrita, mas não despreza o direito posto; procura empreender uma leitura moral do direito, mas sem recorrer a categorias metafisicas. A interpretação e aplicação do ordenamento jurídico hão de ser inspiradas por uma teoria de justiça, mas não podem comportar voluntarismo ou personalismos, sobretudo os judiciais. No conjunto de ideias ricas e heterogêneas que procuram abrigo nesse paradigma em construção incluem-se a atribuição de normatividade aos princípios e a sua definição de suas relações com valores e regras; a reabilitação da razão prática e da argumentação jurídica; a formação de uma nova hermenêutica constitucional; e o desenvolvimento de uma teoria dos direitos fundamentais edificada sobre o fundamento da dignidade humana. Nesse ambiente promove-se uma reaproximação entre o direito e a filosofia.[3]

Ao assumirem força cogente e, assim, deitarem efeitos irradiantes sobre toda a atividade normativa, os princípios se tornaram protagonistas da tarefa de assegurar a efetividade da jurisdição e, com isso, de salvaguardar os direitos por ela tutelados, não sendo mais facultado ao intérprete reputar a literalidade do texto legal como superior, em termos jurídicos, à principiologia correlata.

É nessa linha de intelecção que, em específico, exsurgem os princípios administrativos não só como vetores hermenêuticos, mas como protagonistas do iter de aplicação das normas administrativistas, o que ganha especial relevo em tema de controle judicial dos atos administrativos.

Isto porque, em uma visão clássico-tradicional, apenas aspectos de legalidade estrita é que, no que toca a atos administrativos discricionários, podem ser objeto de análise do Poder Judiciário, sendo vedado à função jurisdicional se imiscuir em questões atinentes ao mérito em si do ato. Assim é que o binômio motivo-objeto do ato discricionário, norteado por razões de conveniência e oportunidade do administrador, em regra não se submete ao controle judicial.

Tendo em vista que, como exposto supra, a própria noção de legalidade foi ampliada com o pós-positivismo, passando a envolver também a principiologia constante do ordenamento, tem-se que igualmente o campo de atuação do Poder Judiciário no controle dos atos administrativos sofreu, por necessário, alterações significativas, estando submetido aos influxos ínsitos à mudança de paradigma.

Dessa forma, o exame da observância à lei deve envolver a literalidade da redação dos preceitos legais e, em acréscimo, os princípios aplicáveis ao caso, sejam eles de natureza infraconstitucional ou constitucional.

A juridicidade se mostra, assim, como consequência inafastável dessa nova forma de enxergar o fenômeno jurídico.

Explica-se: de origem marcadamente doutrinária, a ideia de juridicidade desponta como releitura informada pelos ditames do neoconstitucionalismo do princípio da legalidade, através da qual o exame dos aspectos legais dos atos administrativos, mesmo dos discricionários, deve levar em consideração o ordenamento jurídico como um todo, o que, como visto, inclui tanto os princípios quanto as disposições estritas das leis. Houve, assim, a criação de verdadeiro bloco de legalidade, no qual o intérprete deve se basear para fins de verificação da correspondência do ato à ordem jurídica.

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Sobre o tema, eis a lição de Rafael Carvalho Rezende Oliveira:

(...) a legalidade não é o único parâmetro da ação estatal que deve se conformar às demais normas consagradas no ordenamento jurídico. A legalidade encontra-se inserida no denominado princípio da juridicidade que exige a submissão da atuação administrativa à lei e ao Direito (art. 2.º, parágrafo único, I, da Lei 9.784/1999). Em vez de simples adequação da atuação administrativa a uma lei específica, exige-se a compatibilidade dessa atuação com o chamado bloco de legalidade.17 O princípio da juridicidade confere maior importância ao Direito como um todo, daí derivando a obrigação de se respeitar, inclusive, a noção de legitimidade do Direito. A atuação da Administração Pública deve nortear-se pela efetividade da Constituição e deve pautar-se pelos parâmetros da legalidade e da legitimidade, intrínsecos ao Estado Democrático de Direito. A releitura da legalidade e a ascensão do princípio da juridicidade acarretam novos debates e a releitura de antigos dogmas do Direito Administrativo, tais como a discussão quanto à viabilidade da deslegalização, a relativização da impossibilidade de decretos autônomos, a ampliação do controle judicial da discricionariedade administrativa, a crítica à distinção entre ato vinculado e discricionário, entre outras questões[4].

Nesse sentido, a doutrina administrativista entende que a sindicabilidade do ato discricionário pode consistir também na análise da legalidade (em sentido amplo, forte na noção de juridicidade) dos motivos de conveniência e oportunidade, com a verificação não do binômio motivo-objeto em si, mas da efetiva presença do substrato fático cuja existência é imposta pelo ordenamento jurídico como autorizativa do uso da discricionariedade administrativa.

A especificidade da análise dos princípios do Direito Administrativo, destarte, surge como tema de especial relevância acadêmica, pois concernente a normas jurídicas que possuem força cogente para, em eventual conflito no plano concreto, levar à superação da legalidade estrita.


2 Princípios administrativos em espécie

2.1 Princípio da legalidade

Com origem que remonta aos movimentos liberais do século XVIII, o princípio da legalidade possui, historicamente, dois desdobramentos, dos quais é possível extrair seu conceito.

O primeiro consiste na noção de supremacia da lei, segundo a qual, à luz da teoria da negative bunding (vinculação negativa), quando da ausência de lei ao administrador é facultada maior liberdade de atuação, sempre com vista à satisfação do interesse público.

Já o segundo, por sua vez, reside na ideia de reserva de lei. Informada pela teoria da positive bunding (vinculação positiva), para a reserva de lei o administrador somente pode validamente atuar nos casos em que haja prévia autorização legal, não se sendo lícito no âmbito das liberdades dos administrador na hipótese de inexistência de lei que assim o permita.

No Brasil, o segundo desdobramento da legalidade representa o entendimento da doutrina clássica acerca do princípio, o qual por definição consiste, na clássica definição de José dos Santos Carvalho Filho:

O princípio da legalidade é certamente a diretriz básica da conduta dos agentes da Administração. Significa que toda e qualquer atividade administrativa deve ser autorizada por lei. Não o sendo, a atividade é ilícita.45 Tal postulado, consagrado após séculos de evolução política, tem por origem mais próxima a criação do Estado de Direito, ou seja, do Estado que deve respeitar as próprias leis que edita[5].

Todavia, como visto, modernamente é possível que a autorização para a prática do ato administrativo seja proveniente não de disposições legais estritas, mas do ordenamento jurídico como um todo, aí incluídos os princípios, tudo como forma de, com fundamento na constitucionalização do Direito Administrativo, assegurar a efetivação dos direitos fundamentais, em verdadeira expansão pela via axiológica daquilo que se entende por legalidade.

2.2 Princípio da impessoalidade

Com previsão expressa no art. 37 do texto constitucional, o princípio da impessoalidade possui duas acepções, ambas dotadas de ampla força jurídica: impessoalidade enquanto isonomia e impessoalidade enquanto proibição de promoção pessoal.

A primeira acepção remete à proibição de tratamento discriminatório perante a lei (igualmente formal) e, no plano concreto, à impossibilidade jurídica de tratamento díspar daqueles que se encontrem em idênticas condições (igualdade material).

No que toca à igualdade, assim é o ensinamento de Matheus Carvalho, in litteris:

Este princípio se traduz na ideia de que a atuação do agente público deve-se pautar pela busca dos interesses da coletividade, não visando a beneficiar ou prejudicar ninguém em especial, ou seja, a norma prega a não discriminação das condutas administrativas que não devem ter como mote a pessoa que será atingida pelo seu ato. Com efeito, o princípio da impessoalidade reflete a necessidade de uma atuação que não discrimina as pessoas, seja para benefício ou para prejuízo. Dessa forma, é possível considerar que, ao Estado, é irrelevante conhecer quem será. atingido pelo ato, pois sua atuação é impessoal. O agente fica proibido de priorizar qualquer inclinação ou interesse seu, ou de outrem.[6]

Justicia, a inteligência artificial do Jus Faça uma pergunta sobre este conteúdo:

Já a segunda, por seu turno, alude àquilo que prevê a literalidade do §1º do citado art. 37 da CF/88, in verbis:

§ 1º A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos.

Apesar de atinente especificamente à publicidade estatal, o supratranscrito dispositivo estampa verdadeira cláusula geral vedatória da utilização da máquina pública para fins de promoção pessoal, o que espraia efeitos sobre a atuação da Administração Pública em todos os níveis federal, estadual e municipal.

2.3 Princípio da moralidade

Também estampado no caput do art. 37 da CF/88, o princípio da moralidade administrativa remete, como sobressai evidente, à imprescindibilidade de a atuação do administrador público ser pautada não só pela estrita observância às leis, mas também à probidade e à eticidade.

No campo do controle judicial da atividade administrativa, trata-se de mandado que assume posição de destaque, uma vez que historicamente a defesa da moralidade, não raro, antecipou disposições protetivas da coisa pública, a exemplo da vedação ao nepotismo.

Isto porque antes mesmo da edição da Súmula Vinculante n. 13, já era assente tanto na doutrina quanto na jurisprudência que a prática do nepotismo era conduta vedada pelo ordenamento brasileiro, que, informado pelo princípio constitucional da moralidade, obsta a patrimionialização da Administração através do ingresso no serviço público motivado por razões de ordem familiar.

No plano infraconstitucional, a Lei n. 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa), a Lei n. 4.717/65 (Lei da Ação Popular), a Lei n. 12.846/2013 (Lei Anticorrupção) e a Lei n. 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública) sobressaem como instrumentos de efetivação do princípio da moralidade administrativa, sendo possível, por exemplo, ainda que ausente lei proibitiva expressa, o ajuizamento de ação coletiva visando a anulação de ato administrativo que viole a principiologia constitucional.

2.4 Princípio da eficiência

Outra expressão do conteúdo do art. 37 da Carta Magna, o princípio da eficiência passou a ter estatura constitucional por meio da Emenda Constitucional n. 19/98, que visou trazer à Administração Pública a concepção de atuação gerencial, não mais puramente burocrática.

Forte na ideia de legalidade finalística e na imanente satisfação do interesse público, a eficiência administrativa busca trazer concretude aos direitos fundamentais assegurados na CF/88, de modo que o atuar do administrador sempre seja pautado pela maximização da efetividade social.

Privilegia-se, assim, a concepção de uma Administração de Resultados, onde a Análise Econômica do Direito (AED) ganha destaque como doutrina voltada justamente a assegurar a aplicação do eficiência enquanto princípio administrativo.

Com base nos ensinamentos do jurista americano Richard Posner, entende a AED que temas de natureza econômica não só podem, mas devem ser utilizados na solução de problemas legais concretos, uma vez que Administração Pública eficiente é, por conceito, aquela que observa as consequências de ordem econômica de sua atuação no mundo dos fatos.

Em relação à Análise Econômica do Direito, Rafael Carvalho Rezende Oliveira aduz que:

De acordo com a Análise Econômica do Direito (AED), a economia, especialmente a microeconomia, deve ser utilizada para resolver problemas legais, e, por outro lado, o Direito acaba 3.2.6 por influenciar a Economia. Por esta razão, as normas jurídicas serão eficientes na medida em que forem formuladas e aplicadas levando em consideração as respectivas consequências econômicas.[7]

Para a AED, há dois critério garantidores da eficiência administrativa.

O primeiro é o da eficiência de Pareto (ou ótimo de Pareto), segundo o qual uma norma é eficiente na medida em que melhora a situação de certas pessoas sem piorar a situação de outras.

Já o segundo consiste na eficiência de Kaldor-Hicks, que considera que um ato é eficiente quando produz o máximo de bem-estar para o maior número de pessoas.

O princípio administrativo da eficiência, assim, é vetor da lógica gerencial de administração da coisa pública, na qual inclusive questões consequenciais de ordem econômica devem ser consideradas, afastando-a da perspectiva puramente burocrática onde a observância da norma escrita era entendida, por si só, como suficiente à satisfação do interesse público.

2.5 Princípios da razoabilidade e da proporcionalidade

Apesar da existência de certa divergência na doutrina, prevalece que razoabilidade e proporcionalidade são princípios que, em essência, não diferem entre si.

De qualquer sorte, em termos históricos, aponta-se que a razoabilidade possui origem remota na cláusula law of the land constante do art. 39 da Magna Carta e, lado outro, origem próxima na evolução do conceito de devido processo legal na jurisprudência norte-americana.

A proporcionalidade, por seu turno, tem origem remota no jusnaturalismo dos séculos XVII e XVIII e, com base na proteção dos direitos fundamentais, origem próxima em julgados do Tribunal Constitucional Alemão.

No ordenamento brasileiro, apesar de inexistir disposição constitucional expressa, entende-se que ambos estão implicitamente previstos na Constituição Federal de 1988 enquanto meios de proteção da fundamentalidade dos direitos ali assegurados. Já em sede infraconstitucional, o art. 2º da Lei 9.784/1999 expressamente os prevê.

A exata compreensão da proporcionalidade passa pelo conhecimento de seus subprincípios, quais sejam: necessidade, adequação e proporcionalidade em sentido estrito.

Na proporcionalidade-necessidade, analisa-se se o ato (seja legislativo ou concreto) a ser praticado representa a medida menos gravosa entre as disponíveis para a obtenção do mesmo resultado. Assim, na hipótese de conflito entre dois bens jurídicos de igual valor, deve-se ponderar se a opção escolhida é aquela que, no plano concreto, gerará o menor prejuízo ao bem jurídico preterido.

Noutro giro, na proporcionalidade-adequação se verifica se o meio utilizado para a prática do ato levará ou não à consecução da finalidade almejada. Deve-se indagar se o ato de fato levará à produção do resultado que se busca concretizar.

Por fim, tem-se na proporcionalidade em sentido estrito aquela onde se examina se a importância do direito protegido supera a dos direitos fundamentais eventualmente restringidos pelo ato.

Sobre o tema, eis a lição de Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco, in verbis:

(...) a doutrina constitucional mais moderna enfatiza que, em se tratando de imposição de restrições a determinados direitos, deve-se indagar não apenas sobre a admissibilidade constitucional da restrição eventualmente fixada, mas também sobre a compatibilidade das restrições estabelecidas com o princípio da proporcionalidade. Essa orientação, que permitiu converter o princípio da reserva legal (Gesetzesvorbehalt) no prindpio da reserva legal proporcional (Vorbehalt des verhdltnismdssigen Gesetzes) 1 30, pressupõe não só a legitimidade dos meios utilizados e dos fins perseguidos pelo legislador, mas também a adequação desses meios para consecução dos objetivos pretendidos (Geeignetheit) e a necessidade de sua utilização (Notwendigkeit oder Erforderlichkeit)

Pieroth e Schlink ressaltam que a prova da necessidade tem maior relevância do que o teste da adequação. Positivo o teste da necessidade, não há de ser negativo o teste da adequação. Por outro lado, se o teste quanto à necessidade revelar-se negativo, o resultado positivo do teste de adequação não mais poderá afetar o resultado definitivo ou final. De qualquer forma, um juízo definitivo sobre a proporcionalidade da medida há de resultar da rigorosa ponderação e do possível equilíbrio entre o significado da intervenção para o atingido e os objetivos perseguidos pelo legislador (proporcionalidade em sentido estrito)136. É possível que a própria ordem constitucional forneça um indicador sobre os critérios de avaliação ou de ponderação que devem ser adotados. Pieroth e Schlink advertem, porém, que nem sempre a doutrina e a jurisprudência se contentam com essas indicações fornecidas pela Lei Fundamental, incorrendo no risco ou na tentação de substituir a decisão legislativa pela avaliação subjetiva do juiz.[8]

Assim, sob a ótica do neoconstitucionalismo, o princípio da proporcionalidade assume especial importância, pois comumente é através dele e de seus subprincípios que se promoverá a ponderação entre os interesses eventualmente conflitantes para, assim, definir-se aquele que no plano concreto deverá prevalecer.

2.6 Princípios da segurança jurídica, da boa-fé e da proteção da confiança

É de tal monta o entrelaçamento entre os princípios da segurança jurídica, da boa-fé e da proteção da confiança que se faz mister sejam analisados em conjunto.

Nessa linha de ideias, tem-se na segurança jurídica princípio que, implicitamente previsto nos arts. 1º (defesa do Estado Democrático de Direito) e 5º, XXXVI (proteção do direito adquirido, da coisa julgada e do ato jurídico perfeito) da Constituição Federal, possui duas acepções: objetiva e subjetiva.

Em sentido objetivo, trata-se da necessidade de estabilização do ordenamento jurídico, ilustrada pelas garantias da coisa julgada, do direito adquirido e do ato jurídico perfeito, consoante previsão constitucional exposta acima.

Noutro giro, a noção subjetiva remonta à própria proteção da confiança (confiança legítima dos administrados) gerada naqueles que, em virtude de determinada conduta estatal, tinham como certa a produção dos efeitos jurídicos decorrentes. Trata-se de vinculação à esfera jurídica do particular, funcionando como defesa contra a atuação arbitrária do Estado.

Em sede infraconstitucional, merecem destaque as alterações promovidas pela Lei 13.655/2018 na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB) com o escopo de reafirmar a imprescindibilidade de observância do princípio ora em comento, a exemplo dos atuais art. 23, que versa sobre a necessidade de observância de regimes jurídicos de transição, art. 24, referente à atenção, quando da revisão de ato administrativo, das orientações da época de sua edição, e art. 30, que expressamente impõe às autoridades públicas o dever de agir com vista a aumentar a segurança jurídica de sua atuação.

Por seu turno, o princípio da boa-fé se bifurca em duas acepções de natureza, também, objetiva e subjetiva.

Se na boa-fé objetiva o que há é a exigência de atuação conforme o direito, vinculando-se ao dever de lealdade e lisura de conduta sem que se questionem aspectos relacionados à intenção subjetiva do agente, na boa-fé subjetiva, ao contrário, o que diretamente se perquirem são os elementos psicológicos daquele que atuou acreditando estar de acordo com o direito.

Apesar da evidente aproximação e, por vezes, da dificuldade de diferenciação na prática, deve ser adiantado que os princípios da segurança legítima subjetiva e da boa-fé subjetiva não se confundem.

Doutrinariamente, todavia, entende-se que a quem age com má-fé não é facultado alegar, em momento posterior, que atuou com base na confiança legítima. Tratar-se-ia aí, em verdade, de confiança ilegítima, tendo em vista que a ninguém é dado se beneficiar de sua própria torpeza.

Quanto ao princípio da proteção da confiança/confiança legítima, difere-se da boa-fé subjetiva em virtude de esta ser atinente tanto a condutas de origem estatal quanto particular, enquanto aquela atine apenas e tão somente à proteção do administrado face ao Estado.

A vinculação à atuação estatal, inclusive, remonta à própria origem do princípio da confiança.

Isto porque, em sede doutrinária, aponta-se a jurisprudência alemã, mais especificamente o caso da viúva de Berlim, como marco histórico do reconhecimento da normatividade do referido princípio.

Trata-se de caso onde determinada viúva, após receber declaração oficial da Administração Pública no sentido de que sua mudança da Alemanha Oriental para a Ocidental lhe asseguraria o recebimento de certo valor a título de pensão, optou por rumar em direção ao lado capitalista do país.

No entanto, após cerca de um ano morando em seu novo endereço, foi a viúva informada de que a pensão que estava a receber era ilegal e que, por isso, deveria ser cessada a sua percepção, sendo-lhe ainda imposta a obrigação de restituir, em retroação, os importes pagos até ali.

O caso terminou no Poder Judiciário, que, em decisão paradigmática, reconheceu que o princípio da confiança obstava a anulação do ato que reconheceu o direito ao recebimento da pensão, ainda que a concessão em si estivesse sido eivada de ilicitude, prevalecendo o interesse do administrado que trocou de domicílio em virtude justamente de ter confiado na declaração estatal, em relativização da tradicional posição segundo a qual atos praticados em desconformidade com a lei devem, por obrigatório, ser anulados.

Deve ser ressaltado que o princípio da confiança tem lugar não em casos em que a atuação estatal anterior tenha gerado mera expectativa de direitos, mas sim naqueles onde a expectativa do administrado é qualificada, sendo derivada de conclusiva manifestação da Administração.

Elenca a doutrina, assim, a necessidade de presença cumulativa dos seguintes requisitos para caracterização da confiança enquanto legítima e, portanto, merecedora de tutela: a) existência de ato da Administração suficientemente conclusivo para gerar confiança no administrado; b) presença de signos externos originários da atividade administrativa, orientando o administrado a adotar determinada conduta; c) prática de ato pela Administração reconhecendo ou constituindo uma situação jurídica individualizada; d) idoneidade da causa que gerou a confiança do administrado; e) cumprimento, pelo administrado, de seus deveres e obrigações no caso.

De mais a mais, o princípio em análise produz efeitos de ordem negativa e positiva.

Tem-se como efeito negativo o dever de abstenção estatal, é dizer, a obrigatoriedade de a Administração não praticar atos restritivos de direitos protegidos pela confiança legítima, o que limita, por exemplo, o exercício do poder de autotutela e a aplicação de sanções administrativas.

Já no efeito positivo, o que há é o nascimento para o Estado do dever de editar atos benéficos ao administrado e ao direito que lhe é assegurado, a exemplo da impositiva nomeação de aprovados em concurso público dentro do número de vagas e do dever de ressarcir os lesados por revogação de permissão qualificada antes do advento do termo.

Tal é a força do princípio da proteção da confiança que, com base nele, mesmo a discricionariedade administrativa pode ser reduzida a zero. Cite-se, exemplificativamente, o caso de empresa que se instala em determinada região em virtude de promessa concreta do Poder Público de concessão de benefícios fiscais. Após a instalação, a proteção da confiança obsta que a Administração não conceda os benefícios.


3 Conclusão

Face ao exposto, forçoso concluir que, sob a égide do movimento neoconstitucionalista, os princípios jurídicos em geral assumiram nova faceta, agora dotada de reconhecida normatividade.

Nessa linha, também os princípios administrativos, em específico, tiveram de se submeter a verdadeira releitura informada pelo texto da Constituição Federal de 1988, o que terminou por ressignificar os próprios parâmetros do controle judicial dos atos da Administração.

Passou a ser possível, destarte, o exame da legalidade da conduta do Poder Público não só com base na lei estrita, mas também naquilo que prevê o ordenamento jurídico como um todo, aí incluída toda a principiologia correlata.

Assim, o exame dos principais princípios do Direito Administrativo é tema que, na atual quadra jurídico-constitucional, sobressai como de especial relevância, funcionando como norte para a atuação de todos os operadores do direito.


Referências bibliográficas

BARROSO, Luís Roberto. "Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito: o triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil. ln: A constitucionalização do direito, 2007.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 11/10/2021, 23:00:01.

CARVALHO, Matheus. Manual de Direito Administrativo. 2. ed., Salvador: JUSPODIVM, 2015.

CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo 28. ed. rev., ampl. e atual. até 31-12-2014. São Paulo: Atlas, 2015.

FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional/Bernardo Gonçalves Fernandes - 9. ed. rev. ampl. e atual. - Salvador. JusPOOIVM, 2017.

MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 1 D. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2015.

OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende Curso de direito administrativo / Rafael Carvalho Rezende Oliveira. 9. ed., Rio de Janeiro: Forense; MÉTODO, 2021.


Notas

  1. Fernandes, Bernardo Gonçalves. Curso de Direito Constitucional/ Bernardo Gonçalves Fernandes - 9. ed. rev. ampl. e atual. - Salvador. JusPODIVM, 2017, p. 230.

  2. BARROSO, Luís Roberto. "Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito: o triunfo tardio do Direito Constitucional no Brasil. ln: A constitucionalização do direito, 2007, p. 206-216.

  3. Oliveira, Rafael Carvalho Rezende Curso de direito administrativo / Rafael Carvalho Rezende Oliveira. – 9. ed., – Rio de Janeiro: Forense; MÉTODO, 2021, p. 105.

  4. Carvalho Filho, José dos Santos. Manual de direito administrativo – 28. ed. rev., ampl. e atual. até 31-12-2014. – São Paulo: Atlas, 2015, p. 20.

  5. Carvalho, Matheus. Manual de Direito Administrativo. – 2. ed., – Salvador: JUSPODIVM, 2015, p. 66.

  6. Oliveira, Rafael Carvalho Rezende Curso de direito administrativo / Rafael Carvalho Rezende Oliveira. – 9. ed., – Rio de Janeiro: Forense; MÉTODO, 2021, p. 110.

  7. Mendes, Gilmar Ferreira Cua de direita constitucional/ Gilmar Ferreira Mendes e Paulo Gustavo Gonet Branco. - 1 D. ed. rev. e atual. - São Paulo: Saraiva, 2015, p. 226.


Abstract: The purpose of this article is to outline, from the beginning, an overview of the normativity of the principles and their historical evolution so that, from this perspective, the main principles applicable in the scope of Administrative Law can be detailed, as well as their importance for purposes of judicial control of the acts practiced by the public power.

Keywords: Principles. Normativity. Neoconstitutionalism. Post-positivism. Principles in kind.

Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOTERO, Victor Figueiredo. Análise crítica dos princípios administrativos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7196, 15 mar. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/101923. Acesso em: 22 dez. 2024.

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