Quando o assunto é a violência contra a mulher, com base em seu gênero, é comum que os aspectos físicos do crime tomem o imaginário popular. Porém, a violência patrimonial, assim como a psicológica, a sexual e a moral, configuram ocorrências infelizmente comuns nos abusos que acometem o gênero feminino de forma muito mais frequente por todo o Brasil.
Este tipo de crime sofre um grave risco de sequer ser entendido por sua vítima. Muitas pessoas pensam que não há abuso se não houver um ataque físico direto. Na realidade, qualquer ato manipulatório que leve à supressão de uma vontade em benefício de outra também consiste em uma violência que precisa receber atenção.
No artigo de hoje, nossa equipe especializada em Direito Criminal e Violência Doméstica fala um pouco sobre o crime de violência patrimonial, suas formas mais comuns de ocorrência na sociedade e, principalmente, como denunciar este crime para que seus danos sejam interrompidos o quanto antes.
O que é violência patrimonial?
A violência patrimonial é uma dos tipos de violência trazidos pelo artigo 7º da Lei Maria da Penha ao ordenamento jurídico brasileiro. Neste caso específico, trata de condutas que afetam diretamente os bens ou a possibilidade de controle sobre os bens de um indivíduo.
O exemplo típico utilizado pela doutrina é a do homem que “confisca” os documentos de identificação e a certidão de casamento de sua esposa, com o objetivo de dificultar que ela dê início a um divórcio.
Há, também, casos em que a pessoa controla diretamente todo o fluxo de recursos financeiros dentro de casa, impedindo qualquer ato independente que exija dinheiro. Isso impede que a pessoa sequer possa tomar uma ação para se defender dos abusos que sofre, exemplificando a gravidade deste crime.
Os tipos de violência contra a mulher
Como mencionado no trecho acima, ao contrário do que muitas pessoas imaginam, a violência doméstica e familiar contra a mulher não se resume à agressão física. O artigo 7º da Lei Maria da Penha reconhece cinco formas de perpetrar violências neste cenário, sendo elas:
Violência física
I – a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;
A violência física é aquela tipicamente atribuída a uma agressão doméstica. Consiste em qualquer ato deliberado de causar danos físicos a alguém por meio do contato violento.
Violência psicológica
II – a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;
A violência psicológica implica em uma espécie de domínio sobre as decisões, liberdades e capacidade de escolha da vítima, com base na construção de uma relação de poder psicológica. A violência psicológica nem mesmo precisa estar associada à física para que seja reconhecida.
Violência sexual
III – a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;
Para além das agressões psicológicas e físicas, a violência sexual atinge o gênero e a condição de mulher de maneira ainda mais grave. Apesar de também ter natureza física, ela se agrava por afetar o que há de mais íntimo na individualidade da vítima.
Como se observa no texto legal, essa prática não se resume ao ato sexual contra a vontade da vítima. Ela também pode se manifestar no controle das definições sexuais e reprodutivas que existem no entorno da questão. É o caso do controle sobre métodos contraceptivos ou à tomada de decisão sobre questões reprodutivas no geral.
Violência patrimonial
IV – a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades;
A violência patrimonial, tema deste artigo, diz respeito ao domínio de documentos, itens próprios ou, mesmo, aos recursos daquela pessoa. Como vivemos em uma sociedade que depende destes recursos para a definição da identidade ou de realização de qualquer ação, trata-se de um meio de controle grave e perverso.
Violência moral
V – a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.
O último tipo de violência apontada pela Lei Maria da Penha é a moral. Neste caso, utiliza-se de meios que afetem a própria reputação da pessoa como forma de reduzir sua credibilidade, dificultando o acesso aos meios necessários para sair de uma situação de abuso.
Exemplos de violência patrimonial
Os exemplos de violência patrimonial são situações muito comuns em relacionamentos marcados por abusos. Mesmo assim, muitas pessoas não percebem a gravidade da situação por simplesmente não saberem que estes atos também configuram crimes. Entre os principais exemplos, destacam-se:
Reter os documentos individuais e certidão de casamento: este ato dificulta que a ofendida consiga dar fim oficial ao relacionamento e, portanto, continuidade à sua própria vida;
Tomar ou fiscalizar o celular ou dispositivos eletrônicos da parceira: estes dispositivos configuram bem individual e não podem ser tomados contra a sua vontade;
Apoderar-se do dinheiro que a companheira recebe em seu trabalho ou benefícios: trata-se de forma muito comum de controle da vida financeira de toda a família, evitando que a ofendida possa tomar suas próprias decisões;
Controlar em absoluto os recursos domésticos para evitar que a companheira satisfaça suas necessidades individuais: caso ainda mais grave que o exemplo anterior, pois impede até mesmo os cuidados mais básicos;
Subtrair instrumentos ou impedir condições de trabalho para que a companheira não possa dar andamento em sua carreira profissional: computadores, instrumentos de trabalho e até mesmo agendas telefônicas entram nesta categoria;
Não pagamento da pensão alimentícia: também é uma maneira de “forçar” o retorno da ofendida ao lar do agressor por dependência financeira;
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Apropriação sobre heranças da companheira: a herança só pertence ao casal em casos de comunhão universal de bens. Caso contrário, é patrimônio individual;
Justicia, a inteligência artificial do Jus Faça uma pergunta sobre este conteúdo: Obter empréstimos no banco no nome da companheira: muito comum em casos onde o companheiro se utiliza da disponibilidade de crédito da companheira sem que ela saiba, fazendo empréstimos e utilizando para fins próprios sem a sua autorização.
Como denunciar um crime de violência patrimonial
A denúncia de um crime de violência patrimonial, assim como todos os outros motivados por gênero, devem ser feitos em uma delegacia. Preferencialmente, onde houver tal possibilidade, ela deve ser feita na Delegacia da Mulher, pois tende a ser melhor preparada para lidar com as especificidades deste tipo de crime.
Além disso, é importante ressaltar que as maiores dificuldades de denúncias deste tipo estão na produção das provas. Por isso, é muito útil falar antes com um escritório de advocacia especializado no assunto, de forma que você tenha elementos que aumentem as chances de garantir a sua proteção imediata, rompendo de uma vez por todas com este ciclo de abuso.
A orientação de uma equipe de advogados especializada em violência doméstica também aumenta as chances de uma penalidade justa ao agressor. Assim, você se torna mais protegida de imediato e reduz os riscos de continuar sob ameaça por eventual fracasso do processo criminal que acontece após a denúncia propriamente dita.
Quais as possíveis consequências contra quem pratica a violência patrimonial?
Nos casos de violência patrimonial, a Lei Maria da Penha prevê algumas medidas liminares, ou seja, medidas que devem ser tomadas rapidamente, antes mesmo do fim do processo. Estas medidas de natureza emergencial incluem:
A devolução de todos os bens e recursos em posse indevida do agressor;
A proibição temporária da realização de negociações com os bens e recursos do casal, exceto quando autorizado em juízo;
A suspensão imediata de procurações que a vítima tenha dado ao agressor;
O depósito de uma “caução provisória” como meio de garantir a restituição de eventuais perdas causadas pelo agressor.
Além destas medidas liminares, haverá todas as consequências da natureza do crime praticado. É comum, por exemplo, que uma violência patrimonial ainda envolva a ocorrência de um estelionato. Nestes casos, o agressor será, também, julgado pela realização do crime em si.