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Cabe Usucapião Extrajudicial se o imóvel tem Promessa de Compra e Venda registrada na matrícula?

Agenda 27/01/2023 às 08:43

PRIMORDIAL em todo caso de regularização imobiliária é partir a análise pela documentação registral: sim, a MATRÍCULA imobiliária havida por Certidão (ou mesmo "visualização de matrícula", em alguns segundos, instantaneamente pelos sites das Centrais dos Cartórios) vai revelar muita coisa sobre o que teremos pela frente, seja pela via judicial, seja pela via extrajudicial. Muito comum nos casos de USUCAPIÃO que o imóvel possa estar em nome de pessoas falecidas, em nome de empresas já inexistentes ou mesmo com diversos gravames anotados. Uma das situações muito comuns nesses casos é o registro da PROMESSA DE COMPRA E VENDA. Seria tal gravame impeditivo da realização da Usucapião Extrajudicial, por exemplo?

A resposta é negativa. Da mesma forma que o natural fato de o imóvel ostentar proprietário registral na matrícula não impedirá o reconhecimento da Usucapião Extrajudicial (desde que preenchidos, por óbvio, os requisitos legais) pode-se afirmar que o fato de constar PROMESSA DE COMPRA E VENDA registrada em nome de terceiros também não obstaculizará a regularização. Como aponta com clareza o PROVIMENTO CNJ 65/2017, temos que nessa hipótese as despesas do interessado poderão sim ser maiores tendo em vista o número de pessoas a serem notificadas no procedimento já que PLANTA e MEMORIAL deverão conter assinaturas de TODOS OS TITULARES DOS DIREITOS REGISTRADOS OU AVERBADOS na matrícula do imóvel:

"Art. 4º O requerimento será assinado por advogado ou por defensor público constituído pelo requerente e instruído com os seguintes documentos:

(...)

II – planta e memorial descritivo assinados por profissional legalmente habilitado e com prova da Anotação da Responsabilidade Técnica – ART ou do Registro de Responsabilidade Técnica – RTT no respectivo conselho de fiscalização profissional e pelos TITULARES dos direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo ou na matrícula dos imóveis confinantes ou pelos ocupantes a qualquer título;"

Mas não se desespere: a inexistência da assinatura dessas pessoas poderá ser suprida, conforme regra do artigo 10 do mesmo provimento, por "documento autônomo de anuência expressa" com firma reconhecida, instrumento público ou mesmo por NOTIFICAÇÃO a ser feita pelo Oficial do RGI ou Oficial do RTD. Há ainda possibilidade de NOTIFICAÇÃO POR EDITAL, o que facilitará a solução haja vista modificações introduzidas no procedimento pela Lei 13.465/2017 - Edital esse que pode ser ELETRÔNICO inclusive, como acontece aqui no Rio de Janeiro onde também há regulamentação (Provimento CGJ/RJ 56/2018).

O que de fato importará para o sucesso da Usucapião (Judicial ou Extrajudicial) é a comprovação cabal dos requisitos legais exigidos (não se descurando que a matriz do instituto exige a comprovação da POSSE qualificada exercida pelo TEMPO necessário sobre COISA hábil à prescrição aquisitiva). O fato, portanto, de imóvel constar como de titularidade de um com promessa para outrem não deverá abalar a pretensão desde que preenchidos os requisitos legais para a usucapião - judicial ou extrajudicialmente.

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Outro ponto importante ainda sobre a questão da PROMESSA DE COMPRA E VENDA registrada (ou não) na matrícula imobiliária diz respeito a quando o detentor desse direito (assim consagrado como "direito" na forma dos arts. 1.417 e 1.418 c/c Súmula 239 do STJ) é o mesmo que pretende o reconhecimento da Usucapião. Como já destacamos em outras oportunidades, nada deve obstar a pretensão pela via da Usucapião se quem assim intenciona possui uma Promessa de Compra e Venda em seu nome. Equivocadamente muitos juízes ainda entendem que ainda que preenchidos os requisitos legais o caminho da Usucapião não pode ser escolhido pelo pretendente, devendo este seguir somente pelo caminho da ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA. Pior ainda: hoje em dia com o advento da Usucapião Extrajudicial (art. 216-A da LRP) e da Adjudicação Compulsória Extrajudicial (art. 216-B) essa pode ser também a visão equivocada do Tabelião e do Registrador.

A bem da verdade se efetivamente o interessado já preencheu os requisitos para a USUCAPIÃO não pode ser obrigado a valer-se apenas da Adjudicação Compulsória (judicial ou extrajudicial). No Rio de Janeiro importante precedente do Conselho da Magistratura do TJRJ já citado em outras passagens ( 0322303-34.2017.8.19.0001) firmou o entendimento da possibilidade da OPÇÃO entre os procedimentos, inclusive no âmbito extrajudicial.

POR FIM, ilustrando esse entendimento decisão do TJPE que com acerto anula a sentença do juízo de piso reconhecendo a possibilidade de instrução de Ação de Usucapião com Instrumento de Promessa de Compra e Venda que exemplifica bem o chamado "JUSTO TÍTULO" exigido por algumas modalidades de Usucapião:

"TJPE. AC. 4887605/PE. J. em 28/08/2019. AÇÃO DE USUCAPIÃO ORDINÁRIA. EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO POR AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR FACE À EXISTÊNCIA DE INSTRUMENTO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA. APELAÇÃO. PROVIMENTO DO RECURSO PARA ANULAR A SENTENÇA. OPÇÃO DA PARTE EM PROPOR AÇÃO DE USUCAPIÃO. PROCESSO MADURO. APLICAÇÃO DA REGRA CONTIDA NO ART. 1.013, § 3º CPC. JULGAMENTO. JUSTO TÍTULO E BOA FÉ. POSSE CONTÍNUA E INCONTESTADA. REQUISITOS DA USUCAPIÃO ORDINÁRIA PREENCHIDOS. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. DECISÃO UNÂNIME. 1) O contrato particular de promessa de compra e venda, ainda que subscrito pelo proprietário, por não ser documento hábil à transferência da propriedade, se insere na categoria de justo título, sendo apto, portanto, a embasar a ação de usucapião ordinária. 2) No caso dos autos, verifica-se que a apelante encontra-se impedida de obter a aquisição da propriedade pelo meio derivado da adjudicação compulsória, uma vez que o imóvel usucapiendo sequer possui registro no cartório imobiliário (fls. 101/102), situação essa que revela a existência de interesse de agir da autora no manejo de ação de usucapião ordinária e, via de consequência, a anulação da sentença de 1º grau. 3) Julgamento da ação: Considerando o disposto no art. 1.013, § 3º do CPC, e provado que a autora tem posse no imóvel desde 1985 e que essa posse se qualifica como mansa, pacífica e de boa-fé, com animus de possuir, sem oposição de quem quer que seja, é de ser julgado procedente o pedido de usucapião do bem caracterizado na inicial. 4) Recurso provido. Sentença anulada. Ação julgada procedente. Decisão unânime".

Sobre o autor
Julio Martins

Advogado (OAB/RJ 197.250) com extensa experiência em Direito Notarial, Registral, Imobiliário, Sucessório e Família. Atualmente é Presidente da COMISSÃO DE PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS da 8ª Subseção da OAB/RJ - OAB São Gonçalo/RJ. É ex-Escrevente e ex-Substituto em Serventias Extrajudiciais no Rio de Janeiro, com mais de 21 anos de experiência profissional (1998-2019) e atualmente Advogado atuante tanto no âmbito Judicial quanto no Extrajudicial especialmente em questões solucionadas na esfera extrajudicial (Divórcio e Partilha, União Estável, Escrituras, Inventário, Usucapião etc), assim como em causas Previdenciárias.

Informações sobre o texto

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