Resumo: Este artigo propõe uma discussão no que tange aos conceitos e contextos históricos, legislativos e sociais que nos põe a visualizar a constante violência sofrida pela mulher no ambiente familiar. Fez-se importante comentar sobre os avanços legislativos brasileiros, que apesar de não solucionar por completo a grande problemática, em passos lentos vem se mostrando significativo para uma modificação benigna do atual cenário. Ao partirmos de uma pesquisa literária que traçasse preceitos a despeito do tema, ou que ligados a ele viesse a influencia-lo, bem como artigos de revisão ordenados por relevância, e pesquisados no buscador google acadêmico, com publicações no ano de 2020 a 2022, com os descritores: sexismo, violência doméstica, patriarcado, e assim tivemos o desprazer de conhecer intimamente o obscuro universo sobre a influência do sexismo na manutenção da violência doméstica em face das mulheres. Certamente, os diversos dados coletados no decurso da pesquisa possibilitou a certeza de haver desde os primórdios civilizatórios uma negligencia, desdenho e menosprezo à figura da mulher, justamente por porte de uma sociedade marcada pelo patriarcalismo e misoginia. Ainda pudemos perceber que geralmente, as agressões, ora em comento, são praticadas por homens que possuem ou possuíam alguma relação com a vítima. Por fim, concluímos a extrema necessidade de haver um olhar voltado para a vítima no sentido de protege-la e acolhe-la, bem como deve existir um olhar de cautela direcionado ao agressor, no sentido de puni-lo e reeduca-lo através de atendimentos psicossociais, intuindo um fim nesse ciclo vicioso de violência doméstica.
Palavras-chaves: sexismo; violência doméstica; patriarcado
Introdução
O presente artigo tem como intuito a partir de literaturas que tracem preceitos sobre o tema, ou ligados a esse de maneira a influencia-lo, bem como, artigos de revisão ordenados por relevância, nos fazer entendedores de todo o obscuro universo sobre a influência do sexismo na manutenção da violência doméstica em face das mulheres. Para tanto, o trabalho discorrerá conceitos, presentes em obras de Roque Laraia, Michel Foucault, Caroline Fockink Ritt, Eduardo Ritt, bem como Cesare Beccaria, comparando os conceitos de tais teóricos entre si e com dados estatísticos contemporâneos.
O trabalho objetivará a discursão das perspectivas históricas que nos encaminharam a turbulência contemporânea, algo que nos conduz para a certeza de que a problemática em comento não é um fato pontualmente surgido na atualidade, mas criado ao delinear dos anos.
Tal prática de violência é justificada em uma lógica de distribuição de papéis de modo hierárquico em que a virilidade masculina, como traçava Robert Muchembled 4 se sobressai e constitui um aparato identitário do homem, que precisa manifestar tal identidade para construir uma relação de estigmatização e inferiorização da mulher no contexto da família. Já traziam Ribeiro5 Bourdie 6 diagnostica esse movimento ao entender que tais práticas de violência participam de uma estrutura de pensamento que está presente no imaginário e que se manifesta em práticas nefastas contra a mulher no seio familiar.
Segundo Roque Laraia7, “A cultura é um processo acumulativo, resultante de toda experiência histórica das gerações anteriores. Este processo limita ou estimula a ação criativa do indivíduo”, Seguindo esse mesmo conceito principiológico é pertinente considerarmos que no campo da violência doméstica a cultura em muito interfere, tendo em vista que a formação das famílias foram historicamente maculadas pela cultura do patriarcalismo e misoginia.
E nesse sentido trazemos a seguinte problemática: Qual a influência do sexismo para a manutenção da cultura de violência doméstica?
Bem como traçava Tedeschi 8: “O patriarcado teve como uma de suas funções na história, a construção e a reprodução de uma memória implacável, imóvel, endurecida controladora do poder epistêmico”. Indubitavelmente, esse sistema social, onde o homem é dado como primário e predominante se consolidou de uma maneira tão contundente que a cultura se voltou para maior valorização e superioridade do homem. Sem sombra de dúvidas, tal contexto histórico ocasionou por muito tempo a posição da mulher como sendo de objeto do homem.
Bem como delineava Caroline Fockink Ritt e Eduardo Ritt9 “A ideia patriarcal, por sua vez, ainda muito cultivada na sociedade, que enfatiza hierarquias de gêneros, caracterizando a mulher como posse do parceiro e, por conseguinte, exposta a situações abusivas e de violência, funciona como um verdadeiro aparato de naturalização da violência doméstica”, fica a explícita evidência, seguindo o raciocínio já supracitado, a ideia de que a mulher mediante a formalização que ordena por categoria de gênero a sua inferioridade na relação e a posição que beira a de um objeto.
Segundo Foucault 10: “No fundo em qualquer sociedade, existem relações de poder múltiplas que atravessam, caracterizam e constituem o corpo social e que estas relações de poder não podem se dissociar, se estabelecer nem funcionar sem uma produção, uma acumulação, uma circulação e um funcionamento do discurso”. Por conseguinte, para Michel Foucault, o poder é algo que se põe a vigiar, a controlar e a selecionar, e que todo sujeito se encontra dentro dessa dualidade, ou sofre ou exerce ações de poder. Infelizmente, a realidade fática da atualidade põe a mulher como sendo justamente a unidade dessa dualidade que representa o sofrimento e o controle.
De maneira pontual a lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha)11 conceitua a violência contra a mulher como:
É qualquer conduta – ação ou omissão – de discriminação, agressão ou coerção, ocasionada pelo simples fato de a vítima ser mulher e que cause dano, morte, constrangimento, limitação, sofrimento físico, sexual, moral, psicológico, social, político ou econômico ou perda patrimonial.
Tendo em mente que no Brasil teve mais de 31 mil denúncias de violência doméstica ou familiar contra as mulheres até julho de 2022, como traz pesquisas do Ministério da mulher, da família e dos direitos humanos12, ficando assim a clara evidência que essa infeliz prática de violência em face da figura feminina, pelo simples fato dela ser mulher, faz-se presente e em constante crescimento. Por certo, ao levarmos em consideração as pontuações de Foucault supracitadas e em comparação aos dados anteriormente mencionados, a mulher encontra-se na posição de submissa, enquanto o homem exerce as ações de poder nas configurações sociais hodiernas.
Como bem ponderou Foucault13 “é sempre uma maneira de agir sobre um ou vários sujeitos ativos e o quanto eles agem ou são suscetíveis de agir. Uma ação sobre ações”, seguindo o mesmo fulcro intelectivo, certamente, o poder pode ser exercido tanto por indivíduos quanto pelas instituições que engendram a massa social em diferentes espaços e situações. Mas, isso nos conduz a certeza de que de maneira alguma o condão direcionador das relações interpessoais na comunidade está sendo conduzido pela mulher, ou possui mediante o patriarcado a oportunidade de condução.
Já arrazoava Saffioti 14 que “As mulheres integram e não integram a ordem civil, uma vez que são incorporadas como mulheres, subordinadas, e não como indivíduos. A submissão das mulheres na sociedade civil assegura o reconhecimento do direito patriarcal dos homens”, o que reitera a ideia de que a mulher está funcionando como mero objeto ou adereço da atuação do homem nessa sociedade movida por relações patriarcais enraizadas desde os primórdios civilizatórios da nação.
Desenvolvimento
Referencial Teórico
A pesquisa procedeu de uma revisão de literatura, realizada no buscador Google Acadêmico, com pesquisas publicadas no ano de 2020 a 2022. A coleta de dados ocorreu entre o dia 15 de outubro e 02 de novembro de 2022, utilizando os seguintes descritores: Sexismo; violência doméstica e patriarcado. Ao classificarmos apuradamente por relevância, 07 foram escolhidos dentre os encontrados. Para a seleção e escolha minuciosa dos artigos foram empregados os seguintes critérios de inclusão: artigos completos e em português, artigos de revisão e com inquirições sistemáticas que visualizássemos a temática do estudo. Foram excluídos os artigos que não responderam ao objetivo do estudo em questão, ou que tratava-o de maneira demasiadamente genérica.
Além dos artigos adquiridos por meio da classificação nas pesquisas, obras de escritores como Roque Laraia, Cesare Beccaria, Michel Foucault, Caroline Fockink Ritt, Eduardo Ritt foram analisadas para os devidos estudos em torno da temática. Tais ponderações, permitiram vislumbrar as incontáveis maneiras de sistematização da violência contra a mulher, o que infelizmente ocasiona a evolução e o infeliz fortalecimento da agressão doméstica.
Definição e explanação sobre violência doméstica
Dentre os diversos tipos de violência que desenrolam-se, o trabalho destaca a Violência no âmbito doméstica que é, segundo definido pelo Mapa da Violência Contra a Mulher15, todo tipo de agressão praticada entre os membros que habitam um ambiente familiar em comum. Em verdade, pode ocorrer entre pessoas com laços consanguíneos, ou unidas por laços civis. As imagens mais associadas à violência doméstica e familiar em face das mulheres é a de um homem, namorado, marido ou aquele que antes se relacionava com a vítima, que agride a parceira ou a ex-parceira, motivado por um sentimento de posse acerca da vida, desejos e favoritismo daquela mulher. Nesse sentido, não fica indagações no que tange a afirmação de que em todas violência doméstica consequências se tornam marcas.
Faz-se necessário o comento a despeito de um exemplo de violência corriqueira, agressão essa pouco comentada mas muito típica e sofrida pelas mulheres no contexto do casamento, é a psicológica. Como bem asseveraram Araújo e Sousa, no artigo Agressão contra a mulher no seio familiar, parafraseado outros escritórios para bem expressar sua linha de pensamento:
Outro ponto a se destacar sobre a violência doméstica, é a violência psicológica (Pimentel)16 sofrida pela mulher, dentro da relação conjugal, onde muitas vezes essa mulher é silenciada pois não quer se expor e nem expor o agressor para a sociedade, por diversos fatores, políticos, econômicos e religiosos. Pois como Sabino17 traz para o debate a violência física, esta não está desatrelada da violência psicológica e da violência simbólica que invariavelmente, relacionam-se de forma dialética com a violência física.
Bourdieu 18, igualmente pensava.
A observância jurídica em face dessas de constantes agressões de diversas tipologias e conduções demorou absurdamente. Somente após um caso marcante e chocante que os olhos da justiça se direcionaram para essa angustiante realidade, o qual foi narrado por Araújo e Souza da seguinte maneira:
Caso emblemático de violência doméstica, foi da senhora Maria da Penha Maia Fernandes que sofreu duas tentativas de assassinato pelo seu cônjuge. O que levou a judicialização do governo brasileiro e em 07 de agosto de 2006 é sancionada pelo presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva a Lei de Enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar Contra Mulher (LEI nº 11.340). Este caso emblemático representa, a verdade dos números expostos por Sabino19.
Essas agressões podem ser de natureza física, psicológica, sexual, patrimonial e moral, bem como nos traz de maneire clara e esmiuçada o Art. 7º da Lei Maria da Penha, n° 11.340/2006 20:
Art. 7º São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras:
I – a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal;
II – a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;
III – a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos; ação parlamentar 15 Procuradoria Especial da Mulher.
IV – a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades; V – a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.
Contexto histórico e realidade contemporânea
Em verdade, a violência contra a mulher se materializa com mais frequência no âmbito domiciliar, sendo os agentes ativos da agressão presumidos, como bem deixa claro o IBGE (2021)21: “Companheiros, ex-companheiros ou parentes são os principais agressores das mulheres que sofreram violência física (52,4%), psicológica (32,0%) e violência sexual (53,3%). O domicílio é o principal local da agressão das mulheres”.
Já asseverava Sousa 22 o seguinte:
A violência contra mulher é tão antiga quanto à própria civilização, e atinge, praticamente a todas em todo o mundo. Nas sociedades mais conservadoras as meninas são condicionadas, desde a infância, a cumprirem as funções, “tradicionais do gênero”, referentes ao casamento e á maternidade, sendo orientadas a preservar a “intimidade” para o cônjuge, dedicar-se aos cuidados domésticos e aos filhos, enquanto o marido sai para trabalhar e prover o sustento familiar. Neste contexto tradicional, a dependência econômica ao parceiro faz com que as esposas fiquem vulneráveis, sendo submetidas à obediência ao esposo e, muitas vezes, sujeitas às agressões físicas, sexuais e psicológicas. As mulheres ficam sem direito próprio a estudar e trabalhar, sendo completamente dependente de alguém do sexo masculino, enquanto os homens são instigados a aproveitar qualquer oportunidade de terem relação sexual.
Já nos primórdios, quando ao homem cabia a caça e a mulher a colheita, a separação de tarefas deveria ser enxergada como a garantia da complementaridade entre os sexos opostos, contudo, era visto com a sua negação e fragilização da mulher. O patriarcado surge como fato determinante da submissão feminina. É dai que surge a ideia de que não a governança entre homens e mulheres. As mulheres passam a ter sua sexualidade rigidamente controlada pelos homens e o casamento monogâmico traz a obrigação da mulher sair virgem das mãos do pai para o marido. Vigora a lei do mais forte23.
Evidentemente, a mulher foi induzida a compor a parte mais frágil das relações intersociais, como também, impedida de se fortalecer ou conduzir-se ao dinamismo e eficiência na estruturação da comunidade desde os tempos mais remotos. Obviamente, sendo vista como submissa, dispendiosa e inteiramente dependente dos homens.
Por certo, o fato da mulher sofre maior violência no lar se dar pelo fato de ser ela quem possui maior concentração dos seus esforços nesse ambiente, o que possivelmente acarretou uma infeliz disparidade social entre o homem e a mulher, ocasionado uma abrupta diferença salarial e escolar. Bem como deixa a clara evidência Hofstetter 24:
Dois dos papéis atribuídos tradicionalmente a mulheres são o de tarefas domésticas, como lavar louças, e o de cuidado de crianças. Aos homens, por sua vez, podem ser exemplificados papéis direcionados a funções de reparos de objetos, mas também ao mercado de trabalho, principalmente a cargos administrativos
Segue Ruiz 25 dizendo o que segue: “Não à toa, os salários ainda se mantêm desiguais entre os gêneros em muitos países, bem como a escolaridade”
Sem sombra de dúvidas a linha de pensamento em comento é reiterado pelos dados expostos por Alvarenga 26:
As mulheres ganham cerca de 20% menos do que os homens no Brasil e a diferença salarial entre os gêneros segue neste patamar elevado mesmo quando se compara trabalhadores do mesmo perfil de escolaridade e idade e na mesma categoria de ocupação. É o que mostra levantamento da consultoria IDados, com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio do IBGE.
O progresso promissor na legislação brasileira, a involução da realidade fática e a criação do JECRIM
Decerto, a Constituição Federal de 1988 foi um grandioso marco para a firmação dos direitos da mulher, da sua dignidade, como também da efetivação da sua cidadania. A Carca Magna nos conduz para o fortalecimento e estabelecimento da ideia de plena igualdade de direitos, sem num um tipo de preconceito, inclusiva quanto ao sexo. Ressalvando ainda a igualdade em direitos e obrigações entre homens e mulheres, como bem é preceituado no texto normativo do Art. 5º da referida Constituição27:
Art. 5o Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (EC no 45/2004)
I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição.
Contudo, a realidade vislumbrada atualmente não se assemelha com o texto normativo supracitado. Já dizia Beccaria 28:
As vantagens da sociedade devem ser igualmente repartidas entre todos os seus membros. No entanto, entre os homens reunidos, nota-se a tendência contínua de acumular no menor número os privilégios, o poder e a felicidade, para só deixar à maioria miséria e franqueza.
Certamente, Beccaria buscou esclarecer a rispidez e prepotência natural do ser humano. Decerto, a verdade palpável é que os traços que determinaram o decurso histórico da nossa realidade posicionou a mulher, em sua maioria, como sendo componente da parte social que foi reduzida aos extremos, ou seja, à mercê da penúria e esgotamento.
Sem sombra de dúvidas estamos em uma contínua evolução no que tange ao reconhecimento e conquistas de espaços pela mulher. Mas, infelizmente por vez o ódio e o menosprezo que a sociedade patriarcal cultivou em face das mulher, pelo fato delas serem mulheres, torna esse processo gradativo, difícil e doloroso, bem como traça Roudinesco29:
As famílias e os papéis sociais imputados a homens e mulheres no início do século XXI, são papéis onde de um lado acontece um desenvolvimento por parte das mulheres e por outro uma resposta muitas vezes violenta por parte dos homens por não compreender as novas dinâmicas inerentes a conquistas políticas, educacionais e sexuais das mulheres neste tempo.
De fato nos últimos anos houve um significativo avanço nos textos normativos no que tange a necessária valorização, zelo e proteção da mulher e da sua dignidade como cidadã. Entretanto, o cenário hodierno não se amolda ao que se é explanado nos regulamentos legais. Tratando de maneira plausível sobre o apurado Barin e Bourdieu30, que delineia o que segue:
No Brasil o retrospecto mostra que de forma lenta os direitos das mulheres foram assegurados. Antes da República, marido que comprovasse o adultério cometido pela esposa tinha permissão para matar ela e seu amante, no que era chamado crime passional, como retrata Barin o código criminal de 1830 atenuava o homicídio praticado pelo marido quando houvesse adultério. Em contrapartida, se o marido mantivesse relação constante com outra mulher, esta situação caracterizava-se como concubinato e não adultério. Vale ressaltar que esta ideia se faz presente até a publicação do código civil de 1916 que passou a reconhecer o adultério de ambas as partes, contudo tal publicação não diminuiu a prática de matar mulheres acusadas de adultério, corroborando o que foi posto acima quando discutiu-se o conceito de violência simbólica e estruturas de pensamento em Bourdieu.
Felizmente, essa massacrante e triste realidade se encontra em mudanças positivas. Diversas são as lutas relacionadas ao empoderamento feminino, independência e vislumbre nos mais diversos contextos social. Como bem pontua Machado31 no que tange os movimentos em questão:
Ao demonstrar as três gerações do movimento feminista, reforça a ideia do gênero como construção necessária para o entendimento dos papéis sociais de mulheres que não querem mais estar a sombra mais sim participarem como protagonistas nos mais diversos cenários, acadêmico, político, social, familiar.
Entretanto, a evolução anteriormente comentada não anulou o fato de ainda nos encontrarmos bem longe de uma realidade sem violência em face da mulher simplesmente pelo fato do seu gênero e, lamentavelmente, a situação se conduz de maneira a piorar. Essa perspectiva fática se perfaz esmiuçada por Araújo e Souza no que segue:
A muito o que se caminhar pois conforme atesta Sabino32, o feminicídio ainda é, infelizmente, uma marca durável no Brasil e os casos de feminicídio cada vez mais tomam proporções alarmantes. Sabino33 revela que entre 1997 e 2007, 41.532 mulheres foram assassinadas no país, o que resultou numa média de 10 brasileiras mortas por dia, e os números só aumentam nos anos posteriores, como por exemplo entre março de 2016 e março de 2017, onde se constatou 8 casos de feminicídio por dia, muitos destes casos ocorridos dentro das casas destas mulheres. Sardenberg, Tavares e Gomes34 demonstram também a violência contra a mulher, exposta nas relações conflituosas dentro da casa.
Em continuidade a essa deplorável situação, tentativas de melhora já foram tomadas, a exemplo temos a criação do Juizado Especial Criminal (JECRIM), entretanto mediante os dados supracitados não se é visível uma efetiva melhora, o que nos conduz a certeza de ter havido mais uma tentativa falha de resolução por inteiro desses reiterados fatos.
Para tentar minimizar os casos de feminicídio foram instauradas as JECRIM, porém segundo Sardenberg, Tavares e Gomes35 e Sabino36 sem efeito, visto serem estas instituições meras reprodutoras de um modelo de juizado, que não compreende a especificidade do problema. Portanto com os JECRIM, pouca coisa muda, e a violência contra a mulher, persiste, principalmente no seio familiar.
Mas ainda assim, deve ser mencionado a importância da criação desse órgão, principalmente dos Juizados Especializados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (criado pelo TJDFT – Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, por meio da resolução 5 de 20/09/2006) que abrangem não só a violência praticada contra a mulher, mas também divórcio, pensão e guarda dos filhos, bem como preconiza a Lei 9.099 de 1.995, juntamente com a Lei 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), por certo existe um auxílio no combate a violência específica além de um explícito desafogamento do judiciário, ainda que em passos lentos.
Conclusão
O trabalho teve como intuito pôr em discursão como o sexismo influência na cultura da violência. Buscamos nos estender para uma abrangente análise e comparação dos primórdios civilizatórios com a fática hodiernidade. Inquestionavelmente, pudemos concluir a partir de todos os dados coletados, que as violências, negligências e desdenho em face da mulher em sua maioria é partida do seu próprio companheiro, marido, namorado ou ex-companheiro.
Sem sombra de dúvidas, discorrer sobre a violência que todos os dias milhares de mulheres sofrem nos seus próprios lares é um grande desafio e um enorme choque, ainda mais quando temos em mente que estamos vivenciando um período ainda muito marcado pelo patriarcalismo, sexismo e misoginia. Certamente vários são os agressores que permeia as ruas do nosso pais, e infelizmente, alta é a possibilidade de novos agressores surgirem por conta justamente dessa explicita cultura de agressão que se configura como estando encarnada na sociedade e nas relações interpessoais.
Faz-se de extrema importância e necessidade um olhar de cuidado e de proteção à mulher que foi vítima dos atos ora em análise, pois ficou a clara evidência o quão fragilizada ela se encontra, fragilidade essa intensificada inclusive por atos, comissivos ou omissivos, da própria sociedade que ela faz parte. Entretanto, um olhar de cautela deve ser direcionado ao agressor, no sentido dele ser punido, bem como reeducado para assim ser reinserido de maneira a não mais praticar o ato de violência contra a mulher. Caso assim não ocorra, sempre existirá o giro nesse ciclo vicioso, havendo homens com essa índole e esse educando outros homens de maneira a se portar igualmente. Como bem explanou Saffioti37:
afirmou que não é possível enfrentar matricialmente o problema da violência contra mulheres lidando exclusivamente com a vítima. Compreendendo que esse fenômeno é resultado de uma construção social e histórica das masculinidades, defendo que olhar para os homens que cometem a violência - e, portanto, são originalmente responsáveis pela sua prática - é crucial para que seja possível a construção de novos modelos de masculinidades e, consequentemente, haja o efetivo enfrentamento desse tipo de violência. Para que os homens se constituam como sujeitos de outras maneiras, que não por meio da violência, colocá-los como cerne dessa discussão, por meio dos atendimentos psicossociais disponibilizados a eles, pode potencializar a esfera da responsabilização e mudança dessa realidade social, lidando com a raiz do problema: as masculinidades hegemônicas vigentes.
O cenário que se vislumbra é que a violência se mostra como a expressão mais evidente da dominação masculina, como uma afirmação da virilidade e da superioridade do homem diante da mulher. A justificativa natural (mas não legitima) é o uso da violência como reação ao medo ou impotência do homem diante do crescimento e da valoração da mulher, tanto no mercado de trabalho como no meio social, ocupando espaços de destaque. Nesse ponto, as politicas afirmativas se revelam como um instrumento necessário a reduzir a escalada da violência.
Por fim, o presente artigo abordou as problemáticas que envolvem o mundo da violência doméstica contra mulheres, em seus mais diversos tipos, pelo simples fato de serem mulheres. Foi possível visualizar o agressor presumido, motivo pelo qual se abordou nessa conclusão a importância de um tratamento psicossocial para os homens, tendo em vista que é preciso não procurar “porquês” na vítima, mas sim entender os motivos que levam o autor a cometer esse delito e buscar através de uma retratação educacional do caráter do agressor um avanço no panorama vivencial.
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