O dever de informação ao paciente possui origem nos primórdios da medicina, mas sua grande evolução ocorreu recentemente, quando a medicina passou a dialogar com o direito, sobretudo devido à judicialização da medicina. Por este motivo, a institucionalização do dever de informação em um documento (o termo de consentimento informado, livre e esclarecido) não partiu da medicina, e sim, do direito.
Contudo, a complicada relação entre a medicina e o direito confundiu os médicos, e muitos atualmente não têm cumprido adequadamente com o dever de informação, transformando o que deveria ser uma completa experiência informacional, em um mero documento jurídico.
Nunca é demais lembrar que o maior motivador de ações contra médicos não são os erros profissionais, mas sim, a frustração da expectativa dos pacientes. E na atualidade, com as expectativas dos pacientes cada vez mais distantes da realidade, além do grande desgaste na relação médico-paciente, os conflitos têm ocorrido com cada vez mais frequência, gerando consequências para ambos os lados.
Neste sentido, cabe questionar: será que somente o TCLE cumpre com a obrigação de informar o paciente, em sua integralidade? Na mesma linha, será que o documento protege o médico em caso de eventuais queixas e processos? A resposta é negativa, para ambos. Pois assim como o principal motivador dos processos não é o fator que se imagina (os erros, como acima exposto), o principal motivador das condenações em processos também não é o chamado erro médico, mas sim, a negligência informacional.
Isto ocorre porque em inúmeros casos em que não há responsabilidade do profissional (ou sequer um mal resultado), mas somente consequências normais do procedimento ou tratamento proposto, a falta de informação tem sido suficiente para responsabilizar o médico, exatamente por não ter informado adequadamente o paciente acerca dos riscos, lhe tirando a oportunidade de decidir conscientemente. Sob este prisma, a mera existência de uma cicatriz em um procedimento cirúrgico incisivo (ou seja, algo óbvio) pode ser suficiente para condenar o profissional.
Obviamente, ocorrem casos em que o profissional de fato passa ao paciente todas as informações necessárias e cabíveis, mas não formaliza o ato. Neste caso, a falta de formalização do termo pode o condenar, por não lhe ser possível provar o cumprimento do dever.
Portanto, a necessidade é de que o médico promova uma verdadeira imersão informacional, sendo passadas adequadamente todas as informações cabíveis ao paciente. E não menos importante, é essencial que o médico utilize adequadamente a documentação médica, a fim de formalizar o cumprimento da obrigação.
Por este motivo, definimos o “consentimento informado livre e esclarecido” como todo um comportamento (e não um mero ato) onde o paciente autoriza de forma voluntária e esclarecida, a intervenção do médico. Neste processo, são informados ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e os objetivos do tratamento. Caso tudo isso não ocorra há um claro vício na liberdade de decisão, e consequentemente, no consentimento.
A própria terminologia utilizada, já nos traz todo o necessário: consentimento (estar de acordo) informado (acesso a informação ampla e clara) livre (liberdade de escolha e decisão) e esclarecido (pleno entendimento, decisão consciente).
Temos basicamente 3 fases bem definidas no processo de consentimento: a criação do contexto, o efetivo esclarecimento informacional, e por fim, a obtenção do consentimento. E o processo está situado em 3 momentos: antes, durante e depois do tratamento. Obviamente, para perfeito cumprimento do dever de informação, cabe a observância de uma série de outros detalhes, como o momento em que a informação é repassada (por exemplo, nunca antes de uma cirurgia, quando o paciente está sob forte emoção). Há ainda casos onde as informações são repassadas por outra pessoa (a secretária do médico), desconstruindo totalmente o processo informacional.
Podemos citar também os casos onde as informações são contraditórias ou equivocadas, o que é comum quando o médico utiliza suas redes sociais de maneira errada, oferecendo “resultados perfeitos, imediatos e indolores” que não condizem com a realidade. Nestes casos, o marketing médico mal conduzido desconstrói totalmente o processo de informação ao paciente, prejudicando a ambas as partes.
Cumpre salientar que o art. 22 do código de ética médica prevê que “é vedado deixar de obter consentimento do paciente ou seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte.” Além de infração ética, a justiça considera a falha no consentimento um ato de negligência, gerando graves consequências ao profissional.
Portanto, o consentimento não é um mero documento, mas sim uma verdadeira imersão informacional. O termo é importante, mas somente formaliza o processo. Não se trata de um mero protocolo, mas de um dever inarredável do médico, e seu principal instrumento para evitar condenações em demandas éticas e judiciais.
Vale lembrar que a linguagem empregada no termo deve ser clara e acessível. Sem o famoso “juridiquês”, e sem o excesso de informação (que gera desinformação). Os termos não devem ser genéricos, mas sim específicos para cada tipo de tratamento, e cada tipo de paciente (obesa, diabética, atleta, grávida, etc.).
A atuação do médico depende sempre da anuência do paciente. E não ter o consentimento torna quase tudo questionável. Sem consentimento, mesmo as evoluções indesejadas mais comuns podem recair sobre a responsabilidade do médico.