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Justiça e o direito fundamental ao meio ambiente

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Conclusões

A proteção da dignidade da pessoa humana implica na vinculação do Estado, no sentido de que a todos os indivíduos seja assegurado um mínimo existencial material, no caso, ecológico. Isso se traduz em condições materiais elementares, afinal é uma premissa do próprio exercício dos demais direitos, resultando, por ser fundamental para a existência humana, em uma espécie de direito a exercer os demais direitos. Um sujeito que não possui acesso a certas condições existenciais ecológicas mínimas não possui liberdade real e, muito menos, uma vida digna. Desse modo o reconhecimento da garantia do mínimo existencial socioambiental representa uma condição de possibilidade para o próprio exercício dos demais direitos fundamentais, sejam eles direitos de liberdade, sejam direitos sociais ou mesmo de solidariedade. Em outras palavras, é necessária a conjugação dos direitos sociais e dos direitos ambientais para se identificar os patamares necessários de tutela da dignidade humana, no sentido do reconhecimento de um direito-garantia do mínimo existencial socioambiental, pois esse direito sustenta o desenvolvimento de todo o potencial da vida humana, inclusive protegendo a sobrevivência da espécie humana frente a ação predatória por ela provocada.

Contudo, como foi observado o conceito de mínimo existencial não pode ser confundido com um direito de mera sobrevivência, ou seja, como uma dimensão minimamente fisiológica, mas deve ser concebido de forma mais ampla, visto que seu fim é a proteção da vida em condições dignas. Diante disso, o conteúdo do mínimo existencial não deve ser conceituado de forma semelhante ao mínimo vital. O conteúdo normativo do direito ao mínimo existencial, portanto, deve ser construído com base em circunstâncias históricas e culturais concretas da comunidade estatal, tendo em vista uma perspectiva evolutiva e cumulativa dos direitos individuais e coletivos. Desse modo, as novas necessidades existenciais que surgem na dialética das relações sociais são incorporadas ao conteúdo do mínimo existencial, uma vez que se objetiva tutelar a dignidade da pessoa humana, sendo indispensável para tal segurança e qualidade ambiental.

Ao que foi exposto se agrega a percepção que existe na sociedade contemporânea uma grave injustiça na distribuição e no acesso aos recursos naturais, de modo que os indivíduos marginalizados acabam por não apenas os seus direitos ecológicos ameaçados, mas também comprometida a sua expectativa de uma vida digna. Portanto, neste trabalho se percebe a ligação entre o estudo de um mínimo existencial ecológico e a justiça ambiental. A justiça ambiental deve reforçar a relação entre direitos e deveres ambientais, objetivando uma redistribuição dos bens naturais que seja capaz de assegurar um mínimo de equidade entre os indivíduos.

O direito fundamental ao ambiente apresenta, como apontam Sarlet e Fensterseifer (2014a, p. 147-148), além de um conteúdo e uma dimensão democrática, um forte componente distributivo, de vez que a consagração do ambiente como um bem comum de todos, tal como reconhecido na Constituição Federal, harmoniza com a noção de um acesso universal e igualitário ao desfrute de uma qualidade de vida compatível com o pleno desenvolvimento da personalidade de cada pessoa humana, considerando, ainda, que tal concepção abrange os interesses das futuras gerações. Portanto, o reconhecimento do meio ao ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental opera no sentido de agregar novos elementos normativos ao conteúdo do direito a um mínimo existencial, abrindo caminho para a noção de uma dimensão ecológica do mesmo. Esta concepção é coerente, aliás, com o projeto político-jurídico do Estado Socioambiental.

Rawls, em sua proposta liberal, idealiza uma comunidade de cidadãos livres e iguais, capazes de exercer tais direitos de forma plena e, ao mesmo tempo, respeitar a dignidade dos demais membros da sociedade e atuar politicamente na construção de um mundo mais justo. Entretanto, essa ideia não se adequa com uma realidade em que determinados indivíduos não possuem o mínimo para uma vida digna. Os princípios de justiça, portanto, devem ser antecedidos por um princípio que determine a preservação de um mínimo existencial a cada indivíduo. Conforme identificação, este mínimo não corresponde ao mínimo vital, mas ao mínimo necessário para o desenvolvimento integral do ser humano com uma vida digna. A justiça como equidade de Rawls fornece grande atenção a esse tema, pois, além de significar a preservação da dignidade, também fortalece a integração da sociedade e a manutenção de suas instituições, evitando a dominação de um grupo social sobre outro. Do mesmo modo, em Rawls, verifica-se a grande importância conferida ao Estado, pois ao mesmo se atribui uma atuação com o intuito de impedir desigualdades excessivas.

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Este trabalho, portanto, se inseriu dentro da discussão teórica em compreender, em termos normativos, a relação entre o mínimo existencial ecológico, a dimensão ecológica da dignidade da pessoa humana e a justiça em John Rawls. Reconhece-se que uma concepção ampla da dignidade da pessoa humana somada com a proteção de direitos fundamentais socioambientais (no sentido de garantir um mínimo existencial socioambiental) tem importância fundamental para assegurar a vida humana livre e digna, visto que somente dentro de um meio no qual exista segurança ambiental pode se desenvolver a vida humana em toda a sua potencialidade. Além disso, só é possível realizar este projeto (o que representa a realização da justiça ambiental) dentro de um modelo institucional favorável, qual seja, o Estado Socioambiental (Democrático e de Direito).

Estudou-se que o modelo teórico de Rawls tem o mérito de permitir a aplicação da concepção da justiça a questões diversas, ainda que o autor mesmo não tenha realizado isso a contento, como é o caso neste trabalho da questão ambiental. Para acessar outros bens primários, que os sujeitos tanto desejam possuir, é necessário que os naturais, saúde, vigor e alegria, estejam assegurados. Além disso, o simples direito de um indivíduo a querer participar da esfera política pressupõe o acesso a esses bens naturais. Deste modo, Rawls supõe a existência de certa escassez em qualquer sociedade, para o autor sempre haverá uma parcela da sociedade que viverá em condições de escassez, podendo essa ser de recursos naturais ou de outros bens igualmente não disponíveis em abundância. Portanto, não é possível falar de justiça sem levar em conta as condições de escassez específicas em cada sociedade, e a obrigação das instituições em assegurar permanentemente a distribuição equitativa da liberdade para se ter acesso ao bem escasso. A natureza, dentro da teoria de Rawls, pode ser considerada um “bem social ambiental natural” que deve ser preservada por si mesma, e, para todos, indistintamente, em razão de seu próprio valor, ainda que o reconhecimento deste dependa da razão. Sendo assim, as leis devem ser aplicadas, a fim de garantir os bens naturais ambientais a todos os interessados.

Por fim, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e sadio se agregou no rol de direitos fundamentais, pois se reconheceu sua importância para a vida de todos os sujeitos. Uma crítica é que a concepção fundamentada na posição rawlsiana seria demasiada antropocêntrica, porém como visto isto não elimina a tutela do meio ambiente, ao contrário, o meio ambiente é objeto de proteção e tutela jurídica justamente em virtude de que é condição da própria existência e da efetivação dos demais direitos humanos. O meio ambiente ecologicamente equilibrado é pressuposto para a realização dos direitos humanos, não sendo denegrido pelo foco teórico ser no homem racional, mas recebe proteção justamente porque a vida de toda a sociedade, presente e futura, estar intimamente ligadas ao meio ambiente.


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Notas

1 “De qualquer modo não é difícil perceber que, com algum esforço argumentativo, tudo que consta no texto constitucional pode – ao menos de forma indireta – ser reconduzido ao valor da dignidade da pessoa humana. Em realidade, a grande maioria dos direitos e garantias fundamentais, ainda que de modo e intensidade variáveis, têm a sua fonte ética na dignidade da pessoa [...]”. (Almeida, 2009, p. 68)

2 Dentre outras justificativas que se poderia invocar, também para efeitos do reconhecimento de uma garantia constitucional do mínimo existencial socioambiental, assume relevância a noção do dever de respeito e consideração, por parte da sociedade e do Estado, pela vida de cada indivíduo, que, de acordo com o imperativo categórico formulado por Kant deve ser sempre tomada como um fim em si mesmo, em sintonia com a dignidade (e sua dimensão ecológica) inerente atribuída e reconhecida a cada ser humana (Sarlet; Fensterseifer, 2014a, p. 133).

3 A ideia principal é que o bem de uma pessoa é definido por aquilo que para ela representa o plano de vida mais racional a longo prazo, dadas circunstâncias razoavelmente favoráveis. Uma pessoa é feliz quando ela é mais ou menos bem-sucedida na realização desse plano. De forma breve, o bem é a satisfação do desejo racional (Rawls, 2008, p. 111).

4 Uma vez definida a taxa justa de poupança, ou especificada a variação apropriada das taxas, temos um critério para ajustar o nível do mínimo social. A soma de transferências e benefícios propiciados por bens públicos essenciais deve ser organizada de modo a elevar as expectativas dos menos favorecidos, de forma compatível com a poupança exigida e com a preservação das liberdades iguais. Quando a estrutura básica se apresenta nesse formato, a distribuição resultante será justa (ou, pelo menos, não será injusta), seja qual for. Cada qual recebe a renda total (salários mais transferências) a que tem direito dentro do sistema público de normas no qual se fundamentam suas expectativas legítimas (Rawls, 2008, p. 377).

Sobre os autores
César Augusto Cichelero

Professor e Coordenador do curso de Direito da Faculdade de Integração do Ensino Superior do Cone Sul (FISUL). Doutorando em Ciências Criminais na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), com bolsa CAPES. Mestre em Direito pela Universidade de Caxias do Sul (UCS) (2018), com bolsa CAPES e integrando o grupo de pesquisa Metamorfose Jurídica. Bacharel em Direito pela Universidade de Caxias do Sul (UCS) (2016), com bolsa PIBIC/CNPq e integrando o Núcleo de Estudos e Pesquisas em Políticas Públicas Sociais (NEPPPS). Advogado e colunista.

Cleide Calgaro

Doutora em Ciências Sociais na Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS. Pós-Doutora em Filosofia e em Direito ambos pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS. Doutoranda em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUCRS. Mestra em Direito e em Filosofia pela Universidade de Caxias do Sul – UCS. Atualmente é Professora e pesquisadora no Programa de Pós-Graduação – Mestrado e Doutorado - e na Graduação em Direito da Universidade de Caxias do Sul. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa"Metamorfose Jurídica”.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CICHELERO, César Augusto; NODARI, Paulo Cesar et al. Justiça e o direito fundamental ao meio ambiente. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7181, 28 fev. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/102522. Acesso em: 22 dez. 2024.

Mais informações

Artigo originalmente publicado na revista OPINION JURIDICA, v. 17, p. 171-189, 2019.

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