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Como alterar nosso contrato de união estável para incluir novas cláusulas e mudar o regime de bens?

Agenda 23/02/2023 às 09:42

Ainda na época em que trabalhava em Cartório, tive a oportunidade de receber um casal (portando ESCRITURA DE UNIÃO ESTÁVEL) com um interessante questionamento: eles gostariam de ALTERAR as cláusulas do seu Contrato de União Estável (lavrado em Cartório) para dentre outras coisas, modificar o regime de bens e adicionar novos ajustes. Uma questão interessante e pertinente já que como sabemos, desde o CCB/2002 é possível a alteração do regime de bens do Casamento, como estatui o par.2º do art. 1.639 do CCB (sem qualquer alusão à união estável):

"Art. 1.639. É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver.

§ 1º. O regime de bens entre os cônjuges começa a vigorar desde a data do casamento.

§ 2º. É admissível alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros".

Feliz ou infelizmente (e não vou dar minha opinião pessoal sobre isso - acho que nem devo), a cada dia que passa, o tratamento igualitário à União Estável e ao Casamento se torna cada vez mais sedimentado, inclusive no que diz respeito às normas restritivas (como acontece com a questão da União Estável e do casamento dos septuagenários - vide Súmula 655 do STJ, aprovada em 09/11/2022, da qual comentaremos posteriormente) o que achamos muito curioso se analisado à luz da hermenêutica jurídica...

Me recordo que na ocasião minha orientação ao casal, por cautela, fora de tentarmos "provocar" o judiciário via procedimento de Dúvida Notarial para que um precedente judicial formado e chancelado pelo Conselho da Magistratura (vide regras das normas extrajudiciais e da Organização Judiciária do Rio de Janeiro) autorizasse a realização do ato. Importante anotar que a pretensão do casal não veio assistida por Advogado (já que para lavrar uma Escritura de União Estável você não precisa da presença de Advogado e tampouco para alterá-la, embora precise para a Dissolução da União Estável, como determinou o CPC/2015 - regra do arts. 732 e 733).

O resultado não foi nada favorável como se vê abaixo e o E. CM/TJRJ em sede de reexame necessário, mantendo a sentença do Juízo de origem determinou que as partes se socorressem da via judicial para que seu pleito de alteração de cláusulas na União Estável pudesse ser apreciado e, sendo o caso, autorizado:

"TJRJ. 0045537-46.2016.8.19.0004. J. em: 21/06/2018. Reexame Necessário. Consulta formulada pelo Tabelião do 1º Ofício de Notas de São Gonçalo/RJ. Requerimento para lavratura de Escritura de Alteração de Regime de Bens, com a finalidade de alterar o regime de comunhão parcial de bens pactuado na Escritura Declaratória de União Estável, passando a vigorar o regime da separação absoluta de bens. Sentença orientou os requerentes a apresentar o pleito na esfera judicial. Inexistência de recurso. Encaminhamento dos autos a este Conselho da Magistratura por imposição do art. 48, § 2º da LODJ. Parecer da Procuradoria opinando pela confirmação da sentença. Interesse de terceiros que devem ser preservados. NECESSIDADE DE SE PERCORRER A VIA JUDICIAL. Aplicação do art. 1639, § 2º, do CC/02 e do art. 734 do Novo Código de Processo Civil à União Estável. Segurança jurídica que se visa preservar. Sentença de que se mantém, em reexame necessário".

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Mais uma vez o tempo passou e com ele - louvemos - as modificações foram positivas de sorte que hoje temos, pelo menos aqui no Rio de Janeiro, novas regras extrajudiciais oriundas do NCN (Provimento CGJ/RJ 87/2022) que passaram a permitir a alteração INDEPENDENTEMENTE DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL direto no Cartório de Notas, senão vejamos:

"Art. 393. As partes podem alterar o regime de bens por meio de escritura pública, independentemente de autorização judicial, devendo constar do ato declaração de que a mudança não prejudica interesse de terceiros e que poderão registrá-lo junto aos serviços competentes para efeitos de eficácia e publicidade.

Parágrafo único. É vedado conferir efeitos retroativos à alteração de regime, exceto em se tratando de comunhão total de bens".

Entendo que aqui, mesmo não tendo expressamente exigido o NCN a assistência de Advogado deve ser SERIAMENTE RECOMENDADA pelo Tabelião. O procedimento ainda que possa ser realizado sem autorização judicial envolve questão patrimonial que, sem dúvidas, pode vir a ser fonte de inesgotáveis litígios posteriormente entre o casal - o que também me parece claro pode respingar na responsabilização do Tabelionato. De toda forma, é bom que fique claro que para o procedimento não há exigência da presença de Advogado, pelo menos se resolvido no âmbito extrajudicial. Ademais, ainda que não expressamente informado no dispositivo da CN, entendo que as alterações podem abarcar também outros pontos do Contrato de União Estável e não só o regime de bens, especialmente nesse momento em que o Novo Código Extrajudicial passa a admitir expressamente outros ajustes como a alteração de sobrenome, renúncia a direito concorrencial, retroatividade de regime de bens etc.

Portanto, hoje em dia, com base nas citadas regras bastará o pedido direcionado ao Tabelião de notas que lavrará a Escritura nos moldes pretendidos, sendo certo que a depender das modificações, averbações se farão necessárias para concretização dos efeitos desejados. Mais uma vez se mostrará valiosa a assessoria de um Advogado Especialista para orientar e buscar os efeitos decorrentes das alterações.

Por fim, necessário destacar que a alteração extrajudicial de regime de bens aqui tratada aplica-se apenas à UNIÃO ESTÁVEL e nela, diferentemente do que regula o CCB/2002 para o casamento, não há necessidade de MOTIVAÇÃO e procedência das RAZÕES invocadas - o que ainda deve ser exigido na via judicial para o Casamento mas com toda ponderação e bom senso, como sinaliza com reconhecido acerto o Egrégio TJDF:

"TJDF. 0005686-86.2014.8.07.0009. J. em: 19/11/2014. APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE ALTERAÇÃO DE REGIME DE BENS. PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA. REJEIÇÃO. REQUISITOS DO PEDIDO. MOTIVAÇÃO. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DAS RAZÕES INVOCADAS. (...). 3. Segundo a inteligência do art. 1639, § 2º, do Código Civil, para que o regime de bens estabelecido entre os cônjuges possa ser modificado é necessário o preenchimento dos seguintes requisitos legais: i) autorização judicial; ii) pedido formulado por ambos os cônjuges; iii) motivação do pedido; iv) demonstração de procedência das razões invocadas; e v) resguardo dos direitos dos próprios cônjuges e de terceiros. 4. Embora o art. 1639, § 2º, do CC exija que os cônjuges apresentem motivação relevante para justificar o pleito de mudança do regime de bens, tal exigência não deve ser vista com rigor excessivo por parte do julgador, sob pena de restar configurada interferência demasiada e indesejada no âmbito familiar. Deve, assim, o julgador prestigiar a autonomia privada e autorizar a mudança de regime, sem indagações desnecessárias quanto à pretensão dos requerentes. 5. Tendo os cônjuges indicado as razões pessoais pelas quais requerem a alteração do seu regime de bens, mostra-se incabível o decreto judicial de improcedência do pedido inicial, sob a alegação de ausência de indicação da motivação do pedido, devendo a sentença proferida ser CASSADA. (...). 7. Apelação conhecida e parcialmente provida. Sentença cassada".

Sobre o autor
Julio Martins

Advogado (OAB/RJ 197.250) com extensa experiência em Direito Notarial, Registral, Imobiliário, Sucessório e Família. Atualmente é Presidente da COMISSÃO DE PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS da 8ª Subseção da OAB/RJ - OAB São Gonçalo/RJ. É ex-Escrevente e ex-Substituto em Serventias Extrajudiciais no Rio de Janeiro, com mais de 21 anos de experiência profissional (1998-2019) e atualmente Advogado atuante tanto no âmbito Judicial quanto no Extrajudicial especialmente em questões solucionadas na esfera extrajudicial (Divórcio e Partilha, União Estável, Escrituras, Inventário, Usucapião etc), assim como em causas Previdenciárias.

Informações sobre o texto

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