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Do emblemático recente julgado do E. Tribunal de São Paulo - relativização dos efeitos do contrato de alienação fiduciária

Victor Hélio Paes da Silva
Rafael Antônio da Silva
Agenda 27/02/2023 às 15:32

Como é sabido, diversas operações de créditos no mercado ocorrem com outorga de garantias fiduciárias pelos tomadores em favor das instituições financeiras.

Na modalidade de garantia fiduciária o devedor transfere a propriedade resolúvel de bens móvel ou imóvel ao credor, que passa ser o proprietário fiduciário de determinado bem, permanecendo a posse direta com o devedor fiduciário.

Uma vez cumprida a obrigação, ou seja, após o integral cumprimento do contrato de empréstimo pelo devedor fiduciário, a propriedade do bem volta ao patrimônio do devedor fiduciário, por outro lado, o descumprimento daquela obrigação faz com que o bem alienado fiduciariamente integre plenamente o patrimônio do credor fiduciário, inclusive com a posse direta do bem. A execução da garantia fiduciária pelo credor e consequente posse direta do bem se dão de diferente formas, sendo a mais comuns a busca e apreensão de bem móvel (veículos em geral) e consolidação de propriedade quando se tratar de bem imóvel.

Contudo, em alguns casos a rigidez da garantia fiduciária pode ser flexibilizada, mantendo a posse do bem em poder do devedor fiduciário mesmo em cenário de inadimplência.

Isto ocorre quando os bens alienados fiduciariamente forem essenciais ao exercício das atividades empresariais do devedor fiduciário e ao interesse público.

Com efeito, quando a apreensão ou a consolidação de propriedade de um determinado bem alienado fiduciariamente puder acarretar a paralização das atividades do devedor fiduciário, e, ainda quando esta paralização causar danos a toda a coletividade, em razão do serviço prestado por aquela empresa, poderá ocorrer uma flexibilização das normas da alienação fiduciária, permitindo que o bem alienado fiduciariamente permaneça na posse direta do devedor fiduciário, mesmo em caso de inadimplência, com comprovado mora do devedor.

Isto decorre do reconhecimento da função social da empresa, como fonte geradora de emprego e renda, sendo certo que sua paralização, decorrente da excussão da garantia fiduciária, gerará prejuízos não somente ao devedor fiduciário, mas também a toda a coletividade na qual aquela empresa este inserida.

Importante observar que são hipóteses específicas, que deverão ser analisados individualmente nos casos concretos, uma vez que deverá ser demonstrado pelo devedor fiduciário a essencialidade do bem alienado fiduciariamente para desempenho daquela determinada atividade, bem como o dano a coletividade.

Foi isso que decidiu o E. Tribunal de Justiça de São Paulo, que reformou a liminar de busca e apreensão da frota de caminhões de uma empresa de São Paulo em favor de um Banco.

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O Tribunal Paulista reconheceu a essencialidade dos bens, bem como que sua apreensão pelo Banco afetaria toda a coletividade, na medida em que interromperia a coleta de lixos em cidades do interior de São Paulo e mesmo diante da inadimplência do devedor fiduciário, determinou que os bens permanecessem na posse da empresa.

Por oportuno, confira-se trechos deste recentíssimo decisum:

Entretanto, de fato, há de se reconhecer que os veículos objetos do contrato de alienação fiduciária caracterizam-se como bens essenciais ao exercício das atividades empresariais da agravante, relacionadas à coleta de lixo, em regime de concessão.

A proteção e a manutenção dos bens essenciais às atividades da devedora, deste modo, são vistas como medidas necessárias, para evitar a repentina paralisação de suas atividades, aponto de colocar em risco a prestação de serviço à população local.

Apesar da regra do artigo 3º do Decreto-Lei n.º 911/69 dispor sobre a concessão de liminar de busca e apreensão de bem, nos casos em que for comprovada a inadimplência do devedor, admite-se, excepcionalmente, que este permaneça na posse do bem, na qualidade de depositário, se a coisa for indispensável ao desempenho de sua atividade1.

Sem sombra de dúvidas, trata-se de importante precedente, o qual homenageia, sobretudo, a função social das empresas, bem assim observa os reflexos que podem resultar da prolação de decisões judiciais prematuras.


  1. TJSP;  Agravo de Instrumento 2153590-94.2022.8.26.0000; Relator (a): Mario A. Silveira; Órgão Julgador: 33ª Câmara de Direito Privado; Foro de Barueri - 6ª Vara Cível; Data do Julgamento: 15/08/2022; Data de Registro: 16/08/2022.

Sobre os autores
Victor Hélio Paes da Silva

Advogado, Pós-Graduando em Direito Empresarial pela FGV (Fundação Getúlio Vargas) e Pós-Graduado em Direito Processual Civil pela PUCRS; Graduado em Direito pelo Ibmec-SP; Cursos de Extensão em Direito de Família pela FGV (Fundação Getúlio Vargas) e em Recursos Cíveis pelo Ibmec-SP. Membro Efetivo da Comissão Especial de Direito Civil da OAB-SP.

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Rafael Antônio da Silva

Informações sobre o texto

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