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Afinal, o que é o processo? A velha discussão sobre a natureza jurídica do processo.

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Agenda 23/02/2023 às 18:45
  1. Uma decisão interessante para demonstrar o que estamos falando foi o Habeas Corpus n. 137.549/RJ, no qual a Relatora foi a Ministra Maria Thereza de Assis Moura, da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça. Nesta decisão, o Superior Tribunal de Justiça, entendeu que o princípio do contraditório deveria ser limitado em nome da aplicação da lealdade processual e da boa-fé. Isso significou dizer que não poderia uma pessoa se aproveitar da alegação de cerceamento do contraditório, se foi a mesma que deixou de cumprir o dever de informar o endereço correto para que as intimações fossem feitas de forma regular. Verificando os fundamentos colacionados na decisão, buscando a confrontação do princípio do contraditório com o princípio da boa-fé e lealdade processual, verificamos que a Ministra Relatora, no presente caso, andou bem no que tange a não reconhecer a nulidade do processo por ausência de contraditório. Isso porque, nenhum princípio tem aplicação de forma absoluta e sempre deve ser interpretado mediante a verificação de outras questões que envolvem os fatos. No presente caso, o que se verifica é que a Ministra Relatora entendeu que a culpa pela ausência de intimação se deu exclusivamente pelo fato de que o paciente não informou o seu local de encontro/endereço, e, portanto, não poderia agora se aproveitar de sua própria torpeza. No entanto, a decisão que julgou o comentado HC deixou de considerar que o contraditório se revela na verificação de participação do interessado no processo e se houve a influência da decisão no resultado da decisão jurisdicional. O contraditório, como ressaltado em tópico anterior, não é apenas um direito de ser ouvido, mas sobretudo, um direito de participar, influenciar o resultado da decisão com fatos e fundamentos jurídicos relevantes.

  2. Adolf Ludwig Eduard Gustav Wach (1843-1926) mais conhecido como Adolf Wach foi jurista alemão. Foi professor de direito canônico da Universidade de Leipzig de 1875 a 1920. Sua especialidade era o direito de processos civis. A partir de 1879, ele trabalhou como auxiliar de um juiz do tribunal regional de Leipzig, enquanto continuava seus estudos. Wach foi membro do Conselho Secreto Real Saxão, e foi nomeado temporariamente um membro do da segunda câmara, como representante da Universidade de Leipzig. Ele foi membro de várias organizações: foi do conselho da Igreja de São Nikolai, e membro do Sínodo. Ele era um membro do conselho de administração da associação da Missão Interior, uma organização para a distribuição de bíblias, etc. Wach foi nomeado para ser Ministro da Cultura e procurou se tornar nobre, e era consequentemente visto como pretensioso.

  3. Os pressupostos processuais podem ser conceituados como exigências ou requisitos legais para o estabelecimento e desenvolvimento válido do processo como relação jurídica. Tais requisitos podem ser divididos em pressupostos de existência e pressupostos de validade.

  4. Pressupostos Processuais de Existência Subjetivos. O aspecto subjetivo relaciona-se com as partes envolvidas na lide e o órgão jurisdicional que irá julgar o caso. Sobre as partes, pressupõe-se para a existência do processo que elas sejam capazes civil e processualmente, significando que precisam estar aptas a serem sujeitos processuais. Quanto ao órgão jurisdicional, exige-se apenas que o mesmo exista e funcione, que seja possível de alcançá-lo para tentar resolver a disputa; Pressupostos Processuais de Existência Objetivos. O aspecto objetivo dos Pressupostos Processuais de Existência se refere aos atos necessários para a constituição do processo, como a provocação do poder judiciário (petição inicial) e a citação do réu. Entende-se que a relação jurídica processual só irá se constituir para o autor mediante a realização da petição inicial - que pode ser indeferida preliminarmente por falta dos requisitos mínimos - e para o réu quando for citado, podendo efetivamente participar ou ser revel; Pressupostos Processuais de Validade Subjetivos Os requisitos que fazem parte desse aspecto tratam da capacidade das partes e da competência jurisdicional. As partes precisam conter a capacidade civil, processual e postulatória. Dessa forma, a parte deve possuir a capacidade de assumir direitos e deveres (arts. 2º e 3º, CC), ter aptidão a ser sujeito processual (estar em juízo) e ter um advogado ou defensor responsável no caso (aquele que pode postular em juízo).

  5. “LITISCONTESTAÇÃO – INALTERABILIDADIDE – A litiscontestação é formada pela inicial e a defesa. E, fixados os limites da lide, não pode a mesma ser alterada, devendo ser resolvida dentro do que foi validamente, delimitado.” (TRT-RO-2643/88 – 3a. Reg. – Rel. Carlos A. A. Pereira – DJ/MG 10.03.89, pag. 66) Litis contestatio era um termo do Direito utilizado na Roma Antiga para designar o compromisso das partes em aceitar a vontade do pretor.

  6. Para Ronaldo Brêtas de C. Dias et al a interpretação correta sobre o art. 489, §1º, IV do CPC sobre a obrigatoriedade do juiz ter que enfrentar todos os argumentos apresentados pelas partes deve ser entendido como a necessidade e obrigatoriedade de enfrentar questões. As decisões devem ser dadas no objetivo de resolver questão (ponto controvertido). O juiz não julga os argumentos e sim questões. Sustenta Ronaldo Brêtas de C. Dias et al que “juiz não julga argumentos, juiz julga questões. Assim, pode acontecer que a decisão, no desate das questões, acolha os argumentos de umas das partes, o que, em princípio, estará afastando os argumentos da parte contrária.

  7. No entanto, pelo que verificamos, havia no Superior Tribunal de Justiça a coesa ideia de que o contraditório deveria ser apenas um direito de dizer e contradizer e nada mais. Poucos eram os Ministros que julgavam de forma a indicar a necessidade de influência e de vedação da decisão surpresa para a garantia do contraditório. No acórdão julgado em Agravo Regimental n. 1413561/RS, no qual o Relator foi o Ministro Campos Marques, da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça verificamos que o Ministro Relator entendeu que o art. 118, § 2º, da Lei de Execução Penal não impõe a obrigatoriedade de instauração de Procedimento Administrativo Disciplinar para o reconhecimento da referida infração de um detento infrator, mas somente exige a realização de audiência de justificação que possibilite a oitiva prévia do sentenciado, garantindo-se, desse modo, o exercício do contraditório e da ampla defesa. Nesta decisão, o Superior Tribunal de Justiça, admitiu a aplicação de punição e, portanto, a redução de direitos do detento, aplicando a legalidade da Lei de Execução Penal, sem observar que a Constituição. Afastou-se a aplicação da Constituição e deu-se vigência ao art. 118 da Lei de Execução Penal.

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  8. A dimensão tridimensional do contraditório já é ressaltada em doutrina. Não basta que a parte apenas participe do processo. É necessário que se permita que ela seja ouvida, mas em condições de poder influenciar a decisão do magistrado. Se não for conferida tal possibilidade, de exercer seu poder de influência, de interferir com argumentos, ideias, alegando fatos, a garantia do contraditório estará ferida. É fundamental perceber isso: o contraditório não se efetiva somente com oitiva da parte; exige-se a participação com a possibilidade, conferida à parte, de influenciar o conteúdo da decisão.

  9. O STF também já pacificou entendimento no sentido da tridimensionalidade do contraditório, reconhecido como essencial ao processo judicial e administrativo, assegurando às partes o direito de ver seus argumentos analisados pelo órgão julgador sob pena de nulidade do provimento.

  10. Após o CPC-2015, podemos encontrar inúmeras decisões pelos tribunais do Brasil indicando que há a necessidade de respeitar o contraditório e a fundamentação das decisões, sob pena de nulidade da decisão (art. 10 do CPC e art. 489, §1º do CPC). Portanto, não se admite mais o indeferimento de petição inicial (sentença sem o julgamento do mérito) sem que antes seja oportunizado ao autor o direito de emenda e de manifestação sobre a ausência de interesse ou legitimidade. Também não se admite mais a declaração de prescrição e decadência, no curso do processo, sem que as partes possam ser previamente ouvidas e nem decisão de ofício sem que haja prévia manifestação da parte. Inaugurou-se, como o CPC-2015 uma nova realidade processual e uma nova de postura pelos tribunais e seus julgadores. Há a indicação expressa e direta de que o contraditório deve ser respeitado e que a motivação da decisão serve diretamente para fiscalizar se ele está sendo observado.

  11. É importante salientar que, no microssistema das execuções fiscais, o artigo 40 § 4º da Lei nº 6.830/80, acrescentado pela Lei nº 11.051/2004, prevê expressamente a necessidade de o juiz, antes de decretar de ofício a prescrição intercorrente do débito, ouvir a Fazenda Pública. Trata-se de dispositivo que determina a prévia intimação da parte antes do reconhecimento de ofício da prescrição, o que aparenta ser um indicativo da legislação especial no sentido da consagração do poder de influência na formação do provimento jurisdicional. Entretanto, não há qualquer dispositivo no CPC vigente neste sentido.

  12. O contraditório é considerado a manifestação do regime democrático no processo. Por esta razão, o trâmite processual deve necessariamente contar com a possibilidade de participação efetiva das partes envolvidas, não apenas restrita à comunicação ou ciência dos atos processuais mas entendida também como a possibilidade influência no convencimento do juiz. É em observância do aspecto substancial do contraditório que os litigantes não podem ser surpreendidos com uma decisão que leve em conta matéria não discutida nos autos, razão pela qual o juiz deve possibilitar a manifestação das partes e o exercício do direito de influenciar a formação do convencimento, para apenas, depois, proferir a sentença/ decisão judicial.

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  13. O contraditório, como está indicado no artigo 5º, inciso LV da Constituição da República estabelece que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Perceba que o art. 5º, inc. LV da CR/88 é uma norma fundamental de processo que precisava ser explicada e que não havia, até 2015, nenhum fundamento normativo que pudesse indicar e nortear o entendimento sobre a garantia ou não do contraditório e da ampla defesa. Havia apenas a preocupação pelos tribunais de se cumprir as normas processuais previstas pelo CPC-1973 e assim estariam automaticamente cumprindo o contraditório e a ampla defesa. A ideia que reinava para a garantia do contraditório no processo jurisdicional brasileiro pode ser bem-posta nas palavras de Liebman, segundo o qual, “o princípio do contraditório é a garantia fundamental da Justiça e regra essencial do processo. Segundo este princípio, todas as partes devem ser postas em posição de expor ao juiz as suas razões, antes que ele profira a decisão. As partes devem poder desenvolver suas defesas de maneira plena e sem limitações arbitrárias. Qualquer disposição legal que contraste com essa regra deve ser considerada inconstitucional e, por isto, inválida”.

Sobre a autora
Gisele Leite

Professora universitária há três décadas. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Pesquisadora - Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Presidente da Seccional Rio de Janeiro, ABRADE Associação Brasileira de Direito Educacional. Vinte e nove obras jurídicas publicadas. Articulistas dos sites JURID, Lex Magister. Portal Investidura, Letras Jurídicas. Membro do ABDPC Associação Brasileira do Direito Processual Civil. Pedagoga. Conselheira das Revistas de Direito Civil e Processual Civil, Trabalhista e Previdenciária, da Paixão Editores POA -RS.

Informações sobre o texto

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