Diante de tantas desinformações, intencionais e por "desinformação de papagaio" — ouve e repete —, há, infelizmente, estereótipos sobre os seres humanos, para ficar bem claro que são seres humanos também, LGBT+ sofrem inúmeras ações desumanizadoras. Como a respostas seria extensa na caixa de comentários, o desenvolvimento ocorre neste artigo.
O comentário da leitora:
“A questão é bem complexa. Eu uso o vagão exclusivo para mulheres no metrô por me sentir mais segura, considerando o descrito sobre as encostadas, e outros tipos de abuso. Hoje no vagão havia uma pessoa com aparência masculina: pomo de adão, sinais de barba, não aparentava seios ou uso de sutiã, etc. Eu me senti desconfortável e percebi que outras mulheres também. Entreolhávamo-nos como perguntando o que um homem estaria fazendo ali. Ocorre que poderia ser um homem trans, como você citou, e ter vagina como nós, apesar da aparência externa, visível, ser masculina. Inclusive poderia ter desenvolvido por medicação ou cirurgia o pomo de adão, a barba. Mas enfim, eu tive vontade de perguntar se a pessoa sentia insegurança ou desconforto em usar o vagão comum. Mas tive receio de ser considerada transfóbica, acusação que tem sido muito comum em situações semelhantes. Então não falei nada, tampouco outras mulheres. Mas realmente é desconfortável, quanto mais quando já sofremos algum tipo de assédio, abuso ou violência, a proximidade com um homem a que um vagão de metrô cheio submete a mulher. Então penso que em primeiro lugar é importante que "o medo" da mulher contra as pessoas trans seja considerado, que a mulher seja ouvida também, ainda que reconheçamos a vulnerabilidade das pessoas trans. Além disso, é necessário bom senso, muito bom senso. Se Buck Angel quer ter uma aparência tão masculina, conforme os estereótipos sociais, o fato dele ter vagina por baixo dessa aparência o faz tão vulnerável como ainda somos as mulheres com aparência feminina? Buck só se sente seguro no vagão feminino? Buck considera que sua presença deixa mulheres desconfortáveis no vagão feminino? Ser homem não faz dessa pessoa um abusador, um tarado. Mas como falei no início, nós mulheres ainda evitamos os homens em algumas situações pois são homens, não exclusivamente mas em número imensuravelmente maior, as pessoas que nos machucam. E o que se observa com isso é que mais uma vez estamos submetidas a uma estrutura social machista e patriarca, ainda que esteja se modificando para "incluir" as diversas opções e gostos.”
Minha resposta:
Obrigado pela participação. Entendo sua preocupação quanto ao ser considerada "fóbica" em relação aos trans. Para compreensão:
“Mulher trans” ou “pessoa transfeminina” - nasceu com o sexo biológico masculino (pênis etc.), mas se entende como uma figura feminina.
“Homem trans” ou “pessoa transmasculina” -nasceu com o sexo biológico feminino (útero etc.), mas se identifica como homem.
No caso de homens cisgênero — Sexo biológico masculino e identificação com o próprio sexo biológico, a atração [emocional, psíquica e sexual (sexualidade)] se faz pelo sexo oposto, mulher cisgênero. Mulher cisgênero. — Sexo biológico feminino e identificação com o próprio sexo biológico, a atração [emocional, psíquica e sexual (sexualidade)] se faz pelo sexo oposto, homem cisgênero.
Os abusos sexuais, de homens cisgênero para mulher cisgênero, dentro dos vagões de trens, eram considerados “crimes menores” — DECRETO-LEI Nº 3.688, DE 3 DE OUTUBRO DE 1941 (Lei das Contravenções Penais). Publiquei artigo sobre um fato de abuso sexual: Por que ejacular dentro de ônibus não é estupro? O conteúdo do artigo não é mais contravenção penal, contudo, crime, um dos tipos de infração penal, como é a contravenção penal.
Logo, qualquer abuso sexual dentro de vagão é considerado crime:
DECRETO-LEI Nº 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940 (Código Penal)
Importunação sexual (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)
Art. 215-A. Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro: (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)
Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o ato não constitui crime mais grave. (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)
“Mulher trans” ou “pessoa transfeminina” - nasceu com o sexo biológico masculino (pênis etc.), mas se entende como uma figura feminina. Importante: No caso de homens cisgênero — Sexo biológico masculino e identificação com o próprio sexo biológico, a atração [emocional, psíquica e sexual (sexualidade)] se faz pelo sexo oposto, mulher cisgênero. Mulher cisgênero. — Sexo biológico feminino e identificação com o próprio sexo biológico, a atração [emocional, psíquica e sexual (sexualidade)] se faz pelo sexo oposto, homem cisgênero. “Mulher trans” não sente atração física, emocional, psíquica por “mulher cisgênero”.
Imagine uma mulher cisgênero. A sua “aparência” dá ideia de que é mulher, numa concepção “tradicionalista” de “genitais definem sexualidade”. Contudo, a mulher cisgênero é bissexual, ou seja, sente atração emocional e física tanto por homem e mulher cisgêneros. Essa mulher aproveita de sua condição de aparência de “tradicionalidade” e “encoxa” outra mulher cisgênero.
en·co·xar
(en- + coxa + -ar)
verbo transitivo e intransitivo
[Brasil, Informal] Encostar-se, geralmente por trás, e esfregar o sexo nas coxas ou nas nádegas de alguém (ex.: alguém já viu o homem encoxar no metrô; a vítima reconheceu o suspeito que a encoxou). (ENCOXADA - Dicionário Online Priberam de Português)
Independentemente de ser heterossexual ou LGBT+, a “importunação sexual” é “crime”.
Completo e respondo, aqui, sobre Buck Angel.
Sobre Buck:
"Buck Angel se define como um homem trans, isto é, um transexual feminino. Ou seja, uma pessoa a quem foi atribuído o sexo feminino como evidência biológica no nascimento, por ser portador de cromossomos XX e genitália externa não ambígua feminina, mas que se percebe intimamente e se apresenta socialmente como pertencente ao gênero masculino.
Para quem não está acostumado com o tema, pode parecer confuso no começo. Mas depois complica. Na realidade, complexifica. Buck Angel não se deixa enquadrar facilmente em nenhuma categoria, sobretudo as de lógica binária, isto é, as que se restringem à concepção disjuntiva e opositora de polos referentes pretensamente invariantes homem/mulher, masculino/feminino.
Nem mesmo o catálogo de inteligibilidades revisto e ampliado pelo desconstrutivismo das teorias queer parece ter um espaço inequívoco para ele. Tanto é assim que Buck sofre diversos tipos de discriminação dentro da própria comunidade LGBT(QI),2 por não corresponder às tentativas de tipificação do que seria um transexual. Recusando-se a ser uma abstração ambulante e empenhado em ser ‘si-mesmo’, Buck questiona e reenuncia com e em seu corpo múltiplos (pre)conceitos, confirmando a máxima de que, na prática, a teoria é outra.
(...)
Apresentou uma puberdade tardia, vindo a desenvolver seios e menstruar já depois dos 14 anos. Em diversas ocasiões, refere-se à cena de sua primeira menstruação: estava em um jogo de futebol com amigos e, percebendo o sangue a lhe descer pelas pernas, achou que tivesse se machucado. Não lhe ocorreu que pudesse ter ficado menstruado, pois não se pensava como uma menina.
A menstruação lhe foi traumática, ao confrontá-lo incontornavelmente com a realidade de que seu corpo era, de fato, “de mulher” e ganhava, para seu desespero e à sua revelia, cada vez mais contornos femininos. Stoller comenta que, de fato, é comum nos transexuais femininos que sintam maior urgência de empreender intervenções corporais “[...] após a puberdade e seu odiado desenvolvimento de menstruação e de características femininas secundárias” (STOLLER, 1982, p. 224).
Foi, portanto, apenas na adolescência que Buck passou a enfrentar diversos problemas relacionais e profundo sofrimento psíquico em razão de sua rejeição à imagem inequivocamente feminina que seu corpo ia adquirindo. A partir desse momento se intensificou também o discurso contraditório da família quanto a permitir que ele fosse masculino em casa e a exigir que assumisse uma performance feminina na rua. Ele passou a ter muita raiva do próprio corpo, esmurrando os seios para que parassem de crescer.
(...)
Até que um dia, quando contava por volta de 30 anos de idade, uma terapeuta o ouviu. Acolheu sua fala de que se sentia um homem, dizendo que acreditava nele e, o que lhe foi ainda mais significativo, que era também como o percebia. Sua condição ganhou um nome: transexualidade (ou, na época, transtorno de identidade de gênero).5 E seu modo de ser, uma possibilidade.
Somente a partir daí teve efetivamente início sua transição. Ao acompanhamento psicoterápico somaram-se, ao longo dos anos, as seguintes intervenções corporais: doses regulares de bloqueadores de hormônios femininos; injeções de testosterona; maciças sessões de musculação e uma dupla mastectomia. Buck menciona que a cirurgia de remoção das mamas foi o passo mais significativo e libertador de sua transição, pois os seios eram o que mais “traíam” esteticamente sua indesejada condição biologicamente feminina.
Conta que, certo dia, ao se masturbar, acabou por se questionar se realmente queria correr o risco de fazer a cirurgia de transgenitalização, tendo em vista a péssima relação risco/benefício de tal procedimento, já que seus resultados tanto estética quanto funcionalmente eram (e ainda são) bastante precários, podendo tornar o indivíduo inteiramente anorgástico.
No entanto, a decisão de renunciar à cirurgia não foi tomada sem angústia e foi, em seu entendimento, um dos efeitos mais relevantes de sua terapia, por permitir, finalmente, que integrasse sua vagina à sua autoimagem e assumisse para si mesmo a singularidade de seu gozo.
Buck não estava disposto a ceder de seu prazer sexual em nome de corresponder a uma imagem do que deveria ser um homem, resultando disso a montagem personalíssima de seu corpo.
(...)
Toda essa polêmica relança para Buck a pergunta: afinal, o que faz de um homem um homem? É preciso ter um pênis para ser um homem? E se alguém que se identifique como homem, nascido biologicamente com pênis, vier a perdê-lo por conta de um acidente, um incêndio ou qualquer outra fatalidade, deixará de ser ou de se sentir um homem por causa disso?
Com sua verve habitual e denunciando a arbitrariedade dos símbolos, Buck costuma dizer que, pelo mesmo valor de uma cirurgia faloplástica, compraria para si um falo muito mais vistoso e funcional, igualmente validado socialmente: uma caminhonete 4x4!
Em resposta às mencionadas críticas da comunidade trans, Buck Angel se descreve como alguém socialmente “binário”, mas de corporeidade queer, no sentido de que se identifica integralmente como indivíduo do sexo – e não apenas do gênero! – masculino, a despeito de conservar o genital feminino. (MENDES, 2017)
Percebe-se que Buck é. Se pensarmos nas contradições entre os próprios heterossexuais quanto à maneira de se vestir — príncipe Charles usa "saia" (kilt), e é heterossexual — e trejeitos em público (1), o que é ser "homem" e "mulher"? Como o assunto é demasiadamente longo, não é neste artigo que se alcançará um fim. No entanto, sempre lembrando, o fim de qualquer ser humano é a sua dignidade, imutável, atemporal. Como disse Hannah Arendt, no livro Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal, não importa se judia ou não, importa para a humanidade, pois os ocorridos na Segunda Guerra Mundial são crimes contra a humanidade.
ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
Assim como qualquer ser humano pode se identificar como católico, protestante, evangélico, budista etc., por acreditar na "fé suprema", também pode mudar de religião, sem consentimento expresso da sociedade e do Estado. Dessa liberdade individual, não poderia ser diferente para a sexualidade, isto é, viver como deve, pela liberdade individual oponível ao Estado (utilitarista heteronormativo).
Disso:
DECRETO Nº 8.727, DE 28 DE ABRIL DE 2016
Dispõe sobre o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional.
Resolução Nº 348 de 13/10/2020 (Conselho Nacional de Justiça)
Art. 6º Pessoas autodeclaradas parte da população LGBTI submetidas à persecução penal têm o direito de ser tratadas pelo nome social, de acordo com sua identidade de gênero, mesmo que distinto do nome que conste de seu registro civil, como previsto na Resolução CNJ nº 270/2018.
Art. 7º Em caso de prisão da pessoa autodeclarada parte da população LGBTI, o local de privação de liberdade será definido pelo magistrado em decisão fundamentada. (Redação dada pela Resolução n. 366, de 20/01/2021)
§ 3º A alocação da pessoa autodeclarada parte da população LGBTI em estabelecimento prisional, determinada pela autoridade judicial após escuta à pessoa interessada, não poderá resultar na perda de quaisquer direitos relacionados à execução penal em relação às demais pessoas custodiadas no mesmo estabelecimento, especialmente quanto ao acesso a trabalho, estudo, atenção à saúde, alimentação, assistência material, assistência social, assistência religiosa, condições da cela, banho de sol, visitação e outras rotinas existentes na unidade.
Sobre "assistência religiosa". Não é possível pregar que LGBT+ é "coisa de demônio" — STF enquadra homofobia e transfobia como crimes de racismo ao reconhecer omissão legislativa.
Liberdade de crença e dignidade humana
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
III - a dignidade da pessoa humana;
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
VII - é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva;
§ 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.
§ 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) (Vide ADIN 3392) (Vide Atos decorrentes do disposto no § 3º do art. 5º da Constituição)
Como, em pleno século XXI, é possível pensar em liberdade de crença sem ofensa ao princípio constitucional "dignidade humana". O vídeo "Dignidade da pessoa humana e liberdade de expressão" tem o propósito de, através de comparações, alçar ao pensamento crítico antes e depois da Segunda Guerra Mundial.
Imaginem ser possível, atualmente, pai vender a própria filha. Se está na Bíblia, a possibilidade. No entanto, essa possibilidade é impossível dentro do ordenamento jurídico pátrio, e até em países democráticos. Dirão os religiosos que houve uma "nova intepretação" (hermenêutica teológica) quanto ao vender da própria filha.
É possível, atualmente, a escravidão, ou o servilismo, por "estar na Bíblia"? Recomendo assistir Filme Harriet (Filme 2020) e o uso de Deus para justificar a escravidão.
É possível que o acreditar, fielmente, numa ideologia, possa isentar pessoas de infração penal? Recomendo assistir A explanação de juiz sobre o acreditar do antissemitismo.
Vejamos:
DECRETO-LEI Nº 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940
Inimputáveis
Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Redução de pena
Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Notem. "era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento". No último vídeo, o juiz questiona o advogado sobre a condição da realidade do defensor da relativização do Holocausto Nazista, por ser ele — faço alusão com o nosso ordenamento jurídico pátrio — " incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento".
Nos anos de 1980 — também recomendo assistir Anos de 1980. Sociedade e gays - YouTube —, o racismo aos LGBT+ estava, fortemente, encravado no inconsciente coletivo brasileiro.
Como disse Martin Luther King Jr., "Ninguém nasce odiando". Os jovens dos anos de 1980, tinham os conceitos, ideológicos, sobre gay, ou LGBT+, não pelo motivo de nascerem com ódio dos LGBT+, conduto, por valores sociais, de cunho religioso, instrumentalizadores à dignidade dos LGBT+. Comparo com a objetificação da mulher cisgênero, na tese legítima defesa da honra — o direito moral de homem cisgênero matar mulher em caso de ela cometer adultério —, no estupro marital, pelo débito conjugal. As construções de identidades ideológicas são frutos de aprendizados, à começar dentro dos lares, depois na comunidade, na sociedade. O Estado, então, como representante de ideologia, constrói o arcabouço jurídico para assegurar legitimidade tanto no estupro marital quanto na tese legítima defesa da honra. Juízes aplicam a lei, pois deriva de um processo coordenador e legítimo, pelo Poder Legislativo. Esse entendimento é deveras perigoso, como ocorreu no Brasil com o "está no Direito" sobre estupro marital e a tese legítima defesa da honra.
Assim como é impensável "vender a própria filha", a transfobia e a homofobia são vazios de qualquer justificativa, ainda que sejam pela liberdade de crença. Com o rompimento do Estado com a religião, pelos pensamentos iluministas, isto é, o Estado laico, a dignidade humana foi alçada como princípio.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Teorias, teses. Vimos, no decorrer do artigo, que a inteligência pode ser muito mais cruel que a ignorância. Por exemplo:
Juiz Roger B. Taney US Supreme Court Justice 1836 1846
"Os negros não são cidadãos, não podem ter os mesmos diretos dos brancos. Além disso, sempre foram considerados seres inferiores."
Juiz é ser humano com estudos, com conhecimentos sobre Direito. A frase não é de um ser humano sem instruções acadêmicas, em especial, na área do Direito. A norma a favor do racismo é uma ideologia e, como tal, de segregação. Aplica-se a norma, por ser ela idealizada de forma política, pelo Poder Legislativo. Aos juízes, a aplicação da ideologia, em forma de norma. É necessário compreender que qualquer norma, ainda que seja criada para o intuito de reeleição de pretendente ao cargo eletivo, carrega alguma ideologia.
Na atualidade do Brasil, nenhum ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) faria a extradição de mulher grávida para país o qual viola os direitos humanos, como ocorreu com Maria Prestes [Olga Benário] (2).
Os estereótipos são preconceitos, e este podem, geralmente, tornarem-se racismo. Ainda que não haja ódio no discurso, isto é, exerce-se a liberdade de expressão por acreditar em algo como "realidade", para a existência humana, seja por ideologia científica ou religiosa, quando a liberdade de expressão tem a capacidade de construir um status quo exclusivo, ainda que haja "integração" dos "maus seres humanos", a potencialidade de coisificar e instrumentalizar seres humanos deve ser considerada tanto em curto, médio e longo prazo.
O artigo pode, me primeiro momento, transparecer "intolerância religiosa". Ora, se a tolerância deve ser plena, não há de se questionar o escravismo, o apedrejamentos de mulheres e homens adúlteros, com direito de as crianças e adolescentes assistirem, publicamente ou pelas redes sociais. Pergunto, quando religioso prega que LGBT+ é comportamento demoníaco, durante a externalização da ideologia, as crianças e os adolescentes estão presentes ou não?
LEI Nº 8.069, DE 13 DE JULHO DE 1990.
Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências
Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.
Parágrafo único. Os direitos enunciados nesta Lei aplicam-se a todas as crianças e adolescentes, sem discriminação de nascimento, situação familiar, idade, sexo, raça, etnia ou cor, religião ou crença, deficiência, condição pessoal de desenvolvimento e aprendizagem, condição econômica, ambiente social, região e local de moradia ou outra condição que diferencie as pessoas, as famílias ou a comunidade em que vivem. (incluído pela Lei nº 13.257, de 2016)
Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Art. 7º A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.
Se a transfobia e a homofobia, pela liberdade de crença, é justificável, de qual maneira dar-se-á o desenvolvimento sadio e harmonioso ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária? Qual tipo de "desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social" terão as crianças e os adolescentes quando se transmite ideologia, ainda que religiosa, de racismo aos LGBT+? O resultado? O ódio, como ocorreu nos anos de 1980!
Claro, não são todos religiosos com a ideologia racista aos LGBT+, que fique SOLAR. Acreditam no amor, sem preconceitos, sem exclusões. Todavia, também SOLAR, a impossibilidade de racismo, velado ou explícito, pelo ordenamento jurídico vigente. É oportuno dizer que a norma existe enquanto vigorar a ideologia dos direitos humanos. Relativizá-la, a possibilidade.
Por derradeiro.
Mas realmente é desconfortável, quanto mais quando já sofremos algum tipo de assédio, abuso ou violência, a proximidade com um homem a que um vagão de metrô cheio submete a mulher. Então penso que em primeiro lugar é importante que "o medo" da mulher contra as pessoas trans seja considerado, que a mulher seja ouvida também, ainda que reconheçamos a vulnerabilidade das pessoas trans.
A dúvida da comentarista é bem-vinda — "o medo" da mulher contra as pessoas trans seja considerado. Nota-se a sua preocupação com a segurança das mulheres cisgênero diante de transexual homem. Dúvida que não se confunde com racismo; e bem claro que a comentarista não é racista. O medo é gerado pelo desconhecimento, pelas superstições, por construções ideológicas racistas. É necessário que os gestores públicos criem programas sociais de esclarecimentos sobre os transexuais para desanuviar qualquer resquício de racismo no inconsciente coletivo brasileiro.
NOTAS:
(1) — MARCONI, D. A sobrevivência do santo que “desmunheca”: Montagem e identificação de um páthos queer na iconologia de São Sebastião. Revista Eco-Pós, v. 25, n.3, p. 240-265, 2022. Disponível em: https://ecopos.emnuvens.com.br/eco_pos/article/download/27908/15333
(2) — BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Habeas Corpus nº 26155. Disponível em: Supremo Tribunal Federal (stf.jus.br)
REFERÊCIAS:
MENDES, Roberta de Oliveira. Buck Angel, transexualidade e gênero: algumas considerações psiqueeranalíticas sobre os sexos de Angel. Estud. psicanal., Belo Horizonte , n. 47, p. 91-110, jul. 2017 . Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-34372017000100008&lng=pt&a.... acessos em 27 fev. 2023.
Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC). Mitos LGBTIA+: pessoas trans. Disponível em: Mitos LGBTIA+: pessoas trans - SBMFC