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Crise empresarial, meios de recuperação e falência

Agenda 28/02/2023 às 16:41

Carlos Roberto Claro1

28 fev 2023

A crise empresarial do agente econômico pode ser: crise econômica, quando ocorre retração nos negócios, o consumidor ou intermediário se afastam, há queda brusca de faturamento, existe a redução de pedidos. A crise, momentânea ou não, pode ser generalizada (todo o setor) ou atingir determinadas atividades econômicas específicas. Ainda, a região em que situada a pessoa jurídica, nacional ou mundial, eventualmente é afetada, podendo ocorrer efeito multiplicador, o que é prejudicial à economia e ao país.

A crise financeira se dá quando inexiste caixa para honrar compromissos livremente assumidos, há crise de liquidez. Muito embora a entidade tenha patrimônio imobilizado (ativos), não possui recursos financeiros para honrar os compromissos. Pode haver venda e faturamento satisfatórios, mas não há caixa na “empresa”. O endividamento poderá ser em moeda estrangeira - com a elevação do dólar, por exemplo, haverá aprofundamento da crise e dificuldades - ou em moeda nacional. A exteriorização jurídica da crise financeira é a impontualidade do devedor, que, em tese, pode dar ensejo a pedido de falência por parte de credores ou demais legitimados pela Lei 11.101/05, por exemplo.

A crise patrimonial se traduz na insolvência fática do agente econômico, ou seja, insuficiência de bens no ativo do devedor para satisfazer o passivo. O valor das dívidas contraídas supera o valor do patrimônio global, de modo que não cabe se socorrer da Lei 11.101/05, para fins recuperatórios.

Entretanto, é de ser ressaltado, a pessoa jurídica pode ser inadimplente e não ser insolvente; pode ser insolvente e ser adimplente, como sói ocorrer.

Quando houver crise financeira e econômica há (em tese) a possibilidade de reestruturação empresarial - tentativa de soerguimento -, via mecanismos jurídicos, econômicos e financeiros (Lei 11.101/05); caso haja crise financeira, econômica e patrimonial, impõe-se a retirada do devedor do mercado, via falência ou autofalência, sob pena de se criar mais prejuízos a este mesmo mercado.

A reestruturação empresarial pode ser judicial (geral [a partir do art. 47]) ou especial (art. 70) e a extrajudicial (art. 161), sendo que a lei prevê outras formas de transação direta entre devedor e credores, fora do âmbito judicial, a fim de que se procure resolver as dívidas (art. 167). Não se descuide das conciliações e mediações antecedentes ou incidentes em regime recuperatório (art. 20-A, Lei 11.101/05).

Na reestruturação plenamente judicial (teoricamente) existe a negociação prévia das dívidas entre devedor e credores acerca do plano de reestruturação a ser apresentado em juízo futuramente. Ingressa-se com pedido de recuperação no foro competente; apresenta-se o plano e há (eventualmente) homologação (art. 58). Consoante nova redação do art. 61, poderá o juiz determinar a mantença do devedor recuperando sob o regime recuperatório até que sejam cumpridas as obrigações previstas no plano que vencerem até, no máximo, dois anos após a concessão da recuperação, independentemente do eventual período de carência.

A reestruturação plenamente judicial visa a [tentativa de] superação da crise econômico-financeira vivenciada pela pessoa jurídica, permitindo, desde que haja esforço conjunto (devedor e credores) e convergência de pensamento (maioria), a manutenção da fonte produtora – atividade econômica organizada – no mercado competitivo; postos de trabalho e preservação da empresa, sua função social e estimulo ao crescimento dos negócios. O artigo 50 da Lei 11.101/05 contém hipóteses não exaustivas para que ocorra a tentativa de superação da crise, tais como alteração de controle social, aumento de capital social, equalização de encargos financeiros, venda parcial de ativos, trespasse ou arrendamento de estabelecimento, administração compartilhada, dentre outras hipóteses.

Na recuperação extrajudicial o devedor se compõe com credores extrajudicialmente e somente encaminha o plano a juízo, para que seja homologado em juízo.

Quanto aos sinais de alerta da crise empresarial, tema bastante em voga hodiernamente, são vários.

Os indícios de que a atividade econômica organizada está em crise podem ocorrer das mais variadas formas. São sinais ostensivos [ou não] que, não observados pelos incorporadores/administradores/gestores/titulares, podem ocasionar a retirada do agente econômico do mercado, via falência, se não pode esquecer que “normalmente” estes administradores têm ciência do estado empresarial, sendo seu dever acompanhar o andamento da atividade econômica como um todo.

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Como bem escreve Étienne de La Boétie, sobre Ulisses, assevera que este, [...] por mar e terra sempre procurava ver a fumaça de sua casa [...] 2. Os gestores do agente econômico devem(riam) desenvolver a capacidade de antecipação, ao primeiro sinal, e agir a fim de que que a crise (econômica, financeira ou patrimonial) não se instale em sua pessoa jurídica.

Caso a crise aconteça e seja momentânea, há remédios jurídico-econômicos para que se tente (na medida do possível) a salvação e mantença no mercado. Para tanto, hão de contar com equipe multidisciplinar de profissionais, a fim de que atuem no sentido de preservação da atividade econômica.

Alguns sinais de crise empresarial (hipóteses não exaustivas) podem ser apresentados: inconsistências na escrituração contábil; alteração do balanço patrimonial para fins de cumprimento do art. 51, inc. II, letra “a”, da Lei 11.101/05; simulação contábil para esconder crise; uso excessivo de estimativas contábeis; ausência de balanços anuais e balancetes; indisponibilidade de documentação contábil original; não encerramento regular de livros obrigatórios; defeitos na escrituração; destruição prematura ou excessiva de documentos de controle; destruição de escrituração contábil; ausência de livros contábeis; significativos itens sem explicação lógica nas reconciliações; paralisação do sistema de informática, vital para a atividade econômica – banco de dados; quebra de contrato com entidade que hospeda o programa de computador; balanços ou transações sem suporte de dados; balanços que não espelham a realidade fática empresarial; mudanças questionáveis nos princípios contábeis adotados; excessivo uso de estimativas contábeis; excessivas transações em dinheiro; transações significativas, não usuais e complexas, próximo ao fechamento de ano; transações ou negociações sem qualquer finalidade econômica aparente; utilização de relatórios gerenciais para esconder o controle real da atividade; significativas contas bancárias ou operações de filiais/subsidiárias em paraíso fiscal; excesso de contas bancárias sem propósito (injustificadas); não acompanhamento regular das contas bancárias; venda de ativos por valores inferiores aos de mercado; compra de ativos não ligados diretamente ao objeto social; ativos vendidos, mas com posse mantida em mão do vendedor (simulação); aumento significativo ou excessivo nas baixas de créditos podres; aumento significativo ou excessivo do desperdício ou danificação de bens; venda de ativos ou estabelecimento em período próximo à falência, e sem anuência dos credores; fraude; índices de componentes de estoque inapropriados; excessivos empréstimos a funcionários ou sócios/acionistas, sem garantia; excessivos empréstimos a funcionários e outros sem a cobrança; despesas inapropriadas de frete; falha na montagem das reconciliações bancárias ou ausência de segregação de função nas atividades de reconciliação; operações societárias (fusão, cisão, transformação ou incorporação) sem finalidade específica aparente; doação de bens ou valores a sócios/acionistas ou parentes próximos, no momento em que crise é acentuada; dívidas contraídas com excesso de garantia real ou fidejussória; hipóteses elencadas no art. 50 do Código Civil [em tese]; fluxo de caixa apertado; uso da pessoa jurídica para interesses particulares ou obscuros; prejuízos operacionais; pressão de credores para que as dívidas sejam saldadas nas datas convencionadas; elevação do número de protestos (para fins de falência ou regulares); não acompanhamento das ações judiciais, que podem desembocar em bloqueios de ativos; inadimplência perante credores fiscais; não recolhimento de tributos; ausência de depósitos FGTS; divergência incontornável entre sócios/acionistas/administradores, podendo em risco o regular andamento da atividade econômica; demissão de empregados importantes; má atuação do administrador empresarial; relações problemáticas ou não usuais entre auditor e gerentes; mudanças excessivas ou não justificáveis no pessoal da contabilidade; falta de direção estratégica, sem observância do mercado no qual se insere; estrutura ineficaz, inadequada ou ultrapassada; técnicas e experiências inadequadas, obsoletas; exagerada expansão dos negócios (abertura de filiais) sem traços estratégicos; mudança de mercado, sem que incorporadores se deem conta de que podem estar ficando em desvantagem perante concorrência; concorrência (desleal ou não) dos participantes do mercado; produtos ou serviços obsoletos, sem mercado; produção de bens em desconformidade com regras ambientais ou com padrões exigidos pelo mercado; problemas com fornecedores e clientes; quebra de fornecimento por parte de clientes já afetados pela crise; Inadimplência de clientes; inadimplência de fornecedores; excesso de garantias (reais) ofertadas às instituições financeiras e demais credores; contrato de dívida simulado, com apresentação fictícia de garantia; excesso de dívida fiscal, sem parcelamento ou não objeto de ações judiciais para rever os valores; inobservância do princípio do aporte quando da criação da entidade ou entrada de novos participantes; não integralização do capital social ou aporte fictício; excesso de distribuição de lucros; sonegação de informações por parte dos gestores ou demais sócios; incapacidade de honrar obrigação a tempo e modo oportunos; diminuição de receita e crescente endividamento; não pagamento de funcionários; ausência de capital de giro; fechamento de portas bancárias; ausência de novos empréstimos bancários; não redução de custos operacionais; desequilibro entre receita e despesa; ausência de aporte financeiro por parte dos incorporadores; penhora sobre faturamento da empresa (penhora bancária) e outros ativos de singular importância; fechamento de filiais sem as baixas e pagamentos necessários; desconstituição abrupta de atividade econômica; redução drástica do quadro de funcionários; ausência de pessoal capacitado em cada setor da atividade econômica; ausência de consultoria jurídica externa, bem como não contratação de auditoria; orientação da pessoa jurídica para fins lesivos aos interesses desta e demais participantes; constituição de sociedade subsidiária integral sem necessidade criação de outras entidades jurídicas, formando grupo econômico, mas cujo propósito primeiro é a transferência de ativos provenientes da entidade em crise3.

Quanto as atitudes que os administradores/gestores podem ter, ante a crise instaurada, algumas hipóteses são elencadas:

1. Negar a crise empresarial perante funcionários, credores, clientes e mercado. Os sinais de crise são ignorados pelos gestores. Talvez nem eles mesmos percebam que há crise e qual é o nível de comprometimento.

2. Esconder, por assim dizer, a crise empresarial. Os gestores, via de regra, têm ciência da gravidade da crise, mas não divulgam a funcionários, credores e mercado. Dão início ao processo de esvaziamento da atividade, com dilapidação de patrimônio, doações, retiradas de recursos financeiros, constituição de novas pessoas jurídicas (com terceiros - outros sócios), e incorporação de bens provenientes da entidade em crise. Pode haver simulação de contrato de arrendamento ou mesmo de compra e venda para a nova pessoa jurídica. Inicia-se o processo fático de desintegração da atividade econômica, desintegração essa que, muitas vezes, acaba na falência.

Entretanto, pode ocorrer que os gestores ignoram a crise e continuam desempenhando atividade econômica regular, sem esvaziamento patrimonial.

3. Ignorar pedidos de falência, não deixando todas as questões jurídicas em mão de advogado. Por outro lado, eventualmente deixa de se defender em juízo (ausência de contestação).

4. Concordar que existe a crise e tentar salvar a atividade econômica ou mesmo busca se compor com credores, para fins de solução das pendências, podendo até entregar ativos como forma de pagamento das dívidas.

No que se refere a crise econômico-financeira detectada pelos administradores, os gestores poderão ser posicionar de algumas formas:

1. Conscientes da crise, os gestores podem requerer recuperação judicial, extrajudicial ou procurar os credores para fins de composição global. Caso não mais tenha condições de permanecer no mercado, o agente econômico pode dele se retirar, via pedido de autofalência. Às vezes, é o melhor caminho a trilhar.

2. Caso haja pedido de falência formulado por credor, deve apresentar contestação, consciente de que não cabe oferecimento de bens para garantia da discussão judicial. Ressalte-se que o pedido de falência se não traduz em instrumento de cobrança, mas visa, isso, sim, retirar o devedor inadimplente do mercado.

3. Mesmo que haja pedido de falência de credores, pode, dentro do prazo para contestação, requerer recuperação judicial.

4. Pode requerer autofalência, conforme item 1, supra. Perderá o controle sobre a atividade econômica e os atos praticados antes de sua retirada do mercado, via sentença judicial, poderão ser questionados, via ação revocatória ou ação declaratória de ineficácia relativa de ato (arts. 129 e 130 da Lei 11.101/05).

5. Paralelamente à defesa em juízo, pode ajuizar ações revisionais de contratos. Para tanto, deve estar escorando em assessoria jurídica e contábil, que avaliarão cada hipótese.

6. Caso há estejam em curso ações trabalhistas, fiscais, reintegração de posse, busca e apreensão e outras, deverá avaliar com seus advogados quais são os melhores caminhos jurídicos a serem utilizados para cada demanda judicial. Importante destacar que as pessoas jurídicas, dadas as peculiaridades de sua atividade econômica, têm diferentes problemas jurídicos e se não pode, em poucas palavras, estabelecer o norte adequado. Necessário, pois, examinar circunstanciadamente toda a documentação social, papéis contábeis e contratos para se estabelecer seguro diagnóstico acerca do quê fazer.

Quanto a crise patrimonial (falência):

1. Não obstante o contido nos itens 1, 2, 3, 4 e 5, supra insta ressaltar que a pessoa jurídica pode (e deve) noticiar sua crise patrimonial, promovendo imediato pedido de autofalência em juízo, evitando que credores se antecipem e o façam.

2. De acordo como o que se vem expondo, podem os incorporadores/gestores simplesmente deixar que se avolumem pedidos de falência, não oferecer resistência (contestação) e assistir a retirada de sua pessoa jurídica do mercado. Não parece ser o melhor caminho a adotar, via de regra, porquanto haverão sérios efeitos jurídicos em relação aos participantes da entidade, sem descuidar das questões sociais e econômicas que certamente advirão.

3. Dependendo da situação concreta poderá ser possível se valer da ação de recuperação judicial, a ser ajuizada dentro do prazo para contestação no pedido de falência. É de suma importância que os gestores fiquem atentos quanto a protestos especialmente requeridos para fins de falência.

Levando em conta a hipótese concreta (o prazo para a entrega do título em cartório e efetivo protesto é bastante exíguo), poderá a pessoa jurídica promover a sustação judicial de protesto, depositando em juízo o valor em dinheiro da dívida reclamada.

4. Caso a pessoa jurídica seja regulamente citada em pedido de falência formulado por credores, por exemplo, terá alguns caminhos que poderão ser percorridos. Só a análise do caso concreto para estabelecer a melhor hipótese a ser seguida. Ressalte-se, pois, que pedido de falência pode ser indício concreto de que a crise patrimonial se faz presente.

5. Em sendo decretada judicialmente a falência haverá significativos reflexos em relação à pessoa jurídica devedora, aos seus participantes, clientes, colaboradores e aos credores, conforme exposto. A entidade falida recomenda-se, deverá estar amparada por corpo jurídico especializado em processo falimentar, considerando que no início do processo haverá uma série de medidas a serem adotadas por seus advogados, visando a defesa dos interesses da falida e seus componentes em juízo.

As pessoas jurídicas que se encontram no mercado competitivo deveriam criar mecanismos de prevenção de crise a fim de evitar a reestruturação judicial bem como a hipótese mais drástica – a retirada compulsória do mercado, via falência ou autofalência – de modo que atuar segundo os critérios de diligência, probidade e integral cumprimento das obrigações é algo que se impõe como imprescindível.

Além disso, os incorporadores/administradores têm o dever legal (sob pena de responder pessoalmente por ações ou omissões) de fazer com que a pessoa jurídica realize, de forma efetiva, seu objeto social; devem prestar todas as informações que se fizerem necessárias aos demais sócios/acionistas (guardadas as questões que envolvem sigilo institucional), bem como agir com ética, no exercício de suas funções, de forma a contribuir com a mantença da entidade no mercado competitivo.

Necessário, sobretudo, planejamento estratégico, a fim de que se possa cumprir o objeto social e haver resultado financeiro (lucro) aos incorporadores.


  1. Advogado desde 1987; Relator da Comissão de Estudos sobre Recuperação Judicial e Falência da OAB Paraná, desde 2013; Mestre em Direito; Pós-Graduado em Direito Empresarial; Professor em Pós-Graduação; parecerista; pesquisador e autor de onze obras jurídicas sobre insolvência empresarial.

    http://lattes.cnpq.br/5264249545377944

    http://orcid.org/0000-0002-6589-9761

  2. LA BOÉTIE, Étienne de. Discurso da Servidão Voluntária. 4a ed., 2a reimpressão. São Paulo: Editora Brasiliense, 2001, p. 24.

  3. Sobre o tema: ABRÃO, Carlos H; MARTINS, Lucilaine B. L C; CLARO, Carlos R. Destituição do devedor e remoção dos administradores de empresas em recuperação judicial. São Paulo: Quartier Latin, 2023. Também: CLARO, Carlos R. Apontamos sobre o diagnóstico preliminar em recuperação judicial. Abordagem zetética. In - ABRÃO, Carlos H; CANTO, Jorge L. L. do; LUCON, Paulo H. dos S. (coord.). Moderno direito concursal. Análise plural das Leis n. 11.101/05 e n. 14.112/2020. São Paulo: Quartier Latin, 2021.

Sobre o autor
Carlos Roberto Claro

Advogado em Direito Empresarial desde 1987; Ex-Membro Relator da Comissão de Estudos sobre Recuperação Judicial e Falência da OAB Paraná; Mestre em Direito; Pós-Graduado em Direito Empresarial; Professor em Pós-Graduação; Parecerista; Pesquisador; Autor de onze obras jurídicas sobre insolvência empresarial.

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