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O confuso direito intertemporal da Nova Lei de Licitações

Agenda 05/03/2023 às 10:48

 

Da leitura dos arts. 191, caput e parágrafo único e 193, II da Lei nº 14.133/2021 (Nova Lei Geral de Licitações e Contratos - NLGLC) tinha-se, a princípio, uma conclusão bem singela: antes de 1º de abril de 2023, seria possível à Administração Pública licitar e/ou contratar fazendo uso das regras contidas nas Leis nºs 8.666/1993, 10.520/2022 e 12.462/2011 e, depois de tal data, apenas os contratos já firmados com base na legislação revogada, seguiriam por ela regidos, devendo em todos os demais casos, ser compulsório o uso do novo marco legal das contratações públicas.

 

Mas, pelo visto, na prática, a definição das regras de transição do antigo para o novo marco das contratações públicas não terá nada de singela.

 

Veja, nos termos do art. 194 da Nova Lei Geral de Licitações e Contratos não houve o estabelecimento de um período de vacatio legis, tendo os arts. 191, caput e parágrafo único e 193, II da NLGLC estabelecido uma revogação mitigada/ultratividade das Leis nºs 8.666/1993, 10.520/2022 e 12.462/2011.

 

As dúvidas sobre a definição do marco temporal da revogação mitigada/ultratividade das Leis nºs 8.666/1993, 10.520/2022 e 12.462/2011 começaram a vir a público no Comunicado nº 13/2022 da Secretaria de Gestão (SEGES), órgão central do Sistema de Serviços Gerais (Sisg) onde se relatou o seguinte: “Por meio do Comunicado nº 10/22, esta SEGES informou que o Sistema de Compras do Governo Federal, a contar do dia 31 de março de 2023, estará configurado para recepcionar somente as licitações e contratações diretas à luz da Lei nº 14.133, de 2021 (e demais leis específicas), considerando o exaurimento temporal da eficácia jurídica-normativa das Leis nº 8.666, de 1993, nº 10.520, de 2002, e os arts. 1º a 47-A da Lei nº 12.462, de 2011. Tal entendimento repousa, s.m.j., em estrita consonância com a jurisprudência do Tribunal de Contas da União, quando da transição afeta à Lei das Estatais. Ocorre que a Advocacia-Geral da União, por meio do Parecer nº 0006/2022/CNLCA/CGU/AGU, propugna que bastaria o órgão e entidade registrar, via a autoridade competente e nos autos de contratação, a opção por licitar e contratar pelas legislações antigas (e ainda vigentes), inexistindo prazo limite para a publicação do edital ou do aviso de contratação direta correspondente. Dessarte, nessa ótica, haveria publicação de editais com espeque nas leis revogadas até o final de 2023, podendo-se estender-se a 2024 e, em situações excepcionais, até 2025, conjetura-se. Outrossim, haveria publicações de contratos por inexigibilidade de licitação, com fundamento no art. 25 da Lei nº 8.666, de 1993, em prazos elásticos, indefiníveis.”

 

Ao final, o Comunicado nº 13/2022 da SEGES informou que caberá ao Tribunal de Contas da União (TCU) a última palavra para definir as regras de transição entre as antigas normas sobre licitações e contratos e a NLGLC.

 

Assim, pelo até aqui se exposto, caberá ao TCU definir se a aplicação da Lei nº 14.133/2021 será obrigatória a partir da publicação do edital (posição da SEGES) ou a partir da manifestação da autoridade na fase preparatória quanto ao regime aplicável (posição da AGU).

 

Em que pese a matéria ainda não ter sido votada pelos Ministros no plenário do TCU, a área técnica daquela Corte de Contas (a AudContratações) assim se manifestou nos autos do processo TC 000.586/2023-4 sobre o prazo para opção por licitar pelos regimes das Leis nºs 8.666/1993, 10.520/2022 e 12.462/2011: “73. Ante todo o exposto, submetem-se os autos à consideração superior propondo: 73.1 declarar a compatibilidade do Parecer 6/2022 da Câmara Nacional de Licitações e Contratos Administrativos da Advocacia-Geral da União com a jurisprudência do Tribunal de Contas da União, consubstanciada no Acórdão 2.279/2019-Plenário, da relatoria do Ministro Augusto Nardes; 73.2 firmar o entendimento de que a opção pelo regime antigo para licitar ou contratar (Lei 8.666/93, Lei 10.520/2002 e arts. 1º a 47-A da Lei 12.462/2011), que será revogado em 1º/4/2023, somente poderá ser feita por cada órgão ou pelos órgãos centrais da Administração com competências regulamentares relativas às atividades de administração de materiais, de obras e serviços e de licitações e contratos, na etapa preparatória da contratação, até o dia 31/3/2023, sem prejuízo de que seja fixada uma data limite para a publicação do edital; 73.3. recomendar à Secretaria de Gestão e Inovação (Seges) do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI), com fundamento no art. 11 da Resolução-TCU 315/2020, que, tendo em vista o entendimento firmado no tópico anterior, defina um cronograma ou estipule marco(s) limite(s), a exemplo da data da publicação do edital, em conformidade com os princípios da razoabilidade e da duração razoável do processo, para a: i) utilização do regime antigo, pelos órgãos sob sua jurisdição; e ii) utilização dos sistemas de contratações federais, para todos os órgãos, entidades ou entes públicos de quaisquer esferas.”

 

Mas quem pensa que a decisão do TCU pacificará a questão do direito intertemporal que afeta a aplicação do antigo e do novo regime das contratações públicas precisa atentar para o fato de que Estados, DF e Municípios só se sujeitarão de forma voluntária e não compulsória aos efeitos de tal vindoura decisão.

 

Tanto é assim que antes de o TCU pacificar tal questão no âmbito da Administração Pública Federal, entes subnacionais já estão definindo regras de transição para definir o marco temporal para a aplicação da NLGLC.

 

No dia 28/02/2023 a Secretaria de Administração e a Procuradoria Geral do Estado de Pernambuco publicaram a Portaria nº 014/2023 na qual restou estabelecido o dia 31/03/2023 como o último dia do período de convivência legislativa entre o antigo e o novo regime de contratações públicas.

 

A norma esclareceu que os novos processos deflagrados até o dia 31/03/2023 deverão iniciar a fase preparatória indicando expressamente o regime legal adotado para conduzi-los, afirmando ainda que os processos licitatórios que pretendam optar pela nova lei deverão contar com prévia consulta à PGE. Para contratações diretas que queiram adotar o novo regime, entretanto, a consulta prévia é dispensada.

 

Em seu art. 3°, a portaria estabelece as hipóteses em que os procedimentos licitatórios que tiveram início antes da revogação da Lei n° 8.666/1993 podem continuar sendo regidos por esta após sua revogação, a saber: I – se a fase preparatória estiver com as etapas de elaboração do termo de referência, de confecção do orçamento estimado e de autorização da abertura da licitação ou da contratação direta concluídas até 31 de março de 2023, poderão permanecer sendo processados de acordo com o regime das Leis Federais nº 8.666, de 1993, nº 10.520, de 2002, e nº 12.462, de 2011, conforme o caso, desde que a publicação do edital ou da ratificação ocorra até 30 de junho de 2023; II – os certames com editais já publicados que se encontrem adiados ou suspensos em 31 de março de 2023 podem retomar seu processamento de acordo com o regime legal anterior à Lei Federal nº 14.133, de 2021, desde que os atos de retomada, inclusive eventual necessidade de republicação do edital, sejam praticados até 30 de junho de 2023; III - os processos licitatórios e as contratações diretas centralizadas na Secretaria de Administração, nos termos do Decreto nº 42.048, de 17 de agosto de 2015, podem permanecer regidos pelas Leis nº 8.666, de 1993, nº 10.520, de 2002, e nº 12.462, de 2011, conforme o caso, desde que: a) sejam remetidos à Central de Licitações, mediante ofício da autoridade superior demandante, até 31 de março de 2023, devidamente instruídos com todos os documentos indispensáveis à autorização e/ou processamento do certame, na forma e no prazo estabelecidos na Portaria SAD nº 2.692, de 30 de setembro de 2021 e b) o respectivo edital ou ato de ratificação seja publicado até 30 de junho de 2023.

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A Portaria conjunta SAD/PGE nº 014/2023 ainda estabeleceu que os procedimentos licitatórios cujas fases preparatórias estiverem com as etapas de elaboração do termo de referência, de confecção do orçamento estimado e de autorização da abertura da licitação ou da contratação direta concluídas até 31 de março de 2023, poderão permanecer sendo processados de acordo com o regime da Lei Federal nº 8.666/1993, desde que a publicação do edital ocorra até 30 de junho de 2023.

 

No dia 01/03/2023 o Governo do Rio de Janeiro publicou o Decreto nº 48.375/2023 fixando que a opção por licitar ou contratar diretamente com fundamento nas Leis nºs 8.666/1993, 10.520/2022 e 12.462/2011, nos processos em que a autorização da contratação pela autoridade competente para início do procedimento for assinada no documento gerado e indexado no processo eletrônico até o dia 31 de março de 2023.

 

O decreto estabelece ainda que os editais de licitação e os extratos das ratificações de contratação direta deverão, obrigatoriamente, ser publicados no Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro até o dia 30 de setembro de 2023.

 

Também no dia 01/03/2023, a Prefeitura de Mamanguape/PB publicou o Decreto nº 1722/2023 onde se fixou que até 31 de março de 2023, poderá ser feita a opção por licitar ou contratar de acordo com a disciplina constante da Lei Federal nº 10.520, de 2002, e da Lei nº 8.666, de 1993, ou pelas normas definidas na Lei Federal nº 14.133, de 1º de abril de 2021, devendo a opção ser indicada expressamente no edital ou no aviso ou instrumento de contratação direta e que a definição da regência legal do procedimento licitatório ou da contratação direta se aperfeiçoa com a manifestação expressa pela autoridade competente, ainda na fase preparatória, que autoriza a despesa pretendida e o prosseguimento do feito nos exatos termos por ele propostos.

 

O decreto ainda estabelece que: a fase interna dos procedimentos administrativos licitatórios disciplinados pelo regime da Lei Federal nº 10.520, de 2002, e da Lei nº 8.666, de 1993, bem como as contratações diretas regidas pela ela, só poderão ser iniciadas até 20 de março de 2023 e que as licitações e contratações diretas iniciadas sob a égide do antigo marco legal das licitações só poderão sustentar tais regências legais se, e, somente se, o despacho/decisão que autoriza a abertura do feito exarado pela autoridade máxima competente ocorra até o dia 31 de março de 2023.

 

Dentre outras disposições, o Decreto nº 1722/2023 estabelece também que nas licitações cuja fase interna tenha sido autorizada por ato de autoridade máxima competente até 20 de março de 2023, os respectivos contratos, ainda que assinados após esta data, e toda a sua vigência, serão regidos pelas regras da legislação que expressamente foi indicada no respectivo instrumento convocatório, na forma prescrita pelo art. 191, parágrafo único, da Lei Federal nº 14.133, de 2021.

 

Como se vê, em apenas 3 exemplos percebe-se que os entes subnacionais estão adotando diferentes regras de transição, causando assim uma inevitável dúvida de quando finalmente as Leis nºs 8.666/1993, 10.520/2022 e 12.462/2011 deixarão de reger licitações e contratos pois, peguemos o caso do Rio de Janeiro para imaginar uma licitação na modalidade concorrência que tenha tido seu publicado até o dia 30 de setembro de 2023 e que, após a impugnação ao edital e recursos administrativos teve seu contrato assinado no dia 20 de janeiro de 2024. Ora, em tal cenário, sendo tal contrato regido pela Lei nº 8.666/1993, poderíamos, em caso de aplicação do art. 57, § 4º, um contrato regido pelo antigo marco legal das licitações e contratos até o ano de 2030, ou seja, quase 10 anos após a entrada em vigor na NLGLC.

 

Diante das inúmeras possibilidades de marcos temporais que podem vir a ser fixados pelos entes subnacionais, não há como não apontar como confuso o cenário que envolve o direito intertemporal da Lei nº 14.133/2021.

 

 

Por Aldem Johnston Barbosa Araújo, advogado de Mello Pimentel Advocacia.

E-mail: aldem.johnston@mellopimentel.com.br.

Sobre o autor
Aldem Johnston Barbosa Araújo

Advogado em Mello Pimentel Advocacia. Membro da Comissão de Direito à Infraestrutura da OAB/PE; Autor do livro "Processo Administrativo e o Novo CPC - Impactos da Aplicação Supletiva e Subsidiária" publicado pela Editora Juruá; Articulista em sites, revistas jurídicas e periódicos nacionais; Especialista em Direito Público.

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