5) Casuística
O caso Marbury v. Madison, de 1803, deu início a modelo de controle de constitucionalidade substancializando percepção que nos dá conta de que nulas são as leis que afrontam os textos constitucionais, isto é a law repugnant to the Constitution is void, nos dizeres do Chief Justice John Marshall em 1803. O caso Marbury v. Madison foi a maior contribuição norte-americana ao Direito Constitucional. Declarou o princípio da supremacia do poder judiciário. Indicou o judicial review ou controle pelo judiciário da constitucionalidade das leis. O mentor de tal concepção foi o Juiz Marshall, que o fez, no entanto, no quadro de problemático jogo político, no qual leituras ingênuas, puras e analíticas do direito não tinham o menor espaço (cf. NELSON, 2000).
A decisão foi política. Marshall contornou confronto direto com o presidente norte-americano, Thomas Jefferson, a esfinge norte-americana (cf. ELLIS, 1996). Não deixou, porém, de criticá-lo, mascarando recuo inevitável, como ato de afirmação contra o partido no poder. A historiografia jurídica tradicional apega-se nesta última concepção, esquecendo-se daquela primeira, realista e pragmática. Em 1801, nos últimos dias do governo de John Adams, William Marbury foi legalmente nomeado juiz de paz no distrito de Columbia, por parte do presidente que partia. O sucessor, presidente Thomas Jefferson, implementou o spoil system, isto é, o clássico modelo norte-americano de acesso a cargos públicos de feição política, por meio do qual o partido vencedor apropria-se dos melhores e mais importantes postos. Jefferson ordenou que seu secretário de governo, James Madison, não empossasse Marbury. O preterido requereu ordem de madamus contra Madison, diretamente na Suprema Corte norte-americana. O requerido não se defendeu, e nem mesmo respondeu à ordem judicial para se manifestar. Jefferson ameaçou a Corte com impeachment, caso o pedido de Marbury fosse deferido.
Marshall astutamente inverteu o exame da ordem das questões. Declarou que Madison agiu ilegalmente ao não dar posse a Marbury, cuja nomeação para o cargo de juiz havia sido perfeita e legítima. Porém, a Suprema Corte não tinha competência para reconduzi-lo ao cargo porque o pedido lhe foi diretamente feito, com base no art. 13 de uma lei judiciária de 1769. Segundo Marshall, competência era matéria estritamente definida na constituição e não poderia ter sido dilatada por lei judiciária. Era, assim, inconstitucional e nulo o art. 13 dessa norma, que atribuía à Corte Suprema competência originária para expedir ordens de madamus, nos termos da pretensão de William Marbury.
Marshall censurou Jefferson, criticou Madison, deu razão a Marbury, porém recusou-se a determinar a posse desse último com base na inconstitucionalidade da Lei Judiciária de 1769. Inaugurou o controle de constitucionalidade de leis por parte do poder judiciário, passou à história como criador de tal mecanismo e manteve-se a frente da Suprema Corte, contornando as ameaças do poder executivo.
O caso MacCulloch v. Maryland, de 1819, fundamentou a teoria dos poderes implícitos no constitucionalismo norte-americano. O estado de Maryland tributou em US$ 15,000 os bancos que funcionavam no estado, sem alvará específico de funcionamento, do próprio estado. Era o caso do Banco dos Estados Unidos, que sem o recolhimento de tais valores funcionava no estado de Maryland. O gerente da agência de Baltimore, James McCulloch, recusou-se a pagar o tributo. A Suprema Corte de Maryland manteve a imposição. McCulloch apelou para a Suprema Corte.
O Juiz Marshall observou que além dos poderes enumerados na Constituição, havia outros implícitos no próprio texto, de competência do Congresso. Se o governo federal tem objetivos e responsabilidades, detém os meios para realizar seus fins. Tratava-se do princípio da supremacia nacional, que justificaria a teoria dos poderes implícitos, também chamada teoria dos poderes resultantes.
Embora não houvesse autorização expressa para que a União criasse bancos, implícita estava sua necessidade, por imperativo de ordem pública. O Congresso detém competência implícita para criar bancos e qualquer lei estadual que direta ou indiretamente limitasse tal competência seria inconstitucional. O estado de Maryland, cobrando impostos, não poderia restringir aplicação de lei federal. O estado não poderia tributar instrumentos do governo federal, concepção que justificará a teoria tributária da imunidade fiscal. A Constituição possibilitou lei federal que institui banco federal nos Estados Unidos, invalidando lei estadual que o tributava.
Anulou-se a lei estadual de Maryland que tributava o banco federal. Deu-se continuidade à doutrina dos poderes implícitos ou dos poderes resultantes. Garantiu-se ao Congresso necessários e próprios poderes para a condução dos negócios do governo norte-americano (cf. HOBSON, 1996). É desse julgado a axiomática passagem de Marshall, que indica que that the power to tax involves the power to destroy, isto é, que o poder de tributar implica no poder de destruir. O caso MacCullogh v. Maryland estabeleceu e firmou limitação implícita na autoridade dos estados, é que estes não detêm de tributar bancos federais (cf. CURRIE, 2000, p.33). Trata-se do caso de maior dimensão econômica da corte de Marshall (cf. REHNQUIST, 2001, p. 37).
O caso Gibbons v. Ogden, de 1824, dá os contornos do conceito norte-americano indicativo de supremacia de lei federal. Em 1815 Aaron Ogden, ex-governador do estado de Nova Jersey, comprou direitos de explorar a navegação comercial entre os portos de Nova Iorque (no estado de Nova Iorque) e Elisabeth Town (no estado de Nova Jersey). Quatro anos depois, processou seu ex-sócio Thomas Gibbons porque este passou a explorar linha com o mesmo itinerário, desrespeitando os direitos que Ogden comprara, garantidos pelas leis do estado de Nova Iorque.
Gibbons argumentou que licença federal lhe autorizava a operar com barcos em qualquer lugar nos Estados Unidos. A corte de Nova Iorque, por decisão do Juiz Kent, rejeitou a tese de Gibbons, que apelou para Suprema Corte. A apelação foi protocolada em 1820 e apreciada em 1824, pelo juiz Marshall. A Suprema Corte reconheceu a supremacia de lei federal em face de lei estadual, garantindo a Gibbons o direito de operar com seus barcos, na linha Nova Iorque/Elisabethtown. Segundo Marshall, era claro o texto constitucional: o Congresso teria poderes para regular o comércio com nações estrangeiras, entre os estados e com as tribos indígenas (Constituição, Seção 8, inciso 3). Aos estados eram reservados poderes para legislar em tema de comércio interno. A Linha Nova Iorque/Elisabethtown ligava dois estados (Nova Iorque e Nova Jersey), exigindo competência normativa federal. É a chamada cláusula de comércio, atribuída ao Congresso, e de amplo uso e aplicação no direito constitucional norte-americano contemporâneo.
O caso resumia-se na pergunta: poderiam os estados regulamentar comércio entre eles e nações estrangeiras, matérias reservadas ao Congresso? A Suprema Corte entendeu que não, decidindo por Gibbons contra aos interesses de Ogden. O caso é o mais famoso da Suprema Corte, em matéria de commerce clause. Todas as decisões subseqüentes são meros comentários ao processo Gibbons v. Ogden. Assim, Congresso e Nova Iorque tinham leis regulando a navegação. Gibbons possuía autorização federal e Ogden detinha autorização estadual. Reconhecendo o direito de Gibbons a Suprema Corte decidiu que comércio interestadual é assunto de competência federal (cf. McCLOSKEY, 2000, p. 45).
O caso Dred Scott é talvez o mais odioso julgamento do direito constitucional norte-americano. Dred Scott havia sido escravo de John Emerson, medico do exército. Viveu por um tempo em Illinois (Fort Snelling), área que não aceitava a escravidão, nos termos do compromisso do Missouri, acordo entre os estados que limitava as áreas nas quais a escravidão seria permitida (cf. ALLEN, 1970, p. 122). Por ter vivido em estado não escravista, Dred Scott considerou-se livre, sob a premissa de que once free, always free, isto é, uma vez livre, livre para sempre. Em 1850 John Emerson, seu antigo proprietário, faleceu. Dred Scott ajuizou ação com objetivo de ver reconhecida sua liberdade. O juízo de primeiro grau reconheceu tal direito, sob a premissa de que Scott havia vivido uma época em liberdade, assimilando um vested rights, um direito adquirido. A Suprema Corte do Estado de Missouri anulou a decisão.
A viúva de Emerson havia se casado novamente e seu cunhado, John Sandford, recebeu Dred Scott como herança. Dred Scott então protocolou ação judicial contra Sandford, em Nova Iorque, estado no qual residia seu novo proprietário. Em contestação, Sandford alegou que por ser negro, Dred Scott não seria cidadão. E por não ser cidadão não teria capacidade para litigar em juízo. O juiz Robert Wells decidiu que se Dred Scott fosse livre poderia figurar no pólo ativo da lide. Caso contrário, seu direito seria discutível. No mérito, acompanhou a decisão do Tribunal de Missouri, decretando que Dred Scott era escravo. Dred Scott apelou para a Suprema Corte.
O Chief Justice Roger Taney, em voto preconceituoso e racista, hoje motivo de escárnio, abordou duas questões: o status dos negros (livres ou escravos) e o poder do Congresso regular a escravidão nos estados. Perguntou se negros, cujos ancestrais teriam sido importados, estariam intitulados a exercer a cidadania. Respondeu negativamente. Agressivamente decidiu-se que os negros seriam coisas, objetos de propriedade, comprados e vendidos, antes e depois da independência, antes e depois da constituição. Além do que, o direito de propriedade de escravos estaria garantido pelo texto constitucional. Só poderia ser perdido mediante a aplicação do due process of law. Entendeu também que o Congresso não poderia regulamentar a escravidão nos estados, porque a constituição não admitia restrições a esse direito de propriedade. Dred Scott perdeu a causa. A decisão de 54 páginas arrogava-se definitiva, encerrando controvérsias sobre escravidão nos estados, status de negros, a par de enfrentar o partido republicano. Acirrou ódios e é importante causa determinante da guerra civil (1860-1865). Não considerou escravos como cidadãos, prestigiando o direito de propriedade dos senhores escravocratas. Perdeu sua validade com a 13ª. Emenda (cf. FEHRENBACHER, 1981). O caso Dread Scott dividiu o país (cf. BURT, 1995, p.2). É realmente uma das páginas mais vergonhosas da tradição cultural ocidental.
O caso Plessy v. Ferguson, de 1896, cristalizou a doutrina racista do separate but equal, isto é, iguais porém separados. Após a Guerra Civil (1861-1865) as relações entre as raças, nos EUA, persistiam tensas e conflitantes. A segregação legal dos negros, conhecida como legislação Jim Crow visou barrar a freqüência de negros em escolas públicas e ao uso dos transportes públicos, restaurantes, teatros, hotéis, cinemas, balneários. Em muitos estados proibiu-se o casamento entre pessoas de raças distintas. Formatou-se a doutrina do equal but separate, legalizou-se a segregação, conquanto que se fornecessem serviços e condições iguais, para brancos e segregados.
Homer Plessy, que era mulato, foi preso e processado porque se sentou no setor reservado aos brancos, em um trem no estado da Louisiana. Ele recorreu à Suprema Corte, requerendo ordem contra o Juiz Ferguson, para que se determinasse que o magistrado arquivasse a ação penal. A corte apreciou a constitucionalidade de uma lei da Louisiana, de 1890, que dividia os espaços dos trens entre raças, que não poderiam se misturar, implementando a então dominante doutrina do equal but separate. Entendia-se que era obrigação do estado providenciar vagões para brancos e negros. Dizia-se que Homer Plessy era 1/8 africano. Um precedente de 1849 (Roberts v. Cidade de Boston) garantiu escolas separadas, admitindo a segregação.
A Suprema Corte determinou que a doutrina do equal but separate não violava a constituição, conquanto que brancos e negros tivessem o mesmo tratamento e as mesmas instalações, que utilizariam separadamente. Em voto divergente, o Juiz John Marshall Harlan anotou que a constituição era cega para questões de cor (blind color), desconhecendo e não tolerando classes distintas entre seus cidadãos. A questão permanecerá em debate até a década de 1960, quando os direitos civis tiveram mais ampla aplicação e discussão nos EUA (cf. FRIEDMAN, 1985, p. 374).
O caso Lochner v. Nova Iorque, de 1905, cristalizou doutrinas liberais do laissez-faire. No exercício do poder de polícia o estado de Nova Iorque havia limitado em dez horas diárias o trabalho de padeiros. Lochner, proprietário de uma padaria, violou a lei, contratando padeiros que trabalhavam overtime, excedendo as dez horas. Naquela época a liberdade de contrato era considerada regra geral Entendia-se que a autoridade legislativa somente poderia restringi-la em circunstâncias excepcionais. Com base nessa premissa, pretendeu Lochner que a Suprema Corte decretasse a inconstitucionalidade da lei de Nova Iorque, que limitava sua liberdade de contratar.
O relator da decisão, Juiz Peckam, entendeu que a lei de Nova Iorque interferia na liberdade de contrato, entre patrões e empregados. Com base na 14ª. Emenda afirmou que o estado não poderia privar o individual da liberdade e da propriedade, sem o devido processo legal, o que o estado de Nova Iorque estaria fazendo, ao limitar as horas de trabalho na padaria. A questão apreciava dois valores: a liberdade de contratar e o poder de polícia dos estados. No mérito, afirmou que pão limpo e saudável não depende de quantas horas o padeiro trabalhe. Não havia, nesse sentido, poder de polícia que justificasse a lei limitativa de horas de trabalho. Declarou-se a inconstitucionalidade da lei de Nova Iorque que limitava a jornada de trabalho nas padarias (cf. GILLMAN, 1993).
Manteve-se a tendência de garantir-se a todo custo a liberdade de contrato. Ainda em 1898 no caso Adair v. EUA fulminou-se a Seção 10 da Lei de Erdman, de 1º. de junho de 1898. A aludida lei proibia os contratos yellow dog (exigência das estradas de ferro de que seus empregados não fossem sindicalizados) e vedava a discriminação de empregados filiados a sindicatos.
O caso Brown v. Board of Education of Topeka, de 1954, revogou a doutrina até então dominante, do equal but separate, aplicado desde Plessy v. Ferguson. Em 1948 Ada Lois Sipuel, estudante negra, provocou a Corte Suprema porque a faculdade de direito de Oklahoma indeferiu seu pedido de matrícula. Por ordem do tribunal a universidade nomeou três advogados que dariam aulas à pretendente. A mesma universidade teve de deferir o pedido de C.W. McLaurin, que se matriculou num programa de pós-graduação em Educação. Porém o aluno foi obrigado a sentar-se em ambiente contíguo à sala de aula, em lugar separado na biblioteca, bem como foi constrangido a usar o refeitório em horário diverso dos outros estudantes. A Corte ordenou o fim das restrições.
Um outro afro-descendente, Sweatt, teve pedido indeferido para matricular-se na faculdade de direito do Texas, que lhe negou acesso por preconceito racial. A Corte assinou prazo para que se instalasse uma faculdade de direito separada para negros, ou então que se deferisse o pedido de matrícula. Sweatt matriculou-se na faculdade para negros, de cuja qualidade reclamou. 188 professores de Direito do país enviaram petição à Suprema Corte, para que se revogasse a segregação racial nas escolas.
Em 1952 a Corte preparava-se para apreciar casos do Kansas (Brown v. Topeka), da Carolina do Sul, da Virgínia, e de Delaware. Embora sob premissas, fatos e condições distintas, as quatro ações versavam sobre a segregação racial nas escolas e seriam julgadas conjuntamente. Decisão unânime concluiu que não havia igualdade entre escolas. Crianças brancas tinham opções, enquanto a educação de crianças negras era praticamente inexistente. Concluiu-se que em tema de educação pública a doutrina do equal but separate era inaplicável. Iniciava-se nova fase nas relações raciais norte-americanas. Dava-se início a extinção da segregação nas escolas públicas, circunstância marcada por intensas reações. Em 1964 a lei dos direitos civis fez da igualdade racial matéria de lei federal (cf. SCHWARTZ, 1995). A política de desmonte da segregação racial nas escolas norte-americanas foi um dos maiores desafios que o direito daquele país viveu na década de 1950 (cf. COX, 1987, p. 250). Ressurge contemporaneamente informando políticas de ações afirmativas, que objetivam correções de injustiças historicamente realizadas (cf. SPANN, 1999). Há decisão recente da Suprema Corte Norte-Americana, de 28 de junho de 2007, que decretou a inconstitucionalidade de alocação de alunos em escolas públicas, por razões exclusivamente de raças. Ao contrário do anunciado por alguns jornais, o caso é pontual e específico, não significa que se decretou o fim das práticas de ações afirmativas. Trata-se de questão que envolveu – especialmente – alunos de uma escola pública de Seattle, que fixava estudantes com bases e critérios exclusivos de raça. Reporto-me ao caso Parents Involved in Community Schools v. Seattle School District # 1 et al., no qual se decidiu também Meredith Custodial Parent and Next Friend of McDonald´s v. Jefferson County Board of Education et al. Práticas de ações afirmativas, vinculadas à promoção da diversidade, do livre acesso e de correção de injustiças que se realizaram na história são implementadas no modelo norte-americano, e têm sido estímulo para práticas similares em outros lugares do mundo.
O caso Miranda v. Arizona vincula-se ao direito do detento de ficar em silêncio. No dia 13 de março de 1963 Ernesto Miranda foi preso em sua casa e levado em custódia para uma estação policial em Phoenix, no estado do Arizona. Foi identificado por uma vítima, que o acusou de crimes de rapto e de estupro. Em seguida foi interrogado por dois policiais, que admitiram em juízo que não tinham advertido o réu de que ele poderia ficar calado, além de que tinha direito à presença de um advogado. Os policiais não obedeceram a 5ª. emenda à constituição norte-americana, como determinado no Bill of Rights de 1791.
Ao que consta, depois de duas horas de interrogatório os policiais obtiveram confissão de Miranda, tida como voluntária, livre de ameaças e de promessas de benesses, com total conhecimento de direitos, a par do reconhecimento de que a confissão poderia ser usada contra o próprio réu. Miranda foi condenado em 1ª. instância a 50 anos de prisão. A Suprema Corte do Arizona manteve a decisão a quo, observando que Miranda não pediu específica e objetivamente por advogado. O recurso subiu à Corte de Warren. Trata-se do mais discutido caso decidido por aquele corte liberal (cf. POWE JR., 2001, p. 394).
Entendeu-se que o aviso de que o réu pode ficar em silêncio deveria ser acompanhado da admoestação de que tudo o que fosse dito poderia ser usado contra o próprio réu. Além do que, sob orientação da 5ª. emenda, entendeu-se que o direito a um advogado é absoluto, e que o mesmo deve acompanhar o réu, durante o interrogatório. Garante-se a proteção do acusado, além de possibilitar testemunho, por parte do advogado, caso presencie violação aos direitos do réu. A decisão da corte, anulando o acórdão do Arizona, suscitou outra questão, a propósito da inconstitucionalidade da pena de morte, à luz da Emenda n. 8, que veda penas cruéis e desusadas (cf. SCHWARTZ, 1995, p. 280). Os presidentes Nixon e Reagan criticaram a decisão proferida no caso Miranda v. Arizona, premonindo a política de tolerância zero que marca setores mais contemporâneos do direito criminal norte-americano, especialmente no estado da Califórnia, no qual vigora o three strikes law, por meio do qual o criminoso recebe pena de morte ao cometer uma terceira infração, não importando sua natureza.
Outro caso que divide republicanos e democratas nos Estados Unidos é o caso Roe v. Wade, de 1973, e que sinaliza com o direito ao aborto. Jane Roe estava grávida, era solteira e queria abortar. As leis do Texas proibiam o aborto, a menos que a mãe corresse risco de vida. Jane Roe ajuizou ação de março de 1970. Quando a questão chegou à Suprema Corte a criança já havia nascido e fora adotada por terceiros. Os críticos da decisão da Suprema Corte insistem que o julgamento foi maculado pelo nascimento da criança. De modo a avaliar se a mãe poderia abortar, o relator, Juiz Blackmun, historiou o entendimento normativo e jurisprudencial a propósito do aborto. Mencionou uma certa preocupação vitoriana para o desencorajamento de condutas sexuais ilícitas. Lembrou os problemas e riscos que a prática do aborto suscita nas gestantes. Também teceu comentários em torno do interesse do estado no sentido de proteger a vida pré-natal. Não alcançava tese relativa ao direito da mãe à privacidade, porquanto a gravidez, em tese, relativizava a pretensão.
Jane Roe argumentava que o direito ao aborto era absoluto, outorgando à gestante o poder de realizá-lo, a qualquer tempo. Além disso, o nascituro não é pessoa, como supostamente dedutível da constituição. A Suprema Corte, com base em estatísticas, deu a entender que o aborto seria mais factível e compreensível no primeiro trimestre da gravidez. Confirmou a competência do estado do Texas de legislar sobre a matéria. Julgou inconstitucional o artigo 1196 do Código Penal daquele estado, que restringia o aborto, mas que não fracionava e diferenciava abortos feitos no início ou no fim da gravidez. Assim, tão somente sobre premissas lógicas, biológicas e estatísticas pronunciou-se pela inconstitucionalidade da mencionada lei do Texas (cf. IRONS, 1999).
Liberdade religiosa é assunto discutido no caso Lyng v. Northwest Cemetery Protective Association, de 1987. No norte da Califórnia, nas montanhas Siskiyou, próximo ao Pacífico, junto à fronteira do Oregon, na Floresta Nacional dos Seis Rios, os índios yurok, karok, tolowa e hoopa praticavam cerimônia religiosa de purificação. Dançavam os passos dos woges, espíritos que habitavam a terra, antes da vinda dos homens. O serviço florestal norte-americano planejava construir uma estrada para o escoamento de madeira que cortaria a reserva, passando pelos lugares dedicados aos cultos sagrados. 72 caminhões e 90 automóveis passariam diariamente pela estrada. Com base na 1ª. emenda, que garante a liberdade de religião, os índios entraram com uma ação judicial na Corte de São Francisco. A construção da estrada constituía, para os índios, algo semelhante a uma via que cortasse o Vaticano, na ótica de religião dominante. A construção da rodovia destruía a solidão, a paz e a privacidade necessárias para que os índios expressassem livremente sua religião. Precedentes havia com adventistas, testemunhas de Jeová e com os Amish.
Em 1983 a Corte de São Francisco julgou procedente o pedido da associação indígena. O governo apelou. Enquanto isso, uma lei federal declarou a área reserva florestal, porém garantiu e autorizou a construção da estrada, cumprindo compromisso político assumido para aprovar a norma. Em julho de 1986 a Suprema Corte da Califórnia confirmou a decisão de primeiro grau. Os autos do processo subiram à Suprema Corte em Washington. Em novembro em 1987 a Suprema Corte reverteu as decisões originais, por diferença de apenas 1 voto (5x4). Entendeu-se que o poder executivo não conseguiria operar se tivesse que atender individualmente todos os desejos dos cidadãos. Os índios não estavam sendo coagidos a agir contrariamente a suas crenças, o que seria o objetivo da proteção da 1ª. emenda. Em outubro de 1990 uma outra lei federal proibiu a construção do que faltava da estrada, sob o fundamento de proteção ambiental, e não de liberdade religiosa (cf. ALDERMAN e KENNEDY, 1992, p.55).
O caso Missouri Kinights of the Klux Kux Khan v. Kansas City é ilustrativo de questões referentes a liberdade de expressão, no direito constitucional norte-americano. Dennis Mahon, funcionário da TWA, dragão imperial do Missouri Knights of the KKK pretendia apresentar Race and Reason no canal 20 de Kansas City. O programa era dirigido e apresentado por Tom Metzger do WAR (White Aryan Resistence). Temendo os 95% de negros do bairro da estação de TV, os procuradores da mesma exigiram que a produção deveria ser local. A KKK aceitou, e preparou o programa Kansas City Kable.
Emanuel Cleaver, pastor metodista negro, liderou movimento contra a KKK. Defendeu-se com a teoria do perigo real, de Oliver Wendell Holmes e com o leading case de Eugene Debs, que em 1917 foi preso por ativismo socialista e por ser contrário à 1ª. Guerra Mundial. Em 16 de agosto de 1988 a cidade promulgou a Resolução 62.555, extinguindo o acesso público ao canal de TV. Joanne Collins (que também era negra), votou contra. Com base na teoria do counterspeech pretendia realizar um grande debate na cidade.
A KKK protocolou ação contra a cidade de Kansas, guerreando a Resolução 62.555. Em 26 de maio de 1989 a Suprema Corte julgou dois casos com base na liberdade de expressão: a queima da bandeira norte-americana e o dial-a-porno. O município temia perder a ação. Se perdesse, pagaria 100.000 dólares em custas e honorários. A cidade vivia uma crise financeira. Era ano eleitoral. O conselho municipal reuniu-se em 13 de agosto de 1989 para decidir a propósito de eventual desistência da ação. Em 3 de abril de 1990 reuniu-se pela primeira vez em câmara plena. Por 7 votos a 3 decidiu-se que programas públicos seriam novamente autorizados, que a KKK poderia apresentar seu programa e que assim garantia-se a liberdade de expressão (cf. ALDERMAN e KENNEDY, 1992, p.23).
O caso Texas v. Johnson também é ilustrativo do conceito constitucional norte-americano relativo a liberdade de expressão. Em 1984 Johnson queimou uma bandeira norte-americana, em sinal de protesto, em frente a um edifício em Dallas, no estado do Texas. Foi condenado por violar uma lei daquele estado, que tipificava como crime a profanação intencional de bandeira estadual ou nacional. O caso foi à Suprema Corte.
A questão radicava na emenda nº 1 que indicava que o Congresso não fará lei relativa ao estabelecimento de religião ou proibindo o livre exercício desta; ou restringindo a liberdade de palavra ou de imprensa; ou o direito do povo reunir-se pacificamente e dirigir petições ao governo para a reparação de seus agravos. A liberdade de expressão recebia entendimento constitucional de sentido amplo, como se observou no caso Missouri Knights of the Klux Klan v. Kansas City, quando se garantiu a exibição de programas racistas, na televisão, em nome da liberdade de expressão. Por 5 votos a 4 a Suprema Corte definiu que a Constituição protege profanação à bandeira, como forma simbólica de expressão. Entendeu-se que o governo não estaria autorizado a proibir ou restringir a expressão de uma idéia porque a sociedade achava essa idéia ofensiva ou desagradável. Protegeu-se a queima da bandeira como forma de liberdade de expressão, como garantida na emenda nº 1 (Bill of Rights) da constituição norte-americana (cf. IRONS, 1999, p. 468).
O caso Boy Scouts of América v. Dale, de 2000, é paradigma de tema recente, referente ao controle de constitucionalidade de políticas de organizações privadas, e que também indubitavelmente toca em preconceito e em liberdade de opção sexual. James Dale entrou para o grupo de escoteiros em 1978, com a idade de oito anos. Primeiramente como lobinho, tornou-se escoteiro em 1981, permanecendo no grupo até os 18 anos. Dale era escoteiro exemplar. Em 1988 Dale fez jus à honraria tornando-se Eagle Scout, título distintivo. Em 1989 requereu sua permanência no grupo, como escoteiro adulto. Foi aprovado e tornou-se assistente de líder na Tropa 73. Nesse mesmo ano Dale começou a freqüentar a faculdade. Em seguida tornou-se co-presidente da aliança de gays e lésbicas, da faculdade na qual estudava. Em 1990 Dale participou de um seminário, no qual palestrou sobre necessidades psicológicas e físicas de adolescentes homossexuais.
Dale também deu longa entrevista para jornal que cobria o seminário. Advogou que adolescentes gays e lésbicas precisavam de modelos homossexuais. A foto de Dale foi publicada junto com a entrevista. No fim daquele mês ele recebeu uma carta do grupo de escoteiros dando notícia de que sua participação no grupo estava encerrada e que sua inscrição fora cancelada. Dale escreveu para o líder do grupo pedindo explicações para o desligamento. O chefe respondeu dizendo que o regulamento dos escoteiros especificamente proibia a participação de homossexuais. Dale imediatamente ajuizou ação, alegando que o grupo de escoteiros violava a lei relativa ao uso de instalações públicas do estado de Nova Jersey, bem como teria desrespeitado os princípios do common law.
A lei de uso de instalações públicas de Nova Jersey proíbe qualquer forma de discriminação em ambientes de uso público, como os locais nos quais os escoteiros se reúnem. O common law também veda qualquer modalidade de discriminação. A questão colocada em juízo consistia em se indagar se um determinado grupo pode excluir pessoa não desejada no caso de que adesão forçada afetaria a liberdade do grupo no que toca a posições tomadas, em questões públicas e privadas. A questão chegou à Suprema Corte, que decidiu que um grupo tem direito constitucional de excluir pessoa indesejada se a presença dessa pessoa ameaça a liberdade do grupo na expressão de idéias públicas e privadas. Dale colocava questão de territorialidade, o grupo de escoteiros ponderava a partir de questão ideológica. Não se tratava de discriminar a homossexualidade de Dale, tratava-se de se defender princípios do grupo de escoteiros.
Contrariou-se decisão anterior da Suprema Corte de Nova Jersey. A decisão da Suprema Corte em Washington teve William Rehnquist como relator. Os juízes Stevens e Souter foram votos vencidos. Para Stevens a lei não impõe ao grupo de escoteiros a obrigação de divulgar mensagem, portanto não havia desconsideração para com direitos constitucionais. Para Souter nenhum grupo pode reivindicar direitos de escolhas de associados sem identificar especialmente quais mensagens não pretende pregar.
O caso Allen v. Wright, de 1984, identifica construção jurisprudencial relativa a competência de jurisdição federal nos Estados Unidos. Pais de alunos de uma escola com maioria de alunos negros ajuizaram ação para que se determinasse que o IRS (agência norte-americana do Imposto de Renda) negasse isenção tributária para escolas que praticassem a discriminação racial, o que é vedado por lei. A isenção para escolas que praticavam segregação tornava a política de fim da segregação ainda mais difícil. Os pais ganharam a ação em primeira instância. Tribunal de apelação confirmou a sentença originária. A questão sutil que se colocava era a possibilidade de se litigar em cortes federais sem que se alegasse violação de um direito pessoal.
A Suprema Corte norte-americana cassou a decisão do tribunal a quo. Em voto redigido pela Juíza Sandra O´Connor decidiu-se que não se pode litigar em cortes federais se não se comprovar violação a direito pessoal. Segundo a decisão, a Suprema Corte não se presta para apreciar violações genéricas de direitos generalizados. O autor deve demonstrar que sofre dano pessoal e que consegue identificar a fonte do dano sofrido, de modo a requerer claramente intervenção judicial federal. Nos termos da referida decisão, afirmou-se que se teria excessiva intervenção do judiciário nos negócios conduzidos pelo poder executivo. É caso que marca o minimalismo judicial, uma das características mais fortes na atual composição da Suprema Corte norte-americana, de feição conservadora. Os pais dos alunos, no entender da decisão, deveriam ter demonstrado que aos seus filhos fora negado tratamento igualitário, por parte da escola.
Alegação de que a escola praticava segregação era meramente especulativa. Não se comprovou que a retirada da isenção tornaria as escolas melhores. Voto vencido do juiz Brennan suscitou que os pais teriam adequadamente demonstrado prejuízo sofrido pelas crianças. Votos vencidos de Stevens e Blackmun atentaram que os pais conseguiram demonstrar que crianças brancas evitavam a escola, o que seria indicativo de prejuízo concreto.
O caso Poe v. Ullman, de 1961, também apreciou tema referente a competência de justiça federal nos Estados Unidos. O estado de Connecticut mantinha em 1961 uma lei que proibia a venda de anticoncepcionais. Embora a lei não fosse respeitada, dado que anticoncepcionais eram vendidos naquele estado norte-americano, um grupo de mulheres ajuizou ação na justiça federal norte-americana, questionando a inconstitucionalidade da regra. O grupo argumentava que a lei proibia que as mulheres fossem adequadamente informadas ou orientadas em relação ao controle de natalidade. À época ainda não se discutia o aborto na justiça norte-americana.
Aceitando um writ of certiorari a Suprema Corte analisou a questão. A maioria afirmou que a matéria ainda não estava ripe, isto é, que a discussão não se encontrava madura e suficientemente concreta para julgamento. Decidiu-se que não havia número suficiente de casos questionando a referida lei e que, portanto, a matéria não substancializava circunstância justificativa de intervenção da Suprema Corte. Em voto vencido o juiz Douglas afirmou que a cláusula do devido processo legal não assegura apenas justiça no procedimento.
A cláusula do devido processo legal presta-se para garantir direitos que são fundamentais. A intromissão do governo, mediante legislação, na vida privada das pessoas, é limitação aos direitos fundamentais, protegidos pela cláusula do devido processo legal. Voto vencido do juiz Harlan afirmou que as garantias específicas do Bill of Rights provocam penumbras que devem ser analisadas na medida em que dão substância a direitos que protegem a intromissão do Estado na vida íntima das pessoas. O caso indica exigência da Suprema Corte norte-americana, que detém discricionariedade para apreciar os casos que lhe são encaminhados (cf. IRONS, 1999, p. 401).
O caso Baker v. Carr, de 1962 mostra-nos o conteúdo de questão política, indicativo da competência, ou não, para que o judiciário norte-americano aprecie questões complexas de origem política. O sistema eleitoral norte-americano é competência de regulamentação estadual. A manipulação da distribuição do número de eleitores em um determinado estado da federação pode significar composição eleitoral que beneficie grupos específicos. A lei eleitoral do estado do Mississipi era de 1901. Em 1962 Baker chegou à Suprema Corte alegando que a referida lei eleitoral era inconstitucional, porque a população do estado havia se alterado substancialmente, depois de 60 anos. Ainda, o estado se recusava a confeccionar nova lei eleitoral que relevasse nova realidade populacional. É que o legislativo estadual era composto de acordo com o modelo de 1901, o que tornava impraticável alteração na mencionada legislação eleitoral.
A sutileza da questão consistia em se saber se ação judicial que visasse proteção de direito político significava necessariamente debate em torno de questão política. Direito político e questão política seriam sinônimos? A Suprema Corte norte-americana tradicionalmente se diz não competente para apreciar questões políticas, que são de competência do executivo ou do legislativo, embora se excetue o recente caso Bush v. Gore. Assim, se o assunto fosse considerado questão política, ao judiciário estaria vedada qualquer forma de manifestação. Se o problema fosse tomado sob a ótica de um direito político, o judiciário deteria competência para apreciação, manifestação e julgamento. A maioria votou com o juiz Brennan que entendeu que direito político não significa necessariamente questão política. Não haveria, por parte do judiciário, desrespeito à separação dos poderes, bem como não se hostilizaria a harmonia que deve reinar entre os três poderes. A corte não poderia rejeitar como questão política discussão que adviesse de problema que identificava fato concreto e real, por meio do qual direito estadual estaria violando direito de igual proteção. Determinou-se que o feito retornasse ao tribunal de apelação, para julgamento (cf. SCHWARTZ, 1995, p.324).
O caso Goldwater v. Carter, de 1979, também apreciou tema de jurisdicização da política. O presidente Jimmy Carter, sem oitiva do Congresso norte-americano, assinou tratado com Taiwan. Alguns congressistas entendiam que o presidente norte-americano não detinha competência para tal. Entre eles, Goldwater, autor da ação. Esse último ganhou em primeira e em segunda instâncias. O presidente Carter, através de um writ of certiorari levou a questão à Suprema Corte. Mais uma vez, colocava-se para a Suprema Corte norte-americana problema recorrente, relativo a competência para apreciação e julgamento de questões políticas. A constituição não se manifestava concretamente sobre a questão, circunstancializando uma lacuna, um gap.
Decidiu-se que a Suprema Corte não apreciaria a questão, porque se tratava de problema político, que encetava disputa entre o executivo e o legislativo, e que entre esses poderes deveria ser resolvida. Definiu-se que a questão ainda não estava suficientemente madura para apreciação. Devolveu-se a questão para o tribunal de apelação, com determinação para que a questão não fosse julgada. O juiz Brennan foi voto vencido. Para ele, a constituição dá ao presidente pleno poder para reconhecer ou descreditar governos estrangeiros, e era o caso. O juiz Rehnquist votou com a maioria, porém observou que a questão era política porque envolvia a autoridade do presidente conduzir os negócios externos da nação, e a extensão que têm o Congresso e o Senado de apreciarem, autorizarem ou negarem a atuação do presidente. Como pano de fundo, observe-se a política de Carter, no sentido de se aproximar da China, e o que tratados com Taiwan representariam nesse contexto (cf. SCHWARTZ, 1995, p. 430). Lembre-se também que Carter era democrata, e que o momento presenciava transição da maioria para o lado republicano, na composição da Suprema Corte norte-americana.
O caso United States v. Lopez, de 1995, indica paradigmas referentes a competência do poder legislativo federal. Em 1990 uma lei federal proibiu que se circulasse em áreas próximas a escolas com armas de fogo. A posse de arma de fogo em zonas escolares foi tipificada como crime federal. Especialmente junto aos campi norte-americanos percebeu-se intensa movimentação de policiais, com o objetivo de fiscalização e de apreensão de armas, com conseqüente detenção de seus portadores, que seriam julgados pela justiça federal norte-americana, e que ficariam sob custódia em prisões federais.
Lopez foi preso em flagrante e julgado pela posse de arma, em área estudantil, crime federal. Foi condenado em primeira instância. Apelou para tribunal superior. Defendeu a tese de que tal lei era inconstitucional, porque o Congresso não detinha poderes para legislar sobre a matéria. Venda de armas não é assunto de comércio interestadual, que o Congresso pode regulamentar. Lopez ganhou em segunda instância. Procuradores federais conseguiram levar a matéria a Suprema Corte, por meio de um writ of certiorari. A questão consistia em se indagar se o Congresso de fato tinha competência para legislar sobre restrição de armas de fogo em áreas escolares. Decidiu-se que o Congresso não possuía poderes para legislar sobre a matéria. A maior parte da legislação federal norte-americana decorre dessa cláusula, chamada de commercial clause. O Congresso pode legislar sobre meios e instrumentos de comércio interestadual, bem como sobre atividades que tenham efeito em relação a esse comércio entre os estados da federação.
No caso, o relator, juiz Renhquist, entendeu que o porte de armas em proximidade de escola é matéria de interesse local, e não afeta a comércio interestadual. Voto vencido do juiz Stevens entendeu que a educação da juventude tem impacto substancial na economia nacional e que é matéria de comércio interestadual, tomando-se esse em seu aspecto mais concreto. Voto vencido do juiz Souter entendeu que a Suprema Corte deveria atuar prospectivamente, e que a maioria qualificava um retrocesso em relação ao ativismo judicial que marcou a Corte nos primeiros trinta anos do século XX, mediante decisões que realmente representaram controle de constitucionalidade em relação a atuação do Congresso.
O caso South Dakota v. Dole, de 1987, também indica referenciais para apreciação de competência de legislação federal. O congresso norte-americano havia promulgado lei que permitia que o governo federal retivesse fundos destinados a estradas federais nos estados cuja idade mínima para venda de bebidas alcoólicas fosse inferior a 21 anos. De acordo com essa norma (20 U.S.C. § 138) o secretário dos transportes poderia reter 5% de fundos destinados a rodovias federais, em relação a estados cuja idade mínima para venda de bebidas alcoólicas fosse inferior a 21 anos. A rationale da norma consistia na constatação de que menores que consumissem álcool poderiam estar dirigindo automóveis, o que muito perigoso, porque a idade mínima para a obtenção de licença de motorista era de 18 anos.
O estado de Dakota do Sul ajuizou ação para discutir a constitucionalidade da norma. Para os autores da ação, regulamentação de bebida alcoólica é matéria estadual. A retenção de fundos indicava interferência indireta do legislativo federal em matéria de natureza e interesse estaduais. O estado de Dakota do Sul perdeu em primeira e em segunda instâncias e conseguiu que a Suprema Corte apreciasse a matéria. A Suprema Corte manteve as decisões originárias. Ao longo dos anos formatou-se jurisprudência que indica que o Congresso pode usar o seu poder de regulamentar o gasto de fundos federais para induzir cooperação dos estados em áreas que não pode regulamentar diretamente.
E mesmo se o Congresso não tivesse promulgado a lei, o governo federal poderia ter utilizado seu poder de polícia, para determinar a retenção dos fundos, pelas razões determinantes da lei discutida. O juiz Brennan foi voto vencido. Para ele, a 21 ª emenda à constituição delegava aos estados o poder para regulamentar consumo de bebidas alcoólicas. A juíza Sandra O´Connor também foi voto vencido. Segundo a referida juíza, a lei federal não conseguia adequadamente justificar como o sistema federal de rodovias se relacionava com lei estadual relativa a consumo de bebidas alcoólicas.
O caso Nixon v. United States, de 1993, alavancou questões referentes a relação entre os poderes. Não se trata aqui do presidente democrata Richard Nixon. O caso é referente a Nixon era o sobrenome de um juiz federal de primeira instância no estado do Mississipi que foi processado e condenado em seu estado de origem por ter feito declarações falsas no Tribunal do Júri. Em seguida, acusado de outros crimes, Nixon foi julgado pela Casa dos Representantes (equivalente a nossa Câmara dos Deputados) e condenado com impeachment pelo Senado. Esse último, com base em regimento interno, também ouviu testemunhas, por meio de comissão ad hoc.
Nixon ajuizou ação para que se declarasse a inconstitucionalidade do regimento. É que a constituição outorga ao Senado (e não a uma comissão do Senado) a competência para julgar impeachment (Artigo I, § 3, cláusula 6 : O Senado detém competência exclusiva para julgar processos de impeachment ). Nixon perdeu em primeira e em segunda instâncias. A questão chegou à Suprema Corte, que manteve os julgados originários. O relator foi o então presidente (chief-justice) W. Rehnquist. A decisão prendeu-se na potencialidade da literalidade do texto constitucional, de uma reserva de sentido, na expressão consagrada da hermenêutica.
Rehnquist partiu da definição de julgar e procurou demonstrar qual o significado da expressão para os framers (como se chamam os legisladores que formataram o texto constitucional norte-americano). Nos termos do voto, o verbo julgar não pode ser tomado de maneira limitada, como se o Senado, apenas quando reunido em composição absoluta, estivesse legitimado para ouvir testemunhas e tomar decisões. Além do que, segundo Rehnquist, controle de constitucionalidade em matéria afeta exclusivamente ao Senado é medida que transcenderia de modelo convergente entre os poderes, como cogitado pelos framers. O juiz Souter ponderou que nem toda interferência judicial em processos de impeachment seria inapropriada. Essa interferência até seria necessária se o Senado estivesse agindo de forma que se ameaçassem seriamente os resultados que busca. Nixon perdeu o cargo.
O caso Richard Nixon v. Ernest Fitzgerald, de 1982, indica referenciais para a compreensão da imunidade presidencial nos Estados Unidos. Fitzgerald trabalhava para a Força Aérea como gerente analista. Nessa qualidade, e para constrangimento de seus superiores, Fitzgerald testemunhou junto ao Congresso norte-americano, em comissão que apurava problemas de superfaturamento e de dificuldades técnicas, em relação ao transporte aéreo no país. Durante a administração Richard Nixon o analista Fitzgerald foi despedido, sob argumento de reorganização de contingente e redução de empregados.
Em seguida, Fitzgerald ajuizou ação reclamando indenização, argumentando que perdeu o emprego como retaliação por ter testemunhado contra o governo. No pólo passivo, Fitzgerald indicou o presidente Nixon. Esse último defendeu-se sem tocar no mérito. Apenas argüiu preliminar, invocando que o exercício da presidência lhe conferia imunidade. Nixon ganhou em primeira instância. Fitzgerald reverteu a situação em segunda instância. Nixon levou a questão para a Suprema Corte. O que se discutia, fundamentalmente, era se o presidente detinha imunidade absoluta por seus atos, enquanto presidente, e enquanto ainda estivesse no exercício do cargo. Nixon obteve ganho de causa junto a Suprema Corte.
Decidiu-se que como matéria de política e de interesse públicos, e com base na estrutura de governo que decorre da tripartição dos poderes, o presidente detém imunidade absoluta de seus atos, enquanto no exercício do cargo, e na medida em que os fatos decorram de suas obrigações oficiais. Essa circunstância decorre da importância que as incumbências presidenciais substancializam. A contrário de outros servidores, cuja imunidade é relativa, o presidente, no entender do voto, deve concentrar-se especificamente em suas atribuições, de modo que ações judiciais não podem alcançá-lo, por atos praticados na qualidade de presidente da república. Voto vencido do juiz White indicou que a imunidade era inapropriada, porque colocava o presidente acima da lei. Bem entendido, a constituição dos Estados Unidos não prevê especificamente a imunidade para o presidente.
O caso William Jefferson Clinton v. Paula Corbin Jones, de 1997, suscita o mesmo problema, embora com desate distinto. Bill Clinton foi eleito presidente dos Estados Unidos em 1992 e reeleito em 1996. Seu mandato expirou em 20 de janeiro de 2001. Em maio de 1991, ainda quando governador do estado de Arkansas, Clinton discursou em conferência no Hotel Excelsior, na cidade de Little Rock, em seu estado, Arkansas. Paula Jones, que era funcionária do estado de Arkansas, e que estava nessa qualidade trabalhando na recepção do Hotel Excelsior, alegou que fora convidada por Clinton para que se dirigisse a uma suíte do hotel. Jones teria sido abordada por Clinton, que teria feito propostas indecorosas para a funcionária, que disse ter resistido veementemente ao assédio.
Em 1994 Paula Jones ajuizou ação contra Clinton, requerendo ressarcimento por danos morais, especialmente porque Clinton teria obstruído seus direitos de reclamar, administrativa e judicialmente. Paula Jones requereu também compensação pelos danos emocionais que sofreu, e que ainda estava sofrendo. A defesa de Clinton não atacou o mérito. Invocou-se a imunidade, e precedente havia, a exemplo do caso Nixon v. Fitzgerald. Clinton pretendia que se suspendesse o andamento da ação ajuizada por Paula Jones, pelo menos enquanto se resolvesse a questão da imunidade, preliminar na forma, prejudicial no conteúdo.
Em primeira instância aceitou-se a tese da imunidade e determinou-se a suspensão do feito até o término da gestão Clinton. Ambos apelaram. Em segunda instância determinou-se a continuidade do procedimento. Clinton levou a questão para a Suprema Corte. A Suprema Corte deu ganho de causa para Paula Jones, afirmando que não se tratava de caso semelhante ao caso Nixon v. Fitzgerald. Nesse último, danos seriam pagos pelo Estado, no caso de Clinton, a responsabilidade era pessoal. A ação judicial deu início a intenso movimento oxigenado pelo partido republicano, e que tinha por objetivo desestabilizar Clinton, por conta de vida pessoal supostamente não condizente com o exercício da presidência dos Estados Unidos da América (cf. CLINTON, 2005, p. 829).
O caso Toomer v. Witsell, de 1948, dá os contornos da limitação do poder de polícia nos Estados Unidos. O estado da Carolina do Sul havia determinado o recolhimento de uma taxa de U$ 25 para proprietários de barcos que fossem daquele estado, e que pescavam camarões. A mesma lei determinou que proprietários que fossem de outros estados, e que também pescavam camarões, com suas embarcações, nas mesmas condições, e no mesmo local, fossem tributados em U$ 2,500. Vários pescadores do estado da Geórgia ajuizaram ação protestando que a diferença na tributação hostilizava cláusulas constitucionais de privilégios, imunidades e igualdades. O estado da Carolina do Sul defendeu-se invocando que a medida era necessária. O objetivo era a proteção dos camarões, bem como se deveria internalizar as externalidades negativas decorrentes da ação de concentração de pescadores, que vinham de outros estados, o que exigia que o estado da Carolina do Sul arcasse com custos adicionais de manutenção, quando os lucros eram obtidos por outros estados.
A questão chegou a Suprema Corte norte-americana. Os pescadores da Geórgia ganharam a causa. Cidadãos de um estado A devem usufruir os mesmos privilégios que detêm cidadãos de um estado B. Essa previsão constitucional, no entanto, não seria absoluta. Estados podem discriminar pessoas de outros estados quando há razões substanciais que justifiquem tratamento desigual. No caso analisado, a Suprema Corte entendeu que o interesse do estado da Carolina do Sul era até justificável. Afinal, pretendia-se regulamentar a pesca. No entanto, não se justificava a diferença na tributação, dado que não se demonstrou que pescadores de outros estados representavam, efetivamente, fonte específica e determinável do problema que suscitara a cobrança de taxas distintas.
O caso Supreme Court of New Hampshire v. Katrhryn A. Piper, também indica contornos aplicáveis aos limites do poder de polícia no direito constitucional norte-americano. O regimento interno da Suprema Corte do estado de New Hampshire limitava o exercício da advocacia a residentes daquele estado. Kathryn Piper vivia no estado de Vermont e residia a poucos metros da fronteira do estado de New Hampshire. Após ter passado nos exames para o exercício da advocacia naquele estado, Piper teve seu pedido de inscrição indeferido, por causa do regimento da Suprema Corte de New Hampshire, que reservava o exercício da advocacia no estado para residentes do próprio estado.
Piper ajuizou ação em corte de jurisdição federal, invocando que a restrição não atendia cláusula constitucional que regula privilégios e imunidades. Piper ganhou em primeira e em segunda instâncias. O caso chegou a Suprema Corte. Piper teve as decisões anteriores confirmadas. Decidiu-se que a regra limitava direitos de Piper. Dada a importância econômica e cultural do exercício da advocacia, entendeu-se que a atividade é um privilégio. No entanto, o poder de regulamentação não enseja cláusula absoluta, porque não havia razões substanciais para limitação do exercício da advocacia, por parte do estado de New Hampshire, em relação a habitantes de outros estados. A Suprema Corte de New Hamphshire argumentava que residentes de outros estados desconheciam padrões normativos do estado e que haveria dificuldade em se controlar o comportamento ético de advogados que não vivessem em seus limites territoriais. Além do que, advogados de outros estados não auxiliariam a estrutura judicial de New Hampshire, porque não fariam advocacia dativa ou demais trabalhos voluntários. O juiz Rehnquist foi voto vencido. Rehnquist afirmou que o exercício da advocacia é questão interna dos estados, dada a variedade de leis estaduais e a peculiaridade normativa da federação norte-americana.
Um dos casos mais paradigmáticos em tema de limitação de poder de polícia radica em 1908 quando se julgou o caso Muller v. Oregon. O estado de Oregon promulgou lei que proibia mulheres de trabalharem mais de dez horas por dia. Previu-se que o responsável pelo emprego de mulheres, na condição proibida por lei, ensejava tipificação penal. Muller era um supervisor de uma empresa de lavagem de roupas, e que foi processado e condenado, por ter empregado mulheres que trabalhavam mais de dez horas por dia. Em seguida a condenação, Muller apelou para a Suprema Corte do estado de Oregon, alegando que a restrição mitigava e menosprezava a liberdade de contrato, questão central no capitalismo norte-americano.
Manteve-se a decisão originária e Muller levou a questão para a Suprema Corte norte-americana. Muller perdeu. Estava em jogo suposta antinomia entre lei do estado de Oregon que restringia horas de trabalho e a 14ª emenda à constituição norte-americana. A Suprema Corte determinou que não há liberdade absoluta de se formularem contratos, especialmente em âmbito de direito do trabalho. Embora apenas circunstâncias excepcionais justificassem a interferência do Estado. E tais circunstâncias eram evidenciadas no caso, dado que inerente seria a diferença entre os sexos. Havia interesse na proteção das mulheres. Na visão da Suprema Corte, estrutura física e maternidade justificavam que a lei protegesse as mulheres, o que não ocorreria em relação aos homens. Conseqüentemente, os limites que a lei previa para o trabalho de mulheres, restringindo-se amplitude de contratos, beneficiavam as mulheres em particular e a sociedade em geral (cf. WOLOCH, 1996).
O processo marcou o início do uso de um tipo de petição, o Brandeis Brief, por meio da qual o advogado invoca questões sociais e econômicas, em desfavor da literalidade da lei. O advogado Louis Brandeis, que posteriormente serviu como juiz na Suprema Corte norte-americana, é quem deu início a esse modelo de documento jurídico.
Ativismo judicial é assunto que marcou o caso Korematsu v. United States, de 1944. Korematsu era um cidadão norte-americano de origem japonesa, que foi condenado pela justiça federal de primeira instância na Califórnia, por ter desobedecido a ordens militares contra japoneses, na costa oeste norte-americana, durante a segunda guerra mundial. Em 9 de maio de 1942 o governo norte-americano promulgou a Ordem de Exclusão nº 32, determinando que todos os descendentes de japoneses deveriam se apresentar para as autoridades militares, devendo em seguida aguardarem em áreas controladas por militares. Temia-se que esses descendentes de japoneses praticassem atos de sabotagem e de espionagem, durante a guerra.
A medida governamental pretendia atender iminente perigo público, o que exigiria limitação de liberdades individuais e mitigação de direitos civis. Korematsu desafiou judicialmente a ordem do governo norte-americano. Colocou a seguinte questão, que chegou à Suprema Corte dos Estados Unidos: pode se justificar a limitação de direitos civis, de um grupo racial específico, em nome da segurança pública? Também se discutia, como pano de fundo, previsão constitucional que outorgaria, a todos, proteção idêntica por parte da lei. Além do que, embora descendente de japoneses, Korematsu era cidadão norte-americano. Korematsu foi derrotado.
A Suprema Corte norte-americana definiu que medidas de restrição por parte de autoridades militares legítimas, em caso de perigo público grave e iminente, justificariam a limitação de direitos civis de um grupo racial específico. O relator, Juiz Black, centrou-se em interesses públicos primários. Receio de invasão na costa oeste, por parte das autoridades militares, em meio à guerra, após os japoneses terem bombardeado Pearl Harbor, seria motivo suficiente para justificação das restrições, para com descendentes de japoneses, na costa oeste dos Estados Unidos. Tudo isso, nada obstante Korematsu deter cidadania norte-americana (cf. IRONS, 1999, p. 357).
O caso Hustler Magazine v. Falwell, de 1988, é precedente fundamental para compreensão de tema de liberdade de imprensa no direito constitucional norte-americano. A revista Hustler veiculou publicidade de Campari, que teria ofendido o Reverendo Falwell, pastor evangélico norte-americano, conhecido no país todo. Tratava-se de uma campanha de Campari, que consistia em entrevistas fictícias com pessoas públicas, que falavam sobre a primeira vez.
Embora o tom malicioso fosse o foco da campanha, essa primeira vez identificaria quando o entrevistado teria experimentado a referida bebida. A revista anunciou jocosamente: Jerry Falwell fala sobre a sua primeira vez. A entrevista imaginária apresentava Falwell comentando que sua primeira vez fora uma relação incestuosa, em noite de muita bebedeira, em uma casa de prostituição. E na mesma página, na parte inferior, escreveu-se com letras minúsculas que se tratava de uma paródia, que não deveria ser levada a sério.
Falwell ajuizou ação pedindo indenização, por danos morais e emocionais, dado que a matéria envolvia a própria mãe. Além do que, o queixoso se tratava de um pastor protestante. A questão se resumia em se explicar se personalidades públicas estão protegidas de investidas da imprensa, podendo reclamar emotional distress, isto é, indenização por aflições emocionais sofridas. Falwell ganhou em primeira instância, mediante decisão de júri popular.
A questão chegou à Suprema Corte, que reverteu a decisão originária. O juiz relator, Rehnquist, votou no sentido de que personalidades públicas podem restringir o uso de suas imagens, pela imprensa, devendo, no entanto, comprovar que houve por parte do ofensor dolo específico, por meio de malícia orientada diretamente para a ofensa. O que, pelo menos em tese, não era o caso, porque a revista indicava tratar-se de uma paródia, sem que houvesse nenhuma intenção específica de dano à honra do ofendido. O caso assegura o direito e a prerrogativa que a cidadania norte-americana outorga a seu titular, no sentido de se criticarem pessoas públicas, conquanto que, especificamente, siga-se padrão que não indique comportamento malicioso objetivo.
O direito constitucional norte-americano é o exemplo mais veemente e eloqüente de que o constitucionalismo neutro é um mito e de que textos constitucionais consubstanciam-se como instrumentos retóricos, materializando as grandes narrativas, locução que identifica as armadilhas metafísicas da racionalidade astuta, na imagem dos autores identificados com o pensamento pós-moderno, a exemplo de Jacques Derrida, de Michel Foucault, de Stanley Fish, de Pierre Schlag e de Roberto Mangabeira Unger.