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A construção do racismo na isonomia entre "homens trans" e "mulheres cisgênero

Agenda 11/03/2023 às 20:48

Compreender o racismo estrutural é importantíssimo pata também compreender minúcias capazes de gerar o racismo estrutural. Particularidades podem, pela descontextualização, sensibilizar ouvintes e telespectadores quanto ao princípio da isonomia. O princípio da isonomia está insculpido no inciso I, do art. 5º, da CRFB de 1988: "homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição. Os legisladores da Constituinte de 1987 receberam diversas cartas, na época não existia e-mail, muito menos internet no Brasil, de vários movimentos sociais — 30 anos da Constituinte (câmara.leg.br). A primeira cirurgia de" troca de sexo ", o correto é cirurgia de redesignação sexual, no Brasil, ocorreu em 1971:

No Brasil, a primeira cirurgia de redesignação sexual foi realizada pelo médico Roberto Farina, no ano de 1971, na cidade de São Paulo. Seu ato foi interpretado pelo Conselho Federal de Medicina como lesão corporal, porém, após o devido processo legal, foi absolvido.

Maria Berenice Dias relata que:

'Diante dos avanços da Medicina e das tecnologias cirúrgicas, tornou-se possível dar uma nova conformação à morfologia sexual externa, a fim de que esta se coadunasse com a identificação desejada pelo indivíduo pleiteante, de acordo com a orientação de gênero que este mais se identificasse. Estas novas perspectivas, contudo, não foram acompanhadas pela legislação, inexistindo, pois, qualquer previsão legal a esse respeito. A lacuna regulamentadora acabou levando a classe médica a uma problemática ético-jurídica sobre a natureza das intervenções cirúrgicas e a possibilidade de sua realização. Nesse contexto, o IV Congresso Brasileiro de Medicina Legal, realizado em 1974, classificou como mutilante, e não como corretiva, a cirurgia para troca de sexo, concluindo que sua prática feriria o Código de Ética Médica.' (DIAS, 2006, p. 121).

Em 1998, na cidade de Campinas, foi realizada a primeira cirurgia legalmente reconhecida, após a resolução 1482/97 do Conselho Federal de Medicina. Hoje se pode dizer que: A cirurgia de transgenitalização de masculino para feminino não e considerada experimental ou de natureza puramente estética. Pelo contrário, ela é um tratamento muito eficaz e adequado para o indivíduo transexual. (SILVA; SILVA; DAMIÃO, 2012, p. 206). [fonte: 1504 (unisc.br)]

Atualmente, a resignação de sexo não é considerada como mutilação. Sobre" direito de personalidade ":

LEI Nº 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002

Art. 13. Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes.

Parágrafo único. O ato previsto neste artigo será admitido para fins de transplante, na forma estabelecida em lei especial.

Na AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 4.275, o Estado garantiu o direito de personalidade de pessoa transgênero. Ou seja, através da decisão do STF, eliminou-se qualquer vestígio de discriminação e limitação, pelo Estado, às pessoas transgêneras. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) — Transexuais têm direito à alteração do registro civil sem realização de cirurgia (stj.jus.br) —também garantiu que pessoas transgêneras continuem com suas dignidades. O direito de personalidade consubstancia com a dignidade humana. Não há como conceber limitações, por dogmas religiosos, à dignidade humana quando o direito de personalidade também é reduzido por ideologias religiosas. A ADI 4.275 garantiu a alteração do nome sem a obrigação da cirurgia de resignação de sexo. Se a decisão fosse alteração do nome com obrigação de cirurgia de resignação de sexo, o Estado reduziria o direito de personalidade, e com ele a dignidade de transexual. Do" não consentimento do Estado ", a perpetuação de uma ideologia classificativa, e impositiva, pelo utilitarismo religioso, ou conservador, de que o tipo de órgão sexual determina o tipo de comportamento esperado: o tipo de roupa; o uso ou não de cosméticos; doçura para o sexo (biológico) feminino e a rudeza do sexo (biológico) masculino; sentar ou não com as pernas abertas etc.

Ora, as mulheres Karen, na Tailândia, usam" argolas "nos pescoços. Sem as" argolas "deixarão de serem mulheres? Homens cisgênero, no carnaval brasileiro, que se transvestem de" gays ", após o término do carnaval, não são mais, emocional e psiquicamente, homens (cisgênero)?

Transexuais em corpos de, e emoções de. A liberdade dos transexuais pode ser comparada com a liberdade emocional de mulheres cisgênero. Não é pelo motivo de serem mulheres cisgênero que não possam" falar groso ". No caso do" falar grosso ", a alteração da voz — 'Em busca do corpo perfeito, acabei com voz grossa e problemas de saúde’ - BBC News Brasil — pode ser consequência do uso de anabolizante (s). A voz grossa não altera emoção e psiquismo em relação à sexualidade. A mulher cisgênero, ainda que injete hormônio (s) para o crescimento muscular, não deixa de ser cisgênero. Logo, hormônios, na vida extrauterina, modificam o corpo físico. Homem cisgênero que toma anticoncepcional feminino. As transformações ocorrem no organismo físico, não no psiquismo, isto é, sentir atração física pelo mesmo sexo.

A descontextualização na informação também pode ocorrer por "meias verdades". Quando pessoas dizem que os homens transexuais — biologicamente nasceram como mulheres, mas, emocional e psiquicamente, sentem-se como mulher — irão retirar direitos das mulheres cisgênero, sem comprovarem, cientificamente, dados científicos, seus discursos de" defesa da mulher cisgênero ", em nada contribuem para o debate democrático. Democracia é respeito, perpetuação e aperfeiçoamento da dignidade humana. Some essa descontextualização com os casos de" trans mulheres "— pessoa que nasceu com os sexo biológico masculino, contudo sente-se, emocional e psiquicamente, como mulher — nos esportes para o sexo feminino (mulheres cisgênero). Concordo ser desigual" trans mulheres "disputarem competições com mulheres cisgênero. É de ciência de todos que os competidores de Olimpíadas, de futebol, de natação, de ciclismo, ou quaisquer esportes de competição, exigem o máximo do organismo físico. Muitos atletas profissionais caem na tentação de uso de medicamentos proibidos para as competições oficiais. As pressões dos patrocinadores, ainda que indiretas, induzem os atletas profissionais na busca de fármacos potencializadores para determinadas funções orgânicas. Mesmo com a" boa genética ", para determinado esporte profissional, atletas, pelas pressões sofridas, de patrocinadores, de fãs e de torcedores, submetem-se aos fármacos não permitos para os respectivos órgãos desportivos. O princípio da isonomia também está presente nos esportes profissionais. Regras existem e devem ser obedecidas pelas atletas. As técnicas, física e psicológica, variam de atleta para atleta. Uma das regras, por exemplo, para lutadores de boxe é o peso corporal. Colocar lutador (a) de 100 kg (cem quilogramas) para lutar contra lutador (a) de 36 kg (trinte e seis quilogramas), ainda que ambos (as) possuem técnicas idênticas. Imaginem dois lutadores, com técnicas idêntica. Um tem doze anos de idade, o outro 25 anos de idade. É aceitável pela princípio da isonomia? Não! Há a Paraolimpíada. Não se faz discriminação quando atletas com necessidades especiais competem entre si e sem pessoas sem necessidades especiais. Equidade! Se houver avaliação diminuída do princípio da igualdade, somente pessoas sem necessidades especiais podem competir, pois pessoas com necessidades especiais são" desiguais ". É a exclusão!

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Poderiam" mulheres transexuais "competirem com" mulheres cisgênero "quando aqueles tomassem hormônios para diminuírem o hormônio testosterona em seus corpos, ou as mulheres cisgênero tomarem testosterona. No entanto, não para tal debate aqui. Em competições de" queda de braço ", não se mede a compleição corporal, mas a força física dos braços dos competidores. Vence quem tem mais força. Existem também as técnicas corporais, as preparações mentais. Mais sobre o esporte: REGRAS – CBLBH – Confederação Brasileira de Luta de Braço e Halterofilismo. Transcrevo:

Uma mulher cisgênero com 35 kg (trinta e cinco quilogramas) de peso corporal pode enfrentar homem cisgênero com 100 kg (cem quilogramas) de peso corporal? Sim! Ela possui arma de fogo. Ou é lutadora de" artes marciais mistas ". Se a mulher aplicar alguma técnica de arte marcial, ou várias técnicas, o homem, sem quaisquer noções de artes marciais, ainda que tenha muito mais força física, encontra-se em desvantagem. Artes marciais envolvem técnicas de estrangulamento, pontos vitais, chaves etc. Há também agilidade nos movimentos, preparação emocional etc. Se for colocar uma mulher cisgênero lutadora com homem cisgênero não lutador, a probabilidade de ela vencer são muito maiores. Necessita, então, de regras.

No caso de" mulher transexual ". O sexo biológico é masculino, as emoções e o psiquismo são de mulher. Todos os homens cisgênero possuem, igualmente, as mesmas massas musculares, massas magras, forças físicas, emocionais? Não! As mulheres transexuais, ainda que façam uso de testosterona, possuem, igualmente, as mesmas massas musculares, massas magras, forças físicas, emocionais? Não! Poder-se-iam colocar mulheres cisgênero com mulheres transexuais num mesmo tipo de competição? Assisti alguns vídeos de" tapa na cara "(RXF Slap Fighting Championship). Dois homens cisgênero. Visivelmente, um com massa corporal acima do outro. O de menor massa, após receber o tapa, caiu, literalmente, no solo. Em outro vídeo, ambos com a massas corporais volumosas. O de menor massa venceu. Técnica, força. Quem leva o tapa tem que ter boa resistência para aguentar os tapas, preparação muscular no pescoço.

Notem como é complexo qualquer esporte com suas respectivas regras. Nos primeiros" Vale Tudo ", homens cisgênero, de massas corporais desiguais. A de menor massa, pelas técnicas, pela agilidade, venceu. Em outras competições, a de maior massa corporal venceu.

Regras mínimas devem existir, ou será um Coliseu Romano. Ou bem pior. Esse debate sobre" mulheres trans "competindo com mulheres cisgênero tão cedo não se esgotará. E aqui a contextualização para a possibilidade de construção de racismo estrutural contra às" mulheres trans ". Pode-se pegar essa particularidade para abranger uma totalidade para a exclusão dos LGBT+. É público o fato de que os LGBT+, por questões de dogmas religiosos, de algumas religiões, a religião Luferiana e as religiões de matrizes africanas não condenam os comportamentos, o ser como é, dos LGBT+, diferentemente, salvo alguns, de católicos, evangélicos. A heteronormatividade é exigida pelos ultraortodoxos religiosos. Somente com a decisão do STF os transexuais e gays tiveram proteção do Estado. As mulheres cisgênero, por exemplo, tiveram proteções do Estado brasileiro quando o Estado brasileiro foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos quanto à omissão do Estado brasileiro. A Lei Maria da Penha é o resultado da condenação. Se houve ou não importância dos congressistas brasileiros para a criação da Lei, outra história.

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Por séculos, a etnia negra fora considerada" menos do quê "; mulheres cisgênero também. Mais valiam os cavalos e as carroças do que as dignidades dos negros e das mulheres cisgênero. E descontextualizações foram criadas para coisificarem negros e mulheres cisgênero.

A construção do racismo na isonomia entre" homens trans "e" mulheres cisgênero é "Véu de Ísis" para o núcleo da intenção: o racismo estrutural. Quero dizer com isto que quando algumas pessoas mencionam o princípio da isonomia para gerar exclusão, os motivos contra desigualdades é contra o princípio da isonomia e contra equidade. Fácil compreender. Por exemplo, a Lei Maria da Penha foi considerada, por alguns, como inconstitucional, por "dar mais direitos" às mulheres (cisgênero). A "equidade" — tratar os iguais e desiguais nas medidas de suas igualdades e desigualdades — também é, por algumas pessoas, considerada como "privilégio" para alguns. Ou seja, invocam o princípio da isonomia para o contínuo processo histórico de racismo estrutural.

Sobre o autor
Sérgio Henrique da Silva Pereira

Articulista/colunista nos sites: Academia Brasileira de Direito (ABDIR), Âmbito Jurídico, Conteúdo Jurídico, Editora JC, Governet Editora [Revista Governet – A Revista do Administrador Público], JusBrasil, JusNavigandi, JurisWay, Portal Educação, Revista do Portal Jurídico Investidura. Participação na Rádio Justiça. Podcast SHSPJORNAL

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