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O abuso sexual: uma análise da força probatória da palavra vitima criança

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Jairo de Sousa Lima
Ábia de Sousa Sá Martins
Pedro Soares da Silva Filho
Agenda 15/03/2023 às 22:56

RESUMO: O presente artigo discute a palavra da criança vitima do abuso sexual. A prática que consiste em todo ato sexual produzido pelo adulto contra uma criança. Tratou-se de uma pesquisa descritiva e exploratória com buscas nos buscadores “Google Acadêmico” e “Academia.Edu” com a definição da pergunta: Qual é a credibilidade do testemunho da criança vitima do abuso sexual? O critério de seleção foram artigos com temáticas semelhantes. Nesse sentido, o objetivo geral da pesquisa foi definido como analisar a credibilidade da palavra da criança vitima do abuso sexual. Os objetivos específicos foram identificar e descrever a credibilidade da palavra da criança vitima do abuso sexual. Desse modo, constata-se ser necessário um avanço maior da capacitação e preparo de profissionais para a problemática, bem como o Poder Judiciário atender as previsões legais da Lei 13.413/2017.

Palavras-chave: Abuso sexual infantil; palavra da vitima; credibilidade.

Introdução

O abuso sexual infantil é uma realidade presente na sociedade. Embora existam muitos avanços na legislação brasileira. A prática de atos sexuais contra a criança com a finalidade de satisfação da lascívia é frequente. Assim, a medicina legal define o abuso sexual infantil como“ toda e qualquer exploração do menor pelo adulto que tenha a finalidade direta ou indireta a obtenção do prazer lascivo”.4

É primordial apontar, que nos crimes contra a dignidade sexual são de difíceis comprovações. Isso ocorre, em razão da prática em muitas situações acontecerem de forma mais isoladas. Sem a presença de testemunhas ou sem deixar marcas de vestígios. Diante de tal situação, o Poder Estatal enfrenta um impasse para estabelecer uma linha investigativa, chegando na autoria ou em resultados desejados.

Frisa-se aqui ainda, que a palavra da vitima tem força probante nos crimes dessa natureza. Conforme o entendimento do TJDFT5 “Nos crimes sexuais, geralmente cometidos às ocultas e sem a presença de testemunhas, são de real valor probatório as declarações da vítima, máxime se coerentes com as demais provas’’. Desse modo, sendo uma retratação coesa, sem a presença de possíveis questionamentos é suficiente para a condenação.

Tratar acerca do abuso sexual infantil é um assunto fundamental na sociedade. Em questão, são seres humanos em desenvolvimento intelectual e físico, que por sua vez, pouco compreende a gravidade da pratica abusiva que estão sendo vitima no momento.. Não raro sequer “possuem a compreensão adequada da anormalidade da situação vivenciada” 6

Dessa maneira, a presente pesquisa discorre sobre as temáticas da relação do abuso sexual infantil, a palavra da vitima, a alienação parental, bem como as possíveis falsas memorias que o infante poderá ter, tornando presente assim também uma visão da previsão na legislação a respeito de fatores analisados na pesquisa.

A relação do abuso sexual infantil e a alienação parental

Inicialmente, é preciso discorrer que para a Organização Mundial da Saúde ( OMS) tratar de abuso sexual infantil, consiste em “(...) qualquer atividade sexual (incluindo intercurso vaginal / anal, contato gênito-oral, contato gênito-genital, carícias em partes íntimas, masturbação, exposição a pornografias ou a adultos mantendo relações sexuais) envolvendo uma criança incapaz de dar seu consentimento.7

Diante de tal problemática, torna-se possível uma relação com a alienação parental. Embora seja comum de fato a ocorrência dos atos dessa natureza contra o menor no âmbito familiar. Em muitas situações praticado pelo pai, mãe ou entidade presente no cotidiano da vitima. Conforme define Maria Regina Azambuja ‘’Aquela praticada por agressor que faz parte do grupo familiar da vítima, considerando-se não apenas a família consanguínea, como também as famílias adotivas e sócioafetivas, onde se incluem os companheiros da mãe e do pai, ou, ainda, pessoas da confiança da criança.’’ 8

Na presente discussão, também por ser analisado a alienação parental, sendo um dos fatores que prejudicam a credibilidade do testemunho da criança nessa situação. Segundo a lei n° 12.318/10, em seu art.2° “Considera-se ato da alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenha a criança ou o adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este’’.

Diante disso, vale exemplificar situações em que a os pais rompem o vínculo afetivo e separam-se. Nesse fato, pode ser percebido o fenômeno de usarem os filhos contra o parceiro, imputando o ato sexual sem aquele ter praticado. Outrora, podendo possivelmente ser consumado por outrem. Segundo Maria Berenice Dias “Separações produzem efeitos traumáticos vem acompanhados dos sentimentos de abandono, rejeição e traição. Quando não há uma elaboração adequada do luto conjugal, tem início um processo de desnutrição, de desmoralização, de descrédito, do ex-cônjuge. Os filhos são levados a rejeitar o genitor, a odiá-lo. Tornam-se instrumentos de agressividade direcionada ao parceiro. A forma encontrada para compensar o abandono, a perda do sonho do amor eterno, acaba recaindo sobre os filhos, impedindo que os pais com eles convivam’’.9

É imperioso apontar, um exemplo que a criança nessa situação é induzida para testemunhar uma falsa denúncia contra o pai. Isso ocorre, pela facilidade que uma criança apresenta para ser manipulada por um ente familiar, isto é, um indivíduo ainda em formação intelectual sem um discernimento da gravidade ou que age sem a má-fé na falta do entendimento de tal impasse.

Compreende-se, o exemplo acima como uma das formas de impedir um resultado coeso na análise da palavra da vitima infante, contribuindo assim para a ocorrência de uma falsa denúncia ou para que seja impedido de chegar no autor real do crime. Sendo diante disso, preciso uma cautelar maior do Poder Judiciário. “Existem alguns parâmetros que auxiliam o Poder Judiciário na percepção da acusação de abuso sexual ser um fato verídico ou ser apenas um caso de Alienação, Parental com base em falsas denúncias de abuso’’. 10

A síndrome de alienação parental é representada por um conjunto de ações e comportamento encontrados por Richard Gardner na década de 1980, a qual detecta como características de genitores ou parentes enciumados que tem total interesse de afastar severamente um dos genitores ou progenitores do convívio com o filho. A alienação parental, quando precisamente examinada é desfavorável para um bom crescimento mental, psicológico e moral da criança, causando inquietação acompanhada de repercussões dificilmente superadas quando atingir a vida adulta. Longe de ser uma fantasia, trata-se do triste efeito causado pelo rompimento da vida conjugal, que tem sua manifestação intenção, gerando gravíssimas sequelas para o crescimento total de crianças e adolescentes.

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O fenômeno das falsas memorias:

Um dos conceitos de memória é a inteligência de reprimir informações e os conhecimentos adquiridos no dia a dia. Segundo Iván Izquierdo “memória significa aquisição, formação, conservação e evocação de informações”11. O que é relativo a memória que é por sua vez confuso e complexo está dividido em três momentos: aquisição, retenção e recordação. A aquisição relata o aprendizado, aquilo que se capta por meio de buscas e das análises diretas com o conhecimento. A evocação está ligada à memoria, à lembrança, à recuperação de informações. A lembrança diz respeito a ciência armazenadas na memória e que de uma certa forma ficam apreendidas. Loftus ensina que a nossa memória não é apenas a soma de todas as nossas ações, mais também é a soma de nossos pensamentos e tudo que falamos e acreditamos, nossas memorias são o que nos constitui.12

No entanto as nossas memorias são refez de tudo aquilo que somos e tudo que consideramos validos a acreditar. No processo de armazenamento das informações na memória, 13Izquierdo faz ressalva que temos inclinação a descartar o corriqueiro e, esporádico, absorver episódios falsos que classificamos como não serem de tamanha importância. E conclui pontuando que a nossa memória sequer lembra dos detalhes que ocorreram no final do dia antecedente, aliás vamos incorporando ao andar dos anos mentiras e alterações que normalmente agregam a memória.

As primeiras definições das falsas memorias aparecem no final do Século XIX quando pesquisadores europeus qualificaram o episódio de falsas lembranças - termo originário utilizado em 1881.O primeiro pesquisador a tratar do tema foi Alfred Binet que fundou a ideia de memórias autos sugeridas e memórias deliberadamente sugeridas, sendo as primeiras advindas do processo interno do indivíduo e as últimas provenientes do meio externo.Com esse intuito, analisou as respostas de crianças acerca de seis objetos apresentados com a duração de dez segundos, procedendo perguntas que exigiam de suas lembranças sem interferência e recordações sugestivas que foram intencionalmente pensados para o induzimento de falsas percepções. O resultado indicou que as recordações livres obtinham o maior número de acertos, por outro lado as sugestivas obtiveram o maior número de erros.14

A mesma pesquisa foi realizada em adultos para constatar a eficácia de modo amplo. No seu histórico e notório experimento, Bartlett (1932) trouxe a um grupo de universitários ingleses uma lenda dos índios norte-americanos (‘A Guerra dos Fantasmas’, do inglês The War of the Ghosts), trazendo fatos não cotidianos à cultura inglesa. Os alunos foram colocados para fazer a leitura do material por duas vezes. Em um teste quinze minutos após a leitura da lenda ou em testes posteriores que tinham variações de algumas horas e dias até anos, os integrantes do grupo foram solicitados a redigir a lenda que haviam lido no momento anterior. Bartlett chegou a conclusão que os alunos retrataram a história com base em expectativas e suposições, relacionadas as experiências de vida, trazendo para à história original fatos que não existiam, mas que tinham relação à sua própria cultura, ao contrário de relatar de forma original o que havia sido apresentada. Por exemplo, mesmo que na lenda original relatasse que “dois jovens tinham ido caçar focas’, no exame de memória muitos alunos lembravam ter lido que ‘dois jovens tinham ido pescar”.15

As falsas memorias foram divididas em falsas memórias autos sugeridas e falsas memórias deliberada mente sugeridas e, mesmo nos estudos desenvolvidos e avançados, as definições originais continuaram genuínas. No entanto, houve de forma exclusiva uma renovação nesta nomenclatura, de forma que as primeiras passaram a ser chamadas de falsas memórias espontâneas, por outro lado as últimas passaram a ser classificadas simplesmente de falsas memórias sugeridas.

São várias as teorias criadas para aclarar as ferramentas responsáveis pelo acontecimento deste fenômeno. Sejam elas: Teoria Construtivista, Teoria dos Esquemas, Teoria do Monitoramento da Fonte e Teoria do Traço Difuso. É necessário frisar que as falsas memórias não podem sob hipótese alguma serem aferidas com mentira ou devaneios. A mentira é um fato falso conhecido e declarado por alguém de forma premeditada. Irigonhê diz que entre a verdade fidedigna e a mentira proposital nasce o tema das falsas memórias, tornando um fator determinante principalmente na produção da prova testemunhal e consequentemente de toda a atividade probatória que dela advém.16 Exemplo disso, o reconhecimento de pessoas. Falsas recordações podem acarretar momentos determinantes na vida dos indivíduos. Em casos que exista a recuperação de lembranças acerca de abuso infantil, por exemplo, existem episódios onde uma pessoa é acusada, vai a julgamento é condenado por um crime que não cometeu, e só depois surgem fatos que indicam que as acusações tinham como base as falsas memórias.17

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A mesma memória responsável pela qualidade de vida dos seres humanos, pode apresentar distorções, que podem causar alterações ao curso das ações e reações dos mesmos, se tornando possível que suas causas resvalam a implicações a terceiros, trazendo ainda sérios efeitos ao processo penal.18

As falsas lembranças são comparado às memórias verdadeiras, o seu diferencial é que as primeiras são agrupadas no geral ou em parte informações ou fatos fictício.19. Aury Lopes Jr. acrescenta que nas falsas memórias o indivíduo acredita honestamente nos seus relatos, pois a opção é externa ou se for interna, mas é de forma inconsciente, conquanto a mentira é um conduta consciente, em que a pessoa tem total dimensão do seu espaço de criação e manipulação.20

Falsas Memórias infantil e seus depoimentos no devido processo legal

A prova penal e as falsas memórias está de forma direta ligada à prova oral, que é de grande importância para o processo penal, considerando que, diariamente, as recordações dos indivíduos são primordiais para se obter provas acerca de determinado delito.21 O estado de inquirição de uma testemunha ou vítima pode ser considerado como um teste de memória em relação àquele evento, por isso, é necessário adotar técnicas adequadas para colher essas lembranças, garantindo então a qualidade do depoimento.22 Se faz necessário a existência de tal cautela na coleta de depoimentos para evitar o surgimento das falsas memórias, tendo em vista que o problema acontece tanto na produção da prova testemunhal, quanto antes da mesma. Em uma boa parte dos casos a busca pela elucidação do processo penal direciona a um interrogatório sem qualquer cautela, o que pode acarretar vícios à veracidade do testemunho.23

Cristina di Gesu ainda afirma em sua obra que: de acordo com o sistema acusatório, toda a atividade processual gira em torno da persuasão, onde se busca o convencimento do julgador. Parte a importância de fazer a ponte entre o estudo da prova penal com os temas referentes à memória e às falsas memórias.24No que diz respeito as falsas memórias dentro processo penal, há uma grupo de pessoas que são altamente sugestionáveis, as crianças. Essa classe tem a tendência a responder o que for questionado pelo entrevistador de maneira a agradar as expectativas do mesmo.25

Para que não ocorra o induzimento nos testemunhos de crianças, quando questionadas acerca de um fato o qual foram vítimas ou testemunharam, é de tamanha importância que o entrevistador deixe a criança falar sem interferência de forma livre, apenas questionando-a quando se fazer necessário, com poucas perguntas.26No ano de 1994 em São Paulo, na Escola Base aconteceu um dos casos mais notórios de falsas memorias relacionado a crime sexual praticado contra crianças. Por mais que não tenha existido um processo, apenas uma investigação, os relatos provenientes das falsas memórias das crianças envolvidas trouxeram prejuízos sem medida a vida dos acusados. É muito claro a influência das falsas memórias no processo penal, bem como o que isto pode causar.27

Compareceram à 6ª Delegacia de Polícia, do 6º Distrito Policial da capital de São Paulo no dia 27 de março de 1994 as mães de dois alunos da Escola Infantil de Base, informando aos policiais que seus filhos tinha sido vítimas de abuso sexual por parte dos donos da Escola, juntamente com um terceiro casal, que era pai de um aluno que frequentava a mesma instituição. Na declaração foi falado que as crianças eram levadas para o apartamento do casal, e lá eram obrigadas a assistir filmes de cunho sexual(pornográfico), presenciar relações sexuais praticadas pelos adultos supostamente envolvidos, bem como praticar, com eles, atos libidinosos enquanto eram fotografados.28

A percepção dos acontecimentos se deu quando a mãe de um dos meninos, que época tinha 04 anos, surpreendida com gestos feitos pelo filho, começou a fazer indagações para o mesmo. A criança, buscando suprir as expectativas da mãe, fantasiou a história de que tinha sofrido abuso por membros da escolinha que frequentava. Sem ter o intuito, a mãe causou o surgimento de falsas memórias em seu filho, considerando que crianças estão mais sujeitas criarem falsas lembranças a partir de sugestões.29Depois da iniciação a investigação, o caso tomou uma proporção sem medida, pois a mídia passou a ter influência sobre a história, modificando os fatos, dificultando a elucidação do caso. A investigação foi baseada apenas nos relatos das vítimas, no que as mães tinham como verdades, e em um laudo provisório dado pelo Instituto Médico Legal (IML), após exame feito nos menores. Mais tarde, médicos garantiram que as lesões anais que apresentaram no laudo do IML eram comuns em crianças, que poderiam ser ocasionadas por fezes endurecidas ou verminoses, afastando a ideia de ato libidinoso.

Cristina di Gesu30 aponta que: mesmo sem a existência de indícios suficientes que justificassem a propositura da ação penal, pois a investigação inicial foi baseada em frágeis indicativos, as vidas de pessoas comprovadamente inocentes foram devastadas. A inocência dos suspeitos veio a justificar o pedido de arquivamento do inquérito policial. Se faz necessário dar ênfase, inclusive, na conclusão de que as vítimas foram induzidas, culminando com uma falsa lembrança de um fato que nunca existiu.

Em análise com base nos estudos sobre falsas memórias, é possível ver claramente as implicações que estas podem trazer ao processo penal. Bem como é de tamanha importante a identificação das mesmas, para que não ocorram vícios processuais e à vida dos envolvidos. Um dos métodos mais habituais de obtenção da prova é através da oitiva de vítimas e testemunhas, a que é titulada como prova testemunhal. Sua qualidade é fundamental para que o juiz possa proferir uma sentença justa ao fato.

O Estupro de Vulnerável no Código Penal e os efeitos de uma condenação injusta.

O Código Penal brasileiro reconhece em seu Art. 217-A, o Estupro de Vulnerável, sendo como o de praticar conjunção carnal ou outro ato libidinoso com menor de 14(catorze) anos.31 Partindo de tais pressupostos que caracterizam formas de abusos sexuais infantis. Soma-se a discussão, a definição de criança segundo o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), no artigo 2°, trás que será considerada aquela pessoa até 12 (doze) anos incompletos. Diante disso, é perceptível danos prejudiciais que marcam o desenvolvimento infantil. Assim, Rogério Greco dissertando sobre o conceito entende que: “O estupro de vulnerável, atingindo a liberdade sexual, agride, simultaneamente, a dignidade do ser humano, presumivelmente incapaz de consentir para o ato, como também seu desenvolvimento sexual’’. 32

A classificação doutrinária de tal crime define que o sujeito ativo poderá ser qualquer pessoa. Sendo o sujeito passivo o menor de 14 (catorze). A tutela jurídica está em proteger a dignidade sexual do menor de 14 (quatorze) anos, bem como o direito a um desenvolvimento sexual condizente com a sua idade. Ocorre a consumação da conjunção carnal referente à primeira parte do caput do Art. 217-A, mesmo não sendo necessário a penetração total ou parcial, sem ainda a necessidade de ejaculação para a caracterização da consumação. Na segunda parte do caput do Art. 217-A, consumará no momento que o agente praticar qualquer ato libidinoso com a vítima.

Em outros aspectos, faz-se preciso no contexto apontar índices dos riscos de uma condenação baseada em falsas denuncias de abuso sexual infantil. Leva-se assim, pessoas inocentes a terem suas vidas dilaceradas por condutas não praticadas. Isso acontece, devido a palavra da vitima ser considerada uma prova substancial ao está diante de um crime de difícil comprovação e havendo possibilidades da ocorrência de erros judiciários. Entretanto, não retira a credibilidade que a palavra da vitima criança precisa ter. Existe a necessidade de cautela para verificar o contexto vivenciado pela menor, se ocorre possibilidade de induzimentos a mentir por ente familiar.

Portanto, é comum o condenado por estupro, seja de adulto ou do retratado em questão ter a sua imagem destruída na sociedade. Frisa-se aqui, em casos de pessoas inocentes passarem pelas mesmas situações por atos não cometidos e não merecendo também sofrimentos dentro de prisões. Isto é, nas situações envolvendo uma criança a mentir para acusar de tal crime um pai, por exemplo, pouco tem o discernimento dessas consequências que acarretarão. São de fáceis manipulações por adultos.” A criança estará envolvida em uma situação traumática, pois ficará privada do convívio com o genitor que, eventualmente, não lhe causou nenhum mal e com quem mantém excelente convívio.’’33

Diante do exposto, é notável uma necessidade maior de qualificação de profissionais para verificar eventuais inconsistências no testemunho da criança, com o objetivo de impedir a chegada em resultados indesejáveis pelo Poder Judiciário. Fatores que prejudicam uma análise na veracidade das palavras infantis.

A escuta especializada e o depoimento especial na lei 13.413/2017

O surgimento da lei 13.413/2017 trouxe avanços nos mecanismos que concerne à colheita da palavra das crianças vitimas de abusos. Isso ocorrerá, com procedimentos de escutas especializadas e de depoimento especial, com o objetivo de proteção e cuidado com a vítima infante. Formado por profissionais qualificados, sejam da saúde, educação, conselhos tutelares, serviços de assistência social.

A escuta especializada consiste em uma entrevista com proteção e cuidado realizada por instituições da rede de promoção e proteção das crianças e adolescentes. Somando a isso, o depoimento especial é uma oitiva com caráter investigativo sendo de responsabilidade da polícia e justiça. Conforme retrata Advogada Jussara Barros “ Considerando a extrema relevância do depoimento da vítima, somente em 2017, com a Lei nº 13.431 foram estabelecidos a Escuta especializada e o depoimento especial. Este último, refere-se à oitiva do menor, pela autoridade policial ou judiciária, e assim como o primeiro, deve ocorrer em local apropriado e acolhedor, com infraestrutura e espaço físico que garantam a privacidade da criança ou do adolescente”.34

Na prática, verifica-se que em muitos casos de abuso sexual infantil os procedimentos previstos na lei discutida em questão não são realizados. Tal situação, corrobora para um cenário prejudicial na fidedignidade da palavra infantil, seja na entrevista ou investigação quando está envolvida. A respeito disso, Jussara Barros expressa “Ocorre que, apesar do texto legal, muitas sedes do Judiciário ainda não têm realizado o depoimento especial, o que prejudica a persecução da verdade dos fatos, pois a vítima não tem condições de relatar o que realmente ocorreu se é colocada ‘cara a cara’ com seu algoz. Uma verdadeira afronta não só à justiça processual, mas principalmente à dignidade da criança e do adolescente”.  35

Conclusão

Ao longo desse artigo, torna-se possível verificar fatores diversos que prejudicam uma análise melhor da palavra da criança vitima do abuso sexual. Constata-se, que no próprio contexto familiar a vítima pode ter seus relatos alterados por influência de entes familiares. Observa-se, ainda uma necessidade de visão crítica a respeito da problemática, no intuito de evitar um prejuízo na fidedignidade da palavra infantil, causado por terceiros e por circunstâncias diversas a sua vontade. Desse modo, para a situação retratada uma previsão legal tipificada mais severa para tais condutas poderia evitar a exteriorização dessa problemática.

Compreende-se que as denuncias falsas também podem ocorrer. Diante desse cenário, é preciso cautela para evitar condenações injustas, pois o impacto dos erros estatais dilaceram vidas de pessoas inocentes. Nessa situação, percebe-se que pode acontecer sem a má-fé da criança. Tal situação não pode tirar da criança a credibilidade, bem como atender os procedimentos necessários.

Deste modo, no que concerne a atuação do Poder Judiciário, verifica-se que deve em todas as situações atender os procedimentos legislativos regularizados pela a lei 13.413/2017, objetivando proporcionar as crianças vitimas um ambiente adequado para expor suas memórias da melhor forma, de modo a estarem confortável no momento. Soma-se a isso, uma necessidade de preparo de mais profissionais para se qualificarem no atendimento diante dos casos expostos. Feito isso, proporcionará um cuidado melhor e um avanço na segurança que a palavra infantil fornece.

Referências

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Sobre os autores
Jairo de Sousa Lima

Advogado. Professor da FAESF-PI. Mestre em Direito pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). Bacharel em Direito pela Faculdade de Ensino Superior de Floriano. Pós-graduado em Direito Penal e Processual Penal, pela Uninovafapi. Advogado da ABECS-PI (Associação beneficente de cabos e soldados e bombeiros militares). Membro da ANACRIM. Presidente da Subcomissão de Relacionamento com o Poder Judiciário da OAB/PI. Palestrante. Autor de dois livros e mais de 70 artigos jurídicos publicados no Canal Ciências Criminais e outros portais e revistas. WhatsApp (89) 9 9474 4848

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Ábia de Sousa Sá Martins

Graduando o curso Direito, pela Faculdade de Ensino Superior de Floriano-Faesf.

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Pedro Soares da Silva Filho

Graduando o curso Direito, pela Faculdade de Ensino Superior de Floriano-Faesf.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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