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Noções históricas do Direito Processual Civil

Lucia Cristina Florentino Pereira da Silva
Evelyn Priscila Santinon Sola
Agenda 23/03/2023 às 16:53

Resumo

O presente artigo traz, de forma resumida, uma descrição genérica das fases históricas do Direito Processual Civil, discorrendo sua origem primitica em 753 A.C., até o atual Código de Processo Civil (CPC), de 2015.

Evolução histórica do Direito Processual Civil

O início das normas jurídicas processuais advém com a necessidade de regulamentação da administração da Justiça percebida pela necessidade de resolução dos conflitos sociais por uma autoridade pública.

Assim, o direito processual sempre teve uma estreita ligação com o direito material. Havia uma dificuldade na distinção entre o direito material lesado e os procedimentos para sua reparação.   Atualmente, é reconhecida a autonomia do direito processual em relação ao direito material, caracterizado por princípios e elementos próprios, porém para chegar ao conhecimento científico atual, fundamentou suas bases no direito Romano-Germânico (Dutra, 2008).

O direito processual romano ocorreu, basicamente, em três fases, conforme abaixo descrito.

Na primeira fase, trata-se do período primitivo ou arcaico, abrangendo os anos mais remotos, de 753 A.C. até 149 A.C.. Nessa ocasião, as bases do direito estavam sedimentadas, exclusivamente, nas ações previstas e tipificadas na lei (nomeadamente, na Lei das XII Tábuas, legis actiones). O desenvolvimento do procedimento era oral, solene e ritualístico, sem contar com advogados, já que as partes postulavam em causa própria. O esquecimento de uma palavra ou substituição da mesma indevidamente poderia anular o processo como um todo. Era dividido em duas fases: in iure e in iudicio.

A primeira delas, in iure, desenrolava-se perante o magistrado, que concedia ou não a ação e fixava o objeto do litígio. A segunda fase, in iudicio, contava com a presença de um magistrado ou cidadãos indicados como árbitros, sendo estes os responsáveis pela coleta das provas e pela sentença proferida.

Na segunda fase, trata-se do período formulário, onde seu vocábulo remonta ao procedimento oral, mas ter a exceção da fórmula que passa a ser escrita. As provas aceitas para persuasão do magistrado são as testemunhas, os documentos, a confissão e o juramento, sendo de responsabilidade da parte que alega as provas dos fatos. Apesar dos árbitros privados estarem presentes, a sentença era imposta pelo Estado às partes. A sentença advinha da convenção entre autor e réu quando da aceitação da fórmula, quando ambas as partes acordavam o cumprimento do que viesse a ser estabelecido pelo árbitro. Nessa ocasião, as partes podiam contar com o auxílio dos cognitores ou procuratores, atuais advogados de hoje.

E a terceira fase é o período da “cognitio extraordinária”, entre 200 D.C. e 565 D.C., que teve como diferencial o desaparecimento dos árbitros privados, com ascensão da função jurisdicional exclusiva por funcionários do Estado. O procedimento passa a ser escrito, composto pelo pedido do autor, defesa do réu, instrução, sentença e execução, com viabilidade de recurso.

Entre os séculos XI e XVI, devido a junção do direito germânico, direito canônico e direito romano, espalhou-se por toda a Europa o então denominado direito comum, trazendo consigo o processo comum, caracterizado por sua forma escrita, pela complexidade e por sua lentidão. Pode-se considerar essa fase um retrocesso na evolução do direito romano em virtude dos costumes e do direito rudimentar, apesar da manutenção da igreja católica pelas premissas do direito romano (Franco, 2005).

Nessa ocasião, o ônus da prova era responsabilidade do acusado, que tinha por função a prova de inocência. Os conflitos passaram a ser resolvidos a partir de intervenções divinas, permeados por jogos de azar e bruxarias, não mais voltados ao convencimento específico do magistrado perante as provas apresentadas.

A prova e a sentença tinham a sua inspiração no direito romano, o direito canônico trazia em seu bojo o processo sumário, isentando algumas formalidades que foram preservadas, incluindo torturas para obtenção da verdade no processo, validadas na Europa até o século XIX.

Alguns desses métodos foram aperfeiçoados e serviram como berço para o processo moderno, com a chegada da fase científica. Mas o modelo atual só vai iniciar sua formação com a chegada da sociedade capitalista, tanto é que em alguns países do mundo, está concepção ainda não é possível.

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Na época do descobrimento do Brasil, aplicavam-se as ordenações manuelinas, fruto de uma mistura do adâmico direito germânico, talhado pelo direito romano clássico, porém o Brasil não tinha uma organização política relevante.

Importante foram as ordenações Filipinas, que foram vigentes no Brasil por mais de três séculos e guardava muita semelhança com as ordenações anteriores. Porém, com a independência do Brasil, o Código de Processo Criminal, promulgado em 1832 passou a dispor provisoriamente sobre a administração da Justiça Civil.

Explica Silva e Gomes (1997):

diploma legislativo de inspiração liberal, na busca de uma justiça mais efetiva e simples, ensaia uma tentativa de despir o velho procedimento de atos e formalidades consideradas inúteis, introduzindo o direito brasileiro idéias modernas, ainda hoje aceitas e defendidas pela doutrina contemporânea.

É interessante também lembrar dos efeitos trazidos pela Revolução Francesa no mundo, como dito por Gomes (2009)

...quando a Revolução Francesa consolidou um novo e extraordinário modelo de direito, fundado na lei, bastava ler e entender as leis e os códigos (napoleônicos). No tempo do legalismo (todo direito estava fundado na lei) era mais tranquilo aprender o direito e aplicar o direito. Em 1945, nos julgamentos de Nuremberg, diante do argumento dos nazistas de que mataram com base na lei, decidiu-se que o direito nem sempre se confunde com a lei. Lei injusta não faz parte do direito (Radbruch). A partir daí, para se conhecer o direito, necessitava-se saber a lei (e os códigos), a constituição e a jurisprudência.

Agora, com o advento do internacionalismo (a terceira onda do direito que foi consolidada no Brasil em 3/12/08, com a famosa decisão do STF – RE 466.343/SP), não sabe (mais) o direito quem não domina a lei (e os códigos), a constituição, a jurisprudência interna, os tratados internacionais e a jurisprudência internacional.

No século XXI, como se vê, o direito ficou mais complicado porque ele é construído (diariamente) pelos legisladores e pelos juízes. O direito vai do constituinte ao juiz (Villey). Todos os dias o direito muda (ou por obra dos juízes nacionais ou internacionais ou por obra do legislador). O que ele ostenta de permanente, portanto, é a contínua mudança

Seguiu-se então, uma profusão de decretos, a Constituição de 1891, que tratava de da legislação federal do Processo, bem como Códigos Estaduais, como por exemplo o de São Paulo e o da Bahia.

Ao ser instituída a Constituição Federal de 1934, a União retoma a competência para legislar, sendo necessário um Código de Processo Civil (CPC) - adequado.

Então, nasce o texto do Decreto Lei número 1608, de 18 de setembro de 1839. Narra-se em suas exposições a ideia do acesso à justiça, com a efetividade do processo e dos poderes concedidos aos Magistrados, na época aludindo comparação aos juízes ingleses e americanos.

O Código de Processo Civil – CPC de 1939 tinha a seguinte a divisão em XX (dez) livros, onde o primeiro versava sobre disposições gerais, que tratavam institutos do processo ordinário e especiais, como atos e termos judiciais, prazos, valor da causa, despesas, das partes e dos procuradores, do juiz e da competência; o segundo tratava do processo em geral, como um procedimento único que continha fases e atos processuais, como petição inicial, audiência, atos citatórios, comunicações, defesas, sentenças. No terceiro livro em diante tratavam-se do processo ordinário, dos processos especiais da época, dos processos acessórios, dos processos de competência originária dos tribunais, dos recursos, da execução, do juízo arbitral e das disposições finais e transitórias.

O Código seguinte, conhecido como Código Buzaid (CPC/1973) revelou um grau científico já alcançado indistintamente em vários países europeus e estava calçado na eliminação das ambiguidades do Código de 1939, o qual era tido como “sem ordem, sem unidade e sem sistemática” (ARAGÃO, 2002).

Apresentado em 1972, datado de 1973, mas efetivamente vigente desde 1974, divide a sistemática em processo de conhecimento, internamente dividido em rito comum e sumário, processo de execução e processo cautelar. Resumidamente, o antigo CPC/1973, recebeu duras críticas pela manutenção de alguns dos pressupostos tão criticados no CPC de 1939, adotando uma sistemática e uma técnica que não trazia a efetividade para seus atos.

Por isso, o CPC/1973 foi alvo de inúmeras reformas, em especial às trazidas quando da promulgação da CF/88, como o mandato de injunção, a questão da tutela coletiva, a ação civil pública, entre outros.

Outro documento importante em sua reformulação foi a chegada do Código de Defesa do Consumidor (CDC), constituído conforme a Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, além de outros instrumentos que reformularam e costuraram o antigo código, que já não conseguia atender aos anseios da nova ordem brasileira.

Conclusão

O CPC/2015 foi criado frente à uma ordem reformista, baseada no princípio da efetividade, buscando a desburocratização na prestação jurisdicional, por meio das tutelas coletivas, o respeito aos juizados especiais, novas modalidades processuais e mais acesso à Justiça.

Mas ao mesmo tempo, procurou resguardar alguns valores cingidos pelo antigo Código, tendo sido largamente discutido com a sociedade em geral, portanto, entende-se ser passível de funcionar de maneira eficaz no campo concreto de sua aplicação, cumprindo sua proposta de subsidiar princípios e normas jurídicas que direcionam os processos civís, a solução de conflitos de interesses e o uso da jurisdição do Estado, fazendo com que as leis sejam cumpridas de forma definitiva e coativa.

BIBLIOGRAFIA

AASP. Código de Processo Civil. Anotado. OAB/Paraná. Atualizado em 21/03/2016. ISBN 978-85-86893-00-1.

ARAGÃO, E. D. Moniz de. Reforma processual: 10 anos in Revista Forense n° 362 (2002):15/23.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 4. ed.

BRASIL LEI Nº 8.078, DE 11 DE SETEMBRO DE 1990. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm#:~:text=Disp%C3%B5e%20sobre%20a%20prote%C3%A7%C3%A3o%20do%20consumidor%20e%20d%C3%A1%20outras%20provid%C3%AAncias.&text=Art.,48%20de%20suas%20Disposi%C3%A7%C3%B5es%20Transit%C3%B3rias. Acessado em: 23 mar 2023

BRASIL. LEI Nº 9.307, DE 23 DE SETEMBRO DE 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9307.htm. Acesso em: 13 mar 2023

DUTRA, Nancy. História da formação da Ciência do Direito Processual Civil no mundo e no Brasil. Jus Navigandi. Ago 2008 Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11192/historia-da-formacao-da-ciencia-do-direito-processual-civil-no-mundo-e-no-brasil. Acesso em: 07 mar 2023.

FRANCO, LOREN DUTRA. Processo Civil - Origem e Evolução Histórica. Abr 2005. Disponível em: http://intranet.viannajr.edu.br/revista/dir/doc/art_20002.pdf. Acesso em: 07 jun 2017.

GOMES, Luiz Flávio. Mudanças Contínuas: A única coisa permanente no Direito. Disponível em http://www.lfg.com.br - 20 agosto de 2009.

Sobre as autoras
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Lucia Cristina Florentino Pereira da Silva

Docente da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo- USP. Mestrado e Doutorado pela Universidade de São Paulo.

Evelyn Priscila Santinon Sola

Advogada. Doutora em Ciências pela Universidade de São Paulo USP. Mestre em Direito pela UNISANTOS MBA em Comércio Internacional pela Universidade de São Paulo USP. Máster Management Stratégigue et Génie des Organisations - CAEE Internacional Manager pela Universidade em Grenoble França. Pós-graduada em Educação a Distância: Planejamento Implantação e Gestão. Docente de Direito da Universidade Anhanguera – Sorocaba/SP.

Informações sobre o texto

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